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jS Pi-
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL D E JUSTIÇA D E SÃO
PAULO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO
ACÓRDÃO/DECISÃO MONOCRATICA
REGISTRADO(A) SOB N°
ACÓRDÃO
I mil mu mu um mu um um mu nu mi
*03310906*
Vistos, relatados e discutidos estes autos de
Apelação n° 994.07.016431-0, da Comarca de Diadema,
em
que
são
apelantes
JUÍZO
EX
OFFICIO,
MUNICIPALIDADE DE DIADEMA, CRISTIANE MALLOUK, WILLIAM
MALOUK NETO, KAREN MALOUK e GLORIA MARIA BODENMULLER
MALOUK sendo apelado MINISTÉRIO PUBLICO.
ACORDAM, em Câmara Reservada ao Meio Ambiente
do
Tribunal
de
Justiça
de
São
Paulo,
proferir
a
seguinte decisão: "NEGARAM PROVIMENTO AOS APELOS, E
DERAM PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO OFICIAL. V. U.",
de conformidade com o voto do Relator(a), que integra
este acórdão.
O
julgamento
Desembargadores
teve
ANTÔNIO
a
CELSO
participação
AGUILAR
dos
CORTEZ
(Presidente sem voto), EDUARDO BRAGA E ZÉLIA MARIA
ANTUNES ALVES.
São Paulo, 25 de novembro de 2010.
RENATO NALINI
RELATOR
PODER
JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA D O ESTADO DE SÃO PAULO
SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO
CÂMARA RESERVADA AO MEIO AMBIENTE
VOTO N° 17.338
APELAÇÃO CÍVEL N° 994.07.016431-0 - DIADEMA
Apelante: PREFEITURA MUNICIPAL DE DIADEMA e
CRISTIANE MALLOUK (e OUTROS)
Apelado: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO
PAULO
Recorrente: JUÍZO EXOFFICIO
LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM AÇÃO
CIVIL
PÚBLICA
PARA
REGULARIZAÇÃO DE LOTEAMENTO
MUNICÍPIO LEGITIMIDADE PASSIVA
CARACTERIZADA
PODER-DEVER
INSCULPIDO NO ARTIGO 40, DA LEI N°
6.766/79 - PRECEDENTES DA CÂMARA
RESERVADA AO MEIO AMBIENTE DO TJSP
- ENTENDIMENTO DO EGRÉGIO SUPERIOR
TRIBUNAL DE JUSTIÇA - ALEGAÇÃO DE
EXISTÊNCIA
DE
LITISCONSÓRCIO
NECESSÁRIO
COM
OS
OCUPANTES
IRREGULARES
INOCORRÊNCIA
PRECEDENTES
JURISPRUDENCIAIS
POSSIBILIDADE DE OS HERDEIROS DO
LOTEADOR FALECIDO FIGURAREM COMO
RÉUS
LEGITIMIDADE
PASSIVA
CARACTERIZADA - MATÉRIA PRELIMINAR
REJEITADA
AÇÃO CIVIL PÚBLICA - LOTEAMENTO
CLANDESTINO - RESPONSABILIDADE DO
EMPREENDEDOR, REPRESENTADO PELOS
SEUS HERDEIROS, QUE FRACIONOU A
ÁREA E ALIENOU LOTES EM COMPLETO
DESRESPEITO À LEI N° 6.766/79
RESPONSABILIDADE DO MUNICÍPIO QUE
APELAÇÃO CÍVEL N° 994.07.016431-0 - DIADEMA - VOTO N° 17.338
*J
PODER
JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO
CÂMARA RESERVADA AO MEIO AMBIENTE
SE OMITIU NO EXERCÍCIO DE SEU PODERDEVER DE POLÍCIA - RESPONSABILIDADE
SOLIDÁRIA, ATÉ PORQUE IMPOSSÍVEL
DIMENSIONAR
A
CONTRIBUIÇÃO
INDIVIDUAL PARA O PARCELAMENTO REGULARIZAÇÃO QUE DEMANDA MEDIDAS
CONJUNTAS E INCINDÍVEIS - RECURSO
OFICIAL PARCIALMENTE PROVIDO TÃO
SOMENTE PARA CONDENAR OS RÉUS AO
PAGAMENTO
DAS
VERBAS
SUCUMBENCIAIS
APELAÇÕES
DESPROVIDAS
E
RECURSO
OFICIAL
PARCIALMENTE PROVIDO
REJEITADA A MATÉRIA PRELIMINAR,
NEGA-SE PROVIMENTO AOS RECURSOS DE
APELAÇÃO E
CONFERE-SE PARCIAL
PROVIMENTO AO RECURSO OFICIAL PARA
FIXAÇÃO DAS VERBAS DE SUCUMBÊNCIA.
Vistos etc.
A sentença da Juíza CLAUDIA MARIA
CARBONARI DE FARIA1 julgou procedente a ação civil
pública ambiental movida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO
contra a PREFEITURA MUNICIPAL DE DIADEMA e
CRISTIANE MALLOUK (e OUTROS) para condenar os
réus, solidariamente, n a obrigação de fazer, para
cumprimento em prazo não excedente a quatro anos (Lei
n° 6.766/79, com a alteração imposta pela Lei n°
9.785/99, artigo 18, inciso V), consistente em: a. 1)
regularizar o parcelamento no prazo supra, sob pena de
desfazimento com a restituição da gleba ao estado
anterior, providenciando as aprovações dos órgãos
públicos municipais e estaduais e o registro especial
junto ao Cartório de Registro de Imóveis; a. 2)
1
Sentença de fls. 401/411 dos autos do 2 o volume deste processo.
