Revista Eletrônica Novo Enfoque, ano 2014, v. 18, n. 18, p. 74 – 86 LEVANTAMENTO DAS ESPÉCIES DE BEGONIACEAE OCORRENTES NA PRAIA GRANDE - ILHA DE ITACURUÇÁ – RIO DE JANEIRO - RJ PANTOJA, S. C.S.1,3 ZANONI, R.G.2,3 Resumo O presente relatório refere-se ao projeto “Flora do Campus Avançado da Universidade Castelo Branco, na Ilha de Itacuruçá, Rio de Janeiro – Begoniaceae”, que foi desenvolvido no laboratório do Centro de Estudos de Biologia, na Universidade Castelo Branco. A área estudada localiza-se na Praia Grande, Ilha de Itacuruçá, Rio de Janeiro, e é uma área insular de Mata Atlântica, que vem por longo tempo sofrendo degradação humana, fator este responsável pela redução significativa da área vegetacional, recoberta atualmente de mata secundária. Foram realizadas fotografias, coletas periódicas e prensagem do material para identificação comparativa em herbário e utilização de chaves analíticas. O objetivo foi realizar um levantamento e estudo sistemático das espécies da família Begoniaceae ocorrentes da área da Praia Grande, na Ilha de Itacuruçá, Rio de Janeiro, tendo seu início no ano 2000. Foram encontradas duas espécies – Begonia geniculata Vell. e Begonia fischeri Schrank –, que foram descritas e analisadas. Palavras-chave: Begoniaceae. Sistemática. Itacuruçá. Abstract This report refers to the “Flora do Campus Avançado da Univercidade Castelo Branco, Rio de Janeiro -Begoniceae” project, developed on Bioogy Study Centre laboratory on Castelo Branco University. The analyzed area is found in Itacuruçá Island’s Praia Grande beach on Rio de 1 Profa. Assistente/pesquisadora. Bióloga. 3 Universidade Castelo Branco, Escola da Saúde e Meio Ambiente. Avenida Santa Cruz, 1631, Realengo, 21710-250 Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Correspondência para autores: [email protected] / [email protected] 2 Janeiro, it is an insular area of Atlantic rainforest that has been, through the years, suffering human degradation, this factor being responsible for significant reduction of vegetation area, currently covered with secondary verdure. It was taken pictures, periodical collects and material presage for comparative identification in herbariums and with usage of analytical keywords. The goal of the present work was to make a systematic study of Begoniaceae species from Praia Grande on Itacuruçá island, Rio de Janeriro, Brazil, initiating in 2000. It was Found two species, Begonia geniculata Vell. and Begonia fischeri Schrank, which both were described and analyzed. Keywords: Begoniaceae. sistematic. Itacuruçá Introdução A cidade de Itacuruçá (Ita = Pedra; Curuçá = Cruz) foi fundada pelos Jesuítas; a região era anteriormente povoada pelos índios Tamoios e quando foi ocupada, os Jesuítas com os índios construíram uma cruz de pedra, hoje, localizada em frente à Igreja Nossa Senhora de Santana, que foi construída aproximadamente há 160 anos (1840); o desenvolvimento de Itacuruçá iniciase com a chegada do Major José Caetano Alves de Oliveira, que vem de Valença com a família e se fixa na fazenda Santana. A fazenda, com duzentos e oitenta alqueires fluminenses, abrangia a pequena Vila de Itacuruçá. O Major implantou a cultura da banana nesta região, tornando-se, em pouco tempo, em uma das maiores produtoras, interferindo na paisagem. Durante a I Guerra, o Major vendeu a uma firma suíço-alemã parte de suas terras para a construção de um porto de embarque de minério de ferro, que em parceria com o governo federal, construiu um ramal ferroviário ligando Minas a Itacuruçá, a fim de aliviar o embarque de minério pelo porto do Rio de Janeiro. Com o ramal ferroviário Santa-Cruz-Mangaratiba, Itacuruçá passou a ser um local de veraneio frequentado por famílias do Rio de Janeiro que aí construíram muitas casas e aumentaram o fluxo de veraneio. Em 1916, o Major convocou seus filhos e genros para trabalharem em Itacuruçá e