Baixar PDF

Propaganda
Revista da SBEnBio - Número 9 - 2016
VI Enebio e VIII Erebio Regional 3
O USO DE COLEÇÕES ENTOMOLÓGICAS COMO FERRAMENTA DE ENSINO
NA EDUCAÇÃO BÁSICA NO BRASIL
Adriana Couto Pereira (Campus Palmas - IFPR)
"Professor não é o que ensina,
mas o que desperta no aluno a vontade de aprender"
(Jean Piaget)
Resumo
Aulas práticas são essenciais na aprendizagem de Ciências, pois a boa formação dos
estudantes passa por experiências que transcendem o campo teórico e despertam nos alunos a
curiosidade e o interesse de investigação dos componentes da natureza. Para que a abordagem
prática tenha sucesso é necessário construir uma interação didática em sintonia com os
conceitos e modelos científicos, de modo que a ciência seja percebida em um contexto social
e cultural. Este trabalho aborda a construção e o uso de coleções entomológicas como recurso
didático na Educação Básica, discutindo os principais trabalhos publicados a respeito nos
últimos anos. Conclui-se que é necessária a capacitação dos docentes interessados em
trabalhar com essa ferramenta, tanto para a coleta quanto para a divulgação dos resultados
obtidos, e aponta-se a possibilidade da aproximação entre a Academia e a Escola Básica para
que tal capacitação possa ser realizada a contento.
Palavras-chave: Biodiversidade, Educação, Ensino de Ciências, Entomologia, Insetos,
Material Didático.
1. Introdução
Insetos são o grupo dominante de organismos na Terra, tanto em termos de diversidade
taxonômica (mais de 50% de todas as espécies descritas) quanto de função ecológica
(WILSON 1992). Essa enorme diversidade representa uma variedade equivalente de
adaptações a diversas condições ambientais.
A utilização de aulas práticas é constantemente mencionada como alternativa para superar a
tradição livresca na qual está pautado o ensino de Ciências Naturais no Brasil (SILVA e
PEIXOTO 2003), tendo em vista que, com esse recurso, o aluno entra em contato com o
objeto de estudo e pode se tornar sujeito ativo no processo de aprendizagem (KRASILCHICK
2008). Aulas práticas são essenciais na aprendizagem de Ciências, uma vez que a boa
formação dos estudantes passa por experiências que transcendem o campo teórico e
despertam nos alunos a curiosidade e o interesse de investigação dos diferentes componentes
4437
SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia
Revista da SBEnBio - Número 9 - 2016
VI Enebio e VIII Erebio Regional 3
da natureza (FRIEDRICHSEN et al. 2003). Entretanto, para que a abordagem prática no
ensino tenha sucesso é necessário construir uma interação didática em sintonia com os
conceitos e modelos científicos, de modo que a ciência seja percebida em um contexto social
e cultural (ABD-EL-KHALICK e LEDERMAN 2000).
O estudo dos insetos permeia o conteúdo abordado em diversas disciplinas presentes na
matriz curricular da Educação Básica (BRASIL 1998). Diversas aulas práticas propostas em
livros didáticos utilizam insetos como recurso didático. O uso de coleções entomológicas no
ensino de Biologia na escola de Ensino Médio, além de se configurar em material de baixo
custo, tem a potencialidade de tornar as aulas mais atraentes e motivadoras, especialmente
considerando a escassez de material biológico para a realização de aulas práticas na maioria
dos estabelecimentos de ensino do Brasil (MATOS et al. 2009). Este estudo pretende analisar
a utilização de coleções entomológicas por escolas de Educação Básica no Brasil. Para tanto,
foram utilizados trabalhos publicados em revistas científicas e/ou Anais de eventos, durante
os últimos seis anos, buscando-se a maior variedade possível em abrangência geográfica do
território nacional.
2. O estudo da biodiversidade na Educação Básica
De acordo com RICKLEFS (1996), a biodiversidade reflete um amplo conjunto de processos
locais, regionais e históricos, e eventos que operam em uma hierarquia de escalas espaciais e
temporais. Deste modo, a compreensão dos padrões de diversidade das espécies requer a
consideração da história da região e a interação, principalmente, com estudos ecológicos, de
sistemática, bionomia, evolução e biogeografia.