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CÂMARA RESERVADA AO MEIO AMBIENTE
providenciar a desocupação e a preservação integral das
faixas de proteção dos córregos, inclusive com o replantio
da mata ciliar, bem como desocupar também as áreas,
nas quais a permanência de edificações inviabilize a
regularização do parcelamento; a.3) fornecer sistema de
tratamento e disposição de esgoto, segundo as
possibilidades previstas n a Norma Brasileira NBR7 2 2 9 / 8 1 ; a.4) indenizar os prejuízos que decorrerem para
os adquirentes de lotes situados nas áreas mencionadas
no item "a.2", bem como nos termos do item "b.l", da
inicial. Os requeridos ainda foram
condenados,
solidariamente, a indenizar os danos urbanísticos e
ambientais nos termos do item "b.2w da inicial, com
fização de multa diária no valor de R$ 1.000,00, para os
demandados na hipótese de descumprimento das
obrigações de fazer acima descritas, caso o prazo de
quatro anos, ora fixado, não seja cumprido.
Os embargos de declaração opostos pela
MUNICIPALIDADE DE DIADEMA foram acolhidos. 2
Presente
o Recurso
Oficial,
apela
a
MUNICIPALIDADE DE DIADEMA a alegar, em suas
razões, 3 preliminarmente, ser caso de litisconsórcio
passivo necessário para que os moradores que
adquirentes dos lotes integrem o pólo passivo da lide.
Aponta sua ilegitimidade passiva ao se insurgir contra a
responsabilização solidária, já que não h á nexo de
causalidade entre os danos urbanísticos e ambientais e
as condutas do Poder Público Municipal. Alega ter
tomado todas as providências para impedir a
implementação do parcelamento clandestino dentro dos
limites do poder de polícia. No mérito, insiste n a s
mesmas teses, com o intuito de persuadir o órgão
julgador colegiado de que a Prefeitura não pode ser
2
Embargos de Declaração de fls. 415 e decisão do Juízo às fls. 420 dos autos do
1° volume deste processo.
\
3
Razões de apelo a fls. 423/437 dos autos do 2° volume deste processo.
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APELAÇÃO CÍVEL N° 994.07.016431-0 - DIADEMA - VOTO N° 17.338
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SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO
CÂMARA RESERVADA AO MEIO AMBIENTE
responsabilizada, sendo o real responsável o Sr.
MIKHAEL MALLOUK e sua esposa Sra. GLORIA MARIA
BODENMÜLLER MALLOUK, razão pela qual os
sucessores do falecido são os únicos responsáveis nesta
ação civil pública. Pugna pelo provimento do apelo para
que a ação seja julgada improcedente com relação à
MUNICIPALIDADE.
Igualmente insatisfeitos, apelam a CRISTIANE
MALLOUK e OUTROS a sustentar, em s u a s razões, 4
preliminarmente, que seria indispensável a presença do
MINISTÉRIO PÚBLICO diante da presença de menor de
idade, incapaz entre os herdeiros do falecido. Aduzem,
ainda, ser o espólio o legitimado a figurar no pólo passivo
da lide e, não, os herdeiros. No mérito, repisam a
argumentação de que os herdeiros não participaram do
loteamento e não se beneficiaram dele. Pugnam pela
anulação do processo ou pela improcedência da ação.
Sem contra-razões, subiram os autos. A
manifestação do MINISTÉRIO PÚBLICO em 2 o grau é no
sentido do desprovimento dos recursos dos réus e pelo
provimento parcial do recurso oficial.5
Neste Tribunal, inicialmente distribuídos ao
Exmo. Desembargador ELCIO TRUJILLO em 13.11.2007,
a Egrégia 7 a Câmara de Direito Privado, não conheceu do
recurso e determinou sua remessa a esta Câmara
Reservada ao Meio Ambiente, aos 03.03.20IO. 6
Instada a se manifestar n a defesa do meio
ambiente, a Ilustrada Procuradoria Geral de Justiça
ratificou entendimento do parecer
anteriormente
7
exarado.
É u m a síntese do necessário.
4
5
6
7
Razões de apelo a fls. 441/451 dos autos do 2 o volume deste processo
Parecer da PGJ a fls. 458/495 dos autos do 2 o volume deste processo.
V.Acórdão de fls. 515/517 dos autos do 2 o volume deste processo.
Parecer da PGJ a fls. 524/525 dos autos do 2 o volume deste processo.
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As preliminares de ilegitimidade passiva não
merecem acolhida.
O Município é o principal responsável pela
ocupação do solo urbano e os particulares não dispõem
dessa autonomia de vontade para a prática de ilicitude,
com o direito a não serem molestados pela
administração. O que caracteriza o Estado de Direito é
justamente a possibilidade de atuação conforme a lei. E o
Brasil é um país de prolífica produção normativa. Existe
lei para tudo. Principalmente para tentar coibir as
práticas nefastas da ocupação irracional do solo. Prática
injustificável num Estado-nação continental, que não
luta com a falta de chão e que poderia ser o paradigma de
u m a racional ordenação do solo. Vício mesquinho de
repartição
minúscula
dos
terrenos
e
somente
compreensível pelo reduzidíssimo grau civilizatório desta
sociedade que parece acelerar seu rumo ao declínio, sem
ter conseguido passar pelo ápice.
