PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA E SAÚDE: PSICOLOGIA HOSPITALAR Mônica Aparecida Zappa Rezende TENTANDO COMPREENDER O SIGNIFICADO DA HEMODIÁLISE PARA O PACIENTE RENAL CRÔNICO A PARTIR DA FENOMENOLOGIA EXISTENCIAL São Paulo 2006 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO Mônica Aparecida Zappa Rezende TENTANDO COMPREENDER O SIGNIFICADO DA HEMODIÁLISE PARA O PACIENTE RENAL CRÔNICO: ESTUDO DE CASO ATRAVES DA ABORDAGEM FENOMENOLÓGICA EXISTENCIAL Monografia apresentada como exigência parcial para obtenção do título de Especialista em Psicologia Hospitalar e Psicologia da Saúde pelo programa de estudos pós graduados em Psicologia Clínica e Psicossomática da PUC-SP e pela COGEAE. Orientadora: Maria Cecília Roth São Paulo 2006 AGRADECIMENTOS Gostaria de agradecer ao meu marido Francisco que tornou possível em todos os sentidos a viabilidade e a concretização de mais esta etapa do meu caminho profissional. Sem o seu apoio e amizade este momento não seria possível. Obrigada pelo carinho e força nos momentos de desânimo. Meus sinceros agradecimentos por ter estado junto comigo, mais uma vez, neste percurso. À minha pequena filha Ana Carolina por abster-se de minha companhia, em seus momentos de necessidade de aconchego e atenção e por ter compreendido esta fase da minha vida, jamais reclamando, compactuando comigo nos momentos em que eu precisei fazer uma leitura, nas ausências de casa por causa do curso, estágio e nas várias noites que não a acalentei. Para você, procuro tornar-me um ser humano melhor. À minha mãe Célia, por ter feito do tema “Estudo”, o discurso principal de sua vida, incentivando-me desde criança a buscar a sabedoria nos bancos escolares e nunca desistir de percorrer todos os degraus da evolução e realização como pessoa. À minha querida orientadora Maria Cecília Roth, tão profissional quanto ética, objeto de minha admiração pela postura impecável, tanto, que me fez pensar: “Quando eu crescer, quero ser igual a ela”, obrigada pela paciência e disponibilidade para o aprimoramento e aprendizado, pela oportunidade de reflexão e acolhimento, meus sinceros e carinhosos agradecimentos. À professora Terezinha Kalil, por ter me acolhido desde o primeiro momento, transmitindo-me informações, orientando-me nos procedimentos para a realização do estágio no hospital e também em todas as questões pertinentes ao curso, com atenção e disponibilidade, meus agradecimentos sinceros e carinhosos. À Equipe de Nefrologia, doutoras e doutores: Anita, Rose, Vitória, Ana Paula, Karilla, André, Miranda e Sérgio, combatentes silenciosos de uma batalha diária pela vida, que me fizeram acreditar que a dignidade é praticada desde as pequenas atitudes até as maiores ações que um ser humano se propõe a realizar, recebendo-me de braços abertos e imensa capacidade de compartilhar e respeitar outros profissionais da saúde, sempre generosos, transmitindo-me e esclarecendo-me sob todos os aspectos à respeito do andamento dos casos e funcionamento de uma equipe de nefrologia, presentes em minhas reflexões além de terem demonstrado um carinhoso sentimento de acolhimento e amizade, meus mais sinceros agradecimentos e admiração por terem contribuído para o meu aperfeiçoamento profissional. Aos pacientes que, ao longo destes dois anos, por circunstâncias do destino, se foram deste mundo durante este período, espero ter conseguido fazerlhes a diferença de algum modo, como profissional, contribuindo para que pudessem alcançar algum conforto mental e psicológico nos momentos finais de suas existências, meus saudosos respeitos. À minha querida sobrinha Mariana que muito me auxiliou para que este trabalho se concretizasse, com seus conhecimentos sobre informática e sua doce personalidade, paciente e prestativa, meu muito carinhoso agradecimento. Aos pacientes que muito me auxiliaram e protagonizaram comigo neste momento da história da minha vida, sempre atuantes em suas falas na hemodiálise, nunca negando