XIV CONGRESSO BRASILEIRO DE SOCIOLOGIA 28 A 31 DE JULHO DE 2009, RIO DE JANEIRO (RJ) GT20 - SEXUALIDADES, CORPORALIDADES E TRANSGRESSÕES JUVENTUDE, HOMOSSEXUALIDADE E MÍDIA DIGITAL Lucélia de Moraes Braga Bassalo Doutoranda em Educação da UNB - Universidade de Brasília Profa. Assistente I da UEPA – Universidade do Estado do Pará e Profa. Adjunto III da Universidade da Amazônia. Resumo: O tema da homossexualidade tem pouca visibilidade nos estudos sobre juventude. A internet é uma rede de informação e comunicação, com alto poder de aproximação virtual entre jovens. As comunidades virtuais aproximam identidades e significados quiçá desenvolvendo significados novos. O objetivo deste texto é demonstrar posicionamentos e debates sobre a homossexualidade feminina e masculina entre jovens que fazem uso dos espaços virtuais especificamente no site viração : mudança, atitude e ousadia, no blog Dialogoj e nos sites de relacionamento e-jovem / e-kut e leskut. Ao tratar deste tema devemos considerar o caráter transgressor da homossexualidade e que ao usar o termo homossexual, veremos que há uma predominância dos problemas e reivindicações do universo masculino, em detrimento das questões do universo feminino. Palavras-chave: juventude, sexualidade e mídia digital; Juventude e homossexualidade; juventude e internet. CONSIDERAÇÔES INICIAIS Mundo ponto com. Era de informação, da rede e da fluidez. Significados até 50 anos atrás consolidados desmancham-se no mundo do ciberespaço, do que não é sólido mas real. Novo e com diferentes facetas. Dia e noite não influenciam mais a comunicação. O tempo interage com outros tempos e delimitações geográficas. Digital, virtual se integrando em novos significados e processos inquestionavelmente bem absorvidos pela juventude. Originadas no processo de globalização do neoliberalismo, expressões como ciberespaço, mídia digital, site, blog, orkut ganham espaço entre tantos outros novos significados e vocábulos do mundo virtual. Antônimo de real, o virtual tem como sinônimo aquilo que é latente, possível, potencial, e se considerarmos que juventude tem o sentido de novo, a combinação entre juventude e mundo virtual aponta a criação de perspectivas que revolucionam as formas de interação. Se a cada dia surgem matérias sobre a utilização nociva da internet, com notícias sobre pedofilia, exploração sexual de crianças e adolescentes, que muitas vezes terminam em tragédia, a internet como uma rede de informação e comunicação, é também apontada como um poderoso instrumento de aproximação de culturas e indivíduos que de outra forma jamais manteriam contato. Certamente é um espaço de socialização onde, se por um lado o contato real é menosprezado, por outro pode ser utilizado como um instrumento potente de agregação. As chamadas comunidades virtuais aproximam identidades e significados, quiçá desenvolvendo significados novos. Nesse debate incluímos a sexualidade considerada na perspectiva foucaultiana como um discurso, que desenvolve estratégias de saber e poder, e que é desenvolvida ao longo do processo educacional e se inscreve no indivíduo, em seus corpos, dizendo o que é válido ou não, o que é normal e anormal, que o orienta, tanto no que se refere às relações que mantém com o mundo, como na visão que tem de si, como homem e mulher. Nesta perspectiva através do sistema de panóptico, os sujeitos são controlados e controlam a si e seus corpos. (Cf. FOUCAULT, 1997) A sexualidade como um campo de estudo é analisado pelas ciências humanas de modo diferente e com apropriações específicas, vasto de análises, interpretações e especificidades. Nesta esfera a homossexualidade é considerada uma orientação da sexualidade humana, e foi historicamente condenada pelo discurso médico e teológico, como veremos adiante. Atualmente vivemos um momento em que o debate sobre a homossexualidade está presente nos veículos de comunicação, seja em filmes, novelas e minisséries que mostram personagens estereotipados ou