Revista Exame: O velho Brasil virou pó (07/10/2007

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O futuro pode ser melhor
O Brasil tem tudo para tomar seu lugar como uma das grandes potências econômicas
mundiais. Basta aprender as lições de quem já decolou
Washington Alves/AE
Aluna de escola estadual de Minas Gerais: educação é achave para o sucesso
Por Gary Becker, especial para EXAME | 04.10.2007
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Revista EXAME Quem olha para o desempenho do Brasil nos últimos 40 anos enxerga um país que rodou abaixo de seu
potencial, especialmente tendo em mente o que fizeram no período outros países emergentes, como
China e Índia. A boa notícia para os brasileiros é que um olhar para o futuro permite um grau muito
maior de otimismo. O Brasil tem todas as condições para aproveitar o bom momento da economia
global e tomar seu lugar como uma das grandes potências econômicas mundiais. O país já possui uma
grande economia, uma população talentosa e muitos empreendedores -- alguns deles eu conheci
pessoalmente numa visita. Além disso, empresas brasileiras têm tido destaque em várias áreas, da
aviação ao etanol -- que, lamentavelmente, ainda é mantido longe do mercado americano por barreiras
protecionistas. Muitas outras poderão se desenvolver e aproveitar o novo ambiente internacional,
embora não seja possível, de antemão, saber quais serão essas vencedoras.
Um dos erros do Brasil no passado, aliás, foi exatamente este: delegar a algum economista ou político a
missão de dizer quais setores vão se desenvolver. Sejamos honestos: nós simplesmente não sabemos a
resposta. Quem deve dizer isso é o mercado. Se o país deixar a economia livre, terá boas surpresas com
seu setor privado. A experiência mostra que nações em desenvolvimento começam se destacando em
alguns poucos setores, mas isso muda com o tempo. Quando eu era pequeno, o Japão era associado a
produtos de baixa qualidade. Agora, os japoneses fazem produtos de primeira linha. É assim o caminho
do desenvolvimento, uma lição disponível para todos com efetiva vontade de aprendê-la.
Na busca da prosperidade, o Brasil pode contar com uma profunda mudança na economia mundial.
Globalização é, sim, um movimento muito importante dos dias atuais. Há uma crescente
interdependência de diferentes economias por meio do comércio de bens, da movimentação financeira,
da internet e de diferentes formas de comunicação. A revolução da internet tomou corpo nos últimos 15
anos, mas suas conseqüências estão se expandindo rapidamente. É difícil afirmar com certeza que o
mundo vai crescer mais rápido daqui em diante. O que me parece fora de questão é que haverá grandes
oportunidades à frente -- para muito mais gente. Antigamente, quando todos dependiam do mercado
interno, a vantagem era dos países grandes. Não mais. Agora, mesmo os pequenos podem ter muito
sucesso -- basta vender para os demais. O Chile é um ótimo exemplo de quem soube fazer isso. É o que
estamos vendo agora na República Checa e na Eslováquia. Em teoria, todos os países podem crescer se
confiarem no mercado mundial, desde que a própria casa esteja em ordem. E isso não é tão fácil para
muitos países, inclusive o Brasil.
O que cada nação, individualmente, pode fazer para acertar seus fundamentos? Os economistas
colocam cada vez mais ênfase em três aspectos. O primeiro é o que chamamos de capital humano -educação, treinamento, motivação para os empregados. Nenhum país passa por um crescimento
significativo sem investir nas pessoas. Porque pessoas são o centro das economias modernas; então, a
menos que elas estejam motivadas e sejam produtivas, não se vai a lugar algum. O segundo fator é
tecnologia. Introduzir e estimular empresas a inovar e produzir tecnologia é muito importante. É
verdade que países com menos recursos se beneficiam da tecnologia introduzida pelos mais ricos. Mas,
ainda assim, será preciso adaptá-la a diferentes circunstâncias. O terceiro fator importante é política
governamental. Sem boas políticas, mesmo nações com muito capital humano não conseguem
prosperar.
É O QUE MOSTRA O EXEMPLO DE TRES dos países mais bem-sucedidos dos últimos 40 anos,
China, Chile e Índia. No final dos anos 70, a China passou a ter mais confiança no mercado e na
iniciativa privada e menos na estatização e na regulação governamental. Os frutos vieram. Alguns anos
depois, já na década de 80, o mesmo se veria no Chile. E a Índia seguiria essa trilha nos anos 90. Se há
uma lição que os três têm a ensinar, é que o mercado é um poderoso instrumento para acelerar o
crescimento econômico. É vital investir em pessoas, encorajar o empreendedorismo e a inovação e,
principalmente, estimular o setor privado. O sucesso de China e Índia fez mais do que beneficiar
milhões de pessoas. Juntos, concentram 40% da população mundial. O fato de passarem a crescer
muito mais é algo transformador. A Ásia já tinha assistido ao fenômeno do Japão e agora, com os dois
novos gigantes, o continente passa a ter um peso muito maior no mundo.
Na comparação com os três, a história brasileira das últimas quatro décadas parece menos brilhante. O
país foi tido durante 100 anos como de grande potencial, mas não conseguiu desenvolvê-lo
plenamente. Ficaram faltando pelo menos dois fatores importantes. Em primeiro lugar, poderia ter
feito mais para educar com qualidade sua população. O Brasil tem universidades muito boas. Percebo
isso pelos brasileiros que vêm estudar em nosso departamento, excelentes estudantes. Mas tem
desigualdades muito agudas no acesso à educação, o que leva à má distribuição de renda. É normal que
a desigualdade de renda aumente conforme os países se desenvolvam, pois os salários das pessoas mais
qualificadas sobem primeiro. Com o tempo, o crescimento tende a fazer cair tanto a pobreza quanto a
desigualdade. O grave -- e fica um alerta ao Brasil -- é quando a desigualdade resulta da falta de
investimento na educação básica.
O segundo fator importante é o fato de o governo ter sido muito ativo em controlar setores, manter
empresas estatais e deter poderes regulatórios. Isso não funciona. O governo tem, claro, um papel
fundamental a jogar. O Estado deve se concentrar em certos tipos de infra-estrutura, na promoção da
educação, no apoio ao livre comércio, no controle da poluição, entre outras coisas. Mas a maior parte
dos recursos deve ficar nas mãos do setor privado. Aprender as lições de quem soube andar mais
rápido é uma ótima maneira de pavimentar o caminho à frente.
46 milhões de novos consumidores
Poucos mercados no mundo se multiplicaram e se modernizaram na mesma velocidade
que a registrada no Brasil nas últimas quatro décadas
Lia Lubambo
A rua Oscar Freire, em São Paulo: as vendas de artigos de luxo crescem 10% ao ano no país
Por Samantha Lima | 04.10.2007
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Revista EXAME Não é exagero dizer que o Brasil de 1967 tinha um mercado de consumo de padrão albanês. Numa de
suas pontas, quase não havia quem comprasse. Apenas 15% da população na época, o equivalente a
13,5 milhões de pessoas, tinha dinheiro suficiente para adquirir produtos que fossem além do básico.
