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Hiroshima, Nagasaki, Angra: um percurso
Estive em Hiroshima por ocasião dos 50 anos da explosão da bomba nuclear ao fim
da Segunda Guerra, em uma Conferência do Pugwash, movimento antinuclear
fundado por Albert Einstein e Bertrand Russell. A origem da tecnologia nuclear foi
militar. Não foi apropriada simplesmente pelos políticos, generais e empresários.
Foi uma proposta dos melhores físicos, não como mercenários da ciência, mas por
razões políticas e éticas, e movidos pelo medo de os nazistas na Alemanha fazerem
a bomba.
A fissão nuclear usada nas bombas foi descoberta na Alemanha, nos anos 30, com
a conversão de massa em energia prevista pela teoria da relatividade restrita de
Einstein. Este foi um dos que se dirigiram ao presidente Roosevelt, com outros
distintos físicos refugiados nos EUA do nazismo e do fascismo, como Fermi e
Szilard.
O erro deles, daqueles que enchem o inferno de bem-intencionados, foi que os
alemães não estavam fazendo a bomba. Descobriu-se isto com a capitulação de
Hitler, mas mesmo assim a bomba foi lançada sobre o Japão, contra a opinião de
alguns dos físicos do Projeto Manhattan – o projeto da bomba – como Bohr e
Rotblat.
O primeiro ameaçou passar aos soviéticos, que de nada sabiam, o segredo só
compartilhado com os ingleses, que haviam começado os estudos da bomba
estimulados por Szilard. Joseph Rotblat – que, como presidente do Pugwash,
ganhou em 1995 o Nobel da Paz, uma semana após ter feito uma conferência no
Brasil, na sede da Coppe/UFRJ – recusou-se a continuar e saiu do projeto. As
bombas de Hiroshima e de Nagasaki foram lançadas no Japão contra os soviéticos,
marcando o início da Guerra Fria, só encerrada com a queda do Muro e com
Gorbatchov.
A segunda etapa da tecnologia nuclear foi ainda militar, na década de 50: trata-se
do submarino nuclear – que o Brasil agora desenvolve no Centro de Aramar, da
Marinha, em São Paulo. A terceira etapa, finalmente, foi a geração nuclear de
eletricidade, tomada comercial na década de 60, tendo como subproduto as
aplicações de radioisótopos na medicina, indústria e agricultura. Esta etapa foi
tomada como uma redenção da energia nuclear, vista na época pelo lado positivo:
gramas de urânio 235 liberam a mesma energia que toneladas de petróleo. Mas
durou pouco este idílio entre a tecnologia nuclear e a opinião pública.
Os movimentos ecologistas e pacifistas da década de 70 apontaram os riscos da
radioatividade para o meio ambiente e para a população. Foram negativos os
acidentes com os reatores de TMI na Pensilvânia e de Chernobyl na Ucrânia e com
a bomba de Césio 137, abandonada em Goiânia, sem vigilância, em prédio de um
antigo hospital.
No Brasil a história da energia nuclear começa após a Segunda Guerra com a
importação da Alemanha de ultracentrífugas para enriquecer urânio pelo almirante
Álvaro Alberto, que hoje dá o nome à Central de Angra. A tecnologia de
enriquecimento serve para aumentar o percentual do isótopo 235 no urânio natural
– que tem 99,3% de isótopo 238 – de 0,7% para 3% no combustível para reatores
como os de Angra ou para mais de 90% nas bombas nucleares. Considerada por
isto de interesse militar, teve a oposição dos EUA que procuraram bloquear as
ultracentrífugas e Álvaro Alberto caiu em desgraça.
A fase seguinte foi a dos Átomos para a Paz do governo Eisenhower, quando o
Brasil instalou seu primeiro reator de pesquisa no campus da USP, no então
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Instituto de Energia Atômica, pertencente à Comissão Nacional de Energia Nuclear
(CNEN). Depois vieram dois outros para institutos similares à CNEN, nos campi da
UFRJ e da UFMG, onde surgiu o primeiro projeto de um reator brasileiro, que usaria
urânio natural e tório 232 – que se transforma em urânio 233 nos reatores. A idéia
foi abandonada a partir da decisão de comprar da Westinghouse o reator Angra I
para Furnas Centrais Elétricas, tomada pelos governos militares, em 1969. O reator
foi concluído nos anos 80.