Possível, em tese, venha a Municipalidade a
ocupar o pólo passivo de ação que objetiva a
regularização de loteamento clandestino.
O Município, desde 1988, é ente federativo e
tudo aquilo que lhe pertine é atribuição que a
Constituição lhe reserva. O eloqüente rol dos incisos
apostos ao artigo 30 da Carta Federal contém o início de
s u a responsabilidade no presente processo. Pois a ele
compete
"promover,
no
que
couber,
adequado
ordenamento territorial, mediante planejamento e controle
do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano"8.
Por sinal que "a política de
desenvolvimento
urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme
diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o
\
8
Inciso VIII do artigo 30 da Constituição da República.
APELAÇÃO CÍVEL N° 994.07.016431-0 - DIADEMA - VOTO N° 17.338
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pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e
garantir o bem-estar de seus habitantes"9.
A ação civil pública é ambiental e, em tema de
meio ambiente, todo o poder Público é responsável.
A lei concede a ele a possibilidade de mover
ação regressiva contra os loteadores e/ou proprietários
desprovidos de consciência social. Mas o sistema permite
que eles sejam responsabilizados por sua própria
negligência. Só depois - e talvez motivados por isso - é
que voltarão as baterias jurídicas e judiciais contra os
causadores mecânicos ou físicos dos danos.
Nesse sentido, é o entendimento de reiteradas
decisões desta Câmara Reservada ao Meio Ambiente:
"Loteamento clandestino - Ação civil pública - Liminar
deferida para que o Município fiscalize e controle o uso
da área, com providências de interdição, embargo e
outras e ainda com inserção de aviso sobre
irregularidades no parcelamento do solo - Presença
dos requisitos legais - Dever do agravante de defender
e preservar o meio ambiente equilibrado - Município
que não se limitou a argüir a nulidade do
procedimento (cf. Lei n. 8437/92, artigo 2o), mas desde
logo se manifestou sobre o pedido liminar - Multa
cabível, no caso - Agravo não provido." 10
"AÇÃO CIVIL PÚBLICA - MUNICIPALIDADE LEGITIMIDADE
PASSIVA
"AD
CAUSAM"
RECONHECIDA - É PARTE PASSIVA LEGÍTIMA "AD
CAUSAM" A MUNICIPALIDADE, EM AÇÃO TENDENTE
A REGULARIZAR LOTEAMENTO CLANDESTINO,
IMPEDIR DEVASTAÇÃO DE ÁREA RECOBERTA COM
VEGETAÇÃO ESPECIAL E PROTEGER O MEIO
AMBIENTE. O FATO DE O LOTEAMENTO SER
CLANDESTINO NÃO RETIRA À MUNICIPALIDADE A
RESPONSABILIDADE PELA FISCALIZAÇÃO QUE LHE
9
Artigo 182, caput, da Constituição da República.
\
Agravo de Instrumento n° 565.758-5/8, Relator Desembargador JACOBINA
RABELLO, v.u., j . 22.03.2007.
10
W
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É INERENTE, DESNECESSÁRIA A PRÉVIA OITIVA DA
PREFEITURA ANTE O PERIGO DA DEMORA, BEM
DEMONSTRADO. RECURSO AO QUAL SE NEGA
PROVIMENTO."11
"Agravo de Instrumento - Meio Ambiente - Decisão que
deferiu liminar em ação civil pública - Loteamento
clandestino em área de proteção ambiental Inaplicabilidade do art. 2 o da Lei 8.437/92 - Ausência
de invasão do Judiciário na seara Administrativa Obrigações constantes na exordial da ação civil
pública, devidamente antecedida por inquérito civil Impossibilidade do pedido do Município de inversão do
pólo passivo para o ativo - Recurso desprovido." 12
Este também é o entendimento do Egrégio
Superior Tribunal de Justiça:
"RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
REGULARIZAÇÃO DO SOLO URBANO. LOTEAMENTO.
ART. 40 DA LEI N. 6.766/79. MUNICÍPIO.
LEGITIMIDADE PASSIVA.
Nos termos da Constituição Federal, em seu artigo 30,
inciso VIII, compete aos Municípios "promover, no que
couber, adequado ordenamento territorial, mediante
planejamento e controle do uso, do parcelamento e da
ocupação do solo urbano."
Cumpre,
pois,
ao
Município
regularizar
o
parcelamento, as edificações, o uso e a ocupação do
solo, sendo pacífico nesta Corte o entendimento
segundo o qual esta competência é vinculada.
Dessarte, "se o Município omite-se no dever de
controlar loteamentos e parcelamentos de terras, o
Poder Judiciário pode compeli-lo ao cumprimento de
tal dever" (REsp 292.846/SP, Rei. Min. Humberto
11
Agravo de Instrumento n° 580.464-5/6-00, Relatora Desembargadora REGINA
CAPISTRANO,v.u. ( j. 10.05.2007.
12
Agravo de Instrumento n° 441.313.5/3, Relator Desembargador SAMUEL
JÚNIOR, v.u., j . 21.09.2006.