Na outra, não havia algo intrínseco a qualquer economia que se pretenda desenvolvida -- competição
para valer. O mercado esquálido não incentivava o surgimento de novas empresas ou mesmo a
melhoria das existentes. E a entrada de artigos importados que pudessem derrubar preços e elevar a
qualidade era uma possibilidade que cheirava a crime de lesa-pátria. Aparelhos de TV -- em preto-ebranco, claro -- funcionavam com as primitivas válvulas. Os telefones fixos eram um patrimônio
incluído na declaração de imposto de renda. (Apenas 236 500 contribuintes preenchiam, a caneta e em
letra de forma, os formulários da Receita Federal. No ano passado, foram 23 milhões, 96% deles
usando a internet.) Os carros enferrujavam. Existiam na época apenas 26 modelos de automóveis no
Brasil. O mais barato deles era o desconfortável jipe Willys Overland, que custava 35 200 reais em
valores atualizados. (Cerca de 10% das famílias tinham renda anual próxima a isso.) O pagamento,
quase sempre, era feito em dinheiro vivo. No Brasil de 1967, não havia hipermercados, existia apenas
uma marca de cartão de crédito em circulação e o primeiro shopping center, o Iguatemi, em São Paulo,
acabava de completar seu primeiro ano de operação. Direitos do consumidor? Bem, se algo desse
errado após a compra -- e muitas vezes dava --, paciência. É bom lembrar: esse era o mercado
brasileiro há apenas 40 anos. A evolução é global. Não há mercado aberto no mundo que não tenha
mudado brutalmente nas últimas décadas. "Mas poucos países foram tão rápido do inferno ao céu do
consumo como o Brasil", afirma o consultor Roberto Meir, especialista em relações de consumo.
É exagero, sim, dizer que o Brasil de 2007 é o paraíso das compras. Somos ainda um país de renda
média baixa e demanda reprimida alta. Mas a evolução ocorrida nos últimos 40 anos não impressiona
menos por isso. Em quatro décadas, o número de consumidores brasileiros quadruplicou, formando
hoje uma massa de 60 milhões de pessoas. (Essa conta segue o critério segundo o qual consumidor é
todo indivíduo com renda mensal acima de 500 reais.) Nesse período, entraram no mercado 46
milhões de pessoas -- o equivalente à população da Espanha. Elas foram incorporadas à medida que o
Brasil deixava de ser um país agrário e as cidades cresciam. E é justamente a velocidade desse
movimento duplo -- a urbanização e o crescimento do mercado consumidor -- que chama a atenção.
Para chegar a seu mercado atual de 200 milhões de pessoas, os Estados Unidos, a sociedade de
consumo por definição, levaram mais de 60 anos. Em números absolutos e em ritmo, o caso brasileiro
só perde para a China, um país que saiu de um mercado inexistente para 120 milhões de consumidores
em três décadas. Ainda assim, 90% da população chinesa não sabe o que é escolher entre vários
produtos e serviços à sua disposição, assim como não sabe o que é ter renda suficiente para comprálos. Na China de 2007, 400 milhões de pessoas -- mais que o dobro da população brasileira, portanto -não usam um item básico, o papel higiênico.
Há duas forças vitais por trás do desenvolvimento do mercado brasileiro nas últimas décadas. Num
primeiro momento, a evolução da economia -- com o surgimento de empresas e a geração de empregos
-- fez com que o PIB per capita quadruplicasse, permitindo mais consumo, mais concorrência, mais
produção, mais empregos e mais renda -- e, de volta, mais dinheiro injetado no mercado. A roda da
economia, assim, passou a girar de forma virtuosa. Escalas de produção maiores permitiram aos
fabricantes baixar preços. Ano após ano, produtos de luxo se popularizavam. No final da década de 60,
eram vendidos no Brasil 700 000 aparelhos de TV por ano. Em 2007, serão 11 milhões de unidades. O
aparelho mais comum do começo dos anos 70 custaria hoje o equivalente a 4 200 reais, dinheiro
suficiente para comprar um modelo de plasma de 42 polegadas.
NÃO É PRECISO OLHAR PARA MUITO TEMPO ATRAS para estabelecer uma relação direta entre o
aumento da renda da população, a abertura da economia aos importados e o crescimento do mercado,
principalmente em direção à base da pirâmide social -- as classes C e D. Isso explica em parte (já que a
tecnologia mais barata e acessível à maioria das empresas tem um papel determinante nesse processo)
por que o Brasil caminhou de maneira tão lenta entre o final da década de 70 e meados dos anos 90.
Embora certos economistas insistam no contrário, não pode haver um mercado saudável e ativo com
uma inflação que supera a casa dos 80% ao mês e quando a principal preocupação do consumidor é
correr ao supermercado antes que seu salário vire pó. "A inflação era uma das maiores inimigas da
competição", diz o ex-ministro da Fazenda Mailson da Nóbrega, sócio da consultoria Tendências.
"Como pode haver concorrência num mercado no qual o consumidor não consegue sequer memorizar
o preço dos produtos?" Acabar com esse pesadelo foi um dos grandes méritos do Plano Real, de 1994,
gênese do ciclo de estabilidade que permanece até hoje. Nos últimos quatro anos, os salários cresceram
23% no país em termos reais. É algo que está relacionado com as políticas de salário mínimo. Segundo
dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o salário mínimo real de hoje voltou aos
mesmos níveis de meados da década de 60. A comparação bruta é desoladora, mas muda quando se
sabe que o mínimo entrou em profunda decadência na década de 80, chegando a seu menor patamar
no início dos anos 90.
O perfil do consumidor
Essa situação vem estimulando os bancos a ampliar suas linhas de crédito para os consumidores.
Desde 2005, o volume de dinheiro emprestado no Brasil cresceu de 155 bilhões de reais para 278
bilhões. Os financiamentos fizeram carros, casas próprias e viagens, entre outros produtos e serviços,
passar da condição de desejo a realidade para uma parcela da população. Apesar dos solavancos
provocados por crises financeiras internacionais em série durante os anos 90, o desenvolvimento do
mercado de consumo segue em linha ascendente. A indústria de automóveis, por exemplo, deve vender
até o final de 2007 cerca de 2,3 milhões de unidades -- um recorde histórico. No mercado imobiliário,
vive-se também uma euforia poucas vezes vista no país.
A multiplicação do número de consumidores nos últimos anos obrigou o varejo a mudar de feição. O
número de supermercados, por exemplo, passou de 1 000 para 74 000 nas últimas quatro décadas.
Surgiram ainda novos conceitos de lojas, como os hipermercados, introduzidos no mercado em 1971,
com a inauguração do Jumbo, na cidade de Santo André, no ABC paulista. A rede, criada pelo grupo
Pão de Açúcar, anunciou sua chegada ao mercado prometendo vender "de verduras a helicópteros".