Muitos livros abordam a forma como os insetos afetam outras espécies (inclusive humanos) e
parâmetros ecológicos de diversas maneiras. A capacidade de responder rapidamente às
mudanças ambientais faz dos insetos úteis bioindicadores e potenciais reguladores das
condições do ecossistema. Além disso, frequentemente competem com humanos pelos
recursos presentes no ambiente ou atuam como vetores para doença (SCHOWALTER 2006).
Em função dessas importâncias e proximidade dos insetos com o homem, é necessário
conhecer e despertar o interesse dos alunos de Biologia por esses animais.
BUZZI (2010) divide os insetos em três categorias, em sua relação com o homem: úteis (dos
quais se extraem algum produto, como cera, seda ou mel; de interesse médico; polinizadores;
de interesse alimentício; de interesse agronômico; de valor estético e de valor científico),
nocivos (de interesse agronômico; de interesse médico; prejudiciais a produtos armazenados;
venenosos e parasitos) e nulos, que embora não causem benefício ou malefício ao homem, são
4438
SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia
Revista da SBEnBio - Número 9 - 2016
VI Enebio e VIII Erebio Regional 3
de extrema importância nas cadeias alimentares de diversos outros animais. Insetos servem
também como modelo em áreas da evolução, ecologia, comportamento, anatomia, fisiologia,
bioquímica e genética (GULLAN e CRANSTON 2012).
Contudo, o estudo dos insetos deve se justificar por si só, uma vez que são animais
extremamente bem sucedidos, encontrados em todos os tipos de ecossistemas naturais e
modificados, e a mera curiosidade a respeito de sua identidade e modo de vida já justificaria o
estudo (GULLAN e CRANSTON 2012). JOLIVET e VERMA (2005) também ressaltam o
aspecto fascinante do grupo, principalmente por sua enorme diversidade, incríveis adaptações
a diferentes habitat e diversos padrões de vida, apontando que mesmo em turmas avançadas
de Entomologia e em livros textos, tais aspectos permanecem relativamente ignorados.
O estudo da biodiversidade é orientado pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), que
menciona como o conhecimento da estrutura molecular da vida, dos mecanismos de
perpetuação, diferenciação das espécies e diversificação intraespecífica, da importância da
biodiversidade para a vida no planeta são alguns dos elementos essenciais para um
posicionamento criterioso relativo ao conjunto das construções e intervenções humanas no
mundo contemporâneo (Brasil, 1999). Ainda segundo os PCNs, as observações diretas nas
aulas de zoologia na sala de aula ou aulas de campo, bem como os trabalhos práticos,
constituem atividades básicas para uma resposta eficiente no aprendizado de ciências.
No Paraná, as Diretrizes Curriculares para a Educação (DCEs) do Estado indicam que, ao
utilizar a experimentação durante o processo pedagógico, é necessário considerar seus
aspectos éticos e possíveis danos causados à biodiversidade (Paraná 2008). As DCEs
lembram, ainda, que a experimentação deve estar sempre amparada pelos dispositivos legais
em vigência, apontando a Lei Estadual 14037/03 (Código Estadual de Proteção aos Animais),
a Lei de Biossegurança, a Política Nacional da Biodiversidade e as Resoluções do Conselho
Nacional de Meio Ambiente (CONAMA). Contudo, o documento paranaense não discorre a
respeito do conteúdo de tais dispositivos.
3. Coleções entomológicas
Coleções são valiosas tanto no aspecto prático quanto auxiliando avanços teóricos no
conhecimento científico (DANKS 1991). As coleções biológicas, entre elas a entomológica,
se mantidas de maneira adequada, podem durar por centenas de anos, perpetuando a história
da biodiversidade. Podem ser utilizadas como fonte de informações para diversos campos da
ciência que retornarão em benefícios à sociedade a curto, médio e longo prazo, como
biogeografia, biologia pesqueira, conservação e manejo de recursos naturais, bioquímica,
4439
SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia
Revista da SBEnBio - Número 9 - 2016
VI Enebio e VIII Erebio Regional 3
biotecnologia, ecologia, evolução, genética, medicina, toxicologia, mudanças climáticas
globais, legislação, entre outras (BUZZI 2010).
