tendinopatia do aparelho extensor do joelho

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TENDINOPATIA DO APARELHO EXTENSOR DO JOELHO
AUTOR: ROGÉRIO FUCHS
Membro Titular da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia
Membro Titular e Secretário da Sociedade Brasileira de Cirurgia do Joelho
Ortopedista do Hospital Novo Mundo / Hospital Nossa Senhora Das Graças – Curitiba-Pr
Endereço: Av. Sete Setembro, 6496 – Seminário
80240-001 / Curitiba-Pr
Fone/Fax: (41) 3026-6959
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TENDINOPATIA DO APARELHO EXTENSOR DO JOELHO
INTRODUÇÃO
As lesões músculo-esqueléticas por sobrecarga (“overuse”) são muito comuns, com
aumento progressivo na incidência destas lesões relacionadas à prática esportiva ou
atividade física(1) (Fig.1).
Fig.1 – Voleibol
As lesões dos tendões são bastante freqüentes nos esportes porque o estresse e as forças de
tensão são centralizadas na parte tendinosa da unidade músculo-tendínea durante a
atividade física ou esportiva, aumentando o risco de lesão no tecido tendinoso.
O termo “jumper’s knee”(2) ou tendinite patelar é utilizado para descrever as lesões
de sobrecarga (“overuse”) que causam dor na inserção do tendão quadricipital na patela,
inserção do tendão patelar na tuberosidade anterior da tíbia (TAT) ou mais comumente na
inserção do tendão patelar no pólo inferior da patela. O início da dor normalmente é
insidioso que piora progressivamente com a atividade física e/ou esportiva. A dor por estar
relacionada com microlesões das fibras elásticas e colágenas, inflamação, edema,
degeneração mucóide, necrose fibrosa, erosão do pólo inferior da patela ou mesmo ruptura
do tendão patelar.
As causas destas tendinopatias são multifatoriais(3), incluindo fatores intrínsecos e
extrínsecos. Os fatores extrínsecos seriam a intensidade de treinamento, superfície de
treinamento, equipamento e calçado, erros no treinamento e condições do meio
ambiente(4). Já foi muito bem demonstrado que quando a intensidade e a freqüência do
treinamento aumenta, a incidência de tendinite patelar também aumenta. Porém nem todos
atletas submetidos a altas cargas de exercícios e treinamentos desenvolvem tendinite patelar
sugerindo que existem fatores intrínsecos para que esta condição apareça. Existem
hipóteses que o mau alinhamento patelar, discrepância de MMII, atrofia e falta de
flexibilidade muscular predisporiam os atletas à tendinite patelar(5). Witvrouw et al(6)
mostraram em seu estudo que a falta de flexibilidade do quadríceps e dos músculos flexores
do joelho contribuíram para o desenvolvimento de tendinite patelar na população atlética,
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afirmando que a prevenção desta condição em atletas deve ser centrada no treinamento dos
músculos quadríceps e isquiotibiais.
A origem da dor nas tendinopatias normalmente é devida a dois mecanismos. A dor
pode resultar da inflamação levando a tendinite ou pode ser causada pela separação das
fibras colágenas nas mais severas formas de tendinopatias. Apesar da larga aceitação destes
dois modelos clássicos de produção da dor, vários estudos mostram dados inconsistentes
com esta teoria(7,8,9). Khan et al(10) descrevem que além das alterações estruturais, existem
alterações bioquímicas através de agentes que irritam os nociceptores localizados na
gordura retropatelar imediatamente posteriores ao tendão patelar, causando a dor nas
tendinopatias patelares. Com isto, estes autores propõem estudos para desenvolvimento
farmacológico de substâncias que reduziriam a irritação bioquímica ao redor do tendão.
QUADRO CLÍNICO
As queixas dolorosas, bem como os sinais e sintomas das tendinopatias são mais
comuns nos atletas, principalmente naqueles que realizam saltos repetitivos devido ao tipo
de atividade esportiva. Os atletas de voleibol são muito suscetíveis à sobrecarga no
aparelho extensor do joelho, onde um maior peso corporal, maior carga no treinamento e
melhor performance no salto, podem aumentar o risco de tendinopatia(11).
