Antropologia Urbana

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Antropologia Urbana.
O sentido do olhar: Cultura de saúde em situações urbanas
Joaquim Edson Vieira
Para a desonestidade, sugiro a simplicidade,
que fundamenta todos os atos que se seguirem a esse princípio.
Para a arrogância, sugiro a gentileza, que nulifica todo ato de vaidade
que sustenta as arrogâncias.
O século XVIII foi quando o pensamento científico – em oposição ao encantamento do
mundo, pretendeu constituir o homem como objeto de conhecimento e seu estudo
como a Antropologia. Para adquirir legitimidade entre outras disciplinas científicas
também nascentes, a antropologia atribui seus objetos de estudo: as sociedades
então ditas “primitivas”. No entanto, não é difícil perceber que essas sociedades
desapareceriam no processo de civilização (e conquistas). Essa ciência, então, afirma
sua especificidade adotando uma abordagem epistemológica sobre o homem, ou seja,
entender o homem em convívio com outros, em qualquer tempo, em qualquer espaço.
[epistemologia: estudo dos mecanismos que permitem o conhecimento]
Antropologia adota como vocação o estudo do homem inteiro e em todas as
sociedades e denomina essa vocação, ou abordagem, como um sentido do olhar.
Ora, sendo nascida como ciência, ou mesmo para ser ciência, suas áreas se
desenvolvem e devem ser brevemente citadas: biológica – estudo das variações das
características biológicas do ser humano no tempo e espaço; pré-histórica – estudo
dos vestígios (dos homens) materiais soterrados pelo tempo; lingüística – estudo da
cultura proporcionada pela língua em uma sociedade; psicológica – estudo dos
comportamentos individuais relacionados ao tempo/espaço.
Finalmente, a antropologia social e cultural, será aquela de maior interesse para este
estudo. Também citada como ETNOLOGIA – estudo das sociedades em sua
completude, procura entender a constituição das mesmas: modos de produção,
organizações políticas, jurídicas, sistemas de relacionamento e parentesco, crenças,
língua e criações artísticas – que interpretam e permitem a interpretação de seu
mundo.
A contribuição do antropólogo se associa ao modo como construiu (na origem de sua
ciência) e ainda constrói seu conhecimento: utilizando a observação direta, por meio
de sua impregnação lenta e contínua em grupos humanos, onde mantém uma relação
pessoal. Ocorre que, quando ele se distancia da sua própria sociedade de origem e
se impregna da nova, pela convivência, o que antes parecia natural (que lhe pertence)
no entendimento das coisas, passa a ser visto como cultural ou interpretado. Assim, é
o sentido do olhar que agora determina seu entendimento. O que era evidente pode
ser tornar muito, muito problemático. Esse processo é citado como estranhamento –
a perplexidade provocada pelo encontro de culturas.
Presos a uma única cultura, somos não somente cegos à dos outros, mas míopes
quando se trata de nossa própria cultura. O distanciamento pode, assim, ampliar os
entendimentos que se faz das coisas, já que se pode enxergar a cultura à qual
pertencíamos. Com tantas variações, no entanto, a antropologia permitiu constatar a
unidade do homem como a aptidão praticamente infinita de inventar modos de vida e
formas de organização social extremamente diversas. O que os seres humanos têm
em comum, é na verdade, sua capacidade para se diferenciar uns dos outros e
elaborar costumes, línguas, modos de conhecimento, jogos e instituições. Tudo isso
confere como unidade do homem a sua variação cultural.
Antropologia elabora, então, seu objeto de estudo no reconhecimento do outro. O
reconhecimento do outro pelo olhar. Assim, EU apenas existo a partir do OUTRO, da
visão do outro, que permite compreender o mundo partindo tanto do diferente quanto
de mim mesmo, sensibilizado que estou pela experiência do contato. Denominada
alteridade (ou outridade) – concepção de que o ser humano interdepende de outro ser
humano.
Uma humanidade plural. Se é plural, é diferente – não pode ser desigual, já que
desigual supõe que há somente um acerto a ser feito, algo para ser consertado ou
adquirido e se tornar igual. Reconhecer o outro é dizer que é diferente – nunca será
igual, e com isso constituir uma base sólida de aceitação da diversidade e do respeito.
Aqui, no entanto, pode ocorrer um novo paradoxo, principalmente para a medicina.
A questão que a antropologia se pergunta é: há uma possibilidade de transformação
das sociedades em que o antropólogo estuda? Para estes cientistas, a resposta é não
– o antropólogo não deve trabalhar para nenhuma transformação da sociedade que
estuda. Ele pode auxiliar uma cultura na explicitação de sua própria diferença, mas
não deve(ria) organizar política, econômica ou socialmente a transformação dessa
diferença. Ocorre que a medicina pode (deve?) trabalhar para uma transformação da
sociedade que estuda, auxiliando tal qual o antropólogo na explicitação de sua própria
cultura, notadamente quando relacionada à saúde. Porém, esse estudo de condições
de vida, exercido pela medicina que investiga, pode promover maior identidade com
grupos sociais. O resultado pode ser a pretensão de poder ser o interlocutor de
demandas ou mesmo o tradutor político de grupamentos (ainda?) pouco organizados.
Não seria surpreendente, portanto, encontrar a medicina tentando exercer um papel
em definir necessidades de grupamentos sociais. No entanto, pode-se supor que,
quando médicos tentam definir necessidades sociais que não as suas próprias, não
estarão comunicando reivindicações legítimas desses grupos sociais, mas as
interpretações que têm desses grupamentos. Aqui propomos uma junção das ações
em ciência da Antropologia e da Medicina: adotar a alteridade, o reconhecimento do
outro, no entendimento dos processos de saúde e de doença, individual e coletivo, e
auxiliar à explicitar sua própria diferença.
O instrumento adotado pela Etnologia, ou Antropologia cultural, é o da observação e
anotação no diário de campo (etnografia). A etnografia é uma imersão total no
grupamento que se quer observar. Constitui as anotações do cotidiano – aquele
“resíduo da história” que pode se tornar folclore. Ela está atenta a tudo, tudo deve ser
observado, anotado, vivido, ainda que não diga respeito diretamente ao assunto
estudado. Finalmente, a etnografia é comparativa, já que a antropologia se funda na
aceitação da diferença, porém, o cuidado desta ciência é o de construir sistemas de
relação. A comparação pelas diferenças pode promover o presente a algum período
do passado, “explicando” apenas a própria sociedade: os aborígines australianos
foram comparados aos habitantes da Europa na Idade da Pedra – em nada
explicitando nenhuma dessas sociedades.
Nesta análise (etnologia), o que se compara são costumes, comportamentos e
instituições dentro de seus contextos e não mais isolados. Os termos da comparação
não são os fatos empíricos, mas as relações que o observador constrói como
hipóteses operatórias ou “funcionais” entre esses fatos dentro de cada realidade,
comparando, assim, as propriedades similares em sistemas aparentemente diferentes.
Referências:
1. Laplantine F. Aprender Antropologia. Ed. Brasiliense, SP, 1989 [isbn 8511070303]
2. Vieira JE. Definição de necessidades sociais. Rev Bras Educ Méd 2003, 27: 153
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