Introdução - Escuela de Trabajo Social

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XVIII Seminario Latinoamericano de Escuelas de Trabajo Social. La cuestión Social y la formación profesional en Trabajo Social en
el contexto de las nuevas relaciones de poder y la diversidad latinoamericana. San José, Costa Rica, 2004.
TITULO: Reflexões sobre a construção do Projeto ético-político profissional
Yolanda Guerra♠
Eixo temático: 2. El nuevo contrato del Trabajo Social con la sociedad; las
dimensiones ético-políticas y ético-técnicas en la formación académica.
Palavras chaves: Projeto profissional critico, Serviço Social latino-americano,
novo perfil profissional
Introdução
Esta comunicação tem como objetivo a postulação da construção de um
projeto sócio-profissional coletivo para a América Latina que pretende uma prática
profissional de natureza nova.
Originado no processo de renovação profissional do Serviço Social, tal
projeto visava a que os países latino-americanos realizassem uma revisão critica
do Serviço Social, rompendo com o tradicionalismo na profissão e por razões
históricas e sócio-políticas, ficou inacabado.
O projeto que se aspira hoje é
herdeiro do patrimônio histórico acumulado por uma vertente critica do Movimento
de Reconceitualização, que buscou novos fundamentos para orientar as ações
profissionais, que se dispôs a analisar as implicações políticas das mesmas
vinculando-as a projetos de classe, nos fornecendo uma determinada concepção
de história social e de profissão como expressão das necessidades das classes e
do papel do Estado na administração da “questão social”. Deste modo, concebese o Serviço Social como uma profissão cujo espaço é determinado na divisão
sócio-técnica do trabalho, que possui um corpo de conhecimentos teórico-práticos
e uma cultura profissional, pela qual é reconhecido sócio-profissionalmente.
♠ Asistente Social, Mestre y Doctora en Servicio Social por la PUC_SP, Profesora de la ESS de la Universidad Federal de Río de Janeiro, Cordinadora
del Núcleo de Estudios y Pesquisas sobre el Servicio Social en la contemporaneidad-NEFSSC, autora del libro: “A Instrumentalidade do Serviço Social”,
Cortez editora, 1995, y de artículos y ensayos publicados en revistas técnicas.
[email protected] , BRASIL.
XVIII Seminario
Latinoamericano de Escuelas de Trabajo Social. La cuestión Social y la formación profesional en Trabajo Social en el contexto de las nuevas relaciones
de poder y la diversidad latinoamericana. San José, Costa Rica, 2004.
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No Brasil, através das entidades representativas da categoria os
assistentes sociais ao longo dos anos vêm revisando os valores que legitimam a
profissão, seus objetivos e funções, reformulam permanentemente os requisitos
(teóricos, institucionais e práticos) para o seu exercício, prescrevem normas para
o comportamento dos profissionais. Tais normas são consubstanciadas num
Código de Ética cujo valor é muito maior que um conjunto de normas, uma carta
de intenções ou de “dever ser”. Este Código coloca-se como o projeto éticopolítico do Serviço Social brasileiro.
Este projeto, o qual representa o grau de maturidade alcançado pela
profissão nos últimos 30 anos, somente foi possível tendo em vista dois
movimentos: uma conjuntura favorável e o grau diferenciação interna na profissão
em termos de projetos profissionais que aspiram a uma prática, a uma formação
profissional, a um perfil de profissão, ao um acervo teórico-metodológico
diferentes, plurais.
Com base na experiência brasileira, essa comunicação pretende refletir
sobre os aportes teóricos, sobre a necessária postura crítica a respeito dos
fundamentos da sociedade capitalista e sobre as possibilidades que estas sofrem
na contemporaneidade para a construção de projetos coletivos, tomados como
condições históricas dadas objetivamente e bases para a construção de um
projeto profissional latino-americano que vise a um Serviço Social Crítico.