(Em 1989, a bandeira Jumbo deixou de existir.) Do ponto de vista de ingresso do país na era moderna
do consumo, no entanto, nenhum desses eventos teve o mesmo significado da proliferação dos
shopping centers. Quando o pioneiro Iguatemi foi aberto, em 1966, as mulheres de alto poder
aquisitivo relutaram em deixar de freqüentar a então badalada rua Augusta em busca da última moda.
Cinco anos depois, porém, o Iguatemi já era sucesso. "Os centros de compras foram o primeiro contato
do brasileiro com os modismos da sociedade de consumo americana", diz Isaac Peres, sócio e fundador
da Multiplan, dona hoje de 16 shopping centers espalhados por oito cidades. Desde a inauguração do
Iguatemi, já foram abertos 346 shoppings. Hoje, eles concentram 20% das vendas do varejo brasileiro.
OS SHOPPING CENTERS JA HAVIAM CONQUISTADO a preferência nacional quando as portas do
mercado foram escancaradas para a modernidade com a abertura promovida pelo governo Fernando
Collor de Mello, no início dos anos 90. Durante os primeiros dias de seu fulminante mandato, Collor
prometia varrer das ruas brasileiras as "carroças", facilitando a entrada no país de modelos modernos.
O Lada, uma autêntica carroça russa, virou o símbolo do início dessa era. E seu fracasso, um sinal de
que o consumidor brasileiro -- influenciado pelos primeiros ventos da globalização -- já exigia mais. E a
indústria nacional, mesmo a representada pelas multinacionais, teve de acordar para a necessidade de
melhoria da qualidade com redução de custo e de preço. Eis o que se pode chamar de concorrência: nos
supermercados, por exemplo, o número médio de itens oferecidos mais que triplicou.
A maior avidez por consumo e o aumento, ainda que lento, do poder de compra chamaram a atenção
das multinacionais. Em 2006, havia 212 companhias de capital estrangeiro operando no Brasil,
segundo Melhores e Maiores, de EXAME. No setor de varejo, instalaram-se aqui o francês Carrefour, a
holandesa C&A e a americana Wal-Mart, maior empresa do mundo, com faturamento global de 351
bilhões de dólares em 2006. Há hoje, no Brasil, 16 montadoras de automóveis instaladas. Para a
Unilever, uma das gigantes mundiais de bens de consumo, a operação brasileira é a terceira mais
importante, atrás de Estados Unidos e Inglaterra. Os brasileiros estão entre os maiores consumidores
de Coca-Cola do planeta. A subsidiária local está em terceiro lugar no ranking da corporação. O país
representa o segundo maior mercado para a espanhola Telefónica, atrás apenas de sua sede. No ano
passado, o Brasil chegou ao sexto lugar no ranking global de usuários de telefones celulares, segundo
um estudo recente da União Internacional de Telecomunicações. À frente estão Estados Unidos, Japão,
China, Índia e Rússia.
A combinação entre demografia, estabilidade econômica, demandas reprimidas e renda em ascensão
coloca o Brasil entre as potências emergentes. Empresas de todo o mundo buscam oportunidades de
crescimento rápido, e isso explica, em parte, o recente recorde de investimentos estrangeiros no país -26,5 bilhões de dólares no período entre janeiro e agosto deste ano --, o maior desde a onda de
privatizações dos anos 90. Um estudo do banco de investimentos americano Goldman Sachs estimou
que, até 2015, mais 60 milhões de pessoas serão incorporadas ao mercado brasileiro, oriundas
sobretudo das classes D e E. Por causa de uma combinação de fatores que vão da onda de geração de
empregos, proporcionados pela expansão da indústria turística, à melhoria de renda das fatias mais
pobres, graças ao aumento do salário mínimo e de programas como o Bolsa Família, o mercado de
consumo de estados como Bahia e Pernambuco já cresce acima da média nacional. Um estudo da
consultoria Gouvêa de Souza & MD mostra que, no Nordeste, de cada 1 real que sobra no orçamento
doméstico das famílias, 78 centavos são gastos na compra de itens de consumo. Em outras regiões,
como a Centro-Sul, essa proporção cai para 55 centavos de real.
As transformações no perfil do consumo atingem todas as classes sociais. As senhoras distintas que,
nas décadas de 60 e 70, faziam suas compras na rua Augusta, no centro de São Paulo, deram lugar a
consumidoras de grifes como Prada, Gucci, Armani e Chanel. No mesmo país onde a Unilever vende
sabão em pó em sacos plásticos para baratear o produto e adaptá-lo à renda da dona-de-casa
nordestina, a grife francesa Louis Vuitton mantém em São Paulo sua quinta loja em faturamento por
metro quadrado. A Louis Vuitton tem 330 pontos-de-venda espalhados pelo mundo. Estima-se que
existam no país mais de 100 000 pessoas com renda familiar superior a 50 000 reais por mês. Embora
seja um clube fechadíssimo quando comparado aos das economias mais desenvolvidas, a classe A
brasileira é formada por pessoas que estão entre as mais ávidas consumidoras do mundo de várias
categorias de artigos de luxo. Segundo estimativas das consultorias MCF e GfK , esse mercado deve
crescer 10% até o final deste ano, movimentando 4 bilhões de dólares. São esses consumidores que dão
vida a mecas do luxo, como a butique Daslu e a rua Oscar Freire, ambas em São Paulo.
Essa diversidade no perfil de consumo faz com que a exploração do mercado brasileiro seja um
trabalho de complexidade cada vez maior para as empresas. Uma das estratégias que vêm sendo
usadas é a da extensão de linhas e marcas, de modo a cobrir vários perfis de clientes. A Whirlpool, por
exemplo, dona das marcas Brastemp e Consul, acaba de lançar uma linha com 25 modelos de geladeira
-- uma para cada tipo de consumidor. Há menos de três anos, as linhas de geladeira da Whirlpool
possuíam, em média, dois modelos. "As empresas passaram a ter uma ânsia de atender a todos os
públicos e, diante de tantas ofertas, elas têm de fabricar mercadorias que se diferenciem cada vez
mais", diz Marcos Gouvêa, da GS&MD Consultoria em Varejo.
Um mercado em evolução
Fatos que marcaram a história do consumo no Brasil
1967
Chega ao mercado o Galaxie 500, o primeiro carro de
luxo produzido pela Ford no Brasil
1968
Lançado o cartão de crédito Bradesco, pioneiro no
mercado brasileiro
1971
Inaugurado o primeiro hipermercado, o Jumbo, bandeira
da rede Pão de Açúcar
1972
A primeira TV em cores do país é produzida pela Philco.