contribuir para seu progresso e resolveu desmembrar cerca de 100 alqueires da fazenda de Santana. Hoje, várias ruas e vilas de Itacuruçá recebem os nomes dos familiares do Major José Caetano, uma vez que vieram e trabalharam muito para o progresso local e contribuíram com seu desenvolvimento histórico (centroculturaldeitacuruca, 2014). Atualmente, Itacuruçá permanece ainda como um dois principais polos turísticos da região devido a seus recursos naturais peculiares, entre eles estão a exuberante Mata Atlântica, que sofre alterações desde então pela exploração turística imobiliária e a presença de diversas indústrias. A família Begoniaceae apresenta cerca de 1.400 espécies tropicais e subtropicais, sistematicamente pertencem à ordem Cucurbitales e ao clado das Rosideas/Fabídeas das Eudicotiledôneas, segundo APG III (Angisosperm Philogeny Group, 2009). A família Begoniaceae no Brasil está representada pelo gênero Begônia L. com cerca de 208 espécies, das quais 184 são endêmicas (Forza, 2010). A grande maioria das begônias brasileiras forma touceiras mais ou menos perenes e pode ser encontrada em ervas, arbustos, subarbustos ou até trepadeiras (BRADE, 1961); um considerável número de espécies possui caule suculento ou lenhoso, rasteiro e radicífero, de crescimento ilimitado, indiviso e composto de internódios curtos, encontrando-se muitas vezes um rizoma tuberoso e escandente; em sua maioria se caracteriza pelo porte ereto, caules simples ou bastante ramificados (SMITH, 1971). Suas folhas possuem filotaxia normalmente alternas ou raramente subverticiladas, podendo ser inteiras, serradas, lobadas, ou digitadamente partidas e assimétricas, às vezes são peltadas com duas estípulas livres, persistentes ou decíduas; a base foliar é cordada e seu ápice, acuminado (JACQUES, 1996). As belas inflorescências geralmente são axilares e cimosas, formadas de dicásios compostos, às vezes unifloras, geralmente dicotômicas, unissexuais ou bissexuais (DAU et al.,1971). A flor unissexual masculina possui duas sépalas de prefloração valvar; quando coloridas, variam de rosa à branca, duas pétalas alternadas com as sépalas, às vezes nulas ou em número de 3-7; os filetes podem ser livres, inteiramente concrescidos ou só unidos na base, a deiscência das anteras são biloculares, rimosas ou poricidas, o pólen é oblongo e liso ou de 1-3 sulcados. A flor unissexual feminina apresenta cinco tépalas coloridas ou não, com prefloração quincuncial; 3 estiletes, geralmente bifurcados e concrescidos na base, com papilas estigmáticas cobrindo totalmente os ramos dos estiletes ou formando fita em espiral; o ovário é ínfero de 3-4 lóculos, trialado ou quadrialado com placenta no ângulo interno, inteira ou bipartida, os óvulos estão presentes em grande número (PEREIRA,1957). O fruto é seco, do tipo cápsula loculicida, e as sementes, obovadas, elipsoides, cilíndricas ou fusiformes com testa reticulada-foveolada (PEREIRA, 1957). Objetivo principal foi o levantamento das espécies existentes na Praia Grande, Ilha de Itacuruçá, visando à catalogação e descrição dos indivíduos encontradas na região, bem como contribuir para o estudo da família, ampliando o conhecimento e distribuição destas espécies na região. São apresentados esquemas, fotos e comentários gerais. Procedimentos metodológicos Inicialmente foi realizado levantamento nas bibliotecas do Jardim Botânico e Museu Nacional, ambas localizadas no município do Rio de Janeiro. Para as excursões realizadas à Ilha de Itacuruçá, foram utilizados métodos de coletas periódicas na região a fim de garantir a época ideal de floração e frutificação das espécies, no período de 2000 a 2001, e devido a diversos fatores, o trabalho foi retomado em 2013, quando foi concluído. Em outra etapa, o material foi identificado no laboratório com utilização de lupa (Microscópio Estereoscópico), chaves para identificação das espécies e bibliografia específica. Em seguida, foi realizada uma comparação com as exsicatas existentes no herbário do Museu Nacional (R), onde foi confirmada a identificação das espécies. Análise de dados Na área em estudo foram encontradas duas espécies, B. geniculata Vell. e B. fischeri Schrank, que foram descritas e analisadas conforme podemos observar abaixo; e para facilitar a identificação no campo foi realizada uma pequena chave de identificação. Família: BEGONIACEAE Bonpl. Begoniaceae* R. Br. In Tuckey, Congo. 