Gestão Pedagógica CAPA NEUROCIÊNCIAS SÉRIE Por Melina Pockrandt [email protected] APRENDENDO A ESPERAR Capacidade de adiar recompensas influencia no rendimento escolar e deve ser estimulada desde os primeiros anos da criança A habilidade de controlar os impulsos com o intuito de obter adiante alguma vantagem ou objetivo desejado. Assim é definida a capacidade de adiar recompensas, atributo exclusivo dos seres humanos e componente fundamental da inteligência emocional. Segundo Norita Dastre, psicopedagoga e pedagoga com extensão em Neurociências da Aprendizagem, 36 GESTÃO Educacional® novembro de 2012 essa habilidade faz com que o indivíduo saiba aguardar o tempo adequado para ser recompensado por suas ações ou seus comportamentos, seja no âmbito familiar, social, profissional ou acadêmico. “Podemos perceber já em crianças bem pequenas a baixa tolerância à frustração por não obterem instantaneamente aquilo que desejam. Essa incapacidade de aguardar o tempo certo para ter o que se quer está se tornando um grande problema social, e a mídia tem colaborado demasiadamente para isto”, considera. A especialista afirma que é possível – e necessário – que pais e professores trabalhem para contribuir no desenvolvimento da capacidade de adiar recompensas, já que crianças que não apresentam essa habilidade estão mais propensas a demonstrarem características como birra, irritação e raiva, hiperatividade ou apatia, tristeza ou depressão, choro fácil, reação negativa diante de situações novas e impulsividade. Além disso, têm dificuldades em seguir regras, enganam as pessoas para conseguir o que querem e buscam estar sempre em vantagem. “O professor e todos educadores da escola – [incluindo também] porteiros, inspetores, coordenadores, diretores, funcioná- rios da limpeza, secretários, vigias e funcionários da cantina – podem observar facilmente alguns sinais como esses: a criança pode apresentar até mesmo agressividade diante das lições – quando não consegue realizá-las –, tentar burlar as regras das brincadeiras a seu favor e sempre dar um jeito de ser o primeiro na fila da cantina”, exemplifica Norita. Os pais – com o apoio de avós, tios, professores e outros adultos do convívio da criança – são os principais responsáveis por promover o desenvolvimento da capacidade de adiar recompensas desde muito cedo. “O incentivo à repetição de atitudes inibidoras da impulsividade e da ansiedade, objetivando aguardar o recebimento de uma recompensa, um prêmio ou um presente, é fundamental, e todos os adultos que participam como educadores das crianças e dos adolescentes têm um papel importantíssimo no desenvolvimento desta habilidade”, explica a psicopedagoga. Ela lembra ainda que é importante que haja o controle da exposição a jogos eletrônicos, pois promovem sempre a recompensa imediata, estimulando a impulsividade. DESENVOLVIMENTO COGNITIVO E SAÚDE MENTAL Em 2010, foi publicada a Cartilha do Educador do Projeto Atenção Brasil, com informações referentes a um estudo realizado por neurocientistas do Instituto Glia, com colaboração de pesquisadores da Universidade La Sapienza (Itália), do Albert Einstein College of Medicine (Estados Unidos) e da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto PARA ASSINAR: www.gestaoeducacional.com.br (São Paulo). Com o objetivo de revelar um retrato da saúde mental da infância e adolescência, o projeto fez um levantamento nacional de dados, entrevistando pais e professores de mais de 9 mil crianças e adolescentes das cinco regiões do país. Segundo consta na cartilha, para 65,1% dos pais, os filhos são capazes de adiar recompensas, e para 34,9%, não. Já os professores disseram que 60,9% das crianças e adolescentes da amostra são capazes de adiar recompensas, ao contrário de 39,1% das crianças. Com base nessas informações, foi possível constatar a relação entre essa habilidade e o desenvolvimento cognitivo e saúde mental: o estudo mostra que crianças e adolescentes que não possuem a capacidade de adiar recompensas apresentam uma chance duas vezes maior de ter baixo rendimento escolar e risco 2,9 vezes maior de desenvolver transtornos mentais. “Os resultados obtidos no Projeto Atenção Brasil reforçam a importância de educarmos nossos filhos estimulando essa habilidade, sobretudo nos dias de hoje, em que uma maciça e subliminar propaganda tenta atraí-los na direção contrária – a do prazer desenfreado e imediato. Para alguns estudiosos, essa tendência guarda relação com epidemias modernas como a do consumismo, a da obesidade infantil e a do uso, abuso e dependência de substâncias”, comenta Marco Antônio Arruda, neurologista da Infância e da Adolescência e diretor do Instituto Glia. O especialista lembra que educar para o adiamento de recompensas é “educar para o autocontrole, para a autodisciplina, e o controle dos impulsos é também educar para a tomada de decisões” – este último, característica importante para o bom rendimento escolar. A psicopedagoga Norita lembra que, graças PARA ASSINAR: www.gestaoeducacional.com.br ao controle dos impulsos, a criança que sabe adiar recompensas direciona melhor o foco da atenção para o que está sendo ensinado. “Assim, a memória é beneficiada pela direção e qualidade da atenção, base da aprendizagem. Esses alunos também planejam melhor a ação para resolver os problemas – como no momento de escrever, ler ou realizar cálculos –, tendo boa elaboração das suas respostas”, comenta. Por outro lado, as crianças e adolescentes incapazes de adiar recompensas apresentam