Dentre os benefícios da coleção entomológica, citam-se: reconhecimento de espécies e
elaboração de chaves para identificá-las; melhor documentação sobre extinção e alterações de
distribuição de espécies; análise e monitoramento a longo prazo de mudanças ambientais;
descoberta de novos recursos biológicos, direcionando melhor a pesquisa por genes, agentes
biocontroladores e espécies potencialmente úteis para a humanidade; subsídio a políticos,
legisladores, técnicos e tomadores de decisão no estabelecimento de prioridades em políticas
conservacionistas e de manejo de recursos naturais sustentáveis; possibilidade de acesso
imediato ao conhecimento sistemático para a resolução de problemas; fornecem subsídios
científicos para o entendimento dos processos de especiação, extinção e adaptação que
produziram a atual diversidade da vida, entre outros (DANKS 1991). As coleções são ainda
testemunhos da fauna de áreas protegidas, de áreas impactadas ou mesmo em via de
desaparecimento e, portanto, são a base para pesquisas em biodiversidade, sistemática e
evolução (PAPAVERO 1994).
Coleções entomológicas podem ser organizadas segundo duas abordagens diferentes, de
acordo com sua finalidade:
Coleção científica é aquela voltada para fins de pesquisa. Conservam material da forma mais
permanente possível, apresentando eventualmente espécimes coletados há mais de um século.
Tais coleções são consideradas patrimônio nacional e internacional (PAPAVERO 1994), e
constituem ferramenta imprescindível para a pesquisa em diversos níveis e assuntos (ecologia,
taxonomia, sistemática, agronomia, entre outros). Por seu caráter científico, as coleções
entomológicas trazem em seu âmago um valor inestimável, estando sujeitas internacionalmente à
ética científica de preservação o que obriga seus responsáveis à procura e à proposição de
soluções que tornem viável seu acesso às comunidades científicas e leigas. Particularmente,
coleções regionais provêm informações básicas a respeito das comunidades bióticas locais
(DANKS 1983).
Coleção didática é aquela que encerra material destinado ao uso no ensino, em demonstrações
para discentes e treinamentos para técnicos e pessoas que atuarão no manuseio de insetos e
montagem de coleções científicas. É o tipo de coleção presente em instituições vinculadas ao
ensino, pois despertam o interesse dos estudantes no material de estudo. Coleções didáticas
são objeto de renovação permanente, pois graças ao manuseio constante de seus exemplares, é
alto o índice de destruição e o material deve ser reposto sempre que possível. Esse tipo de
4440
SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia
Revista da SBEnBio - Número 9 - 2016
VI Enebio e VIII Erebio Regional 3
coleção, ao contrário da científica, pode conter material montado de forma imperfeita, com
dados incompletos de procedência ou até parcialmente danificado (PAPAVERO 1994).
Como material didático para a escola de Educação Básica, coleções entomológicas se
configuram em material de baixo custo, com a potencialidade de tornar as aulas mais atraentes e
motivadoras, além de contribuir para diminuir as características repulsivas associadas
comumente aos insetos (SANTOS e SOUTO 2011), que frequentemente são lembrados apenas
como seres causadores de doenças e outros prejuízos (COSTA NETO e PACHECO 2004).
Para uma coleção cumprir fielmente com sua proposta, é muito importante que sejam observados
os procedimentos adequados para a montagem e a conservação dos insetos. Se partes estiverem
danificadas ou difíceis de serem visualizadas, raramente será possível uma identificação mais
precisa do espécime coletado (ALMEIDA et al 2003). Praticamente todos os livros que tratam
do estudo da entomologia trazem uma unidade ou um capítulo sobre coleta e conservação de
insetos (GALLO 2002; GULLAN e CRANSTON 2008; BUZZI 2010; TRIPLEHORN e
JOHNSON 2011; RAFAEL 2012). Além desse aporte teórico, existem também diversas obras
com enfoque específico no assunto (PAPAVERO 1994; ALMEIDA 2003; AZEVEDO FILHO
e PRATES JÚNIOR 2005).
