APRENDENDO A ESPERAR

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Gestão Pedagógica
CAPA NEUROCIÊNCIAS
SÉRIE
Por Melina Pockrandt [email protected]
APRENDENDO A ESPERAR
Capacidade de adiar recompensas influencia no rendimento escolar
e deve ser estimulada desde os primeiros anos da criança
A
habilidade de controlar os
impulsos com o intuito de
obter adiante alguma vantagem ou objetivo desejado. Assim
é definida a capacidade de adiar recompensas, atributo exclusivo dos
seres humanos e componente fundamental da inteligência emocional.
Segundo Norita Dastre, psicopedagoga e pedagoga com extensão em
Neurociências da Aprendizagem,
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essa habilidade faz com que o indivíduo saiba aguardar o tempo adequado para ser recompensado por
suas ações ou seus comportamentos,
seja no âmbito familiar, social, profissional ou acadêmico. “Podemos
perceber já em crianças bem pequenas a baixa tolerância à frustração
por não obterem instantaneamente
aquilo que desejam. Essa incapacidade de aguardar o tempo certo para ter o que se quer está se tornando
um grande problema social, e a mídia tem colaborado demasiadamente para isto”, considera.
A especialista afirma que é
possível – e necessário – que
pais e professores trabalhem
para contribuir no desenvolvimento da capacidade de
adiar recompensas, já que
crianças que não apresentam essa habilidade estão
mais propensas a demonstrarem características como birra,
irritação e raiva, hiperatividade ou apatia, tristeza ou
depressão, choro fácil,
reação negativa diante de situações novas e impulsividade. Além disso,
têm dificuldades em seguir
regras, enganam as pessoas para conseguir o que
querem e buscam estar sempre em vantagem. “O professor e todos educadores da
escola – [incluindo também]
porteiros, inspetores, coordenadores, diretores, funcioná-
rios da limpeza, secretários, vigias
e funcionários da cantina – podem
observar facilmente alguns sinais
como esses: a criança pode apresentar até mesmo agressividade diante das lições – quando não consegue
realizá-las –, tentar burlar as regras
das brincadeiras a seu favor e sempre dar um jeito de ser o primeiro na
fila da cantina”, exemplifica Norita.
Os pais – com o apoio de avós,
tios, professores e outros adultos do
convívio da criança – são os principais responsáveis por promover o
desenvolvimento da capacidade de
adiar recompensas desde muito cedo. “O incentivo à repetição de atitudes inibidoras da impulsividade e
da ansiedade, objetivando aguardar
o recebimento de uma recompensa,
um prêmio ou um presente, é fundamental, e todos os adultos que
participam como educadores das
crianças e dos adolescentes têm um
papel importantíssimo no desenvolvimento desta habilidade”, explica
a psicopedagoga. Ela lembra ainda
que é importante que haja o controle da exposição a jogos eletrônicos,
pois promovem sempre a recompensa imediata, estimulando a impulsividade.
DESENVOLVIMENTO
COGNITIVO E SAÚDE MENTAL
Em 2010, foi publicada a Cartilha do
Educador do Projeto Atenção Brasil,
com informações referentes a um
estudo realizado por neurocientistas
do Instituto Glia, com colaboração
de pesquisadores da Universidade
La Sapienza (Itália), do Albert
Einstein College of Medicine
(Estados Unidos) e da Faculdade de
Medicina de São José do Rio Preto
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(São Paulo). Com o objetivo de revelar um retrato da saúde mental da
infância e adolescência, o projeto fez
um levantamento nacional de dados, entrevistando pais e professores de mais de 9 mil crianças e adolescentes das cinco regiões do país.
Segundo consta na cartilha, para 65,1% dos pais, os filhos são capazes de adiar recompensas, e para
34,9%, não. Já os professores disseram que 60,9% das crianças e adolescentes da amostra são capazes
de adiar recompensas, ao contrário de 39,1% das crianças. Com base nessas informações, foi possível
constatar a relação entre essa habilidade e o desenvolvimento cognitivo e saúde mental: o estudo mostra
que crianças e adolescentes que não
possuem a capacidade de adiar recompensas apresentam uma chance duas vezes maior de ter baixo
rendimento escolar e risco 2,9 vezes maior de desenvolver transtornos mentais. “Os resultados obtidos
no Projeto Atenção Brasil reforçam
a importância de educarmos nossos
filhos estimulando essa habilidade, sobretudo nos dias de hoje, em
que uma maciça e subliminar propaganda tenta atraí-los na direção
contrária – a do prazer desenfreado e imediato. Para alguns estudiosos, essa tendência guarda relação
com epidemias modernas como a
do consumismo, a da obesidade infantil e a do uso, abuso e dependência de substâncias”, comenta Marco
Antônio Arruda, neurologista da
Infância e da Adolescência e diretor
do Instituto Glia.
O especialista lembra que educar para o adiamento de recompensas é “educar para o autocontrole,
para a autodisciplina, e o controle
dos impulsos é também educar para a tomada de decisões” – este último, característica importante para
o bom rendimento escolar. A psicopedagoga Norita lembra que, graças
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ao controle dos impulsos, a criança
que sabe adiar recompensas direciona melhor o foco da atenção para
o que está sendo ensinado. “Assim,
a memória é beneficiada pela direção e qualidade da atenção, base da
aprendizagem. Esses alunos também planejam melhor a ação para resolver os problemas – como no
momento de escrever, ler ou realizar
cálculos –, tendo boa elaboração das
suas respostas”, comenta.