\
APELAÇÃO CÍVEL N° 994.07.016431-0 - DIADEMA - VOTO N° 17.338
8
PODER J U D I C I Á R I O
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Gomes de Barros, DJ 15.04.2002). No mesmo sentido:
REsp 259.982/SP, da relatoria deste Magistrado, DJ
27.09.2004; Resp 124.714/SP, Rei. Min. Peçanha
Martins, DJ 25.09.2000; REsp 194.732/SP, Rei. Min.
José Delgado, DJ
21.06.99, entre outros. Nesse
diapasão, sustentou o Ministério Público Federal que
"o
município
responde
solidariamente
pela
regularização de loteamento urbano ante a inércia dos
empreendedores na execução das obras de infra
estrutura" (fl. 518).
Recurso especial provido, para concluir pela
legitimidade passiva do Município de Catanduva." 13
"RECURSO ESPECIAL. DIREITO URBANÍSTICO.
LOTEAMENTO IRREGULAR. MUNICÍPIO. PODERDEVER DE REGULARIZAÇÃO.
1. O art. 40 da lei 6.766/79 deve ser aplicado e
interpretado à luz da Constituição Federal e da Carta
Estadual.
2. A Municipalidade tem o dever e não a faculdade de
regularizar o uso, no parcelamento e na ocupação do
solo, para assegurar o respeito aos padrões
urbanísticos e o bem-estar da população.
3. As administrações municipais possuem mecanismos
de autotutela, podendo obstar a implantação
imoderada de loteamentos clandestinos e irregulares,
sem necessitarem recorrer a ordens judiciais para
coibir os abusos decorrentes da
especulação
imobiliária por todo o País, encerrando uma verdadeira
contraditio in terminis a Municipalidade opor-se a
regularizar situações de fato j á consolidadas.
4. A ressalva do § 5 o do art. 40 da Lei 6.766/99,
introduzida pela lei 9.785/99, possibilitou
a
regularização de loteamento pelo Município sem
atenção aos parâmetros urbanísticos para a zona,
originariamente estabelecidos. Consoante a doutrina
do tema, há que se distinguir as exigências para a
implantação de loteamento das exigências para sua
regularização. Na implantação de loteamento nada
13 REsp 432531/SP, Ministro FRANCIULLI NETTO, 2 a Turma, v.u., 18.11.2004,
DJ 25.04.2005.
\
APELAÇÃO CÍVEL N°
994.07.010431-0 -
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-
VOTO N°
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pode deixar de ser exigido e executado pelo loteador,
seja ele a Administração Pública ou o particular. Na
regularização de loteamento j á implantado, a lei
municipal pode dispensar algumas exigências quando
a regularização for feita pelo município. A ressalva
somente veio convalidar esse procedimento, dado que
já praticado pelo Poder Público. Assim, com dita
ressalva, restou possível a regularização de loteamento
sem atenção aos parâmetros urbanísticos para a zona.
Observe-se que o legislador, no caso de regularização
de loteamento pelo município, podia determinar a
observância dos padrões urbanísticos e de ocupação do
solo, mas não o fez. Se assim foi, há de entender-se
que não desejou de outro modo mercê de o interesse
público restar satisfeito com uma regularização mais
simples. Dita exceção não se aplica ao regularizador
particular. Esse, para regularizar o loteamento, há de
atender a legislação vigente.
5. O Município tem o poder-dever de agir para que o
loteamento urbano irregular passe a atender o
regulamento específico para a sua constituição.
6. Se ao Município é imposta, ex lege, a obrigação de
fazer, procede a pretensão deduzida na ação civil
pública, cujo escopo é exatamente a imputação do
facere, às expensas do violador da norma urbanísticoambiental.
5. Recurso especial provido."14
Impõe-se a rejeição desta preliminar de
ilegitimidade passiva. Trata o artigo 40 da Lei n°
6.766/79 de poder-dever do Município, pelo que não h á
se falar em indevida ingerência do Judiciário n a
apreciação da responsabilidade e condenação da
Municipalidade.
Descabível também a preliminar apontada pela
Municipalidade no sentido de tratar estes autos de caso
de litisconsórcio passivo necessário para que os
>4 REsp 448216/SP, Ministro LUIZ FUX, I a Turma, v.u., 14.10.2003, DJ
17.11.2003.
APELAÇÃO CÍVEL N° 994.07.016431-0 - DIADEMA - VOTO N° 17.338
J
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moradores adquirentes dos lotes integrem o pólo passivo
da lide.
Incabível o litisconsórcio passivo necessário
nestes autos. A dicção do artigo 47 do Código de Processo
Civil é clara:
"Art. 47 - Há litisconsórcio necessário,
quando, por disposição de lei ou pela
natureza da relação jurídica, o juiz decidir
a lide de modo uniforme para todas as
partes; caso em que a eficácia da
sentença dependerá da citação de todos
os litisconsortes no processo. *
Reconhece
a
doutrina
que
ocorre
o
litisconsórcio necessário quando "a obrigatoriedade da
formação de litisconsórcio diz respeito à legitimação para
agir em juízo, dependendo
da citação de todos os
consortes para a causa a eficácia da sentença"15.