não, seja nas diferentes manifestações públicas em prol da visibilidade e dos direitos dos homossexuais a adoção, ao casamento, a herança entre outros direitos civis acessíveis aos casais heterossexuais, e vedados aos casais homossexuais. Apesar disso, o tema da homossexualidade tem pouca visibilidade nos estudos sobre juventude. Este texto tem a característica de aproximar estes três temas, juventude, homossexualidade e mídia digital, especificamente em páginas da internet, com o intuito de demonstrar que os jovens têm se utilizado das ferramentas disponíveis no espaço virtual, para dar visibilidade ao tema da homossexualidade identificada, de acordo com o método documentário como metáfora de foco e como espaço de experiência conjuntiva, nos sites criados específicamente para entrar em contato com outros jovens homossexuais. Como recorte empírico indica-se o site viração: mudança, atitude e ousadia - http://www.revistaviracao.org.br, o blog Dialogoj http://dialogoj.wordpress.com, o site e-jovem - http://www.e-jovem.com, e e-kut - http://www.e-jovem.ning.com, e leskut - http://paradalesbica.com.br/leskut, os dois últimos sites de relacionamento. I – JUVENTUDE, HOMOSSEXUALIDADE E GÊNERO Ao tratar do tema homossexualidade e juventude, devemos considerar alguns aspectos numa reflexão inicial sobre o tema. A primeira, se refere a heteronormatividade, ou seja a homossexualidade é uma não norma, o homossexual é algo no mínimo diferente daquilo que é previsto socialmente, logo ser homossexual, formar um par do mesmo sexo, tem um caráter transgressor a norma constituída. A segunda, está relacionada a constituição de uma identidade positiva homossexual, posto que garotos e garotas se perguntam o que é que eu sou, já que nossa sociedade fundada no raciocínio binário, espera que todo menino se relacione com uma menina e uma menina com um menino. A terceira diz respeito à visibilidade pois ao perceberem que “fugiram a regra”, que são exceção, os garotos e garotas homossexuais vêem-se diante de um conflito social historicamente constituído, lhes restando poucos espaços para “ser”, pois confusos e cerceados na manifestação de seus sentimentos, percebem que a maioria dos comportamentos socialmente aceitos e incentivados para casais heterossexuais, lhes são negados. Sobre a heteronormatividade podemos identificar a partir de Costa (1996) que a separação entre homossexuais e heterossexuais, advém do mito da “bisexualidade original”, que opõe as pessoas a partir do sexo biológico, pois “A invenção dos homossexuais e heterossexuais foi uma conseqüência inevitável das exigências feitas à mulher e ao homem pela sociedade burguesa européia” (COSTA, 1996, p.86). A psiquiatria clássica, que surge no século XIX dá continuidade às posições teológicas e jurídicas e alega que aqueles que têm práticas sexuais contra a natureza deveriam ser tratados e não punidos, e assim o que era definido como da o âmbito penal, passaria a ser de ordem médica (Cf. CECCARELLI, 2000). Torrão Filho & Vainfas (2000) afirmam que o termo homossexual foi criado em 1869 pelo médico húngaro Benkert, para designar relações entre pessoas do mesmo sexo, que a usou pela primeira vez numa carta ao ministro da Justiça alemã, em defesa dos homossexuais que eram importunados por dissidências políticas, pedindo a supressão do parágrafo 143 do código penal da Prússia que considerava crime a relação entre homens, denominados de sodomita e pederasta. Sua defesa pautava-se na interpretação de que a homossexualidade era algo inato, e portanto merecia ser tratado pela medicina e não pela Justiça, de modo que seria fundamental transferir do domínio jurídico para o médico, o trato desta manifestação da sexualidade. Podemos afirmar que nos dois casos, a avaliação dos sujeitos homossexuais pela justiça ou medicina, era fundamentada nas prerrogativas da sexualidade dominante, na visão de heteronormatividade. Em fins do séc. XIX, tornou-se necessário controlar e redirecionar o