No início da década, apenas 30% dos brasileiros tinham
um aparelho desses em casa
1975
Chega ao país a primeira rede estrangeira de
supermercados, a francesa Carrefour
1979
O McDonald’s abre a primeira loja do país, no Rio de
Janeiro, criando espaço para a proliferação da indústria
de fast food
1984
A Philips fabrica o primeiro CD player no Brasil
1986
É lançado o Plano Cruzado, que tenta combater a
inflação com uma política de congelamento de preços.
Ele resistiu apenas nove meses
1990
O primeiro celular chega ao Brasil. Na época, o aparelho
era quase do tamanho de um tijolo, pesava cerca de 1
quilo e custava o equivalente a 22 000 reais.
O processo de hiperinflação no país chega ao auge: os
preços sobem 80% ao mês
1991
O presidente Fernando Collor de Mello promove abertura
de mercado aos bens importados. Os rústicos carros
russos da Lada viram um
símbolo do momento
1994
É lançado o Plano Real, que traz estabilidade econômica
e provoca uma explosão de consumo
1995
Maior varejista do mundo, o Wal-Mart desembarca no
Brasil
1997
Surge o DVD no país.
Na esteira do boom de consumo do Plano Real, a
indústria automobilística vende 1,9 milhão de carros, um
recorde até aquele
momento
2003
Surge o crédito consignado com desconto em folha no
INSS.A medida incorpora ao mercado mais de 2 milhões
de consumidores
2005
O comércio eletrônico atinge 1 bilhão de dólares em
vendas no país.
Inaugurada em São Paulo a Villa Daslu, loja que vira
sinônimo do consumo de artigos de luxo no país
2007
As vendas de computadores encostam nas de
televisores. A previsão é que sejam vendidos 10 milhões
de PCs no país até o final do ano. As vendas de carros
passam de 1 milhão de unidades no primeiro semestre.
Nesse ritmo, até o fim do ano elas devem superar o
recorde de 1997
TENTAR ENTENDER A ALMA DO CONSUMIDOR é uma das funções que surgiram ao longo das
últimas quatro décadas. Está diretamente ligada ao aparecimento do marketing moderno no Brasil. Os
executivos responsáveis pela marca Brastemp, por exemplo, aumentaram de 50 para 80 o número de
pesquisas anuais desde 2005. Algumas delas são feitas dentro da casa dos consumidores,
acompanhando parte de seu dia-a-dia para detectar com maior precisão seus hábitos e necessidades.
"Hoje, o consumidor sai de casa sabendo o que quer comprar, porque já se informou na internet", diz
Fabrício Garcia, executivo de compras do Magazine Luiza, uma das maiores redes de varejo do país,
com sede em Franca, no interior de São Paulo. Rapidamente, o brasileiro vem transformando a rede de
fonte de informação em canal de compras. O comércio eletrônico já movimenta mais de 3 bilhões de
dólares em vendas por ano. O mercado é liderado pela B2W, empresa resultante da fusão entre a
Americanas.com e a Submarino.
É esse mesmo cliente, que compra com um clique de mouse, paga com cartão de crédito e recebe
notícias de sua encomenda pela mensagem de texto do celular, que escolhe, cada vez mais, seus
fornecedores pelo comportamento social e ambiental que eles adotam. Preço competitivo é prérequisito. Qualidade é pré-requisito. Um bom serviço faz a diferença. Sustentabilidade pode decidir.
Trata-se de uma mudança tremenda desde 1991, quando entrou em vigor no Brasil o Código de Defesa
do Consumidor, marco nas relações entre empresas e mercado. O direito à qualidade, na época, foi
empurrado pela lei. Agora, a cobrança pela sustentabilidade empresarial é movida a informação (nem
sempre livre de polêmica). É esse tipo de comportamento que faz florescer novos mercados, como o de
produtos light/diet ou orgânicos. Dados do instituto de pesquisa LatinPanel mostram que o público
para esses artigos no país cresceu três vezes nos últimos cinco anos. Hoje, cerca de 20% dos
consumidores levam para casa algum produto desse tipo. É esse comportamento que coloca na
berlinda empresas de fast food, cigarros ou, mais recentemente, montadoras que produzem carros
beberrões de gasolina. Um levantamento recente do Instituto Akatu, ligado à defesa do consumo
responsável, feito com 1 200 pessoas que vivem em 11 das maiores cidades brasileiras, mostrou que
35% dos entrevistados levam em conta fatores como a postura ética das companhias e seu
comprometimento com a preservação do meio ambiente. "Esse comportamento deixou há muito
tempo de ser um modismo e afeta diretamente o dia-a-dia e as estratégias das companhias", diz
Claudia Pagnano, diretora de marketing do grupo Pão de Açúcar. Questões como essa só surgem em
países onde o mercado se encontra num estágio minimamente sofisticado e o cidadão tem acesso
irrestrito à informação. "A velocidade com que a informação chega ao consumidor é uma das maiores
alavancas de mudança do mercado", diz José Galló, presidente da Renner, uma das maiores redes de
varejo de roupas do país. Trata-se de uma das diferenças brutais entre o mercado brasileiro e, por
exemplo, o chinês. Não estamos no paraíso do consumo. Mas o inferno, ao que parece, ficou no
passado.
O Brasil um dia vai ser a China?
As lições dos asiáticos para os brasileiros são simples: é preciso aumentar os investimentos
e diminuir a presença do Estado na economia. Difícil é implementá-las
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Festival das lanternas em Xangai: poucos países são tão diferentes em
Por Bill Emmott | 04.10.2007
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Revista EXAME -
O crescimento econômico do Brasil nos últimos anos tem sido decepcionante, especialmente para os
muitos observadores que torcem pelo país no exterior. Em meio a um boom do preço de commodities e
a taxas recordes de expansão da economia global, o Brasil devia ter conseguido mais do que crescer 3%
ao ano. Mas o avanço do crescimento do produto interno bruto (PIB) deste ano para taxas anuais
superiores a 5% não apenas nos deixou animados como nos fez sonhar. Poderíamos estar vendo o
começo de um período de crescimento rápido e sustentado? Em outras palavras, o Brasil poderia
repetir o que a China vem fazendo? Na verdade, essa é a pergunta errada. É sempre tentador tomar o
campeão de crescimento e nos compararmos a ele. Todo o mundo fez isso tendo o Japão em mente nos
anos 60, 70 e 80. Mas os países, é bom que se lembre, são muito diferentes, e poucos são mais distintos
do que China e Brasil em sua herança, sua história econômica e suas estruturas políticas. Os pontos de
partida são completamente diferentes, quer se compare o Brasil com a China no início de seu período
de forte crescimento, em 1978, quer se compare hoje. Para começar, o Brasil já é mais rico que a China,
com renda per capita que é mais que o dobro da chinesa, usando-se como parâmetro taxas de câmbio
de mercado.
Mesmo medida pela paridade de poder de compra, a renda brasileira é 50% mais alta. Aqui, vale a
ressalva de que a China está diminuindo muito rapidamente a distância.