Além disso, o caso em questão não comporta
litisconsórcio necessário dos moradores do parcelamento
irregular. Há jurisprudência neste E. TJSP nesse sentido:
"Não é o caso de litisconsórcio necessário
(caput do artigo 47 do Código de Processo
Civil) com os moradores na área. O
pedido
não é reivindicatório,
nem
possessório, relativamente aos terrenos
por eles ocupados, mas de obrigação de
fazer, com preceito e cominação dirigidos
tão-só à Municipalidade. "16
'5 MARINONI, Luiz Guilherme e MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil comentado artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 132. t
i6 Apelação Cível n° 249.316-5/7-00. 7 a Câmara de Direito Público. Rei. Des.
Barreto Fonseca. DJ: 28.02.2005, v.u.
'••.
APELAÇÃO CÍVEL N° 994.07.016431-0 - DIADEMA - VOTO N° 17.338
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Inadmissíveis, por fim, as
preliminares
levantadas por CRISTIANE MALLOUK (e OUTROS) e j á
superiormente rechaçadas pelo Juízo da causa.
Efetivamente, é desnecessária a intervenção do
MINISTÉRIO PÚBLICO como fiscal da lei diante da
presença de menor de idade, incapaz, nos casos em que a
ação foi ajuizada pelo próprio MINISTÉRIO PÚBLICO.
Tampouco prospera a alegação de ser o espólio e, não, os
herdeiros o legitimado a figurar no pólo passivo da lide.
Uma vez que se encontravam arquivados os autos do
inventário, os herdeiros sucessores passam a responder
pelo passivo do empreendedor falecido MIKHAEL W.
MALLOUK. Os ora apelantes, como bem observado pelo
Juízo, "sendo
herdeiros
de MIKHAEL
respondem
civilmente pelos atos por ele causados de acordo com o
montante da herança, já que com o seu falecimento a
transmissão dos bens se opera automaticamente."
Mais, seria desnecessário.
Repelidas as preliminares, cabe examinar o
mérito.
O Ministério Público pretende sejam o
Município e os herdeiros MIKHAEL W. MALLOUK Estado
condenados solidariamente na obrigação de regularizar o
parcelamento e adaptá-lo, na medida do possível, em
conformidade com a legislação ambiental e em conjunto
com a Secretaria Estadual do Meio Ambiente.
A decisão de primeiro grau julgou procedente a
ação civil pública ajuizada pelo autor. Além de toda
condenação expendida n a sentença, o Juízo ainda
condenou os apelantes nos termos dos itens "b.l" e "b.2"
da petição inicial do MINISTÉRIO PÚBLICO, quais sejam
u
b.l) substituir os lotes negociados por outros imóveis,
regulares e em perfeitas condições de uso urbano, ou
ressarcir as quantias pagas, com atualização monetária, e
indenizar as perdas e danos sofridos pelos
adquirentes
' \
APELAÇÃO CÍVEL N° 994.07.016431-0 - DIADEMA - VOTO N° 17.338
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que não possam permanecer em seus lotes"; e ub.2)
indenizar os danos urbanísticos e ambientais
ocasionados
pela execução do loteamento, em montante a ser apurado
em liquidação, ou então mediante a execução de obras de
infra-estrutura de solução de esgotos, fornecimento
de
água, instalação oficial de energia elétrica, pavimentação
das vias de circulação, implantação de sistema
de
captação e drenagem de águas pluviais,
especialmente
medidas compensatórias de dano ambiental, segundo as
exigências técnicas feitas pelos órgãos públicos para a
regularização^. O Juízo fixou o prazo de quatro anos para
o cumprimento das obrigações e multa diária no valor de
R$ 1.000,00.
Com razão.
Ora, o descalabro da situação das áreas no
entorno da represa Billings é fato notório, que
desnecessitaria comprovação. O positivismo mais
ortodoxo não ousaria negar efeito ao preceituado no
estatuto de regência da prova 17 em relação a. fato notório.
É fato constante n a mídia e serve de exemplo para a
demonstração da ineficiência do Poder Público n a maior
metrópole da América do Sul.
Enquanto outros Estados-nação estimulam
u m a exploração condigna para os espaços providos do
líquido mais precioso do século XXI - a água - o Brasil é
lamentável modelo de permissividade no uso de bens que
- ao contrário do que afirma a Prefeitura - não são de
particulares. As áreas de mananciais são protegidas pela
lei. Lei que foi descumprida na espécie por leniência ou
omissão da Prefeitura e do Estado.
Após a leitura da inicial da presente ação civil
pública, pouco restaria a se apurar n u m processo. O
Ministério Público, pelo Procedimento n° 12/95, da
17
Artigo 334, I, do Código de Processo Civil: Não dependem de prova os fatos?'I notórios;...
\
i
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Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo de
Diadema,
relata a ocorrência
de
parcelamento
clandestino do solo para fins urbanos, executado por
MIKHAEL W. MALLOUK, sem título legítimo de
propriedade nem registro imobiliário, alienando lotes do
imóvel denominado "Sítio Joaninha" em área aproximada
entre 225.834,55 m 2 e 245.855,75 m 2 , situado no bairro
de Eldorado, no Município de Diadema, em área de
proteção aos mananciais hídricos: Bacia Hidrográfica do
reservatório Billings, sem a aprovação do Município de
Diadema e sem a prévia anuência dos órgãos do Governo
Estadual.
É lamentável admitir que a situação j á
lastimável constatada pelo Ministério Público só pode ter
piorado, ante a omissão da administração e o hábito
pouco recomendável de resignação ante o fato
consumado.