erotismo rebelde e indiferenciado, o “vício que não tinha nome” transformara-se no “amor que não tinha nome”, o homossexualismo (COSTA, 1996), saindo da esfera da justiça, é definido como vício e classificado como doença. Contudo, a medicina do séc. XX, retira o sufixo ismo, da palavra homossexualismo, que indicava doença, e introduz o sufixo idade, alterando ao vocábulo para homossexualidade, bem como a modifica a compreensão de um individuo enfermo, para um individuo pleno, cuja orientação da sexualidade, compõe as orientações possíveis da sexualidade humana. Porém, a Ciênica considerada como um regime de verdades, na perspectiva foucaultiana, neste assunto suas afirmações são ainda desconsideradas pela grande maioria das pessoas, a homossexualidade não é vista como forma legítima de existência, é silenciada de diferentes formas nas relações sociais e em estudos acadêmicos. Góis (2003) localizou a ausência do debate sobre gênero nos estudos sobre a homossexualidade veiculados numa revista feminista, e afirma que há heterosexismo nos estudos feministas/gênero. No que se refere a segunda questão, a constituição de uma identidade positiva homossexual, está relacionada ao enfrentamento de preconceitos seculares e aos diferentes saberes sejam médicos, morais ou religiosos. Nesta tensão devemos considerar que de acordo com Dayrell (2005) há diferentes modos de ser jovem, e nem sempre correspondem a idéia do senso comum de juventude, logo “A juventude é uma definição cultural” (MELUCCI, 1997,p.6). Porém, tanto em sociedades estáticas quanto nas dinâmicas, a juventude tem um papel importante, pois é um agente de mudança, de revitalização do status quo, já que “a juventude não é progressista nem conservadora por índole, porém é uma potencialidade pronta para qualquer oportunidade” (MANNHEIM, 1973, p.41). E é também nesta fase da vida que entram em contato com significados do mundo, costumes, valores e hábitos válidos na sociedade, que são diferentes dos que conhece e sempre lidou. Sobrecarregados dos diferentes significados garotos e garotas buscam a comunicação de si através de outros signos, de modo que “Estilos de roupas, gêneros musicais, participação em grupos, funcionam como linguagens temporárias e provisórias com as quais o indivíduo se identifica e manda sinais de reconhecimento para os outros” (MELUCCI, 1997,p.6). Neste processo de identificação e constituição de uma identidade a linguagem toma relevância, pois Somos aquilo que a linguagem nos permite ser; acreditamos naquilo que ela nos permite acreditar e só ela pode fazer-nos aceitar algo do outro como familiar, natural , ou pelo contrário, repudiá-lo como estranho, antinatural e ameaçador (COSTA, 1992, p.18) Ao tentar dizer algo de si, dizer quem é, tentar nomear-se, o garoto e a garota carregam o sentido social da palavra que os identifica, e se for, como majoritariamente é, negativo, vivem todos os conflitos daqueles que são identificados como desviantes da norma instituída. É interessante perceber que ao usar o termo homossexual, ou se observarmos os debates sobre a homossexualidade, veremos que há uma predominância dos problemas e reivindicações do universo masculino, em detrimento das questões do universo feminino. A palavra homossexual parece não incluir definitivamente as mulheres homossexuais. Especialmente nos estudos sobre a sexualidade juvenil Nogueira, Saavedra e Costa (2008) indicam que o gênero não é um tema que tem sido considerado, particularmente a sexualidade feminina adolescente e a sua emancipação não são estudadas, e ressaltam que é necessário debruçar-se sobre a sexualidade das meninas pois há um recorte de gênero que deve ser realizado, uma vez que existe desigualdade nas formas de vivenciar a sexualidade entre meninos e meninas. Por outro lado, devemos também considerar que ser uma garota homossexual não é o mesmo que ser um garoto homossexual, tendo em vista que a sociedades marcadas pela opressão patriarcal, colocam mulheres