maior número de dificuldades, hiperatividade e desatenção, dentre outros aspectos que prejudicam o desenvolvimento acadêmico. “Uma criança impulsiva, que tem uma percepção confusa do ambiente e [mantém] a atenção alternada ou dividida por ficar pensando na recompensa a ganhar pela tarefa realizada, certamente enfrentará dificuldades para aprender e terá baixo desempenho acadêmico”, alerta Norita. A especialista ressalta que esses indivíduos precisam de ajuda, e o olhar atento de professores e pais é muito importante para esse diagnóstico. “Essas crianças estão expostas aos fatores de risco para a saúde mental, podendo desenvolver problemas emocionais, de conduta, déficit de atenção e transtornos mentais que repercutirão no seu desempenho acadêmico. Caso esta situação não receba intervenção da escola e da família, se arrastará por toda a vida da criança, lhe causando muitos prejuízos”, ressalta. SISTEMA DE RECOMPENSAS Segundo Arruda, os professores podem contribuir para ajudar os alunos a aprenderem a adiar recompensas e a controlar seus impulsos. Ele sugere que o professor crie um sis- CARACTERÍSTICAS DA CRIANÇA A criança incapaz de adiar recompensas Segundo o estudo do Projeto Atenção Brasil, um maior percentual de crianças e adolescentes incapazes de adiar recompensas – em comparação aos que apresentam essa habilidade – apresentam os comportamentos a seguir: • São inquietos e hiperativos. • Queixam-se de dores de cabeça. • Apresentam acessos de raiva e birras, e também brigam com outras crianças. • Parecem tristes, deprimidos ou chorosos. • Distraem-se com facilidade. • Ficam nervosos ao enfrentar situações novas. • Furtam, mentem ou enganam. • Relacionam-se melhor com adultos do que com as outras crianças. • Têm muitos medos e se assustam com facilidade. A criança capaz de adiar recompensas Em contrapartida, entre crianças e adolescentes que têm a capacidade de adiar recompensas, são mais comuns as seguintes características: • Consideração pelos sentimentos de outras pessoas e prestatividade com alguém que parece magoado. • Boa vontade para compartilhar. • São obedientes e se oferecem para ajudar outras pessoas. • Têm um bom amigo. • São gentis com crianças mais novas. • Pensam antes de agir. • Completam as tarefas que começam. Como ensinar a criança a adiar recompensas A psicopedagoga Norita Dastre lista outras atitudes que ajudam crianças e adolescentes a aprenderem a adiar as recompensas: • Estabelecer e ensinar regras e rotinas. • Ensinar sobre resolução de problemas e tomada de decisões. • Eliminar o estímulo à competição pelo reconhecimento. • Valorizar o trabalho colaborativo e solidário. • Valorizar e elogiar o esforço despendido para realizar uma tarefa. • Reforçar positivamente atitudes adequadas. • Promover educação financeira. GESTÃO Educacional® novembro 2012 37 CAPA NEUROCIÊNCIAS SÉRIE tema de recompensas, baseado em determinadas condutas ou objetivos que sejam relevantes. “A princípio, [a recompensa] pode ser de caráter imediato: os alunos que atingirem os objetivos propostos recebem a recompensa no final do dia. Depois, isso passa a ocorrer no dia seguinte, semanalmente, e assim por diante”, comenta. Com o tempo, o professor pode estipular objetivos mais difíceis e recompensas mais atraentes, que exigem maior esforço e maior tempo de espera dos alunos. Foto: Paulo Marx/Divulgação POR DENTRO DO CÉREBRO Aprendizagem e estímulo a novas conexões neurais podem começar desde cedo O Para o neurologista Marco Antônio Arruda, educar para o adiamento de recompensas é educar para o autocontrole e para a autodisciplina Norita Dastre, psicopedagoga: “essa incapacidade de aguardar o tempo certo para ter o que se quer está se tornando um grande problema social” 38 GESTÃO Educacional® novembro de 2012 cérebro é um órgão que começa a aprender desde a sua formação. Ele se modifica de acordo com as experiências da pessoa e aprende por meio do exercício. “Durante estas experiências, sinapses (conexões nervosas cerebrais) são criadas e fortalecidas pela repetição. Caso estas sinapses não sejam estimuladas a se fortalecerem por repetidas vezes, pelas experiências, serão eliminadas. Assim como os músculos se enfraquecem pela falta de exercícios”, explica a psicopedagoga Norita Dastre. A especialista explica que alterações podem ser feitas na forma de pensar, e que estimular a criação de novas conexões neurais visando à aprendizagem de novos comportamentos é possível. “Portanto, esta capacidade pode e deve ser estimulada desde a primeira infância, pois assim a criança vai criando novas sinapses e as fortalecendo pela experiência repetida.” O neurologista Marco Antônio Arruda compara o cérebro de uma criança a uma cidade com ruas e avenidas (circuitos cerebrais), em que trafegam carros e gente (impulsos nervosos). Imagine que as vias que não são usadas acabam, ao longo da infância e adolescência, sendo bloqueadas. Esse processo ocorre no cérebro e, além de outras situações de aprendizagem, explica por que uma criança tem mais facilidade de aprender uma língua estrangeira do que um adulto. “Sabemos que o cérebro não nasce pronto; sofre uma série de transformações estruturais e funcionais ao longo da infância e adolescência, em resposta a determinantes genéticas, biológicas, experiências vividas e o processo educacional. Esse conjunto de fatores, por fim, esculpe o cérebro infantil. É por isso que educar para o adiamento do prazer é algo a ser feito desde bem cedo”, comenta. G PARA ASSINAR: www.gestaoeducacional.com.br