4. Estratégias e estudos de caso
A aula experimental é um espaço de organização, discussão e reflexão a partir de modelos que
reproduzem o real. Uma vez que reproduz os mecanismos sociais, por mais simples que seja a
experiência, ela se torna rica ao revelar as contradições entre o pensamento do aluno, o limite de
validade das hipóteses levantadas e o conhecimento científico (PARANÁ 2008).
Tratando dos processos biológicos, a experimentação pode contribuir para o estudo da
biodiversidade a partir de um conceito mais amplo. Neste caso, a Biologia abrange um universo
conceitual que se fundamenta na concepção evolutiva e entende os seres vivos além do contexto
da classificação e do funcionamento de suas estruturas orgânicas. Estes conhecimentos
biológicos envolvem as relações ecológicas, as transformações evolutivas e a variabilidade
genética, e podem ser estudados a partir de modelos que procuram interpretar o real, nas aulas
experimentais (PARANÁ 2008).
Diversos artigos a respeito do uso de coleções entomológicas para o estudo da biodiversidade
em escolas de Ensino Básico têm sido publicados nos últimos anos. Grande parte desses
artigos, contudo, seguem a metodologia de Estudo de Caso, descrevendo coletas realizadas
em determinada instituição ou comparando o aprendizado de alunos de determinada
turma/escola antes e depois da prática.
4441
SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia
Revista da SBEnBio - Número 9 - 2016
VI Enebio e VIII Erebio Regional 3
DIAS et al (2012) descrevem sua prática em um artigo pobremente escrito, apontando o
auxílio de um entomólogo funcionário do INPA na orientação e prática dos procedimentos de
coleta. O trabalho relata a coleta de insetos de oito ordens diferentes para a construção de um
"insetário" (sic), concluindo com a percepção dos fundamentos científicos e tecnológicos dos
processos produtivos e a ampliação dos conhecimentos a respeito do tema.
LOURINDO et al. (2012) conduziram um projeto no município de Parintins (AM) visando a
capacitação de discentes do curso técnico em Agropecuária, pois "para a implantação de uma
coleção entomológica torna-se imprescindível mão de obra qualificada para manipular os
espécimes, além de garantir o bom gerenciamento do acervo" recém-criado do campus do
Instituto Federal da Amazônia (IFAM) no município. O trabalho aponta a coleta de 368
exemplares, pertencentes a 12 ordens e 59 famílias de insetos, com o uso de diversas
estratégias de coleta, e conclui indicando o sucesso na capacitação dos discentes envolvidos
bem como no aprimoramento da qualidade da coleção didática do Instituto, a ser utilizada
como recurso pedagógico nas turmas futuras do curso.
Ainda em 2012, BORTOLINI et al. propõem uma análise quantitativa em uma abordagem expost-facto. As autoras realizaram um projeto relacionado ao assunto no município de Palmas,
Paraná. Em seu trabalho, foram analisadas as concepções prévias dos estudantes acerca dos
insetos por meio de um questionário (pré-teste). Em um segundo momento, os alunos
envolvidos assistiram a três aulas de 50 minutos sobre insetos, e foram levados a campo para
a realização de coletas com o uso de diversos tipos de armadilhas e rede entomológica. Ao
final da etapa de coleta, foi aplicado um novo questionário (pós-teste) para comparação entre
o conhecimento prévio (senso comum) e o construído durante o projeto. O trabalho analisa as
diversas respostas e conclui indicando a coleção como um recurso eficiente para o ensino de
entomologia no ensino médio, onde 75% dos alunos participantes manifestaram avanço
cognitivo após sua utilização. Também indica que a coleção, uma vez construída, torna-se
recurso didático facilmente adaptável para utilização em outros conteúdos no ensino de
Ciências.
Um projeto similar foi conduzido por SANTOS e SOUTO (2011), com alunos de ensino
fundamental. A análise ex-post-facto também indicou um avanço cognitivo em 75% dos
alunos participantes. Em sua metodologia, os autores propõem uma aula teórica e duas aulas
práticas, e indicam que a montagem da caixa entomológica permitiu a vivência da
manipulação de insetos de verdade, aumentando a percepção de detalhes e melhorando a
capacidade de reconhecimento de um inseto, quando comparado a outros animais. O trabalho
indica ainda a carência dos livros didáticos na abordagem da relação entre a posição
4442
SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia
Revista da SBEnBio - Número 9 - 2016
VI Enebio e VIII Erebio Regional 3
específica das estruturas corporais e suas funções nos organismos, pois a relação entre
estrutura e morfologia não foi compreendida intuitivamente entre os estudantes, aspecto este
aprimorado após a prática.