A fase que se seguiu foi a do Acordo Nuclear com a Alemanha, no governo Geisel,
novamente em confronto com a oposição americana. Criou-se a Nuclebrás, que se
associou à Siemens alemã, constituindo um complexo de empresas desde a
engenharia dos reatores (Nuclen) à fábrica de componentes pesados (Nuclep) e de
combustível nuclear, passando pelo enriquecimento (Nustep) e reprocessamento –
usado para extrair o que restar do Urânio 235 e do Plutônio 239, inclusive para
novo uso em reatores – servindo para bombas também. O objetivo de fazer oito
reatores PWR de 1.300 MW – o dobro da potência de Angra I – até 1990 não foi
alcançado. Até hoje o primeiro deles, Angra II, está por ser concluído, previsto para
1999, finalmente. O processo de enriquecimento por jato centrífugo comprado da
Alemanha falhou. O reprocessamento não foi adiante devido à pressão americana
contra o uso do Plutônio 239.
Enquanto o programa nuclear marcava passo, secretamente foi desenvolvido o
programa paralelo, no âmbito militar. Revelado já ao fim do governo Figueiredo,
dele resultou o enriquecimento de urânio, por ultracentrifugação, no âmbito do
projeto do submarino nuclear desenvolvido pela Marinha. Este é o processo usado
comercialmente por um consórcio da Alemanha, Inglaterra e Holanda, enquanto os
EUA e outro consórcio europeu liderado pela França usam o enriquecimento por
difusão, agora desenvolvido pela Argentina, ao mesmo tempo que o do Brasil.
O aspecto negativo do programa paralelo foi a programação de uma explosão
nuclear para ser feita na Base Aérea de Cachimbo, denunciada por uma comissão
da Sociedade Brasileira de Física, da qual participei. O plano foi negado mas
reconhecido no governo Collor, que o desativou. Na parte militar o projeto do
submarino vai lentamente e o enriquecimento deve ser transferido para a área civil.
O espectro da bomba foi afastado pelo Acordo com a Argentina e a criação de uma
agência – Abacc – para inspeções mútuas. Ademais o Brasil, além de colocar em
vigor o Tratado de Tlatelelco, de proibição de armas nucleares na América Latina,
assinou o Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP). Entretanto, em nível mundial,
EUA, Rússia, Inglaterra, França e China continuam com seus arsenais nucleares.
Israel, Índia e Paquistão também possuem bombas nucleares.
Qual a situação hoje? A Nuclebrás foi desfeita. Resta no seu lugar a Indústria
Nuclear do Brasil (INB) e a Eletronuclear, que absorveu a Nuclen e a parte nuclear
de Furnas. Angra I tem agora funcionado continuamente embora tenha problema.
Angra II será concluída em 1999, com as obras agora em ritmo acelerado. Teve
problemas de fundações que exigiram o reforço com mais estacas, que atingem até
40 metros de profundidade, pois o solo é ruim. Angra III está prevista e os
equipamentos já foram importados. O plano de emergência para casos de acidente
nuclear grave avançou na organização mas desconsidera a hipótese de pior
acidente no planejamento da evacuação, em curto prazo, que se restringe ao raio
de 5 quilômetros – antes se considerava 15 quilômetros – e exclui a cidade de
Angra. Outro problema: não há definição final dos rejeitos radioativos, perigosos
para o meio ambiente.
A favor da energia nuclear hoje está o fato de ela não emitir gases do efeito estufa,
que aquecem o planeta e podem causar mudanças climáticas. As hidrelétricas os
emitem pouco e as termelétricas a gás natural, petróleo ou carvão, emitem muito.
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Entre US$ 8 e 10 bilhões foram gastos e o custo real de quilowatt nuclear chegou
ao triplo do hidrelétrico, ainda disponível no país.
Fonte
ROSA, Luiz Pinguelli. Hiroshima, Nagasaki, Angra: um percurso. O Globo. Rio de
Janeiro, n. 17, 1999. Globo 2000, p. 386-7
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