e homens em condições sociais e de alcance político de modo diferente. A homossexualidade feminina além de recusar a heterossexualidade como norma social, acaba por questionar a clássica organização social do sistema heterossexual, a divisão sexual do trabalho, a relação de dominação entre homens e mulheres e todos os condicionantes sociais implicados na relação homem/mulher, de modo que os pares formados por mulheres, embora em alguns casos reproduzam papéis femininos e masculinos, “escapam” a essa armadilha social, a este tipo de relações de poder. No que se refere à invisibilidade, segundo Bourdieu (1997), podemos tomála como uma forma particular de violência simbólica impingida ao indivíduo homossexual. A recusa de existência legítima, pública, conhecida e reconhecida, seria parte de um processo de dominação estigmatizante, pois impor uma existência discreta ou dissimulada a uma pessoa homossexual é condená-la a uma vida dupla, clandestina, em tempos de paz1, apesar de questionar se há tempos de paz para as mulheres e homens que vivem constantemente o perigo do desmascaramento. Porém O estatuto gay ou lésbico não é mais que uma construção social, fundada numa crença coletiva, podendo também operar a revolução simbólica capaz de render visibilidade, conhecimento e reconhecimento. (BOURDIEU, 1998, p.47) Condenar a discrição e a dissimulação de si, faz com que garotas e garotos passem a acreditar que são algo ruim, porém, como indica o autor isto não é definitivo, e pode ser desconstruído, a partir do derretimento de significados cristalizados na sociedade ocidental, e assim, vislumbrar uma sociedade onde a orientação da sexualidade não seja uma marca que denigre ou submete os 1 Termo utilizado pelo autor sujeitos ao silêncio, ao gueto e ao medo, e sim uma singularidade, uma forma das pessoas sentirem e viverem a sexualidade. II- JUVENTUDE, HOMOSSEXUALIDADE E MÍDIA DIGITAL Devemos considerar as culturas juvenis, de acordo com Dayrell (2005) como um conjunto de significados e símbolos compartilhados e específicos que servem para expressar “a pertença a um determinado grupo, uma linguagem com seus específicos usos, particulares rituais e eventos, por meio dos quais a vida adquire um sentido” (p.35-6). Considerada esta posição identificam-se a utilização dos espaços na internet para compartilhar significados e símbolos juvenis, idéias e sentimentos de pertencimento a um grupo, dando sentido à existência em diferentes espaços virtuais. Segundo Bohnsack & Weller (2006) no método documentário considera-se que o espaço de experiências conjuntivas se refere às experiências comuns que promovem um entendimento imediato entre aqueles que têm histórias de socialização parecidas. Tomamos neste texto as manifestações em curso na internet, como manifestação cultural, pois as experiências diárias e imediatas são constitutivas do real, merecem interpretação, já que as experiências “estão profundamente enraizadas na história da sociedade da qual fazem parte” ( WELLER et al, 2002, p.393). Sendo assim neste trabalho consideramos as paginas da internet como espaço de experiências típicos da juventude deste século. As informações expostas no texto foram coletadas no período de outubro a novembro de 2008. 2.1) Viração: mudança, atitude e ousadia O viração é um site destinado aos jovens e coordenado por jovens, representantes de escolas públicas e particulares, de projetos e de movimentos sociais, que constituem o Conselho Editorial Jovem, o Virajovem, e é uma das formas de comunicação do Vira, um projeto social de organização nãogovernamental da Associação de Apoio a Meninas e Meninos da Região Sé, de São Paulo Nasceu em 2003 buscando agregar jovens brasileiros em torno de temas como: defesa dos direitos humanos, educação para a Paz, solidariedade entre os povos, pluralidade étnica e racial. A atividade principal do grupo é a revista impressa, que tem uma versão digital, além de várias outras atividades. Há vinte conselhos