Fato que só se consumou porque a
administração pública não cumpriu suas obrigações.
Elas constam de leis longevas. A Lei Lehmann,
que tentou disciplinar a desfaçatez da mais caótica
ocupação do solo, tolerada pelos mais diversos motivos,
dentre os quais não é o menor o interesse eleiçoeiro, é
vigente desde 1979. Pois a lei do parcelamento do solo 6766/79 - exige u m a série de providências do
empreendedor:
1. prévia
e
necessária
anuência
da
autoridade metropolitana competente, que é a
Secretaria dos Negócios Metropolitanos 18 ;
2. prévia anuência da Secretaria do Meio
Ambiente, pois os empreendimentos situam-se
em área de proteção ambiental 19 ;
18
Artigo 13 da Lei 6.766/79 e item 169 do Capítulo XX das Normas de Serviço
da Corregedoria Geral de Justiça, além do Decerto Estadual 19.191, de
2.8.1982. Hoje é a Secretaria da Habitação - Decreto Estadual 34.542,\de
9.1.1992.
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á
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3. prévia anuência da Secretaria dos
Negócios Metropolitanos, eis que São Paulo
integra a Região Metropolitana da Grande São
Paulo 20 ;
4. licença de instalação pela CETESB, eis
que todo parcelamento de solo é considerado
fonte potencial de poluição 21 ;
5.
aprovação pela Prefeitura e observância
das posturas municipais 22 ;
6.
efetivação do registro especial junto ao
Serviço de Registro de Imóveis competente 23 ;
7. elaboração de contrato-padrão, com as
cláusulas e condições previstas n a lei 24 ;
8.
estar a gleba situada fora das áreas de
risco ou de proteção ambiental 2 5 e em zona
urbana ou de expansão urbana, com prévia
audiência do INCRA se houver alteração de uso
do solo rural para fins urbanos 2 6 ;
9. execução de obras de infra-estrutura 27 .
Incumbe ao Poder Público exigir, fiscalizar,
acompanhar a implementação e impedir que ela se dê
ante a inobservância de qualquer comando legal.
A responsabilidade do Poder Público é maior do
que poderia parecer após a enunciação do elenco de
requisitos para o parcelamento. Pois ele
poderá
19
Artigo I o , parágrafo único, do Decreto Estadual 34.542/92;
Artigo I o , da Lei Complementar Estadual n. 94, de 29.5.1974 e artigo 13,
parágrafo único, da Lei 6.766/79.
21
Artigo 5 o , parágrafo único, da Lei Estadual 997/76, art. 57, I, do Decreto
Estadual 8.468/76, item 169 do Capítulo XX das Normas de Serviço da
Corregedoria Geral de Justiça e artigo 2 o da Lei 6.766/79.
22
Artigo 12 da Lei 6.766/79.
** Artigo 18 da Lei 6.766/79.
24
Artigos de 25 a 36 da Lei 6.766/79.
25
Artigo 3 o , parágrafo único, da Lei 6.766/79.
26
Artigos 3 o , caput e 53, da Lei 6.766/79.
27
Artigo 18, inciso V, da Lei 6.766/79.
20
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complementarmente exigir, em cada loteamento, a reserva
de faixa non aedificandi destinada a
equipamentos
28
urbanos .
Um espectro enorme de possibilidades se abriu
ao Poder Público. Tudo era possível, menos a omissão. A
inadmissível falha n a fiscalização. A leniência com a
invasão, com o parcelamento não registrado, não
solicitado, não aprovado.
Até mesmo poderia ter recorrido ao Ministério
Público, à polícia ambiental para promover investigações
e depois submeter os eventuais infratores a processocrime, à luz dos dispositivos específicos da lei do
parcelamento de solo eventualmente malferidos 29 , poderia
ter sido a opção da administração pública.
Evidente, portanto, o nexo causai entre a
omissão do Poder Público e o mal difuso causado a toda
u m a comunidade de pessoas. Muitas delas - talvez a
maior parte - ainda não nascidas. Mas protegidas pela
ordem constitucional como titulares de u m bem essencial
à sadia qualidade de vida.
Se a Municipalidade confessa não poder
fiscalizar os loteamentos e fazer cumprir a Lei 6.766/79,
além das posturas que ela própria produziu, está a
admitir sua incompetência e a reclamar intervenção de
poder mais capaz.
Esses
os motivos
que
configuram
a
responsabilidade, razão pela qual não prospera a
alegação da MUNICIPALIDADE de que os sucessores do
falecido são os únicos responsáveis nesta ação civil
pública.
Tampouco procede a argumentação
de
CRISTIANE MALLOUK e OUTROS no sentido de que os
herdeiros não participaram do loteamento e não se
28
29
Artigo 5 o da Lei 6.766/79.
Artigos 50 e 51 da Lei 6.766/79
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beneficiaram dele, pelo que não estariam legitimados a
responder pelos danos ambientais causados.
A
responsabilidade ambiental é objetiva e "propter rem",
defluindo da coisa e seguindo-a, permitindo acionar tanto
aquele que detém o domínio do bem, quanto aquele que
implementou o dano concretamente. Na espécie, tais
figuras confundem-se n a pessoa dos apelantes, porque
são os sucessores do empreendedor do parcelamento.