1. Bases históricas da construção do projeto profissional latino
americano
Foi da direção do processo de renovação profissional que se constitui uma
“nova” ética inspirada em valores civilizatórios, valores estes hauridos no universo
de lutas sociais contra o imperialismo norte-americano, da resistência às ditaduras
militares e das lutas em prol da (re) construção de sociedades democráticas que
marcaram a conjuntura de transição vivida na América Latina entre os anos 65/75.
No resgate das bases que permitiram desencadear o processo de
renovação da profissão em toda América latina, cabe à profissão realizar um
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“acerto de contas” com seu passado,
investir na revisão da sua tradição
intelectual e prático-profissional, não na perspectiva de acatar ingenuamente suas
recomendações nem de propor um retorno romântico a ele, tampouco como mera
recusa dos conhecimentos e práticas acumulados, mas na perspectiva de revisitar
o passado com os acúmulos do presente, com vistas a, no futuro próximo,
retomar a critica teórico-prática da nossa tradição profissional inaugurada com o
movimento reconceitualização latino -americano. Para tanto, há que se superar
alguns vícios e equívocos que impedem o salto qualitativo da profissão: a
ausência de rigor teórico-metodológico, que redunda no ecletismo profissional,
marcado pelo oportunismo teórico: a utilização das teorias conforme o gosto e a
ocasião, a presença do metodologismo (ou a busca desenfreada por modelos de
intervenção, o fetiche das técnicas e dos modelos de intervenção ), a tendência à
naturalização
“coisas”, a
e despolitização dos processos sociais e seu tratamento como
defesa da neutralidade profissional ou o caráter supostamente
desideologizado da profissão, o que nos exige uma postura critica radical.
É este, a meu ver, a nossa tarefa: a reconstrução critica da unidade latinoamericana na direção de uma profissão que conheça o seu significado sóciohistórico, que repense seus papéis sociais, que reconheça seus compromissos
com a sociedade bem como seja capaz de captar e mobilizar as mediações que
circunscrevem e/ou redimensionam suas possibilidades de intervenção.
Assim, pretendo
iniciar esta reflexão apontando quais os fundamentos
sobre os quais um projeto profissional de ruptura com o conservadorismo da/na
profissão deveria se assentar.
3. Os Fundamentos sócio-históricos e ídeo-politicos para a
construção de um projeto profissional crítico
Pode-se considerar que para o pensamento marxiano os fundamentos são
“a substância racional” que se encontra dentro do invólucro místico (Cf. Marx,
1985). Marx concebe os objetos sociais como relação, movimento. Por isso busca
apanhar a lógica de constituição do movimento imanente do objeto que é dado
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nas relações. A busca pelos fundamentos, portanto — diferentemente da lógica
formal, para a qual os fundamentos são princípios teóricos ou práticos pelos quais
se justifica uma assertiva, uma lei ou uma intuição — pode ser pensada como
busca da essência, da substância, daquilo que continua na mudança, do que se
conserva no movimento de superação, mas também das mediações, da tessitura
íntima dos objetos, para o que há que se apanhar as representações ideológicas
ou teóricas sobre o objeto, ultrapassando-as, descobrindo o caráter essencial das
relações que compõem os objetos.
Deste modo, por fundamentos da profissão estou considerando as
mediações sócio-históricas, objetivas e subjetivas, que constituem o solo histórico
no qual a profissão se gesta e se desenvolve, resultantes das determinações
mais amplas da sociedade, e que particularizam-se na cultura profissional. Esta,
como construção coletiva e base na qual a categoria profissional se referencia, é
parte dos fundamentos que a constituem.
Assim, a construção de um projeto profissional crítico requer a critica que vá
aos fundamentos, que alcance a raiz, que desvele a realidade a partir do seu
movimento de constituição, que apreenda a lógica de constituição dos processos
sociais e suas perspectivas de se transformarem em outros processos sociais, ou
como diz Hegel, o seu vir a ser.
Nesta direção, busca-se refletir sobre o que estamos considerando como os
fundamentos sócio-históricos e ideo-políticos da profissão, que se constitui a base
da construção de um projeto profissional critico.