editoriais localizados em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Curitiba, Porto Alegre, Brasília, Salvador, Campo Grande, Recife, Fortaleza, São Luís, Goiânia, Maceió, Natal, Manaus, João Pessoa, Belém, Vitória, Cuiabá e Florianópolis. Os membros Virajovem se encontram uma vez por mês, quando avaliam as revistas impressa e digital, propõem pautas, discutem a realidade brasileira e mundial, e ainda freqüentam os encontros nacionais do grupo. O projeto conta com o apoio institucional do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), do Núcleo de Comunicação e Educação da Escola de Comunicações e Artes (NCE/ECA) da Universidade de São Paulo, da Agência de Notícias dos Direitos da Infância (ANDI) e da Agência Internacional pela Paz (IPAZ). 2.1.1) A homossexualidade na revista digital Até novembro de 2008, havia no site treze artigos que tratavam diretamente da homossexualidade. As matérias iniciam em 2006, sob os seguintes títulos: Garotos de Aluguel: comédia musical (2006), Homossexualidade será tratada mais abertamente nas escolas (2006) , Parada Gay 2006 - Hora para sair da Avenida Paulista (2006), Quebrando as barreiras do preconceito (2007), Diversidade Sexual é o tema do último encontro de capacitação das Oficinas de Diversidade (2007), Piauí: Juventude GLBTTT (2008), Gay Day (2008), Peça sobre homossexualidade entre adolescentes (SP) (2008), Evento Queerfest 2008 (SP), Jovens feministas sim, com muito orgulho! (2008), Amores reconhecidos (2008), 29 de agosto, dia Nacional da Visibilidade Lésbica (2008), Bullying: jovens gays contam sobre humilhações que sofreram nas escolas (2008). O tema que está presente em quase a totalidade dos artigos é a liberdade de ser homossexual. Na matéria “Parada Gay 2006 - Hora para sair da Avenida Paulista”, de 19 de junho de 2006, depoimentos de jovens homossexuais são apresentados para reforçar o argumento sobre o direito dos homossexuais de viverem com liberdade. “A Parada é show. É uma boa oportunidade de conscientizar o resto da população e mostrar que nossa orientação sexual não é mais uma coisa ruim” (José Teixeira, 16 anos, participante pela primeira vez da manifestação). O garoto é apontado na reportagem como alguém que sofre discriminação e não é aceito pela sua família, pois teria ido para o evento “escondido de seus pais”. Na entrevista com Josy Nkeers, 20 anos, estudante de web designer, que participava pela quarta vez da Parada, este argumento é reforçado, demonstrando a discriminação sofrida pelos homossexuais. As pessoas ainda não estão acostumadas a conviverem com a gente. Uma vez estávamos num parque e um cara veio com uma faca porque achou um absurdo um casal de meninas se beijar. Agora não ficamos mais em espaço público. Na matéria “Jovens feministas sim, com muito orgulho!” há um tópico específico sobre Feminismo e lesbianidade onde informam que entre as principais discussões levantadas no I Encontro Nacional das Jovens Feministas, é a dificuldade das mulheres negras e mulheres lésbicas, em assumir sua condição racial e de orientação da sexualidade. Especificamente neste artigo, reforçam o argumento da invisibilidade da homossexualidade no debate sobre o feminismo. Para isso tomam o depoimento de Luanna Marley do Grupo Lamce de Fortaleza – CE, que pergunta “Por que há tanta resistência com a palavra lésbica? Por que nessa relação com o feminismo muitas vezes é negada uma das identidades que também faz parte do movimento, que é a lesbianidade?” Nas matérias a homossexualidade é tomada positivamente, e o exercício dela como um direito do sujeito. Chama atenção, a discussão sobre o direito dos homossexuais de serem livres para viver seus afetos, o espaço público como sendo de fato de todos os cidadãos independente da sua orientação sexual, a localização da invisibilidade do tema na militância feminista e o posicionamento contrário a heteronormatividade. 