464. 1818; Lindl. Syst. Nat. Ed. 2. 56 1836; Klotzsch, Abhandl. Akad. Wiss. Berlin “1854”. 1. 1855; A. DC. In Mart. Fl. Bras. 4, pt. 1: (337). 1861; in DC. Prodr. 15, pt. 1: (266). 1864; Mook. F. in Benth. & Hook. f., Gen. 1: 841. 1867; Warburg in Engler & Prantl, Pflanzenfam. 3, Abt. 6a: 135. 1894; Irmscher in Engler & Prantl, Pflanzenfam. Ed. 2, 21: 548. 1925; Hutchinson, Fam. Fl. Pl. ed. 2, 1: 244. 1959 (SMITH, 1971). Espécie typus do gênero: Begonia oblíqua L. (Begonia L. Gen. Pl. ed. 5. 475. 1754; Sp. Pl. 1056. 1753). CHAVE PARA A IDENTIFICAÇÃO DAS ESPÉCIES 1. Plantas ascendentes com caule radicante; caule, pecíolo e limbo glabros....................... .........................................................................................................................B. geniculata Vell. 1’. Plantas eretas; caule, pecíolo e limbo com pêlos......................................B. fischeri Schrank 1. Begonia geniculata Vell. Fl. Flum. 10: t. 51. 1831 (1827), icon. (non Jack); ibdem, Arch. Mus. Nac. Rio de Janeiro 5: 407. 1881, descr; A . DC., in Mart., Fl.bras. 4 (1): 367. 1861. Trepadeira glabra, com caule radicante, herbáceo, de estriado a sulcado, medindo de 2–6m de comprimento. Folhas simples arredondada-angulosas, com 3–8 cm de comprimento, 6–10,5 cm de largura, membranáceas, assimétricas, glabras, base do limbo cordada, margem variando de crenada a serrada, nervura-6 e pecíolo estriado medindo de 3–7 cm de comprimento; estípulas persistentes a tardiamente decíduas com cerca de 1 cm de comprimento, agudas e inteiras. Inflorescência multidicotômica no ápice, com brácteas ou bractéolas medindo de 9–12 cm de comprimento com flores alvas (fig.1a). Flor unissexual masculina com duas sépalas, androceu com aproximadamente 20 estames, anteras rimosas. Flor unissexual feminina com cinco tépalas, três estiletes levemente concrescidos na base e bifurcando-se no ápice (fig.1b), onde papilas estigmáticas envolvem totalmente o ramo do estilete. Ovário com três alas desiguais, trilocular e pluriovular. Fruto cápsula, de base obtusa com três alas desiguais. Sementes estreitamente cilíndricas. Distribuição Geográfica: Esta espécie é encontrada na Bahia, Minas Gerais, Espírito Santo, São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná e Santa Catarina (JACQUES, 2010). Na área de estudo foi observada com frequência no interior da mata, próximo ao rio e à beira de clareiras, radicante no chão ou sobre rochas. Fenologia (floração e frutificação): Floresce e frutifica de setembro a outubro. Nome vulgar: “Begônia-de-baraço”, “azeda”, “coração-de-estudante”. Utilidades: Pode ser empregada na medicina popular como diurético e antitérmica em caso de febres, sendo utilizada na forma de chá, o qual também é útil nas afecções das vias urinárias, como cistites e uretrites (SMITH, 1971). Fig. 1- B. geniculata Vell.: a. Habitus com detalhe da inflorescência; b. flor feminina. 2. Begonia fischeri Schrank. Pl. Rar. Hort. Acad. Monac. 2: 59. 1819; A . DC., IN Mart., Fl. bras. 4 (1): 345. 1861; Irmsch., bot. Jahrb. 76: 98. 1953; L. B. Sm. & Wassh., Phytologia 54: 466. 