Os estágios de dor podem ser divididos em quatro, conforme Blazina(2) e Roels(12) :
- Estágio 1: dor após atividades físicas que não interfere no desempenho;
- Estágio 2: dor durante e após atividades físicas que não interfere no desempenho;
- Estágio 3: dor durante e após atividades físicas que altera o desempenho com aumento
progressivo da dificuldade de realizar exercícios;
- Estágio 4: ruptura total do tendão ou ligamento patelar.
Outros achados podem estar presentes, como: espessamento e alargamento do
tendão patelar, patela alta, aumento do comprimento do tendão(13).
A flexibilidade muscular normalmente está comprometida com encurtamento
importante dos isquiotibiais, reto anterior e tríceps sural.
EXAMES DE IMAGEM
Três tipos de exames podem ser realizados: RX, Ecografia e Ressonância nuclear
magnética.
- RX: normalmente não mostra grandes alterações. Na incidência em perfil podemos
observar o alongamento do pólo inferior da patela (parte não articular), esclerose ou cistos
no ápice da patela (Fig. 2);
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Fig.2 – Pólo inferior da patela alongado. AS – superfície articular; NAS – superfície não
articular. Fonte: Shalaby e Almekinders – Am J Sports Med 27: Pág. 346, 1999.
- ECOGRAFIA: pode demonstrar áreas de espessamento ou áreas hipoecóicas no trajeto do
tendão, porém com pouca capacidade para mostrar alterações intratendíneas;
- RESSONÂNCIA: é o melhor método de imagem, pois pode mostrar as alterações intra e
peritendinosas (Fig. 3).
Fig.3 – Ressonância magnética – Alterações intra e peritendinosas
Porém no estudo de Shalaby e Almekinders(14) foi evidenciado que este exame de imagem
tem limitações para confirmar o diagnóstico nos estágios iniciais da patologia, sendo de
muita utilidade nos estágios 3 e 4 descritos acima, com melhor delineação da área afetada
permitindo um melhor planejamento cirúrgico, se assim for indicado. Neste estudo foi
demonstrado que todos pacientes com alterações de sinal intratendinosas apresentavam o
pólo inferior da patela mais longo (porção não articular) (Fig. 4).
Fig.4 – Ressonância magnética – Polo inferior “alongado” da patela
TRATAMENTO
As tendinopatias do aparelho extensor do joelho podem ser tratadas de forma
conservadora ou cirúrgica conforme os estágios da doença segundo Blazina(2) e Roels(12).
Nos estágios 1 e 2 indica-se o tratamento conservador; no estágio 3 prolonga-se o
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tratamento conservador, podendo ser necessária a cirurgia ou mesmo abandono do esporte;
no estágio 4 (ruptura do tendão) somente a cirurgia pode trazer resultado satisfatório(13).
Na literatura existem várias formas de tratamento conservador descritas, incluindo
combinações de repouso, exercícios (especialmente excêntricos), uso de ultrasom, calor,
crioterapia, massagens/fricções, ajustes biomecânicos e tratamento medicamentoso através
de iontoforese ou fonoforese com uso de drogas não hormonais ou corticosteróides. Muitos
destes tratamentos são baseados mais na experiência clínica do que na análise adequada de
dados e estudos prospectivos e randomizados(15).
O tratamento cirúrgico das tendinopatias pode ser feito através de diferentes
procedimentos e protocolos de reabilitação pós-operatória. A escolha da cirurgia parece ser
baseada na preferência do cirurgião(16).
A utilização de injeções de corticoesteróides intratendinosas ainda é vista de
maneira controversa, devido à falta de estudos com bons ensaios clínicos, falta de evidência
do real valor no uso desta medicação nas lesões tendinosas crônicas(17). O estudo de
Speed(17) descreve a estrutura tendinosa, sua patologia e os efeitos do uso de injeções locais
de corticoesteróides e conclui que, apesar de ser um método muito comum no tratamento
das tendinopatias, não existem boas evidências para suportar seu uso.
Os exercícios de fortalecimento muscular, principalmente do quadríceps e
isquitibiais, mostraram ser muito eficientes na redução da dor em pacientes com
tendinopatia do aparelho extensor num período de treinamento de 12 semanas e permitiram
que uma elevada proporção de pacientes retornassem ao esporte, segundo Cannell et al(18).