2.2) Dialogoj: uma agência de notícia jovem e feminista O blog é mantido por garotas e destina-se a jovens feministas. A idéia de criá-lo surgiu durante a Semana da Mulher Jovem em julho de 2007, em São Paulo, com a proposta de tornar visível a articulação nacional de Jovens Feministas para a Conferência Nacional de Políticas Públicas para as Mulheres, realizada em Brasília, de 15 a 17 de julho de 2007. Da concepção inicial passouse a “uma agência de notícia que pretende trazer todas as novidades sobre a Articulação Brasileira de Jovens Feministas, suas ações, propostas e idéias” (acesso em 20 de outubro de 2008). Entre todos os temas do feminismo discutidos no blog, as jovens pautam o tema da homossexualidade feminina, como um dos temas que deve compor a agenda feminista. Ao se definir como Articulação Brasileira de Jovens Feministas, afirmam que formam uma rede constituída por mulheres jovens independentes, de organizações e movimentos: negras, lésbicas, indígenas, quilombolas, rurais, da periferia, sindicalistas e de populações tradicionais e provenientes de diferentes regiões do Brasil. A homossexualidade feminina, denominado de lesbianismo, é introduzido na “Carta de Princípios Articulação Brasileira de Jovens Feministas”, junto com os outros temas que compõem a militância feminista. Já na definição que fazem de si, a resistência a heteronormatividade é apontada. Elas definem a articulação assim: “Tem um caráter democrático, suprapartidário, anti-capitalista, anti-racista, antipatriarcal, anti-lesbofóbico, não sexista, não adultocêntrico, não confessional, não hierárquico e não governamental” (acesso em 20 de outubro de 2008). A carta é composta de 18 diretrizes, e o tema está presente na apresentação e em quatro diretrizes. É apontada entre os Direitos Humanos das mulheres jovens, a eliminação das desigualdades de orientação afetivo-sexual. Na quarta diretriz, afirmam que a articulação assume o compromisso de buscar o “reconhecimento do direito à liberdade de orientação afetivo-sexual e expressão sexual como um direito humano”. Na quinta diretriz, sobre as lutas feministas inserem entre as opressões sofridas pelas mulheres, aquelas referentes à orientação afetivo-sexual. Na décima primeira diretriz, se comprometem em “Combater a lesbofobia e intolerâncias correlatas”, entre todas as formas de intolerância. Na décima segunda diretriz, incluem a expressão “diversidades afetivo-sexuais”, como um tema a ser considerado na prevenção das DST/AIDS. No fim da carta, as jovens feministas reafirmando seus compromissos políticos, e mantém a homossexualidade feminina entre as conquistas em torno da igualdade de gênero: A Articulação Brasileira de Jovens Feministas reconhece a luta dos movimentos feministas que contribuíram, contribuem e contribuirão para o avanço da equidade entre os gêneros, a livre orientação e expressão afetivosexual, raça/etnia, classe social, no debate sobre políticas públicas para as mulheres (acesso em 20 de outubro de 2008). No blog, postado em 31 de agosto de 2008, o artigo “Dia Nacional da Visibilidade Lésbica!!” trata da necessidade de dar conhecimento a sociedade da homossexualidade feminina. A autora Mariana Pessah afirma o seguinte: o que não se conhece dá medo, ódio e desperta fantasias negativas (...) numa sociedade que tem por norma a heterossexualidade, se não mencionamos, se não mostramos que existimos, somos ignoradas: o que não se vê não existe, o que não se conhece dá medo, ódio e desperta fantasias negativas Na sociedade patriarcal, onde o importante sempre é o masculino (pater), um casal de mulheres é, também, um ato de resistência, de rebeldia, de dizer: não queremos ser iguais, não queremos ser como a norma, a sua sociedade não nos interessa. Olhem pra nós, nós sim podemos! Existimos e aqui estamos subvertendo os conceitos e valores de poder e de força que esta sociedade dá as mulheres (acesso em 24 de outubro de 2008). O blog reúne temas presentes na militância feminista em geral como violência, aborto, direitos reprodutivos e dão visibilidade para a homossexualidade feminina. Assim, abrindo espaço na pauta geral de reivindicações sociais, questionam a heteronormatividade, os silêncios historicamente produzidos em torno das mulheres homossexuais, e defendem o direito de ser e estar no mundo com dignidade e respeito, para todas as mulheres. 