1984. Erva ereta, medindo aproximadamente de 12–28 cm de comprimento; caule piloso e ramificado. Folhas simples alternas, assimétricas (fig.2a), base cordada, palmatinérvias, largamente ovadas, agudas ou arredondadas, limbo medindo de 1–7 cm de comprimento, 2–11 cm de largura, de margem crenada-ciliada, face adaxial da folha bastante pilosa, principalmente junto a nervura; pecíolo da folha medindo de 0.5–6 cm de comprimento, bastante piloso, nervura-6; estipulas lanceoladas persistentes. Inflorescência com flores brancas, medindo de 1– 8 cm de comprimento, pedúnculos axilares pilosos, com brácteas e bractéolas longamente ciliadas, persistentes; flores unissexuais masculinas (fig.2b,c) com 2 sépalas, androceu com aproximadamente 25 estames, livres; anteras lineares, ditecas, rimosas, mais longas que os filetes, conectivo prolongado, obtuso; flor feminina (fig. 2 d-f) com 5 tépalas obovais, estiletes 3, bífidos, espiralando-se no ápice, medindo 0,5 mm de comprimento; placentas bilaminadas, ovário ínfero, trilocular, pluriovular, formado por 3 alas desiguais. Fruto cápsula (fig.2g), medindo de 1,3-2,8 cm de comprimento, as alas presentes são muito desiguais e as sementes são de formato fusiforme (acuminadas). Fig.2 – B. fischeri Schrank: a. Habitus com frutos; b. flor masculina aberta; c. detalhe do estame; d. flor feminina; e. detalhe do estigma; f. ovário em corte transversal; g. fruto. Distribuição Geográfica: São encontradas em todas as regiões do Brasil (JACQUES, 2010). Na área em estudo são frequentes, sendo encontradas próximo a veio de água, sobre rocha ou solo. Fenologia (Floração e frutificação): Florescem e frutificam de agosto a junho, sendo o pico de floração e frutificação de outubro a fevereiro (fig. 3). Fig. 3 – B. fischeri Schrank: Gráfico com distribuição de floração e frutificação. Nome Vulgar: “Begônia-do-banhado”, “Azeda”, “Erva de saracura”. Utilidades: Planta ornamental. Utilizada também na forma de chá como diurético, antitérmico e nas afecções das vias urinárias, como uretrites e catarro-da-bexiga (SMITH, 1971). O estudo taxonômico não detectou uma grande variação morfológica nos espécimes analisados. As espécies estudadas podem ser facilmente reconhecidas como da família pela forma foliar típica, embora haja diferenças visíveis no indumento das mesmas, que, juntamente com a inflorescência e forma de crescimento, foram determinantes na identificação e na delimitação das espécies. Conclusão A área estudada localiza-se na Praia Grande, Ilha de Itacuruçá, Rio de Janeiro, e é uma área insular de Mata Atlântica, que vem por longo tempo sofrendo degradação humana, fator este responsável pela redução significativa da área vegetacional, recoberta atualmente de mata secundária. O número de espécies da família BEGONIACEAE representadas na região é bem reduzido, representadas apenas por Begonia geniculata Vell. e Begonia fischeri Schrank, que ocorrem em áreas de circulação. Sua beleza natural atrai a atenção de turistas que vêm destruindo e reduzindo esses exemplares a pequenas áreas, seja por interesse ornamental ou pelas utilidades medicinais que elas apresentam. Diante de tais resultados, recomendamos que futuras pesquisas sejam realizadas na região para levantamento de demais famílias e um trabalho junto a turistas e moradores para conscientização e preservação desta área. Referências BARROSO, G. M. Sistemática de Angiospermas do Brasil. São Paulo: EDUSP. v. I 191-194, 1978. BRADE, A. C. 1959 – 1961. v. XVII. Arq. do Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Brasil. v. 17. 18. . Flora de Itatiaia. I. As “Begoniaceae” como fator fisionômico. Rodriguésia XX(32): 151 – 166, 1957. . Begônias Novas do Estado do Espírito Santo. Brasil. Arq. do Jardim Botânico do Rio de Janeiro. v. X: 131–140, 1950. DAU, L., Segadas–Vianna, F. & Ormond, W.T. Begoniaceae na Flora Ecológica de Restingas do Sudeste do Brasil. XX: 7–20, 1971. JACQUES, L.E. Reserva Ecológica de Macaé de Cima: Nova Friburgo – RJ: Aspectos Florísticos das Espécies Vasculares. Jardim Botânico do Rio de Janeiro. v. II: 93–133, 1996. 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