Entrevista com Jürgen Trittin: “Brasil deve esquecer Angra 3 e investir em renováveis” CHIARETTI, Daniela. “Entrevista com Jürgen Trittin: ‘Brasil deve esquecer Angra 3 e investir em renováveis’”. Valor Econômico. São Paulo, 09 de maio de 2014. Valor: A Alemanha está deixando a energia nuclear, mas vem usando mais carvão. Como é isso? Jürgen Trittin: Aumentamos a participação de energias renováveis na matriz elétrica de 4% para 25% em 10 anos. Substituímos a energia das velhas usinas nucleares mesmo com metade delas ainda funcionando. A energia nuclear, nos seus melhores dias, respondia por 22% a 23% da matriz. Quando decidimos ficar sem ela, o temor era de faltar energia. A verdade, agora, é que a Alemanha tem excesso de geração. Estamos vendendo esse excesso aos países vizinhos, principalmente aquele produzido com carvão. Isto está aumentando as emissões de CO2. Mas também é verdade que na bolsa de Leipzig os preços da eletricidade estão caindo há cinco anos. Nunca na história o preço na bolsa foi tão barato como agora. As renováveis tornaram os preços realmente baixos. O que cria outro problema. Valor: Qual é esse problema? Trittin: A forma mais barata de produção de energia hoje é a eólica, em terra. É mais barata que solar, carvão, gás e muito mais barata que nuclear. O preço, na bolsa, caiu de € 0,06/quilowatt-hora para € 0,04 kWh. Este preço não pode ser alcançado por nenhuma usina nova. Se esta situação persistir, ninguém mais irá investir em novas instalações. Valor: Mas porque a indústria alemã está reclamando tanto? Trittin: Porque, como se diz, quem não chora, não mama. As grandes indústrias estão isentas, pelo governo anterior, do compromisso de ajudar a pagar os incentivos à energia renovável. É uma conta que todos os alemães pagam e também os pequenos negócios, mas não as grandes indústrias, o que é uma contradição absurda. Valor: O que acontece se a Rússia parar de enviar gás à Alemanha? Trittin: Muito simples: a Rússia ficará sem este dinheiro. Perto de 40% do nosso gás vem da Rússia e mais de um terço do petróleo. É uma situação confortável, se comparada a outros países da União Europeia, como a Polônia ou Bulgária. Poderíamos encontrar um substituto para o gás, para o petróleo seria mais problemático. Mas esse não é um problema alemão. Tem gente dizendo que a nossa premiê está contemporizando com Putin [Vladimir Putin, presidente russo] porque dependemos do gás russo. Não defendo normalmente a premiê Angela Merkel, mas isso não faz o menor sentido. Nós administraríamos o problema. O que precisamos é de uma política energética europeia e maior independência das importações energéticas. Valor: Como seria isso? Trittin: A Alemanha gasta € 90 bilhões ao ano em importações de energia. Seriam mais € 10 bilhões se não tivéssemos as energias renováveis, poderia ser um gasto € 10 bilhões menor se tivéssemos melhor isolamento térmico nas nossas casas. Economizaríamos 50% do gás que gastamos para aquecer as casas. Os dados da União Europeia são de gastos anuais de € 500 bilhões em energia. Petróleo, gás e urânio são importados. É por isso que precisamos de uma nova estratégia energética na Europa. Ela tem que ser erguida em três pilares: no crescimento das renováveis, na maior eficiência energética e em poupar mais energia. Isso para ter maior soberania e conforto internacional. Ninguém quer que a Ucrânia entre em colapso, nem a Rússia. Mas a perda econômica, nesta batalha, é da Rússia. Valor: É difícil para Putin recuar. Trittin: Há sinais de que não vai continuar essa escalada de tensão. Mas a experiência com essa crise é que sempre fica pior do que pensamos. Não estou otimista. Valor: O que o sr. acha do acordo nuclear Brasil-Alemanha? Trittin: É nostalgia, deveria virar história. E nenhuma usina nuclear é segura. O acordo foi feito com um governo militar, que queria ter acesso à tecnologia de enriquecimento de urânio. Este é seu único resultado concreto, além do fato de termos Angra 2 e a nunca acabada Angra 3. O Brasil deveria olhar para o futuro, para a necessidade de criar crescimento econômico, o que depende de crescimento energético. Mas isso não será resolvido com energia nuclear, por problemas do alto custo e do fato de que a demanda de crescimento do Brasil é para agora e não para daqui a 15 anos, o tempo para usinas nucleares ficarem prontas. Valor: Mais energia nuclear seria um mau passo, na sua visão? Trittin: Vocês tem uma ruína desde 1984 chamada Angra 3 e, se a terminarem, não terão nenhum impacto significativo na produção de eletricidade. Seria diferente se colocassem dinheiro em parques eólicos e energia solar, com uso sustentável de geração hídrica. Nem toda usina hidrelétrica é sustentável, mas eu não me oponho totalmente a elas, são uma fonte renovável. Esses investimentos teriam um efeito muito mais rápido. Valor: Aqui não há debate sobre se o país precisa ou não de nuclear. Como esse debate pode começar? Trittin: O Brasil é um grande país, com imensos recursos naturais. Mais de 75% da eletricidade de vocês é hidrelétrica, vocês não precisam de um grande debate sobre nuclear. Na Alemanha, em 1973, tivemos a grande crise do petróleo. Era proibido dirigir carros aos domingos. E nossa única fonte de energia, naquele momento, era carvão altamente subsidiado e, então, pensaram que a alternativa poderia ser nuclear. Aqui as condições são outras. Mas não se pode produzir 1 kWh de nuclear de uma usina nova por menos de € 0,13 ou € 0,14. Isso é quatro vezes mais do que a energia hidrelétrica ou eólica. Há estimativas que vocês têm um potencial técnico de 500 gigawatts de produção de energia eólica. Se explorassem 10% disso, teriam 50 gigawatts, mais do que dez anos da necessidade de crescimento, segundo dados da Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Se usarem esse potencial, teriam uma forma muito competitiva de energia, que permitiria usar os recursos hidrológicos de forma mais responsável, em equilibrio com a energia eólica, mais volátil. O Brasil tem a situação perfeita. E não é uma opção mais cara, não iria aumentar o preço da eletricidade, o que é um fator relevante para um país como este, onde ainda há muita gente vivendo na pobreza.