Cícero Pro Archia Poeta - paulo

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TÍTULO
Cícero Pro Archia Poeta - Em Defesa do Poeta Árquias
Magna Charta do Humanismo
ou a
AUTOR Paulo Pinto DATA Novembro de 2008
#culturaclassica #cicero #arquias
Cícero
PRO ARCHIA POETA – EM DEFESA DO POETA ÁRQUIAS
OU A MAGNA CHARTA DO HUMANISMO
INTRODUÇÃO
Aulo Licinio Archia (Árquias), o poeta de origem grega que se estabelece em Roma,
é acusado por um tal Grátio de ter falseado o seu direito de cidadania romana, direito esse
que lhe era facultado pela Lex Plautia Papiria. Grátio, sustentando-se no facto de um
incêndio, durante a Guerra Itálica, ter destruído toda a documentação, baseia-se noutra lei, a
Lex Papia, e leva o poeta grego a julgamento.
Cícero, advogado, político, estadista e escritor romano do séc. I a.C., era considerado
um orador de excepção e um defensor das letras. Nos primeiros passos da sua formação
como advogado, Árquias foi o seu mestre. Por esse motivo, o poeta pede a Cícero que o
defenda em tribunal. As grandes qualidades de orador de Cícero podem ser comprovadas na
brilhante argumentação utilizada na defesa do poeta heracliense.
OS ARGUMENTOS
A forma como Cícero começa o seu discurso em tribunal é paradigmática dos seus
grandes dotes de oratória. Todo o seu saber, o seu talento e conhecimento adquirido ao longo
do tempo, através de estudos sistemáticos, é devido ao poeta Árquias. «Na verdade, até onde
a minha memória pode perscrutar o passado e recordar a mais antiga época da minha
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infância, relembrando tudo desde então, vejo que foi este meu constituinte quem
principalmente contribui para eu empreender e continuar este género de estudos». Cícero
atribui à sua habilidade e saber a grande influência de Árquias na sua vida, condição que faz
com que a sua educação e mestria se reflictam nos seus ditos. É uma astúcia inteligente,
estando Cícero consciente de seus méritos. O afastamento das práticas judiciais correntes,
patente no seu discurso, atribui um valor inusitado às letras enquanto ferramenta de
argumentação técnica, perante aqueles que ele considera «juízes tão rigorosos». A evocação
que faz com que a causa passe de um «tribunal forense» para um «tribunal humanístico e
literário» surge ao abrigo do enaltecimento da cultura dos presentes, quando diz:
«...consentirdes que, ao falar em defesa de um excelso poeta e homem de larga erudição
nesta assembleia de homens tão ilustrados, perante a vossa cultura, enfim, com tal pretor a
presidir ao julgamento, eu discorra um pouco mais livremente sobre os estudos humanísticos
e literários; e consentirdes que, a favor de uma personalidade que por seus ócios literários
jamais se viu arrastada para penosos julgamentos, eu utilize um estilo oratório quase novo e
inusitado.».
A partir daqui, Cícero começa a enaltecer as virtudes do poeta, referindo todo o seu
percurso como cidadão culto e letrado, desde os primeiros estudos, em Antioquia, sua cidade
natal, passando pela Ásia e Grécia, e até à chegada a Roma. Nesse tempo, em Itália,
fervilhava a cultura e a erudição gregas, facto que possibilita o grande acolhimento que lhe é
concedido por Tarentinos, Locrenses, Reginos e Napolitanos. Árquias acompanha Lúcio
Luculo à Sicília e quando regressa vai para Heracleia, cidade aliada de Roma desde o séc. III
a.C. Este último facto sustenta a validade do pedido de cidadania que lhe é concedido pela
lei e que entrega ao pretor Quinto Metelo.
Cícero não se baseou apenas nas leis para provar a validade da cidadania do seu
constituinte. Ele pretendeu reafirmar a validade do mérito de Árquias, lembrando o seu
inestimável contributo para a formação dos cidadãos, bem como para a imortalização dos
feitos romanos através da sua poesia. Para o primeiro dos argumentos, o da cidadania do
poeta, Cícero dispunha do testemunho de Marco Luculo, irmão de Lúcio, e de mais uma
embaixada de ilustres individualidades daquela cidade. A reputação e a honorabilidade de
Marco Luculo eram suficientes para garantir a veracidade e credibilidade das suas palavras.
Diz Cícero: «É ridículo nada dizer sobre o que possuímos e procurar o que não podemos ter;
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fazer silêncio quanto a testemunhos pessoais e pedir com insistência provas documentais: e,
tendo-se a palavra de um homem tão distinto e a garantia sob juramento de um município
integérrimo, repudiar aquilo que de modo algum pode ser corrompido e exigir registos que
tu próprio dizes costumarem ser viciados». Desta forma, Cícero utiliza um argumento que
não só é credível, como escapa à própria afirmação de Grátio sobre a não rara falsidade dos
registos escritos. O facto de Árquias ter apresentado a sua pretensão ao pretor Quinto
Metelo, podia ser validado por tão ilustres testemunhos. A concessão da cidadania a outros
que, segundo Cícero, não estão à altura da grandeza de Árquias, serve o propósito de
valorização do seu processo enquanto merecedor por excelência.