LEAL et al (2011) desenvolveram seu projeto em Mandaguari, com alunos de 6ª série (7º
ano) de diversas escolas do município. O trabalho apresenta erros fundamentais de execução
(afirmando, por exemplo, que insetos possuem sangue) que demonstram o despreparo da
equipe executora. Em sua metodologia, propõe uma análise prévia do conhecimento sobre o
assunto e a posterior coleta e montagem da coleção. Por fim, o trabalho conclui indicando
pontos positivos em seu desenvolvimento, incluindo os novos conhecimentos obtidos pelos
alunos na área da entomologia e a interação entre a turma, a direção da escola, os docentes e
os estagiários participantes do projeto.
Em 2011, no município de Ivinhema (MS), foi desenvolvido um trabalho com coleções
entomológicas com alunos de 8º ano (MORI 2012). Os insetos foram coletados com
armadilhas de bandeja colorida, armadilhas de cheiro e rede entomológica, mas o artigo indica
o insucesso da coleta com armadilhas, uma vez que o material resultante se encontrava
danificado, apresentando ausência de pernas, asas e antenas. O material coletado com rede
entomológica foi descrito como estando em melhores condições. Esse material foi organizado
em caixas de camisa e triado em nível de ordem e família. O resultado final mostrou-se
positivo, tendo o projeto cumprido os objetivos de iniciar a coleção da escola e de fomentar
nos alunos o interesse pelo estudo dos insetos.
BORGES et al. (2010) apresentam um levantamento do material disponível no Colégio
Gonzaga, em Pelotas (RS). O trabalho indica a existência, no estabelecimento, de uma
coleção composta por 308 exemplares de diversas ordens. Em sua discussão, os autores
indicam a grande quantidade de Lepidoptera coletada, superando o número do grupo mais
esperado, Coleoptera. Essa discrepância tenta ser explicada pelas condições climáticas do
entorno, que supostamente indicariam maior facilidade de adaptação do grupo mais coletado
em detrimento do outro. Outra hipótese seria a estação do ano em que as coletas aconteceram,
sendo que o artigo aponta que "quando chega o inverno estes animais [Lepidoptera] estão na
fase de ovo ou larva, chamando menos atenção". Não existe referência para apoiar tal
raciocínio, o que é compreensível, pois tal hipótese é um enorme equívoco. O estudo aponta
ainda a grande atratividade que o grupo Lepidoptera exerce sobre os alunos, chamando a
atenção com suas asas tipicamente grandes e coloridas; tal hipótese parece muito mais
plausível e deveria estar como primeira explicação.
4443
SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia
Revista da SBEnBio - Número 9 - 2016
VI Enebio e VIII Erebio Regional 3
No que se refere à estrutura do laboratório de Ciências/Biologia, ORVATTI e BUENO (2012)
ressaltam a necessidade de um espaço adequado para o desenvolvimento de atividades
práticas pelos alunos, e comentam que a atenção dedicada a esse local pela direção e pelo
corpo docente indicam a importância dada às Ciências Naturais dentro do currículo escolar,
bem como a abordagem didática que lhe é atribuída. A proposta desse trabalho consistiu em
organizar e recuperar o material didático disponível, inclusive a coleção entomológica. A
coleta foi realizada inicialmente por alunos do período noturno, que não se empenharam
muito e acabaram trazendo um número insuficiente de exemplares. As autoras então
coletaram mais e montaram o "insetário" (sic) sem a ajuda dos demais discentes. O trabalho
discorre sobre a falta de um profissional treinado para o cuidado e manutenção do material
disponível. Sobre a coleção, a atividade foi citada como exemplo de material prático que pode
ser obtido sem muitos recursos, devendo ser elaborado cuidadosamente para garantir a
qualidade dos exemplares expostos.