Por outro lado, as crianças e
adolescentes incapazes de adiar
recompensas apresentam maior
número de dificuldades, hiperatividade e desatenção, dentre outros
aspectos que prejudicam o desenvolvimento acadêmico. “Uma
criança impulsiva, que tem uma
percepção confusa do ambiente e
[mantém] a atenção alternada ou
dividida por ficar pensando na recompensa a ganhar pela tarefa
realizada, certamente enfrentará
dificuldades para aprender e terá baixo desempenho acadêmico”,
alerta Norita.
A especialista ressalta que esses indivíduos precisam de ajuda,
e o olhar atento de professores e
pais é muito importante para esse diagnóstico. “Essas crianças estão expostas aos fatores de risco
para a saúde mental, podendo desenvolver problemas emocionais,
de conduta, déficit de atenção e
transtornos mentais que repercutirão no seu desempenho acadêmico. Caso esta situação não receba intervenção da escola e da
família, se arrastará por toda a vida da criança, lhe causando muitos prejuízos”, ressalta.
SISTEMA DE RECOMPENSAS
Segundo Arruda, os professores podem contribuir para ajudar os alunos a aprenderem a adiar recompensas e a controlar seus impulsos. Ele
sugere que o professor crie um sis-
CARACTERÍSTICAS DA CRIANÇA
A criança incapaz de adiar recompensas
Segundo o estudo do Projeto Atenção Brasil,
um maior percentual de crianças e adolescentes incapazes de adiar recompensas – em comparação aos que apresentam essa habilidade –
apresentam os comportamentos a seguir:
• São inquietos e hiperativos.
• Queixam-se de dores de cabeça.
• Apresentam acessos de raiva e birras, e também brigam com outras crianças.
• Parecem tristes, deprimidos ou chorosos.
• Distraem-se com facilidade.
• Ficam nervosos ao enfrentar situações novas.
• Furtam, mentem ou enganam.
• Relacionam-se melhor com adultos do que
com as outras crianças.
• Têm muitos medos e se assustam com facilidade.
A criança capaz de adiar recompensas
Em contrapartida, entre crianças e adolescentes
que têm a capacidade de adiar recompensas,
são mais comuns as seguintes características:
• Consideração pelos sentimentos de outras
pessoas e prestatividade com alguém que
parece magoado.
• Boa vontade para compartilhar.
• São obedientes e se oferecem para ajudar
outras pessoas.
• Têm um bom amigo.
• São gentis com crianças mais novas.
• Pensam antes de agir.
• Completam as tarefas que começam.
Como ensinar a criança
a adiar recompensas
A psicopedagoga Norita Dastre lista outras
atitudes que ajudam crianças e adolescentes a
aprenderem a adiar as recompensas:
• Estabelecer e ensinar regras e rotinas.
• Ensinar sobre resolução de problemas e tomada de decisões.
• Eliminar o estímulo à competição pelo reconhecimento.
• Valorizar o trabalho colaborativo e solidário.
• Valorizar e elogiar o esforço despendido para realizar uma tarefa.
• Reforçar positivamente atitudes adequadas.
• Promover educação financeira.
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tema de recompensas, baseado em
determinadas condutas ou objetivos
que sejam relevantes. “A princípio,
[a recompensa] pode ser de caráter
imediato: os alunos que atingirem
os objetivos propostos recebem a recompensa no final do dia. Depois,
isso passa a ocorrer no dia seguinte,
semanalmente, e assim por diante”,
comenta. Com o tempo, o professor
pode estipular objetivos mais difíceis e recompensas mais atraentes,
que exigem maior esforço e maior
tempo de espera dos alunos.
Foto: Paulo Marx/Divulgação
POR DENTRO
DO CÉREBRO
Aprendizagem e estímulo a novas conexões
neurais podem começar desde cedo
O
Para o neurologista Marco Antônio
Arruda, educar para o adiamento de
recompensas é educar para o autocontrole e para a autodisciplina
Norita Dastre, psicopedagoga: “essa
incapacidade de aguardar o tempo certo para ter o que se quer está se tornando um grande problema social”
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cérebro é um órgão que
começa a aprender desde a sua formação. Ele se
modifica de acordo com as experiências da pessoa e aprende por
meio do exercício. “Durante estas experiências, sinapses (conexões nervosas cerebrais) são criadas e fortalecidas pela repetição.
Caso estas sinapses não sejam estimuladas a se fortalecerem por
repetidas vezes, pelas experiências, serão eliminadas. Assim como os músculos se enfraquecem
pela falta de exercícios”, explica a
psicopedagoga Norita Dastre.
A especialista explica que alterações podem ser feitas na forma de pensar, e que estimular a
criação de novas conexões neurais visando à aprendizagem de
novos comportamentos é possível. “Portanto, esta capacidade
pode e deve ser estimulada desde
a primeira infância, pois assim a
criança vai criando novas sinapses e as fortalecendo pela experiência repetida.”
O
neurologista
Marco
Antônio Arruda compara o cérebro de uma criança a uma cidade com ruas e avenidas (circuitos
cerebrais), em que trafegam carros e gente (impulsos nervosos).
Imagine que as vias que não são
usadas acabam, ao longo da infância e adolescência, sendo bloqueadas. Esse processo ocorre no
cérebro e, além de outras situações de aprendizagem, explica
por que uma criança tem mais
facilidade de aprender uma língua estrangeira do que um adulto. “Sabemos que o cérebro não
nasce pronto; sofre uma série
de transformações estruturais
e funcionais ao longo da infância e adolescência, em resposta
a determinantes genéticas, biológicas, experiências vividas e o
processo educacional. Esse conjunto de fatores, por fim, esculpe
o cérebro infantil. É por isso que
educar para o adiamento do prazer é algo a ser feito desde bem
cedo”, comenta. G
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