Para o segundo dos argumentos, o advogado sensibiliza o tribunal para o facto do
poeta Árquias ser um exemplo a seguir por todos os cidadãos, usando astutamente, e mais
uma vez, as comparações. Enaltece o cultivo do espírito, o cultivo dos estudos literários,
como forma de combater altercações impostas por tensões no seio da sociedade. Vai mais
longe, ao reafirmar a importância das letras na preservação e transmissão dos feitos
valorosos de outrora, dizendo: «mas todos os livros estão plenos de obras assinaláveis,
plenas estão as lições dos sábios, plena a Antiguidade de exemplos: todos ficariam na
sombra, se lhes não valesse a luz das letras. Quantas figuras de homens valorosos nos
deixaram gravadas os escritores gregos e latinos, não para as contemplarmos, mas para as
imitarmos!». Esta função transmissora de importância suprema, Cícero pretende ligar
definitivamente ao papel das letras, numa posição assumidamente apoiante da poesia épica,
numa abordagem seguramente neoplatónica, e que se coaduna com o espírito heróico dos
generais romanos e as suas tropas. Cícero descreve então todas as guerras contadas por
Árquias, como são exemplo as Guerras Címbricas e a Guerra Mitridática. Cícero continua a
enaltecer o grande contributo das letras para o enaltecimento das virtudes dos homens, dos
seus feitos heróicos, e para o papel que poetas da Antiguidade desempenharam nesta grande
virtude. Ao referir-se a Homero e à Ilíada, ele compara Árquias ao grande poeta grego,
concluindo, inevitavelmente, que qualquer general romano lhe concederia a cidadania. Num
discurso onde estão patentes, além da sua própria retórica, alguns elementos da retórica de
Aristóteles, Cícero utiliza todos estes argumentos extra causam como credenciais mais do
que suficientes para que a Árquias lhe fosse concedida a cidadania romana. Mais do que por
uma questão de leis, por uma questão de justiça, apoiada na cláusula aequitas, um dos
garantes em que assentava o ius romanum para atenuar a dura lex, sed lex. A rigidez das leis
seria corrigida, sempre que o seu cumprimento originasse um caso de injustiça. Desta forma
a justiça está na verdade, e esta supera a própria lei.
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CONCLUSÃO
Aparte a importância do contexto em que se insere, seguramente, é o discurso de
Cícero um hino às letras, uma dignificação da cultura literária e humanística como base
fundamental para a educação dos cidadãos. Uma Paideia que subtrai a desvalorização da
poesia como terceiro grau de conhecimento e a coloca num plano de magna afirmação. O
cultivo da sabedoria como uma condição para o conhecimento e a ética. As letras vistas
como a conservação e transmissão de muitos acontecimentos que contribuem para a
formação moral dos cidadãos, constituindo-se numa função educadora transversal a toda a
humanidade.
É, indiscutivelmente, um texto apologético da literatura e da poesia,
enaltecendo a superioridade da cultura grega na figura do poeta Árquias, e que adquire
especial significado no contexto da aceitação da literatura grega no seio dos romanos.
Termino a minha análise com uma citação da Professora Maria Helena da Rocha Pereira,
que é elucidativa da importância da defesa do poeta Árquias para o humanismo e para as
letras.
"Trata-se da defesa de Árquias, essa oração que havia de ser redescoberta no séc. XIV
por Petrarca, e que ficou conhecida como a magna charta do humanismo. É aí que,
principalmente entre os capítulos VI e XI, Cícero exprime desassombradamente o seu
entusiasmo pelas Belas Letras. Elas são deleite e descanso e contribuem para o
aperfeiçoamento espiritual."
Maria Helena da Rocha Pereira, Estudos de História da Cultura Clássica,
II volume, F. Gulbenkian, Lisboa, 1982, pp. 128-9
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NOTAS
[1] Aulo Licinio Archia chegou a Roma em 102 a.C. durante o consulado de Mário e Cátulo. Cf. Cícero,
Em defesa do poeta Árquias. Mem Martins: Editorial Inquérito, 1999, p.5.
[2] A Lex Plautia Paipiria foi uma lei romana, promulgada em 89 a.C. Segundo esta lei, as pessoas
inscritas como cidadãos de cidades federadas, com domicílio em Itália à altura da aprovação da lei, tinham
direito à cidadania romana desde que o comunicassem ao pretor da própria cidade num prazo de setenta
dias. Cf. Cic., Arch. 6.
[3] Cf. Cícero, Em defesa do poeta Árquias. Mem Martins: Editorial Inquérito, 1999, IV.8.
[4] Lei que excluia os cidadãos estrangeiros de Roma, considerada por Cícero uma lei injusta e pouco
humana.
[5] Cf. Cícero, Em defesa do poeta Árquias. Mem Martins: Editorial Inquérito, 1999, I.1.
[6] Cf. Cícero, Em defesa do poeta Árquias. Mem Martins: Editorial Inquérito, 1999, II.3.
[7] Cf. Cícero, Em defesa do poeta Árquias. Mem Martins: Editorial Inquérito, 1999, III.5.
[8] Lúcio Licínio Luculo foi um importante político e general da República Romana.
[9] Cf. Cícero, Em defesa do poeta Árquias. Mem Martins: Editorial Inquérito, 1999, IV.8.
[10] Cf. Cícero, Em defesa do poeta Árquias. Mem Martins: Editorial Inquérito, 1999, VI.14.
[11] Cf. Cícero, Em defesa do poeta Árquias. Mem Martins: Editorial Inquérito, 1999, VII.19.
[12] Direito romano, criado apenas para os cidadãos de Roma.
[13] Do latim dura lex, sed lex, que significa: a lei é dura, mas é lei.
[14] Processo de educação na Grécia Antiga.
[15] Cf. Platão, República, Livro X.
[16] Em Roma são conhecidas as hostilidades para com a cultura grega, principalmente desde a Guerra de
Aníbal.
BIBLIOGRAFIA UTILIZADA
CÍCERO, Em defesa do poeta Árquias. Mem Martins: Editorial Inquérito, 1999.
PEREIRA, Maria Helena da Rocha, Estudos de História da Cultura Clássica, II Volume. Lisboa:
F.Gulbenkian,1992.
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