TAFFAREL (2012) desenvolve a proposta de criação de museus escolares utilizando animais
taxidermizados, além de insetos. Em seu trabalho, o autor aponta a preferência (observada
empiricamente) dos alunos sobre os animais montados a seco, ao invés daqueles conservados
em meio líquido, que em geral despertam sensações de asco e nojo. O autor aponta, ainda, as
vantagens e desvantagens de ambas as técnicas de conservação. Também é indicada, no
mesmo trabalho, a importância da exposição de exemplares em diversas fases de vida, bem
como da ambientação dos exemplares, apresentando inclusive pupas, ovos, ninhos, etc.
Além da proposta da construção e apresentação de coleções, alguns trabalhos também têm
orientado novas metodologias no ensino da Entomologia. MATOS et al. (2009) descrevem o
desenvolvimento e a utilização de modelos didáticos entomológicos, criados por
universitários, alunos da disciplina Entomologia Geral da UFRPE, com o uso de diversos
materiais (massa epoxi, biscuit, arame, alfinetes, etc). O trabalho aponta a massa epóxi e o
biscuit como os materiais mais adequados para a elaboração desse tipo de modelo, e indica
que o material criado pode ser utilizado em diversos tipos de atividades no Ensino Básico,
difundindo o conhecimento e desenvolvendo a criatividade dos alunos.
Mais recentemente, LIRA JÚNIOR (2013) propõe a construção de um material pedagógico
com enfoque piagetiano, buscando eliminar a zona de conforto e provocar a problematização
e a reflexão do aluno. Sua proposta inclui um cladograma simplificado dos invertebrados
(adequado para o nível médio, porém a figura contém quadros explicativos em inglês), uma
chave para identificação das principais ordens de insetos adultos, adaptada de ZUCCHI
(2005) e um embasamento teórico simples para fomentar a discussão. Não há abordagem
4444
SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia
Revista da SBEnBio - Número 9 - 2016
VI Enebio e VIII Erebio Regional 3
aprofundada sobre a morfologia interna ou fisiologia dos insetos. O material, sempre
direcionado ao professor, é interessante e abrangente, embora um pouco superficial, e traz
diversas referências de livros e sites para o aprofundamento do docente interessado em
aprimorar sua prática.
5. Apontamentos finais
Conforme o exposto acima, diversos docentes têm manifestado interesse na Entomologia
como atividade didática e de introdução à pesquisa para seus alunos de ensino fundamental e
médio. Uma característica significativa a ser observada após o exposto é que, apesar da
heterogeneidade (especialmente no que se refere à qualidade) dos trabalhos analisados, todos
apresentam em suas conclusões elementos indicativos do retorno positivo ao se trabalhar o
conteúdo de Entomologia com o uso de coleções entomológicas na Educação Básica. Os
artigos são simples e muitas vezes publicados apenas em eventos locais, pois há poucas
publicações qualificadas interessadas em estudos de caso não muito abrangentes, mas pode-se
apontar também a pouca fluência de seus autores na escrita de artigos científicos. Os
procedimentos parecem ser mal explicados, com embasamento apenas em livros-texto e
eventualmente nota-se o emprego de termos inadequados, como "insetário", ao invés do
correto "coleção entomológica" ou ainda "coleção de insetos".
Os artigos analisados indicam, em suas introduções, que a justificativa em se debruçar sobre o
estudo dos insetos se dá em nível antropocêntrico, quase exclusivamente por sua importância
econômica/médica para o ser humano. Conforme exposto acima, uma abordagem mais
ecológica, situando os insetos como parte integrante do todo, demonstrando seus aspectos
mais incríveis e maravilhosos, tais como sua organização social, a ampla variedade de habitat
por eles ocupados e sua variabilidade que permite a ocupação desses habitat, entre diversos
outros aspectos que poderiam ser citados, estaria muito mais de acordo com a própria
proposta de estudo da biodiversidade indicada nos PCNs.
Os trabalhos não são unânimes ao apontar a forma de desenvolver o conteúdo "Insetos" com
os alunos. Alguns propõem metodologias alternativas, incentivando o docente a ir além do
livro didático, o que é uma postura geralmente saudável. Contudo, seria interessante saber
quais metodologias didáticas são efetivamente desenvolvidas ao longo das atividades. Muitos
estudos aqui analisados não deixam claro como acontecem as aulas em que se utilizam as
coleções entomológicas, se há o auxílio teórico do livro didático, ou de alguma outra
metodologia de apoio para o professor.