Há duas boas perguntas para ajudar a clarear nossos sonhos sobre o futuro da economia brasileira. A
primeira é: o que o Brasil deve fazer para acelerar seu crescimento? A segunda: existe algo que os
brasileiros podem aprender com o sucesso da China e, talvez, o da Índia para acelerar o crescimento? A
Índia é ainda mais pobre que a China, com renda per capita inferior a um quinto da verificada no
Brasil. Nos últimos quatro anos, no entanto, os indianos deram um salto em termos de crescimento
econômico do tipo que pode estar agora começando no Brasil. A Índia saiu de 6% ao ano para 9,4%.
Quando se procura extrair lições apenas da China, existe o risco de que elas possam ser descartadas por
razões políticas. O Brasil é uma democracia em que pessoas, Estado e grupos de interesse têm direitos
bem estabelecidos, além de meios para defendê-los. A China é um sistema autoritário, sem democracia,
sem Judiciário independente e com direitos individuais que existem mas são vulneráveis à vontade do
Partido Comunista.
Ainda que algumas das peculiaridades da China decorram da ditadura, a verdade é que a explicação
para o sucesso do país não deve ser reduzida a seu sistema político. A maioria das ditaduras não
consegue atingir ou manter o ritmo chinês. Se o sistema político explicasse todo o desenvolvimento da
China, o país obrigatoriamente teria de haver contado com dirigentes altamente brilhantes nos últimos
30 anos, algo pra lá de implausível. Além disso, o modelo econômico chinês está longe de ser uma
novidade. O país segue um padrão que teve como pioneiros o Japão, a Coréia do Sul, Taiwan e outros
Tigres Asiáticos, muitos dos quais são agora democracias. A Índia -- a maior democracia do mundo -está começando a seguir o mesmo caminho. A ditadura de um partido comunista, é bom que se diga,
não é uma condição necessária para o sucesso capitalista.
A chave é o investimento
A diferença fundamental entre o Brasil e as histórias de sucesso do Leste Asiático pode ser resumida
em uma única estatística: a relação entre investimento e PIB. No Brasil, o investimento em 2006
representou 16,8% do PIB, percentual bastante parecido com o dos Estados Unidos. Na China, por sua
vez, o número chegou a quase 45% e, na Índia, foi de 34%. O investimento é um indicador importante
porque é a fonte de crescimento futuro da produção e, portanto, do PIB. Se você constrói uma fábrica
hoje, isso mostra que espera estar produzindo mais no futuro. Evidentemente, nem todo investimento
é produtivo. Parte do que é aplicado na China pode estar sendo desperdiçada na forma de prédios de
escritório desnecessários ou aeroportos que poucas pessoas usam. O investimento nos últimos anos, de
fato, parece ter se tornado menos eficiente, pois uma proporção de 45% deveria gerar um crescimento
anual do PIB superior aos 11% vistos recentemente.
Para que a economia brasileira atinja um crescimento maior, o país precisa estimular um aumento do
investimento tanto privado como público. Como? Os governos não elevam a taxa de investimento
simplesmente com uma decisão. O único meio de fazê-lo diretamente é gastando mais dinheiro
público, mas isso causa crescimento dos déficits orçamentários, aumentos enor mes da dívida pública e
o tipo de crise da dívida que a América Latina enfrentou nos anos 80. É justamente nesse aspecto que
as lições chinesas se tornam relevantes para o Brasil. As razões do crescimento dos investimentos na
China são o baixo custo do capital e a facilidade de abrir e expandir uma empresa, sem falar na
competição intensa provocada pelas baixas tarifas de importação, que provocaram a queda dos preços
dos insumos. Esses fatores, é inegável, encorajaram a enorme expansão de exportações chinesas e
atraíram multinacionais interessadas em montar uma base de produção no país. O investimento
estrangeiro, de mais de 70 bilhões de dólares por ano, ganhou as manchetes e tem contribuído para o
crescimento do PIB, mas é um engano achar que foi a influência decisiva. A maior parte do
investimento tem sido de companhias domésticas e do governo, não de empresas estrangeiras. Há
outro fator: a taxa de câmbio tem sido fixada pelo governo bem abaixo do nível que se estabeleceria
num mercado livre. Combinado com o controle de entrada e saída de capitais, isso tanto impulsionou
as exportações como manteve baixo o custo do capital.
Se olharmos para outros países asiáticos bem-sucedidos, como Coréia do Sul, Taiwan e, agora, Índia,
muitos desses fatores também se aplicam -- embora não todos. O custo do capital tem sido baixo nos
três lugares. Na Índia, por exemplo, isso ocorreu principalmente porque a inflação foi controlada, as
taxas de juro caíram e a poupança doméstica cresceu. É bem verdade que não é fácil abrir ou expandir
uma empresa na Índia. E que as moedas de Coréia, Taiwan e Índia têm flutuado mais livremente, e
com valores mais realistas, que a da China. O que eles têm em comum, porém, é que em todos esses
países o comércio tornou-se mais aberto, reduzindo o custo de insumos, as oportunidades para os
empresários aumentaram e a poupança doméstica foi suficientemente abundante para financiar a
maior parte ou todo o investimento.
Impostos, custos e regras
A outra grande diferença entre China e Brasil está no papel e no tamanho do Estado. Na China, embora
o capitalismo tenha sido implantado e a propriedade estatal da indústria reduzida, o Estado ainda tem
um papel muito importante. Mas esse papel não se expressa em impostos e gastos públicos. Nos
últimos dez anos, a relação entre arrecadação fiscal e PIB na China dobrou, de cerca de 10% para quase
20% em 2006. Com isso, o déficit fiscal do governo foi eliminado. Ainda assim, o impacto do Estado
chinês via impostos e gastos públicos é muito menor que o do Estado brasileiro, cujos impostos
representam mais de 35% do PIB. Nesse sentido, o Estado brasileiro é muito parecido com o dos
Estados Unidos e o do Japão, e muito maior que o da maioria dos outros países em desenvolvimento,
nos quais a arrecadação de impostos varia de 15% a 30% do PIB.
Todos temos preconceitos contra impostos, a menos que estejamos entre os que recebem o dinheiro
gasto pelo governo. Os efeitos econômicos importantes dos altos impostos são dois: eles reduzem os
incentivos para o trabalho e o empreendedorismo; e aumentam o estímulo para operações ilegais no
mercado negro. As empresas do setor informal também contribuem para o crescimento econômico,
mas acabam, por necessidade, permanecendo muito pequenas. Temendo ser detectadas pelas
autoridades, não investem tanto. Além dos impostos, o excesso de regras do Estado brasileiro não
incentiva o investimento. O Banco Mundial produz um levantamento anual que mede o grau de
dificuldade de fazer negócios em 178 países, observando fatores como leis e burocracia. O banco dá ao
Brasil uma avaliação ruim: o 122o lugar. A posição é próxima à da Índia, que apareceu em 120o, mas
muito pior que a da China, em 83o. Em comparação com a China, no Brasil leva-se mais tempo para
abrir uma empresa, para fazer valer um contrato, para exportar ou importar bens e, principalmente,
para processar e pagar impostos.