O primeiro pressuposto a ser considerado é a centralidade do trabalho
como o modo de produção e reprodução da vida social dos homens, como meio
de satisfação de suas necessidades materiais e espirituais, ou nas palavras de
Marx: do estomago e da fantasia (Marx, 1985). Para Marx, trabalho é o
metabolismo entre homem e natureza, no qual “ele (o homem) põe em movimento
as forças naturais pertencentes à sua corporalidade, braços e pernas, cabeça e
mão, a fim de apropriar-se da matéria natural numa forma útil para sua própria
vida” (Marx, 1985:149).
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Entretanto, nos aponta Lukács que “o fundamento ontológico objetivo
consiste em que o trabalho, teleologicamente, conscientemente posto, contém em
si, desde o início, a possibilidade de produzir mais do que o necessário” (In:
Lessa: 1995: 26), fato este que se constitui para o autor, na gênese da divisão do
trabalho. Aqui, pretende-se enfatizar que, em nível imediato, a divisão do trabalho
surge de decisões alternativas dos indivíduos. A própria existência das classes
sociais tem sua base no “específico valor de uso da força de trabalho poder
produzir mais do que é necessário para reproduzir a si mesma” (In: Lessa: 1995:
33), o que ocorre em condições sócio-históricas determinadas1. Disto infere-se
que o fundamento histórico que sustenta a necessidade social da profissão
encontra-se na divisão social do trabalho dada na sociedade de classes, num
determinado momento de desenvolvimento do capitalismo, tendo em vista o
atendimento às necessidades das classes sociais.
Inserido na divisão sócio-técnica do trabalho da sociedade burguesa, o
Serviço Social como uma especialização do trabalho social, deve responder à
determinadas demandas da sociedade, no âmbito da execução de políticas e
serviços sociais.
Com base nesta determinação histórica vê -se que a natureza e o
significado sócio-histórico do Serviço Social não são dados pela profissão ou pelos
seus agentes profissionais, mas deve ser captado nos processos históricos
engendrados da relação entre as classes sociais fundamentais e o Estado.
A partir desta concepção nega-se o Serviço Social como prática de ajuda
ao afirma-lo como uma profissão regulamentada por lei (no Brasil, pela lei
8662/93) que possui um corpo de conhecimentos teórico-práticos, uma cultura
profissional (formada por objetivos, princípios, valores, pressupostos, referencial
teórico-metodológico, instrumentos, projetos) e um código de ética.
1 Da divisão funcional do trabalho, que se constitui da cooperação e troca entre diferentes
trabalhos, o que se verifica nas formações capitalistas é a divisão do trabalho no interior do
processo de produção. Nesta, o trabalhador é apenas um componente do processo produtivo e
soma das atividades especializadas. Assim, as formas mais cristalizadas das especializações,
aparecem para os indivíduos como “uma forma já autônoma do ser social, retroagindo, assim,
sobre seus modos de vida como um todo” (Lukács, In: Lessa, 1995: 31).
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O que funda a profissão é a existência de interesses antagônicos entre as
classes, os quais geram conflitos que ameaçam a ordem social e que para serem
contornados o Estado historicamente vai encontrando e investindo em
determinados mecanismos de repressão e consenso. Tais conflitos que nascem
da divergência de necessidades e interesses, quando trazidos pela classe
trabalhadora para o âmbito público, é assumido pela classe dominante como
“questão social” 2.