4445
SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia
Revista da SBEnBio - Número 9 - 2016
VI Enebio e VIII Erebio Regional 3
Além disso, pode-se observar que não é indicado o destino final das coleções preparadas ao
longo dos trabalhos de nível fundamental e médio. DANKS (1991) aponta que coleções sem a
manutenção adequada se deterioram; coleções consideradas "órfãs" ou abandonadas, seja por
motivo de mudanças nas políticas da instituição de ensino ou pela aposentadoria ou morte da
pessoa responsável por elas, podem ser resgatadas por outras instituições. Para que tal
procedimento aconteça, é necessário que as coleções apresentem um nível de qualidade
técnica capaz de assegurar a validade do material, uma vez que a instituição recebedora pode
não apresentar interesse em espécimes danificados ou preservados de maneira inadequada.
Assim, conclui-se apontando a necessidade da capacitação continuada de docentes da
Educação Básica interessados em trabalhar com coleções entomológicas. Deve haver uma
aproximação da Academia (uma vez que as coleções entomológicas mais representativas
costumam localizar-se em Instituições de Ensino Superior) e a Educação Básica, que pode ser
benéfica a ambas as partes. Sugere-se que essa aproximação possa acontecer através de
intervenções diretas, como cursos de capacitação, seminários, encontros, ou indireta, sob a
forma de publicações de artigos de divulgação científica, criação de aplicativos, cursos em
educação à distância ou outras mídias de leitura interessante e acessível aos docentes de
ensino fundamental e médio.
Referências
ABD-EL-KHALICK, F. e LEDERMAN, N. 2000. "Improving science teachers’ conceptions
of nature of science: A critical review of the literature." International Journal of Science
Education, 22(7), 665-701.
ALMEIDA, L. M. et al. 2003. Manual de coleta, conservação, montagem e identificação de
insetos. Ribeirão Preto: Holos.
AZEVEDO FILHO, W. S. e PRATES JÚNIOR, P. H. S. 2005. Técnicas de coleta e
identificação de insetos. 2.ed. Porto Alegre: EDIPUCRS.
BORGES, N. A. et al. 2010. "Levantamento do acervo entomológico do laboratório de
biologia do Colégio Gonzaga." XIX Congresso de Iniciação Científica da UFPEL,
Pelotas. Disponível em: <http://www.ufpel.edu.br/cic/2010/cd/pdf/CB/CB_01377.pdf>
Acesso em 13 jun. 2013.
BORROR, D. J. e DELONG, D. M. 1988. Introdução ao Estudo dos Insetos. São Paulo:
Edgard Blücher.
4446
SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia
Revista da SBEnBio - Número 9 - 2016
VI Enebio e VIII Erebio Regional 3
BORTOLINI, P. C. et al. 2012. "Construção de coleção entomológica como instrumento
didático-científico de biologia para o ensino médio do município de Palmas, PR." II
Contextos e Conceitos - Mostra de Produção Científica e Extensão. IFPR, Palmas, PR.
BRASIL. 1998. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais:
Ciências Naturais. MEC/SEF, Brasília.
_________ 1999. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica.
Parâmetros curriculares nacionais: ensino médio. Brasília: MEC/SEMTEC, Brasília.
BUZZI, Z. J. 2010. Entomologia didática. 5.ed. Curitiba:Editora UFPR.
COSTA-NETO, E. M.; PACHECO, J. M. 2004. "A construção do domínio etnozoológico
“inseto” pelos moradores do povoado de Pedra Branca, Santa Terezinha, Estado da
Bahia." Acta Scientiarum. Biological Sciences, 26(1):81-90.
DANKS, H. V. "Regional Collections and the concept of regional centres." In: Faber, D. J.
Proceedings of 1981 workshop on care and maintenance of natural history collections.
Syllogeus 44, 196 pp. 1983.
________ 1991. "Museum collections: fundamental values and modern problems." Collection
forum. Pittsburgh: Society for the Preservation of Natural History Collections, p.p. 95111.