A partir de 5 de outubro de 1988, o meio
ambiente foi erigido a categoria constitucional n a ordem
jurídica brasileira. Preceitua o artigo 225 da Carta da
República:
"Todos têm direito ao meio
ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso
comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida, impondo-se ao Poder
Público e à coletividade o dever de
defendê-lo e preservá-lo para as presentes
e futuras gerações.''
Enorme transformação de ótica vem a
impregnar toda a ciência jurídica diante dessa opção
constituinte. O legislador fundante, pela vez primeira,
contempla
de
maneira
explícita
um
direito
intergeracional. Ao Poder Público e à coletividade comete
u m dever primordial de defender e preservar o meio
ambiente ecologicamente equilibrado não apenas para os
viventes, mas também para as gerações do porvir.
A relevância do tema impede a velha cultura do
repasse: cada qual a pretender a transferência integral
das obrigações e responsabilidades a outra esfera. A
regularização demanda a adoção de medidas conjuntas e
incindíveis, sendo impossível determinar qual a
r
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proporção da contribuição de cada u m dos requeridos
para a formação do loteamento.
O constituinte é muito claro ao se referir a
Poder Público no caput do artigo 225. Impõe-se a
responsabilização solidária de todos os réus, tal como
lançada n a sentença.
Saliente-se que o ordenamento consagrou a
responsabilidade objetiva daqueles que, direta ou
indiretamente, causaram danos ao meio ambiente. O
dever de reparar os prejuízos ao ecossistema independe
da prova de culpa do agente, bastando a demonstração
da existência do dano e do nexo causai entre ele a
atividade exercida, elementos que restaram perfeitamente
delineados nesses autos.
A responsabilidade solidária da administração
pública pela ausência do serviço é inegável. Toda a
argumentação jurídica enfrentada pelo Ministério Público
em sua inicial serve a demonstrar que o tema não é
pioneiro. A administração responde também por omissão.
Por leniência. Até por falta de eficiência, pois esse
princípio hoje é fundamental à Administração Pública 30 .
Quem é que poderia sustentar ter sido eficiente o Poder
Público ao permitir que o entorno da bacia hidrográfica
da represa Billings fosse deteriorado de forma quase
irreversível?
É tão clara a omissão da administração
pública, tão evidente sua incompetência em zelar pelo
único direito intergeracional explicitado pela ordem
constitucional, que a presente ação civil pública lembra
u m processo kafkiano. Apenas u m a visão anacrônica da
nova ordem constitucional poderia se satisfazer com os
velhos paradigmas impeditivos de o Estado-juiz cumprir
s u a função numa situação calamitosa como a presente.
30
Artigo 37, caput, da Constituição da República, com a redação determinada
pela Emenda Constitucional 19/1998.
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O Judiciário é preordenado exatamente a
dirimir conflitos. Quando u m a comunidade difusa de
pessoas é lesada em seu patrimônio, é prejudicada em
fruição de um direito que o pacto fundante considerou
essencial à sadia qualidade de vida - mínimo necessário
à existência digna - incumbe ao Ministério Público
representá-la e externar ao Judiciário a s u a pretensão de
ressarcimento.
Essa a função do Poder Judiciário no Estado
Democrático. Ele não está a intervir n a discricionariedade
da Administração. Quando a lei obriga que o Estado atue,
ele não pode se omitir. Assim, não se desloque a
discussão para a pretensa invasão da esfera de
atribuições imposta pela separação de poderes. Não é
disso que se trata. O Estado-juiz se viu aqui chamado a
fazer incidir a vontade concreta da lei perante u m
conflito. Conflito atípico, pois não há u m a parte a
digladiar com a outra. Há de u m lado o Poder Público
renitente a cumprir a lei, a servir-se de argumentação
inconsistente - impossibilidade de atender a todas as
necessidades,
insuficiência
de
recursos,
irresponsabilidade perante o caos que sua incapacidade
de controlar a ilicitude produziu - e de outro, a vítima
coletiva. Vítima inerte, passiva, prejudicada e até
impedida de nascer, mas que é representada pelo
Ministério Público.
Não h á invasão alguma de competência.
Quando existe ordenamento legal n u m sentido, não h á
discricionariedade da administração pública p a r a
obedecer ou desobedecer a lei.
Não fora a inércia da Administração Pública e
talvez a situação ambiental e urbanística do entorno da
represa não tivesse atingido os níveis catastróficos em
que se encontra. Ora, "a inércia a
Administração,
retardando ato ou fato que deva praticar,
caracteriza,
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Ò
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também, abuso de poder, que enseja correção judicial e
indenização ao prejudicado''31.
Condenar solidariamente a administração
pública por u m a atuação totalmente desconforme com os
ditames da exação e da eficiência não é socializar
prejuízos. Na verdade, é reconduzir o administrador ao
rumo correto. Quem se encontra investido de poder em
nome do povo precisa exercer adequadamente essa
autoridade. A ordem jurídica não é mera recomendação.
Ela existe para ser cumprida.
Na espécie dos autos, o vulto dos prejuízos
causados à comunidade e às futuras gerações é de
tamanha dimensão, que só na fase de execução é que se
poderá calculá-los. É muito complexa a aferição dos
danos. Há condições técnico-científicas para tanto, m a s
isso envolverá uma série de análises. O passo inicial seria
retroceder no tempo e retornar à era em que não havia
construções clandestinas. Qual o custo da vegetação
dizimada? Qual o custo da poluição do solo e das águas?