Uma década de reforma
Se as lições da China para o Brasil já estão claras -- o investimento precisa crescer e o Estado deve
encolher --, resta saber o que os brasileiros podem fazer para incorporar esses ensinamentos. Duas
coisas são óbvias. Uma é que o Brasil não pode adotar essas lições da noite para o dia. A outra é que um
crescimento econômico rápido não vem com o apoio a um ou dois supersetores -- como etanol ou
fabricação de aviões. Uma grande economia como a do Brasil precisa voar com muitos motores, e não
apenas alguns. É preciso permitir e encorajar o empreendimento privado a encontrar um milhão de
lugares para investir. A experiência de países asiáticos também sugere uma terceira conclusão: para
alcançar um crescimento rápido, não é necessário fazer tudo direito. O requisito mínimo é a
estabilidade macroeconômica, o que significa inflação baixa, política fiscal previsível e menor
volatilidade cambial. Nesses pontos, o Brasil já é um vitorioso, graças a Fernando Henrique Cardoso e
agora a Lula. O passo final deve ser assegurar independência ao Banco Central para convencer a todos
que esse progresso realmente será permanente.
Além disso, um país precisa criar o sentimento entre as empresas privadas de que suas oportunidades
estão aumentando e que os custos impostos a elas pelo governo serão razoáveis. Isso não significa que
todos os regulamentos, impostos e limitações devam ser abolidos de uma hora para outra. Mas um
plano claro para a eliminação ou a redução de barreiras, de impostos e de requisitos burocráticos
permite que os investidores olhem para a frente e procurem meios de explorar as liberdades que virão.
Essa é, com efeito, a história da aceleração do crescimento na Índia nos últimos quatro anos. Um
processo consistente de reforma gradual, combinado com evidências crescentes de estabilidade
macroeconômica, convenceu as empresas de que valia a pena investir. O setor público também tem
aplicado recursos, em especial em infra-estrutura, mas a maior parte do investimento extra está vindo
de empresas privadas.
O custo Brasil não será reduzido facilmente ou rapidamente, mas o anúncio de um programa de dez
anos encorajaria o setor privado a se preparar para um país com um ambiente realmente competitivo.
Depois de reduzir o risco de inflação, um governo tem pouco a fazer para baixar o custo do capital. No
entanto, os governantes deveriam facilitar o uso do capital, com a modernização de regras e a reforma
do Judiciário. O Brasil não pode se tornar uma China. Não tem a mesma demografia ou herança
política. Não é uma área inexplorada esperando construções, como foi a China nas últimas décadas.
Porém, se quiser alcançar um crescimento econômico mais robusto, o país deve aprender com os
asiáticos. Esses ensinamentos não são, de fato, difíceis. O problema é que, com freqüência, lições
simples costumam ser as mais árduas de implementar.
Revista Exame: O velho Brasil virou pó
(07/10/2007 - 12:57)
DESENVOLVIMENTO
A trajetória que vem transformando um país fechado, agrário e atrasado numa economia moderna e globalizada
Sérgio Ruiz Luz
Os sentimentos dos brasileiros a respeito das possibilidades do país oscilaram de forma bipolar nos últimos 40 anos. Da euforia dos
tempos em que os 90 milhões em ação comemoravam o tricampeonato mundial de futebol, viam obras gigantescas de infra-estrutura
brotar em vários cantos do território e surfavam a onda de uma economia que evoluía a taxas de quase 10% ao ano, seguiu-se a mais
profunda das depressões, um estado econômico e de espírito que se manteve por anos e deixou cicatrizes.
Foi como se a chave de desenvolvimento tivesse sido invertida para o pólo negativo. As mazelas políticas em Brasília, o crescimento pífio,
as oportunidades perdidas, os recorrentes escândalos de corrupção contribuem atualmente para corroborar a tese de que a nação é um
projeto que não deu certo. Por tabela, estimulam também o nascimento de uma onda de nostalgia da época em que, dizia-se, o Brasil
tinha melhores escolas, serviços de bom nível e um cenário em que mesmo as grandes cidades pareciam menos hostis.
"Exageramos tanto em nossos momentos de sucesso quanto nos de fracasso", afirma o cientista político Renato Janine Ribeiro, da
Universidade de São Paulo. "Essa característica não nos permite ver, com clareza, quanto o Brasil mudou do final dos anos 60 para cá."
Os problemas ainda existem e são graves, assim como nossas limitações. Mas o fato é que, por qualquer ângulo que se olhe, o Brasil é
um país infinitamente melhor, mais moderno e mais sofisticado do que há 40 anos.
Em 1967, grande parte de nossa economia era tocada na base da enxada e da força bruta. Mais da metade da população morava no
campo, vivendo de uma atividade agrícola de baixíssima produtividade. Éramos na época menos urbanizados que vizinhos de continente,
como Chile e Argentina, e vivíamos de costas para o mundo, com um volume de exportações anuais semelhante ao do Senegal nos dias
de hoje.
Os indicadores sociais diferentemente do que as antigas imagens de um Rio de Janeiro embalado pela bossa nova e de uma São Paulo
aristocrática podem levar a crer só não eram péssimos para a elite. A expectativa de vida média não ultrapassava 60 anos. As causas de
morte mais comuns eram doenças infecciosas ligadas à pobreza, como tuberculose e malária. Na educação, quatro em cada dez
brasileiros nos anos 60 não sabiam ler e escrever.
Quase metade das crianças não tinha acesso à escola. Esse velho Brasil virou pó nas últimas décadas. O Brasil exportava nos anos 60
tanto quanto o Senegal nos dias de hoje De uma nação agrária, atrasada e fechada, o país avançou o suficiente para transformar-se
numa economia moderna e rele vante para o mundo. Sua renda per capita mais que quadruplicou no período, o acesso à educação básica
universalizou-se e o volume de vendas ao exterior cresceu de 1,6 bilhão de dólares para o patamar de 137 bilhões de dólares por ano.
(É evidente que a exuberância que o mundo experimenta há alguns anos ajuda consideravelmente países como o Brasil. O comércio
mundial cresce a uma taxa próxima de 5% ao ano. E, diante desse panorama, o Brasil continua a representar cerca de 1% do total das
trocas internacionais.) No campo, se a imagem que representava o país no passado era a figura indolente do jeca-tatu, hoje o Brasil é
reconhecido nessa área como uma das potências mundiais do agronegócio.
"Nenhuma nação do mundo fez o que o Brasil realizou", diz o ex-ministro Maílson da Nóbrega, sócio da consultoria Tendências. "Vivemos
vários séculos em quatro décadas" A façanha realizada nesse intervalo de tempo foi transformar a sociedade rural em industrial e de
serviços. Mas foi apenas uma etapa do processo. O desafio daqui para a frente é possivelmente ainda maior, devido à velocidade
acelerada do mundo: transmutar esta sociedade na qual vivemos numa economia não mais baseada em máquinas, mas em informação.