Panni et al(19) relataram os resultados do tratamento conservador e cirúrgico de 42
atletas com tendinopatia patelar, com 26 pacientes no estágio 2 e 16 pacientes no estágio 3
de Blazina e Roels. Inicialmente todos foram tratados de forma conservadora com
antiinflamatórios não hormonais, programa de reabilitação progressivo com exercícios
isométricos, alongamento muscular e exercícios excêntricos. Após seis meses, 33 pacientes
obtiveram melhora dos sintomas e estavam aptos a retornar às suas atividades esportivas.
Nos outros nove pacientes (estágio 3) o tratamento conservador falhou e a cirurgia foi
realizada, com a remoção da área degenerada do tendão, tenotomias longitudinais múltiplas
e perfurações no local de inserção do tendão no pólo inferior da patela. A análise
histológica do tecido ressecado mostrou áreas de necrose, degeneração mucóide e
alterações na junção tendão-osso. Após seguimento de 4,8 anos, os resultados clínicos
foram bons ou excelentes em todos os pacientes. Os autores evidenciaram que o tratamento
não operatório foi melhor nos pacientes com estágio 2 de tendinopatia do que no estágio 3.
Ferreti et al(20) realizando tratamento cirúrgico semelhante ao descrito acima, após
falha no tratamento conservador de 32 pacientes (38 joelhos) e seguimento médio de oito
anos pós-operatório, obtiveram 85% de bons e excelentes resultados em relação à dor e ao
retorno esportivo, com 63% dos joelhos totalmente livres dos sintomas.
Coleman et al(21) num estudo retrospectivo compararam os resultados do tratamento
aberto e artroscópico da tendinopatia patelar e concluíram que os resultados não tiveram
diferenças significantes entre os dois grupos na análise de todos os critérios de avaliação. O
resultado da tenotomia patelar artroscópica (96%) obteve tanto sucesso quanto a forma
tradicional de tenotomia aberta (81%) em relação ao alívio dos sintomas.
Griffiths e Selesnick(22) avaliaram sete pacientes (oito joelhos) submetidos a
tratamento cirúrgico por tendinopatia patelar, com seguimento médio de 3,6 anos. Os
resultados foram avaliados subjetivamente através do SF36, objetivamente através do teste
Biodex e retorno ao nível esportivo prévio de competição. Obtiveram 86% de resultados
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excelentes e 14% de maus resultados nos critérios acima descritos, recomendando o
tratamento cirúrgico nos pacientes que não respondem adequadamente ao tratamento
conservador bem orientado.
As figuras 5 e 6 mostram controles de um paciente operado pelo autor havia 21
anos, quando foi realizada a ressecção do tecido degenerado e do ápice do pólo inferior da
patela, tenotomias longitudinais múltiplas (semelhante ao que fazemos pós-retirada do
enxerto de tendão patelar para reconstrução do ligamento cruzado anterior – Fig. 7) e
fechamento cuidadoso do peritendão (Fig. 8). Naquela revisão o paciente encontrava-se
sem qualquer queixa dolorosa, praticando exercícios físicos sem restrições.
Fig.5 – Radiografia em perfil – 21 anos de PO
Fig.6 – Ressonância magnética – 21 anos PO
Fig.7 – Tenotomias longitudinais múltiplas
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Fig.8 – Sutura do peritendão
RESUMO
A tendinopatia patelar afeta atletas em muitos esportes e em qualquer nível de
participação, mas tem uma particular predileção nos atletas saltadores e mais competitivos.
Estes atletas muitas vezes levam meses para obter um resultado satisfatório através da
reabilitação ou tratamentos que são baseados mais na experiência de quem está tratando do
que em estudos científicos claros e seguros para indicar o melhor tratamento.
As opções de tratamento descritas até o momento, incluem as medidas
conservadoras que devem ser priorizadas sempre como opção inicial e na falha do
tratamento não operatório, a cirurgia deve ser realizada, seja aberta ou artroscópica.
Os estudos da literatura até o momento não conseguem indicar a melhor forma de
tratamento das tendinopatias do aparelho extensor do joelho, necessitando que se entenda
melhor a patologia e suas causas, no sentido de se definir um tratamento mais adequado e
mais efetivo, principalmente para recuperar os atletas que necessitam retornar às suas
atividades mais rapidamente.
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