Considerada em articulação com as formas de produção e reprodução
social, a “questão social” adquire centralidade no exercício profissional, uma vez
que o assistente social vai intervir no âmbito das suas expressões tradicionais e
novas, consideradas como manifestação de um tipo de relação de subalternidade
do trabalho ao capital. E o faz através de uma modalidade instituída pelo Estado
burguês, qual seja, pela via das políticas sociais. Aqui funda-se um espaço sócioocupacional para os assistentes sociais, que irão atuar na implementação de
políticas sociais públicas ou privadas 3. As políticas sociais, pela sua natureza
contraditória, constituem-se, de um lado, numa forma de o Estado alcançar o
consenso entre as classes, escondendo a incompatibilidade entre os interesses do
capital e do trabalho, e, de outro, como expressão das lutas sociais, o que permite
que a relação capital-trabalho transite do domínio privado para a esfera pública e
venha a se constituir em mecanismo de contenção da fúria do capital em busca da
sua valorização. São as múltiplas manifestações da “questão social” que chegam
para os assistentes sociais como demandas de moradia, de creches, de
2
Cerqueira Filho, autor da obra que trata do pensamento político brasileiro, remete a questão
social ao surgimento da classe operária. Diz ele que esta impôs, no curso da constituição da
sociedade capitalista, um conjunto de problemas políticos, sociais e econômicos, denominado pela
questão social. Nesta mesma direção, Marilda Iamamoto, na clássica obra “Relações Sociais e
Serviço Social no Brasil, escrito em co-autoria com Raul de Carvalho, afirma: “a questão social
não é senão expressão do processo de formação e desenvolvimento da classe operária e seu
ingresso no cenário da sociedade, exigindo seu reconhecimento enquanto classe por parte do
empresariado e do Estado. É a manifestação, no cotidiano da vida social, da contradição entre o
proletariado e a burguesia, a qual passa a exigir outros tipos de intervenção, mais além da
caridade e da repressão” (1986: 77).
3
Não é causal o fato de que no Brasil, segunda a lei 8662/93 que trata das competências e
atribuições específicas da profissão, a competência do assistente social está em planejar,
implantar, implementar, avaliar e reformular políticas sociais
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alimentação, de trabalho, de leitos hospitalares, de assessoria aos movimentos
sociais, de consultoria às organizações, etc.
Neste sentido, vemos que a profissão tem nos seus fundamentos históricos
as formas de enfrentar a “questão social”. E a busca dos fundamentos permite
investir na desnaturalização das novas e antigas expressões da “questão social” e
na compreensão do tipo de relação social determinante na nossa sociedade. É
neste âmbito que para além da compreensão da sua gênese, há que se identificar
tanto as alterações nas bases históricas que mediatizam a “questão social” na
contemporaneidade, alterando a sua aparência sem atingir os fundamentos da
ordem burguesa quanto as expressões decorrentes de tais transformações.
Somente a compreensão destes fundamentos permite aos assistentes
sociais perceberem as particularidades que a profissão vai adquirindo no
movimento da história, este, pleno de continuidades e inflexões. Como nos ensina
Lukács (1979), a substância da história reside naquilo que se preserva, que
continua existindo no interior da mudança, ou como diz Hegel, no movimento que
conserva superando.
Neste movimento da história comparecem determinações de caráter
universal, gerais, cujo nível de abstração (ou falta de determinação) é tão amplo
que lhes permitem validez para todos os países nos quais a profissão se insere.
Contudo, comparecem determinações particulares, as quais são determinações
históricas e historicamente condicionadas a alguns países, os quais também
possuem singularidades que os diferenciam de outros. O que interessa reforçar é
que, a meu ver, o Serviço Social latino americano é composto destas três
dimensões da realidade e assim considerado permite que se encontre a unidade
apesar de sua diversidade. Esta unidade aparece quando se encontra a
particularidade que como campo de mediações permite o estabelecimento de
vínculos entre os países em razão de seus interesses e necessidades comuns.
Neste caso, enfatizo a luta contra a exploração do homem pelo homem e a favor
da repartição da riqueza socialmente produzida.
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4. A trajetória profissional e a constituição de projetos
Na sua trajetória a profissão vem construindo uma imagem socialmente
aceita, elegendo os valores que legitimam socialmente a profissão, delimitando e
priorizando os seus objetivos e funções, formulando os requisitos (teóricos,
institucionais e práticos) para o seu exercício, prescrevendo normas para o
comportamento dos profissionais. Tais normas, em alguns países estão
consubstanciados num Código de Ética cujo valor deve ser muito maior que um
conjunto de normas, uma carta de intenções ou um conjunto de orientações
acerca do “dever ser”.
Nossa hipótese é a de que o Serviço Social carece de possuir um projeto
profissional latino-americano que vise romper com os traços conservadores da
nossa cultura profissional, conformando uma profissão comprometida com os
interesses e conquistas da modernidade.