informações e sempre abertos para que acontecesse a possibilidade da prática psicológica em seu meio, demonstrando sentimento de confiança e respeito, meu sincero sentimento de gratidão. Finalmente, às minha companheiras de curso, e também a todos os encontros e desencontros que vivenciei nestes dois anos, que ficarão na memória, porque fundamentaram o meu progresso como pessoa e como profissional, além do que, significaram a ponte para mais uma etapa cumprida da minha existência. Saudades. MÔNICA APARECIDA ZAPPA REZENDE. Tentando Compreender o Significado da Hemodiálise para o Paciente Renal Crônico : Estudo de caso a partir da abordagem fenomenológica existencial Orientadora: Maria Cecília Roth Palavras-Chave: Renal Crônico, Hemodiálise, Fenomenologia.psicologia hospitalar RESUMO O presente trabalho pretende compreender o significado da hemodiálise para o paciente renal crônico. Nos capítulos faz-se um levantamento teórico sobre temas relevantes para a compreensão do fenômeno estudado: “Paciente Renal Crônico, “O que é Hemodiálise” e os “Aspectos Emocionais e Psicológicos do Paciente Renal Crônico”. A pesquisa teve como instrumento a Entrevista Aberta com uma paciente renal crônica em processo de hemodiálise. Os dados obtidos através da entrevista foram analisados com base nos princípios metodológicos do enfoque fenomenológico da personalidade de Yolanda Cintrão Forghieri. O que se pode perceber através do relato da paciente renal crônica, é que o processo de hemodiálise se configura através de uma série de questões e situações vivenciadas pela paciente, tais como: Sentimentos Ambivalentes, Sentimento de Desânimo, Contato com a Morte, Aparência, Relacionamento com a Equipe, Espera pelo Transplante, Planejamento para o Futuro, Tentativa de Mudança, Preocupações, Incertezas. Com o material levantado, foi realizada uma análise compreensiva da entrevista, o que possibilitou uma descrição do fenômeno, tal como ele aparece para esta paciente. Percebeu-se que apesar de todas as situações referentes às limitações, prejuízos, sofrimentos e estagnação vivenciadas pela paciente renal crônica, estes não impediram-na de desenvolver um modo sadio de existir, o que permitiu que a mesma fosse capaz de se abrir e de se decidir livremente acerca de suas possibilidades. Este trabalho trata-se de um esforço em se constituir uma compreensão sobre este tema, sem a pretensão de que se alcance uma verdade única e imutável. SUMÁRIO I. INTRODUÇÃO................................................................................................ 07 II. REFERENCIAL TEÓRICO............................................................................. Capítulo 1 – Paciente Renal Crônico....................................................... Capítulo 2 – O que é Hemodiálise........................................................... Capítulo 3 – Aspectos Psicológicos e Emocionais do Paciente em 08 08 12 Hemodiálise....................................................................... 16 III. METODOLOGIA........................................................................................... 30 IV. ANÁLISE E DISCUSSÃO............................................................................. IV.1 – Análise da Entrevista..................................................................... IV.2 – Análise Compreensiva.................................................................. 34 34 36 V. CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................... 41 VI. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................ 44 ANEXOS Anexo 1 – Termo de Consentimento....................................................... Anexo 2 - Entrevista................................................................................ i iii 7 I. INTRODUÇÃO O interesse pelo tema surgiu devido a um estágio realizado em uma Equipe de Nefrologia, Transplante de Órgãos e Hemodiálise de um Hospital Geral na Cidade de São Paulo. Percebendo o sofrimento dos pacientes e a necessidade de acolher suas dores diante do processo de hemodiálise, iniciei esta busca ao longo deste um ano e meio de atuação nesta equipe, ouvindo os relatos e participando do cotidiano de uma enfermaria de hemodiálise. Muitos foram os questionamentos que me foram se apresentando, e a necessidade de adentrar neste cenário do renal crônico foi aumentando na medida em que percebia a necessidade de ajudá-los a suportar esta condição de cronicidade, tentando compreender o significado desta vivência. De todas as teorias psicológicas existentes, ao trabalhar no Hospital e vivenciar os relatos dos pacientes renais crônicos em uma hemodiálise, a que mais respondeu a esta busca e inquietação para tentar compreender a essência do que pode significar para este paciente em questão o processo de hemodiálise por ele vivenciado, foi a linha com abordagem fenomenológica existencial, visto que este enfoque permite lançar um olhar para o desvelar da experiência, tal qual esta demonstra, revelando assim, as possibilidades de contato com a gama de significados que a constituem. Sabe-se que a fenomenologia não estabelece pressupostos. Será apresentado nesta introdução uma retomada do que já foi pensado e refletido sobre este tema. Desta maneira, este trabalho tem como característica principal a análise, ou seja, a reflexão será predominantemente baseada no conteúdo que será apresentado através das entrevistas com os pacientes. Os capítulos à seguir pretendem apresentar uma das possibilidades de direções para o caminho rumo à compreensão deste aspecto do cenário existencial. 8 II. REFERENCIAL TEÓRICO CAPÍTULO 1 – PACIENTE RENAL CRÔNICO Segundo a Associação Brasileira de Nefrologia (2004), um paciente sofre de insuficiência renal crônica quando seus rins não são mais capazes de filtrar as impurezas do sangue para poder conseguir o equilíbrio de sais minerais. Existem doenças renais que não são graves. Outras pessoas apresentam doenças como a diabetes e a hipertensão, que se não tratadas de maneira correta, podem levar à falência total do funcionamento renal. E, por fim, existem pessoas que quando sentem alguma “coisa”, já estão com os rins totalmente paralisados. De acordo com Ajzen & Schor (2002 apud DYNIEWICZ, ZANELLA & KOBUS, 2004, p. 199-202), a Insuficiência Renal Crônica (IRC) é doença de alta mortalidade, com incidência e a prevalência de pacientes aumentando progressivamente no Brasil, bem como em todo o mundo. Segundo um inquérito realizado pela Sociedade Brasileira de Nefrologia, entre 1996 e 1887, as principais doenças reportadas como causa da IRC são Hipertensão Arterial, Glomerulonefrite e Diabetes Mellitus. A perda das funções renais, para que se atinja a cronicidade, ocorre de forma lenta, progressiva e irreversível. Assim sendo, esta perda vai resultando em processos adaptativos que, até um certo ponto, mantém o paciente sem sintomas da doença. No início do comprometimento da função renal, o indivíduo apresenta-se assintomático. A insuficiência renal torna-se crônica, para as autoras (apud RIELLA, 1996), quando há deterioração irreversível da função renal e elevação persistente da creatinina no organismo. Isto ocorre por falha na capacidade do organismo em manter o equilíbrio metabólico e eletrolítico, ocasionando, conseqüentemente, a uremia. Muitos são os sinais e sintomas que aparecem quando a pessoa começa a ter problemas renais. Alguns são mais freqüentes, embora eles não 9 sejam necessariamente conseqüência de problemas renais; de acordo com a Associação Brasileira de Nefrologia (2004): • Alteração da cor da urina (cor de Coca-Cola ou sanguinolenta); • Passar a urinar toda hora; • Anemia (palidez); • Levantar mais de uma vez à noite para urinar; • Dor lombar; • Náuseas e vômitos freqüentes de manhã; • Pressão sangüínea elevada; • Fraqueza e desânimo constante; • Inchaço nos tornozelos ou ao redor dos olhos. Para Dyniewicz, Zanella e Kobus (2004 apud RIELLA, 1996), são definidas quatro fases de instalação da doença: 1ª fase: Diminuição da função renal – redução de mais ou menos 25% da filtração glomerular. Habitualmente não há aumento da uréia plasmática (azotemia). 