FRIEDRICHSEN, P., MUNFORD, D. e ZEMBAL-SAUL, C. 2003. "Using inquiry
empowering technologies to support prospective teachers scientific inquiry and science
learning." Contemporary Issues in Technology and Teacher Education, 3(2):223-239.
GALLO, D. et al. 2002. Entomologia agrícola. Piracicaba:FEALQ.
GILLOT, C. 2005. Entomologia. 3. ed. Netherlands: Springer.
GULLAN, P. J.; CRANSTON, P. S. 2012. Os insetos: um resumo de entomologia. 4. ed. São
Paulo: Rocca.
JOLIVET, P e VERMA, K. K. 2005. Fascinating insects: some aspects of insect life.
Moscou: Pensoft.
KRASILCHIK, M. 2008. Prática de Ensino de Biologia. 4. ed. São Paulo: Edusp.
LEAL, D. et al. 2011. "Produção e divulgação de material didático-pedagógico sobre os
insetos no ensino fundamental." Diálogos & Saberes 7(1):99-107. Mandaguari.
LIRA JÚNIOR, L. A. 2013. O estudo da entomologia para o desenvolvimento do raciocínio
científico - uma proposta de material pedagógico. Brasília, 28 p. Trabalho de conclusão
de curso (Licenciatura em Ciências Naturais) - Faculdade UnB Planaltina, Universidade
de Brasília, Brasília.
4447
SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia
Revista da SBEnBio - Número 9 - 2016
VI Enebio e VIII Erebio Regional 3
LOURIDO, G. M. et al. 2012. "Coleção didática de insetos como ferramenta de ensino e
pesquisa no IFAM - campus Parintins." VII Congresso Norte-Nordeste de Pesquisa e
Inovação. Palmas, TO.
MATOS, C. H. C. et al. 2009. Utilização de Modelos Didáticos no Ensino de Entomologia.
Revista de Biologia e Ciências da Terra, v. 9, n. 1.
MORI, M. e DUTRA, J. C. S. 2012. Montagem de coleção entomológica como recurso
didático para alunos do ensino fundamental da Escola Municipal Rural Benedita
Figueiró de Oliveira. Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS).
Disponível em: < http://periodicos.uems.br/novo/index.php/semex/article/view/617>
Acesso em 20 jun. 2013.
ORVATTI, L. e BUENO, L. R. 2012. "Investigações da realidade de um laboratório de
ciências em uma escola da rede estadual de ensino no município de Maringá - PR."
Cesumar 17(2):477-491.
PAPAVERO, N. 1994. Fundamentos práticos de taxonomia zoológica.São Paulo: Fundação
Editora da UNESP.
PARANÁ. 2008. Secretaria de Estado da Educação. Diretrizes Curriculares da Educação:
Biologia. Curitiba.
RAFAEL, J. A. et al. 2012. Insetos do Brasil: diversidade e taxonomia. Ribeirão Preto:
Holos.
RICKLEFS, R. E. 1996. A economia da natureza. 3.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan.
SCHOWALTER, T. D. 2006. Insect ecology: An Ecosystem Approach 2. ed. Elsevier,
London.
SANTOS, D. C. e SOUTO, L. S. 2011. "Coleção entomológica como ferramenta facilitadora
para a aprendizagem de ciências no ensino fundamental." Scientia Plena 7(5):1-8.
SILVA, F. W. O. e PEIXOTO, M. A. N. 2003. "Os laboratórios de ciências nas escolas
estaduais de nível médio de Belo Horizonte." Educação & Tecnologia 8(1):27-33.
TAFFAREL, C. D. 2012. "Museus escolares: a utilização de técnicas de taxidermia como
auxílio no ensino da educação ambiental." Monografias ambientais, 10(10):2128-2133.
TRIPLEHORN, C. A. e Johnson, N F. 2011. Estudo dos Insetos. São Paulo: Cengage
Learning.
WILSON, E. O. The Diversity of Life. 1992. Cambridge, MA: Harvard University Press.
ZUCCHI, R. A. 1995. Chave de classificação das principais famílias de insetos.
Piracicaba, ESALQ/ USP. Apud Lira Júnior, 2013.
4448
SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia
Download