O que é um projeto? O que são projetos profissionais?
Projeto significa plano, intento do que foi “lançado adiante”. Nele
incorporam-se finalidades ou intencionalidades. Neste sentido projeto é uma
antecipação em nível das idéias das finalidades que se pretende alcançar, dos
valores (de que valem as ações profissionais), dos meios para atingi-las, bem
como, da sua direção social, cabendo a pergunta: para onde vão as minhas ações
profissionais? que forças sociais elas reforçam?
Toda ação humana individual ou coletiva, tendo por base interesses e
necessidades, implica em projetos.
No projeto há uma confrontação entre a consideração da realidade, a
situação real dos meios e condições que temos para alcançar o intento. Em outras
palavras: há que se fazer um balanço entre o que temos e o que queremos e o
que precisamos construir.
Envolve um elemento ideal (vontade). Este deve se articular à razão. Esta
permite a construção dos meios e condições para a realização do projetado. Os
projetos possuem abrangências diferenciadas: são tanto individuais quanto
coletivos (Netto, In: Borgianni, Guerra y Montaño, 2003). Os projetos coletivos se
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distinguem entre os projetos de sociedade, os projetos partidários, os projetos
profissionais. Netto considera que os projetos societários são os projetos das
classes sociais (embora possam conter outras determinações: gênero, raça, etnia,
cultura, etc).
Todo projeto societário e coletivo possui implicações políticas (relações de
poder).
A existência de projetos societários diferentes pressupõe a democracia
política e o pluralismo.
Lembrando que nossa sociedade é dividida em classes, os projetos
societários referem-se a classe burguesa e a classe trabalhadora. É claro que
estes não detêm o mesmo grau de hegemonia que o das classes dominantes.
5- A construção do Projeto ético-político dos assistentes sociais
brasileiros
A construção do que se convencionou entre os assistentes sociais
brasileiros chamar de projeto ético-político surge na esteira dos processos sociais
desencadeados pelo processo de reconceituação latino -americano,
mais
exatamente de uma direção deste processo: aquela que se dispôs a fazer a critica
ao tradicional conservadorismo presente na cultura da profissão como expressão
do próprio modo de ser da sociedade burguesa. Entretanto é na passagem da
década de 70 para os anos 80 que aqui esta vertente critica encontra o chão
histórico mais apropriado para se desenvolver tanto do ponto de vista do seu
adensamento teórico a partir de uma aproximação ao pensamento marxiano
quanto do ponto de vista histórico: na luta e na resistência contra a ditadura. Foi
no interior da luta dos trabalhadores brasileiros e a partir dos valores por estes
defendidos que o projeto profissional dos assistentes sociais foi se constituindo, se
orientando, ganhando força social.
Deste modo, a aprovação do atual Código de ética profissional (1993) foi
resultante de um longo processo sócio-histórico e de amplo debate da categoria,
fundado numa concepção de ética que pela critica supera a noção abstrata
contida nos supostos neotomistas que fundamentam a ética tradicional do Serviço
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Social. Este Código, pelo seu potencial político tem sido considerado o projeto
profissional dos assistentes sociais brasileiros.
Tributário de dois movimentos que se convergiram, um interno, o processo
de renovação do Serviço Social, (desencadeado com o movimento de
reconceituação latino-americano) e um externo, a incorporação de uma ética
fundada numa visão de homem como ser prático-social que constrói seus valores
no cotidiano. O Código de Ética Profissional dos assistentes sociais brasileiros é a
expressão mais desenvolvida dos avanços da profissão na sua luta contra o
conservadorismo da ordem burguesa que se refrata na cultura profissional.
Expressa também o movimento do povo brasileiro pela ética na política, que se
inicia com o Movimento das “diretas já” e culmina com o impeachment do
presidente Collor (1992). Neste âmbito, mais do que um Código, a profissão
constrói um projeto profissional de ruptura desencadeado pelo movimento de
redemocratização da sociedade dos anos 80. É este o significado do Código de
1986, aperfeiçoado em 1993.