3) E-JOVEM O site é destinado especificamente a jovens gays, na faixa de 14 a 21 anos, e foi fundado em 2001, pelo jornalista Deco Ribeiro, e atua como uma rede nacional de apoio e defesa dos direitos da juventude GLBT (Gays, Lésbicas, Bissexuais e Travestis). O fundador afirma que: “O e-jovem.com não é simplesmente um site que fala da sexualidade adolescente, para adolescentes e escrito em sua maioria, por adolescentes, e adolescentes gays” (acesso em 01 de novembro de 2008), e com uma média de 30 mil acessos no mês. Para seu fundador a razão para a existência do E-jovem está relacionada a: Por muito tempo adolescentes gays tiveram de se virar sozinhos com sua sexualidade. Não havia como encontrar outros gays da sua idade, trocar experiências, conversar... muitos cresciam sem saber direito de eram gays, bissexuais, transexuais. A internet trouxe pela primeira vez a oportunidade de por esses garotos e garotas em contato uns com os outros. Navegando pela internet e encontrando esses garotos em salas de bate-papo e fóruns, era fácil perceber que todos tinham as mesmas dúvidas, os mesmos conflitos. Foi daí que surgiu a idéia. Aproximação de identidades, de dúvidas sobre a identidade, o site constituise num espaço virtual de socialização secundária, onde é possível encontrar e ser encontrado, considerando a política de invisibilidade vigente na sociedade. O site, de caráter essencialmente masculino, destina um pequeno espaço para as garotas homossexuais. Visualmente é uma diminuta coluna, entre várias destinadas ao público masculino, e que só é vista se a barra de rolagem for acionada até o final da página. A coluna se chama Lilicas meninas & lésbicasI, e foi criada em 2008, com dicas de peças de teatro, filmes e cultura em geral, bem como tem artigos sobre temas como sexualidade e trabalho, além de ser também um espaço de divulgação do boletim das atividades do Grupo Identidade, de Campinas. Nada mais além dessa coluna, destina-se as garotas que procuram o site. Os e-jovens se organizam na internet por meio de blogs e listas de discussão e se definem como “uma rede nacional de adolescentes e jovens ativistas no combate a homofobia e à hebifobia, o preconceito contra a juventude” (acesso em 02 de novembro de 2008), têm uma existência não virtual e promovem encontros de e-jovens. A coordenação dos e-jovens, até novembro de 2008, estav composta por onze pessoas “duas lésbicas, três bissexuais, cinco gays e um transgênero, de 16 a 26 anos, de norte a sul do país, brancos, negros e indígenas, o que mostra bem a diversidade da juventude GLBT brasileira” (acesso em 02 de novembro de 2008). Havia no site recomendações para aglutinar jovens homossexuais de algum estado: a criação de um blog, a criação de uma lista de discussão, a partir da lista de e-mails dos que postaram mensagens nos blogs, e um encontro em um determinado local, praça, barzinho, para que os componentes da lista possam se conhecer fora do mundo virtual, e por fim o bate-papo, onde convida-se pessoas de fora do grupo como “sexólogos, professores, psicólogos, advogados e até pais e mães de homossexuais” (acesso em 02 de novembro de 2008), para então desenvolver a consolidação do grupo e definir ações a serem realizadas. 