O país passou por várias transformações simultâneas nos últimos 40 anos movimentos provocados por forças externas e internas. Nos
anos 70, o Estado foi o grande motor da economia. Foi um período no qual ocorreram grandes saltos no processo de industrialização e na
criação de uma base capaz de sustentar o desenvolvimento, com obras de infra-estrutura como a usina hidrelétrica de Itaipu e a estrada
BR-364.
Mas foi também um período pobre para a iniciativa privada, sufocada pela falta de espaço deixada pelo governo na economia. Em 1967,
seis das dez maiores empresas do país eram estatais. O PIB estava umbilicalmente ligado a Brasília. "O período do regime fechado teve
um lado positivo apesar de tudo, os militares desenvolveram um projeto nacional", afirma o cientista político Sérgio Abranches.
"Mas eles fizeram opções econômicas penosas para a sociedade, caso de algumas obras faraônicas e inúteis, como a estrada
Transamazônica. A falta de controle democrático sobre o governo gerou decisões discutíveis como essa. Estamos pagando até hoje uma
série de contas que penduraram em nosso nome"
A recessão mundial dos anos 70, provocada pela crise do petróleo, não apenas acelerou o esgotamento desse modelo nacionaldesenvolvimentista mas também abriu o caminho para o início do processo que colocaria fim ao período do autoritarismo, dando início à
transição para a democracia e a economia de mercado.
Governo de Fernando Collor de Mello acabou se tornando um marco nessas duas questões. Ele chegou ao poder na primeira eleição
direta realizada após a ditadura e, logo depois de sua posse, em 1990, iniciou o processo de abertura do mercado brasileiro. Antes de
Collor, as tarifas médias de importação de produtos estavam entre 70% e 80%.
Atualmente, encontram-se na casa de 10%. As restrições ainda são maiores do que o desejável num mundo globalizado, mas sofreram
uma inequívoca evolução. O conjunto de condições para o Brasil realizar de vez a transição para uma economia moderna ficaria completo
no final dos anos 90, com o sucesso do Plano Real, que lançou o país numa de suas mais longas fases de estabilidade. "O Real foi o
acontecimento econômico mais importante dos últimos 40 anos", afirma Cláudio Haddad, presidente da escola de negócios Ibmec São
Paulo.
AS MUDANÇAS OCORRIDAS
Nas últimas quatro décadas na economia ajudaram a forjar o moderno capitalismo brasileiro. Nenhuma outra companhia brasileira
encarnou tão bem as transformações ocorridas no país quanto a Embraer. A empresa nasceu em agosto de 1969, por decreto do
presidente Arthur da Costa e Silva, para fabricar aviões para o Exército nacional. Tratada como centro da alta tecnologia brasileira, a
Embraer viveu boa parte de sua história de costas para o mercado.
O cliente simplesmente não importava para a Embraer, assim como não importava para a maior parte das empresas nacionais. Ele se
vingaria. Foi o fortalecimento do mercado, com a abertura à competição internacional, que jogaria a fabricante de aviões e outros tantos
nomes da velha indústria brasileira na lona. Em 1994, à beira da falência, a Embraer foi privatizada. Hoje, é a terceira maior fabricante
de jatos do mundo atrás apenas da americana Boeing e da francesa Airbus.
É também uma das mais globalizadas empresas do país. Sua sede, em São José dos Campos, no interior de São Paulo, é uma pequena
babel de idiomas, nacionalidades e especializações. Cerca de 85% dos componentes de seus aviões vêm do exterior. Há operações nos
Estados Unidos, na Europa, em Cingapura e na China. E novos projetos de desenvolvimento chegam a ser tocados, simultaneamente, por
profissionais de oito países.
Mudança de perfil
Os anos 90 foram de destruição criadora, de darwinismo econômico, do mercado como principal protagonista. "As empresas brasileiras
foram obrigadas a oferecer produtos e serviços mais sofisticados, com maior qualidade e menor preço", afirma o cientista político
Abranches. Desde a década de 90, a produtividade média da indústria nacional vem crescendo a uma taxa de 8% ao ano, segundo um
estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Com o surgimento da concorrência, aperfeiçoamentos institucionais tornaram-se indispensáveis. O Conselho Administrativo de Defesa
Econômica (Cade) foi instituído em 1962. Mas só mais de 30 anos depois sua plena atuação passou a fazer sentido. Em 2006, o Cade jul
gou 507 processos. Neste ano, de janeiro a julho, foram 372.
A Competição e os órgãos que regulam a conorrência são fenômenos recentes
A destruição criadora, termo cunhado pelo economista austríaco Joseph Schumpeter, fica evidente quando se comparam as maiores
empresas em faturamento dos últimos 40 anos. Entre as 40 mais bem colocadas do setor privado nacional no ranking de 2006 de
Melhores e Maiores, de EXAME, nove surgiram nas duas últimas décadas entre elas estão a companhia aérea Gol e a operadora de
telecomunicações Oi Telemar.
As empresas já existentes e que conseguiram sobreviver ficaram fortalecidas. Nos últimos 27 anos, o faturamento da Perdigão foi
multiplicado por 10. No mesmo período, as vendas da Suzano, fabricante de papel e celulose, cresceram 400%. Na França, para efeito de
comparação, apenas quatro das 40 maiores empresas do país surgiram depois dos anos 80. Essa tropa de elite dos negócios brasileiros
passa por um rápido processo de internacionalização.
De acordo com um levantamento do Boston Consulting Group, o Brasil possuiu hoje 12 das 100 maiores multinacionais das economias
emergentes. Nesse aspecto, fica atrás de China (44 companhias) e Índia (21), mas à frente de Rússia (sete) e México (seis).
A mineradora Vale do Rio Doce é hoje o maior símbolo do avanço das multinacionais brasileiras. Como a Embraer, ela surgiu como
estatal e entrou no lote de privatizações dos anos 90. Graças a uma gestão mais eficiente e a um grande ciclo de alta nas cotações
mundiais das commodities, sua receita anual mais que triplicou na última década. (E, antes que alguém proteste: exportar commodities
hoje é muito diferente de vendê-las 40 anos atrás, graças sobretudo à tecnologia e ao tipo de profissional especializado empregados
atualmente.)
"As empresas brasileiras se beneficiaram da forte transferência de recursos das nações que mais consomem commodities para aquelas
que as produzem, conseqüência da entrada da China no mercado global", afirma o economista Raul Velloso. De 2001 para cá, a Vale fez
18 aquisições internacionais, alcançando o posto de segunda maior empresa mundial do setor, logo depois da australiana BHP Billiton. No
fechamento desta edição, seu valor de mercado na bolsa de valores era de 286 bilhões de reais, pouco à frente da maior companhia
brasileira em faturamento, a estatal Petrobras.