Convém recapitular o movimento da sociedade brasileira que possibilitou a
sua construção.
O projeto profissional foi resultado de uma conjuntura favorável que se põe
a partir do final da década de 70. Lembremos da crise das ditaduras dos países
latino -americanos, no avanço do movimento operário através da reinserção da
classe operária na cena política, cujo exemplo mais evidente são as mobilizações
dos trabalhadores do ABC paulista, pensemos no renascimento do movimento
sindical e na criação da CUT, na tomada de consciência dos trabalhadores rurais
e sua inserção nos movimentos sociais, resultando no vigoroso MST, no Ingresso
de movimentos sociais de cunho popular e democrático, na criação de um partido
dos trabalhadores, na revitalização do movimento estudantil.
Esse processo resulta na construção de um projeto profissional de ruptura o
qual avança em termos do compromisso que se estabelece com valores éticopolíticos emancipatórios construídos pela classe trabalhadora na sua luta contra a
exploração do trabalho, tais como a liberdade, a justiça social, a democratização
da riqueza socialmente produzida. Mais do que um conjunto de normas e
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prescrições, o projeto profissional consubstanciado no Código de Ética faz
referência
tanto
a
encaminhamentos
prático-profissionais
quanto
ao
posicionamento político (não partidário) dos assistentes sociais, o que imprime
uma direção ao exercício profissional que visa enfrentar a hegemonia do grande
capital. É por isso que a permanência ou não destes valores depende do conjunto
de forças sociais democráticas. A força do código, por sua vez, depende de sua
capacidade teórico-pratica de responder aos desafios da profissão.
3.1. A estrutura básica do projeto ético-político do Serviço Social
Brasileiro
O projeto profissional dos assistentes sociais brasileiros defende um conjunto de
valores como:
• Liberdade: autonomia, emancipação e plena expansão dos indivíduos.
Com este valor: “Liberdade” o projeto vincula-se a um projeto societário que
visa a uma outra ordem social, sem dominação ou exploração de classe.
Também o Código afirma-se a defesa dos direitos humanos, mais do que
os meros direitos sociais.
Sua dimensão política afirma -se pela luta em prol da equidade, da justiça
social e da universalização do acesso a bens e serviços, para o que é necessário
a superação da sociedade de classes. Entretanto, no contexto desta luta-se pela
ampliação da cidadania, via a garantia de direitos civis, políticos e sociais das
classes trabalhadoras.
Defende a democracia enquanto socialização da participação política e
socialização da riqueza produzida.
Do ponto de vista profissional o projeto estabelece compromissos com a:
1) Competência profissional entendida como o aprimoramento intelectual,
formação profissional qualificada (e permanente) e postura investigativa e
interventiva. Nesta, três elementos se articulam: a competência teórica, resultado
de
uma
formação
intelectual
sólida,
visando
a
realização
de
análises
macroscópicas da sociedade sobre a qual o profissional atua e do seu papel
profissional nesta sociedade; competência política, que lhe permita compreender
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a luta de classes, a sociedade como realidade contraditória, as mediações e
correlação de forças presentes nas instituições na qual atua, as possíveis alianças
e articulações; a competência operativo -instrumental, que significa ser capaz de
conhecer e acionar recursos institucionais, atender as requisições sócioprofissionais com qualidade, no interior das quis subjazem os conhecimento
teórico-políticos.
2) Qualidade dos serviços prestados à população: publicização dos
recursos e participação dos usuários. Aqui, a intervenção profissional no âmbito
das políticas sociais deve ser capaz de permitir a organização dos segmentos
demandantes das políticas e dos serviços sociais. Na medida em que os
trabalhadores têm as suas necessidades satisfeitas outras tantas surgem e ao
introduzir na dinâmica social este protagonismo, o assistente social contribuir em
organizar condutos, fluxos que permitam criar uma correlação de forças diferente,
uma contra-hegemonia.
Disso decorre estabelecer uma determinada relação assistente social –
usuário, por meio da qual o objeto que é o mundo é apreendido e interpretado.