4 – Sites de relacionamento Uma das inovações que a ferramenta da internet proporciona aos joven, são os sites de relacionamento, sendo o mais conhecido o orkut, que permite compartilhar parte da vida com várias pessoas ao mesmo tempo, através de fotos e mensagens trocadas numa rede de pessoas conhecidas entre si. Esta concepção foi aceita e até novembro de 2008, haviam dois endereços virtuais com esse fim. O E-kut, “a primeira rede gay a sair do orkut e ter a sua própria rede social” e o leskut “a rede social brasileira para mulheres que gostam de mulheres”. Em ambos é possível criar uma rede de relacionamentos com pares do mesmo sexo, compartilhar vídeos, músicas, fotos e chat. 4.1 – E-kut O site é apresentado em tons de laranja, tem uma profusão de informações na página inicial, e não havia informações sobre a data de sua criação. Está ligado ao E-jovem, e é destinado especificamente a jovens homossexuais, e não há informação de quando foi criado. Contava até novembro de 2008 com 784 usuários, e se define como “a maior rede de adolescentes e jovens no combate a homofobia” (acesso em 06 de novembro de 2008). Para acessar o site é necessário fazer um cadastro, e disponibiliza vídeos, fórum e chat. No banner do site se lia “grupo e-jovem de adolescentes gays, lésbicas e aliados” (acesso em 06 de novembro de 2008). No site os jovens podem encontrar conhecidos ou encontrar outros jovens que vivem as mesmas experiências, dificuldades e situações de aceitação ou rejeição por parte da família e da sociedade em geral. 4.2 – leskut Criado em 16 de outubro de 2008, é apresentado em tons de lilás e branco, e se propõe a ser “a rede da Parada Lésbica, essencialmente para mulheres que gostam de mulheres (...) sem fakes, sem casais, sem pornografia, um ambiente confortável e divertido” (acesso em 08 de novembro de 2008). Marcada essa posição havia no site também a informação de que não seriam tolerados “preconceitos de raça, estilos de vida, nacionalidade, localidade” (acesso em 08 de novembro de 2008), pois é “uma rede de relacionamento para as meninas se conhecerem, pornografia, pedofilia e procura de sexo não serão toleradas” (acesso em 08 de novembro de 2008), destacando que é proibida a entrada de menores de 16 anos e que “homens e casais não entram” (acesso em 08 de novembro de 2008). Podemos ver que neste site a delimitação de um espaço “feminino” e uma certa recusa aos componentes tradicionais do universo masculino. Para acessar o site é necessário passar por uma página que delimita as regras de participação, e preencher um formulário, onde se prestam informações pessoais. CONSIDERAÇÕES FINAIS A identificação do debate sobre a homossexualidade como um tema presente nos sites indicados, mostra que um número considerável de jovens tem inserido este tema em suas reflexões cotidianas de maneira positiva pois se opõem a tradicional postura de discriminação e preconceito freqüente na sociedade. Além disso defendem a visibilidade e o direito a namorar em espaços públicos, denunciando a heteronormatividade que pauta a vida social. O mundo virtual tem sido utilizado para comunicar novos sentidos para a homossexualidade, bem como tem sido utilizado para aproximar jovens com as mesmas experiências e vivências, de modo que vem constituindo uma rede de relacionamentos virtuais que por vezes tem se desdobrado em movimentos de agregação real. O ciberespaço tem sido fonte de informação, discussão e apreensão da linguagem que o auxilia a nomear-se e ao outro, favorecendo a constituição de uma identidade com sentidos por vezes diferente da forma como são tratados em outras gerações de indivíduos. Os jovens que utilizam os espaços virtuais apontados mostram um discurso positivo sobre a homossexualidade, um olhar de reconhecimento sobre o sujeito homossexual, demonstrando a recusa aos padrões instituídos pela heteronormatividade, e a defesa dos direitos em diferentes aspectos e nuances de ser homossexual na sociedade. REFERÊNCIAS BOHNSACK, Ralf, WELLER, Wivian. O método documentário e sua utilização em grupos de discussão. In. Educação em foco. V.11, n.1, p.19-37, março/ago 2006, UFRJ. BOURDIEU, Pierre. Quelques problèmes de l’histoire lesbienne. In. ERIBON, Didier. Les etudes gay e lesbiennes. Paris: Centre Georges Pompidou, 1998. CECCARELLI, Paulo Roberto. Homossexualidade e preconceito. SOMOS, 1, ano 1, SP, jun. 2000. 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