Jornal “O Público” 02-03-11 Os dilemas do PSD e do PS para as finanças públicas O que diz e o que quer Durão Barroso? Paulo Trigo Pereira* As propostas económicas do dr. Durão Barroso têm mudado ao sabor do vento, mas na mesma direcção — há que reduzir os impostos para aumentar a competitividade da economia. Como essa redução de impostos não é possível sem que diminua ainda mais a despesa pública (o que não é dito), só podemos concluir que o que diz é uma coisa, mas o que quer é outra. Comecemos então pelo que diz, ou melhor, tem dito, em matéria de finanças públicas. Em primeiro lugar, afirma que é necessária uma auditoria às contas públicas e que o défice público está subestimado. Esta afirmação, sendo verdadeira, não diz nada sobre a forma de resolver o problema das finanças públicas, apenas indica que o problema é porventura maior do que se supunha. Mas o que não diz é que não é só o nosso défice público que está subestimado — o da Itália, o da Grécia, o da Espanha e o da Bélgica também estão. Será que queremos ser mais papistas que o Papa? Em segundo lugar, quer resolver os problemas da economia portuguesa através de uma baixa progressiva do escalão mais elevado do IRS e uma baixa da taxa do IRC, medidas que obviamente beneficiam as classes de mais elevado rendimento. Mas como financiar o decréscimo de receitas fiscais? Ou será que não há decréscimo? No curto espaço de mês e meio tivemos já três posições diferentes. Primeiro, afirmou que havia um decréscimo de receitas em IRS e IRC, mas que seria compensado pelo aumento do IVA. O IVA, mesmo com as taxas reduzidas, é um imposto regressivo que incide sobretudo sobre as classes de menores rendimentos. Portugal tem já um peso dos impostos indirectos superior ao peso médio nos países da Comunidade e estes impostos favorecem a ilusão fiscal. Não se sabe se pelo peso numérico da classe dos comerciantes, que seriam negativamente afectados por esta medida, ou por outra razão qualquer, esta proposta foi abandonada. Depois, adoptou uma segunda estratégia para resolver o problema, que foi afirmar que… não havia problema! Aconselhado por algum economista, explicou que baixar as taxas de imposto não significa necessariamente que as receitas fiscais diminuam. Esta ideia, vulgarizada pelo economista Arthur Laffer, é simples e poderá em certas situações especiais ser correcta. Como a receita é o produto de uma taxa por uma base tributável, se a primeira decresce e a segunda aumenta mais do que proporcionalmente, a receita fiscal aumenta. O que não disse nem explicou é que isso só acontece se as taxas forem bastante elevadas e que Ronald Reagan, num país em que os cidadãos são mais cumpridores fiscalmente do que no nosso, tentou este “choque fiscal” mas o que conseguiu foi apenas aumentar o défice público. A última ideia que surgiu ao dr. Barroso foi diminuir os benefícios fiscais que vêm, de forma algo enganosa, designados no Orçamento do Estado como “despesa fiscal”. Se o Estado dá um benefício fiscal a quem utiliza energias renováveis, deixa de ter uma receita fiscal. Mas qual o montante dessa receita perdida? Será igual ao montante do benefício dado pelo Estado? Não! Porque se não houvesse esse benefício, haveria menos pessoas a utilizar energias renováveis. Isto significa que não se pode pensar na eliminação de benefícios fiscais como se o comportamento dos agentes económicos fosse idêntico. Se os benefícios fiscais do “off-shore” da Madeira fossem eliminados, a receita fiscal não aumentaria no montante exacto dos benefícios, pois a sede social das empresas passaria para outros “off-shore”. Com um argumento de Laffer (em sentido contrário), poderia até a receita fiscal diminuir. Se o que diz o dr. Barroso não é credível, embora estando a ser aconselhado por alguns bons economistas, porque razão o diz? Pela simples razão, sobejamente conhecida, de que há quem ganhe eleições anunciando previamente descidas de impostos e aumentos de despesa pública, e depois das eleições faça precisamente o contrário. Mas então qual a agenda escondida do dr. Barroso, que lhe permite reduzir os impostos? Só pode ser uma, a redução da despesa pública. Mas como? É isso que esperamos ouvir do candidato a primeiro-ministro. Não é contudo difícil descortinar qual é essa agenda. Em primeiro lugar, cortar nas políticas sociais, em particular acabar com o rendimento mínimo garantido (RMG). Contudo, o RMG são apenas sessenta milhões de contos e é duvidoso que o possa acabar de um dia para o outro, pelo que na melhor das hipóteses essa medida poderia “render” ao estado vinte milhões de contos num primeiro ano. Cortar nas despesas de capital, como tem sido anunciado, por exemplo em relação ao Aeroporto da Ota, é, do ponto de vista económico, uma péssima opção, pois esses investimentos são fortemente financiados pelos fundos comunitários, fundos esses que serão substancialmente reduzidos a partir de 1997. O que significa que só resta uma opção: controle salarial na função pública, despedimentos, ou não-readmissões. Claro que estas são medidas impopulares e não convém falar delas. Pelo menos neste momento.