Sendo o assistente social apenas o intermediador entre a relação usuário-mundo
(serviço sociais), ele ocupa um espaço privilegiado na interpretação que o usuário
faz do mundo, na divulgação e informações que permite formar uma consciência
critica sobre o mundo. Ao mesmo tempo, o assistente social articula as mediações
posta na realidade social buscando atender a demanda do usuário.
Com estas reflexões quero afirmar que para a garantia e efetivação de
determinados valores que permitam a emanc ipação em detrimento da dominação
exige que a profissão realize uma critica profunda (que supere a critica romântica
tão comum no meio profissional) da sociedade
burguesa, a partir dos seus
fundamentos, que se empenhe na critica e auto critica da profissão e busque uma
reformulação de suas bases de legitimidade, para o que tem que investir em
novas formas de realização do exercício profissional.
Para tanto é necessário um projeto profissional que possa orientar a
profissão tanto nos seus valores quanto na direção social estratégica a ser
seguida. Este projeto não pode perder de vista o âmbito da formação profissional
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a qual não pode mais se restringir à graduação em Serviço Social, mas tem que
incorporar a qualificação continuada e permanente dos assistentes sociais.
Portanto, como parte inalienável do projeto profissional temos o projeto de
formação, voltado para um novo perfil de profissional: aquele que incorpore as
competência exigidas pelo projeto ético-poltico.
6. As possibilidades do projeto profissional critico para a América
Latina
Se
os
projetos
profissionais
constituem-se
em
indicações
éticas
combinadas a direção político-profissional sua possibilidade inscreve-se na
capacidade de a categoria profissional articula -lo com a luta geral dos
trabalhadores e sua manutenção depende tanto da vontade da maioria da
categoria quanto do revigoramento do movimento democrático e popular.
Assim, a nosso ver, toda reflexão até aqui realizada é estéril se não houver
o empenho dos sujeitos profissionais na efetivação de uma agenda que imponha
compromissos com uma competência de novo tipo.
Se é verdade que a crítica superadora depende de possibilidades inscritas
nos contextos nos quais a profissão se realiza, também o é que conjunturas
históricas satisfatórias não garantem a implementação de projetos profissionais
de ruptura. Há que se enfatizar o papel dos sujeitos sociais. Hoje mais do que
nunca aqueles que vivem do seu trabalho encontram-se fragmentados, presos a
interesses egoístas ou corporativos. O desafio está em investir na articulação de
forças sociais, movimentos, organizações sociais e profissionais.
Por isso, penso que as entidades organizativas da categoria devem investir
em identificar quais são, na América Latina, os movimentos que permitem
perceber os embriões de um projeto profissional crítico em termos da organização
política da categoria, de quadros políticos representativos, da sua produção
teórica, da intervenção sócio-política dos profissionais, iniciativas estas que se
contraponham ao neoliberalismo e aos seus resultados, que realizem a critica ao
tradicionalismo na profissão, que defendam interesses dos trabalhadores e dos
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setores progressistas da sociedade, enquanto movimentos que impulsionam a
construção dos projetos ético-políticos profissionais.
A projeção de uma sociedade nova só pode ser viabilizada pela direção
social estratégica proporcionada pela teoria social critica, a qual permite, pelos
valores que defende e as finalidades que vislumbra, a construção coletiva e latino americana de um projeto profissional radicalmente novo, que sem desconsiderar
as diferenças, a pluralidade e a diversidade de concepções que tensionam e
enriquecem a profissão, as ultrapasse; que se proponha a estabelecer alianças
com outros profissionais e uma articulação com as lutas sociais a favor de uma
sociedade sem dominação, que defenda as conquistas da humanidade e atue no
fortalecimento dos interesses dos trabalhadores e cidadãos que são os principais
usuários dos serviços e políticas sociais, já que a democracia é condição
fundamental para a viabilização do projeto profissional crítico.
Creio que para isso seja imprescindível o investimento em entidades
representativas da categoria que sejam fortes e o fomento da organização políticoprofissional la tino-americana dos assistentes sociais, para que se estabeleça
coletivamente um campo programático de ações e alianças.
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