De forma geral, o Brasil dos negócios cresce mais rápido que o Brasil oficial. A existência de dois mundos paralelos fica mais evidente a
cada crise política que explode no Planalto Central. Antes prenúncios de caos e paralisias, essas crises parecem ter perdido o poder de
mexer, pelo menos dramaticamente, com a economia real. Em 2006, o conjunto das vendas das 500 maiores empresas do país cresceu
acima do PIB nacional 5,8%, ante 3,7%, de acordo com os dados de Melhores e Maiores.
Em larga medida, o desempenho excepcional de um dos setores mais importantes de nossa economia na atualidade, o agronegócio,
também decolou quando o Estado deixou de irrigar a ineficiência empresarial com subsídios. Quando isso ocorreu, em meados dos anos
80, falava-se numa quebradeira geral. O que aconteceu? A fronteira agrícola expandiu-se para novas áreas e a produtividade, no geral,
aumentou.
De acordo com estimativas de especialistas, deve ser colhido na safra 2007 um total de 131 milhões de toneladas de grãos, um recorde
na história. "O maior mérito nisso é dos produtores", diz Marcos Pratini de Moraes, ministro da Agricultura entre 1999 e 2002. "Os
mercados foram abertos lá fora e eles souberam aproveitar a oportunidade, aumentando sua eficiência sem precisar de incentivos
públicos."
O descolamento dos dois Brasis é um dos grandes desafios que o país precisa enfrentar nas próximas décadas. Na visão da maioria dos
analistas, a resolução desse problema passa pelo término do trabalho de revisão do papel do Estado na economia do país, iniciado com a
onda de privatizações dos anos 90. "Não há mais como o governo exercer hoje o papel que representou nos anos 70", diz Haddad. "As
reformas precisam ser aprofundadas."
Segundo estimativas, o país deve terminar este ano com uma taxa de evolução do PIB na casa dos 5%, a melhor marca dos últimos três
anos. Mesmo assim, será a pior performance entre os outros gigantes emergentes Rússia, Índia e China. "A evolução de alguns números
fornece a impressão errada de que está tudo resolvido", afirma o ex-ministro Delfim Netto. "Nos anos 80, tínhamos uma participação no
comércio mundial igual à da Coréia do Sul e à da China. Hoje, continuamos com o mesmo 1%, enquanto a Coréia chegou a 3% e a China
está batendo em 9%."
O Brasil parece ter nascido fadado a conviver para sempre com o fantasma da urgência do desenvolvimento. Mesmo tendo sido uma das
economias que mais evoluíram nos 80 primeiros anos do século passado, esse feito ocorreu sobre uma base baixa. Repeti-lo, nas
próximas décadas, será algo muito mais complicado. Mas não há como pensar num futuro minimamente decente para o país sem incluir
um grande e novo ciclo de multiplicação de recursos.
Há várias dívidas no campo social que estão longe de ser quitadas. Segundo dados da Fundação Getulio Vargas, a proporção de
miseráveis entre a população caiu de 36% para 19% no período de 1993 a 2006. Em outros termos, houve redução de 45% no número
de pessoas vivendo em situação de pobreza extrema, com renda mensal abaixo de 125 reais.
Mesmo assim, dois em cada dez brasileiros continuam fora do mais básico dos mercados, uma proporção inaceitável para qualquer país
com uma economia do tamanho da brasileira. Outros indicadores, apesar da evolução registrada nos últimos 40 anos, ainda trazem um
quadro preocupante. Na questão do analfabetismo, por exemplo, um trabalho recente mostrou que a taxa de 11% de pessoas que não
sabem ler e escrever no Brasil está acima da média de 9% registrada no conjunto de países da América Latina e do Caribe.
O nascimento de uma economia moderna
A transformação em larga escala da sociedade brasileira e a incapacidade do governo de lidar plenamente com esse movimento gerou
novos problemas. "Num primeiro momento, a migração do campo para a cidade ocorreu no mesmo ritmo de evolução da economia
nacional", diz o cientista político Abranches. "A partir de meados dos anos 70, porém, esse movimento continuou intenso sem que as
grandes cidades tivessem mais condições de absorver tanta gente, pois o país passou a crescer bem menos" A crise de violência urbana
em capitais como Rio de Janeiro e São Paulo é fruto direto desse descompasso.
A explosão urbana
As projeções sobre o perfil demográfico da população brasileira trazem oportunidades e desafios. Com o aumento da expectativa de vida
das pessoas e a queda na taxa de natalidade, a população vem envelhecendo num ritmo rápido o que deve sobrecarregar ainda mais as
já combalidas contas da Previdência Social. O Brasil gasta atualmente cerca de 10% de seu orçamento com os regimes de aposentadoria.
Segundo as projeções dos especialistas, que levam em conta a evolução da população e do atual perfil demográfico, esses gastos devem
se elevar para 20% até 2050. Com isso, o Brasil vai gastar mais com aposentadoria do que países desenvolvidos, como Alemanha,
Espanha e Dinamarca. "Precisamos resolver com urgência o que desejamos ser num futuro próximo", diz Delfim Netto, lembrando que a
população dever chegar a 250 milhões até 2050.
Com as reformas econômicas que estimulem um crescimento maior nos próximos anos, podemos nos tornar um país de 250 milhões com
renda per capita de 15 000 dólares. Caso contrário, seremos uma nação com essa mesma quantidade de gente, mas com renda per
capita de 1 500 dólares. A análise dos erros e acertos dos últimos 40 anos fornece pistas valiosas para o Brasil escolher o rumo certo
nessa encruzilhada.
país pode chegar a uma população de 250 milhões de pessoas até 2050
O país avança
Evolução nas últimas quatro décadas de vários indicadores econômicos e sociais do Brasil
PIB (em bilhões de dólares)
1967
31
2007
1 177(1)
Renda per capita (valores constantes em dólares PPP por ano)
1960
1 800
2006
8 800
Inflação
1967
26,5%
2006
3,1%
Taxa de analfabetismo
1967
39%
2006
11%
Crianças no ensino fundamental
1967
51%
2006
97%
Jovens no ensino médio
1967
39%
2006
84%
Matrículas no ensino superior (público e privado)
1967
426 000
2006
4,4 milhões
Frota de veículos
1967
1,6 milhão
2006
46,3 milhões
Quilômetros de estradas asfaltadas
1967
42 000
2006
196 000
Capacidade de geração de energia (em MW)
1967
14 350
2006
100 000
Consumo de energia (em GWh)
1967
28 000
2006
359 000
Residências com energia
1967
43%
2007
97%
(1) Estimativa
Fontes: Banco Mundial, FMI, IBGE, Ipea,Denatran, Empresa de Pesquisa Energética (EPE), IGP-FGV, IPCA(IBGE), Ministério dos
Transportes
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