O que significou para a coletividade a falta de
aproveitamento das águas hoje poluídas e a necessidade
de se buscar água distante ou de intensificar o
tratamento para se poder aproveitar as águas turvas e
pestilentas?
Além disso, o que significa para a população a
perda da qualidade de vida? A impossibilidade de
utilização racional de u m a enorme área turística,
paisagística e propiciadora de u m convívio que seria
válvula de escape essencial para o stress metropolitano?
Tudo é dimensionável e importará em aferição
muito minuciosa dos valores postos em cotejo.
No mais, a multa cominatória determinada n a
nesses autos é pertinente e não se mostra excessiva.
31
HELY LOPES MEIRELLES, "Direito Administrativo Brasileiro",
Malheiros, 2005, p. 115.
30a\ed,
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Inclusive, é cabível a fixação de multa cominatória contra
a Fazenda Pública. Necessário u m instrumental que não
deixe ao alvedrio da Administração e dos particulares o
cumprimento do que lhes foi imposto em sentença
judicial. É admissível a imposição de multa cominatória
em caso de atraso da obrigação de fazer.
As normas insculpidas nos artigos 461 e 644
do Código de Processo Civil não fazem qualquer distinção
entre os particulares e o Poder Público, motivo pelo qual
devem ser aplicadas sempre que o devedor se mostrar
renitente em cumprir a obrigação.
Nesse sentido, entendimento do E. Superior
Tribunal de Justiça:
"PROCESSUAL CIVIL - MULTA COMINATÓRIA DO
ART. 461 DO CPC - ASTREINTES - APLICABILIDADE
CONTRA A FAZENDA PÚBLICA.
1. Inexiste qualquer impedimento quanto a aplicação
da multa diária cominatória, denominada astreintes,
contra a Fazenda Pública, por descumprimento de
obrigação de fazer. Inteligência do art. 461 do CPC.
Precedentes.
2. Recurso especial provido." 32
A hipótese dos autos é teratológica. Tudo se fez
clandestinamente, mas à luz do dia. O Poder Público sabe
que essas ocupações são visíveis, escancaradas. Não se
constrói à noite. Assim, deveria a Municipalidade atuar
de acordo com a legislação para compelir os
empreendedores a cumprirem a lei 33 e até regularizar o
loteamento ou desmembramento não autorizado, pois os
instrumentos legais não são desconhecidos de seus
departamentos jurídicos 34 .
32
REsp 697276/RS, Rei. Ministra Eliana Calmon, 2 a Turma Julgadora, v.u., j .
14.3.2006, DJU 9.5.2006.
\
3 3 Artigo 38, § 2 o , da Lei 6.766/79.
34
Artigo 40 e seus parágrafos, da Lei 6.766/79.
•J
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A ação civil pública é também u m corretivo. É
pedagógico instrumento para mostrar à administração
pública o seu real papel. Ela existe para gerir o interesse
coletivo, funciona e é remunerada com o dinheiro do
povo. E este tem direito ao meio ambiente saudável,
inviável diante do descontrole das funções próprias ao
Poder Público.
Não se trata aqui de superdimensionar os
direitos difusos, como se eles contemplassem u m a utopia
ou pretendessem assegurar à comunidade bens
inalcançáveis. Não é u m a aspiração intangível aquela de
contar com água limpa, paisagem preservada, ocupação
do solo disciplinada, com respeito aos mais elementares e
comezinhos direitos ambientais. A expectativa da
comunidade é a de que o Poder Público seja o
concretizador das promessas do constituinte. Não
pretende seja ele o primeiro a desconsiderá-las e a tratar
a natureza como se fora descartável.
Está em jogo é a dignidade do ser humano.
Dignidade que é princípio fundamental da República
brasileira 35 . A omissão do Poder Público, a permitir
ocupação irregular e destruidora do meio ambiente às
margens das represas ou no seu entorno, desrespeitou a
dignidade de u m a comunidade difusa de pessoas.
Também malferiu a dignidade daqueles incautos que
acreditaram
nos
empreendedores
inescrupulosos.
Desrespeitou-se a Constituição, desprezou-se u m bem da
vida que coloca o futuro do planeta em jogo, transmite-se
péssimo exemplo para a juventude e gera o desalento
para a cidadania.
Louve-se o Ministério Público, suficientemente
destemido para trazer a conhecimento do Judiciário
lesões tão graves, incursões tão profundas nos bens da
vida que o constituinte quis proteger de forma singular e
\\.
35
Artigo I o , inciso III, da Constituição da República.
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felizmente audaz, para auxiliar n a produção de u m novo
olhar judicial sobre o tema.
Nesses termos, os recursos voluntários dos
requeridos hão de ser totalmente desprovidos.
O Recurso Oficial, no entanto, comporta
provimento tão-somente para determinar a fixação das
verbas de sucumbência para os requeridos, ora
apelantes. Assim, ficam condenados os réus ao
pagamento das custas e despesas processuais.
Para efeito de eventual prequestionamento,
consideram-se
explicitadas
todas
as
invocações
normativas dos apelantes, nenhuma delas suficiente p a r a
dar à demanda desfecho diverso.
Por estes fundamentos, nega-se provimento a
aos apelos, e confere-se parcial provimento ao recurso
oficial.
RENATO NALINI
Relator
/
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