2ª fase: Insuficiência renal – Há redução de aproximadamente 75% da função renal. O rim já não tem capacidade de manter a homeostasia interna. Ocorre nictúria, levando à distúrbios na concentração da urina, anemia e moderada azotemia. 3ª fase: ocorrem anormalidades mais persistentes no meio interno: azotemia intensa, anemia, acidose metabólica, hiperfosfatemia, hipercalcemia e hiponatremia. Geralmente, a função renal está interior a 20% da sua capacidade. 4ª fase ou fase terminal – predominam os sinais e sintomas da uremia (síndrome urêmica), ao que indicam uma terapia substitutiva na forma de diálise ou transplante. A hipertensão pode ser a causa ou também o resultado da enfermidade renal, pois o controle da pressão arterial sangüínea também é uma função dos rins. Estes controlam as concentrações de sódio e a quantidade de 10 líquidos no corpo; quando os rins falham e não cumprem com estas funções vitais, a pressão sangüínea pode elevar-se, podendo ocasionar o inchaço ou edemia. Os rins secretam uma substância chamada renina, responsável pelo estímulo à produção de um hormônio que eleva a pressão sangüínea. Quando os rins não funcionam bem, a renina é produzida em excesso e isto também pode resultar em hipertensão. Ao mesmo tempo, a hipertensão prolongada danifica os vasos sangüíneos, causando a falha renal. Com relação às diversas complicações enfrentadas pelos portadores de IRC, estas autoras (apud RIELLA, 1996) citam como problemas neurológicos as alterações do estado de alerta e do sono, cefaléia, convulsões, irritabilidade, dificuldade de concentração. Dentre os problemas músculoesqueléticos encontram-se, segundo as mesmas autoras ao citarem Riella (1996), as câimbras, dores ósseas, ptose dos pés e osteodistrofia renal. A palidez, a hiperpigmentação solar, pele seca e escamosa, prurido e alterações capilares são alguns dos acometimentos dermatológicos, cujo indivíduo portador de Insuficiência Renal Crônica se depara. As autoras dizem que Riella (1996) descreve os problemas endócrinos decorrentes da IRC destacando a possibilidade de hiperparatireoidismo, amenorréia ou hipomenorréia, decréscimo da fertilidade e deficiência estrogênica na mulher; já nos homens, verifica-se atrofia testicular, redução da espermatogênese e na síntese de testosterona, podendo ocorrer também diminuição da luz vascular, fibrose e esclerose do epidídimo, levando a um dano reprodutivo irreversível. Em ambos, a disfunção sexual com diminuição da libido está presente. O diabetes, segundo a Associação Brasileira de Nefrologia (2004), é uma das mais importantes causas de perda das funções renais, com um crescente número de casos. Depois de cerca de 15 anos de diabetes, alguns pacientes começam a ter problemas renais. As manifestações iniciais são: a perda de proteínas na urina, o aparecimento de pressão arterial alta e, mais tare, o aumento da uréia e da creatinina no sangue. Ainda de acordo com a ABN (2004), a glomerolunefrite (nefrite crônica) é uma das causas, também muito freqüente de insuficiência renal, que resulta em uma inflamação crônica dos rins. Depois de algum tempo, se a 11 inflamação não é curada ou controlada, pode haver perda total das funções dos rins. Outras causas de insuficiência renal são: rins policísticos (grandes e numerosos cistos crescem nos rins, destruindo-os), piolonefrite (infecções urinárias repetidas devido à presença de alterações no trato urinário, pedras, obstruções etc.) e doenças congênitas (“de nascença”). Mariano (2004) compara a realidade do paciente renal crônico com o mito grego antigo de “Scylla” e “Charybdis”; nele, os marinheiros enfrentaram uma área perigosa na costa da Sicília, através da qual precisavam passar, de um lado aguardava “Scylla”, um monstro de seis cabeças, cujos membros inferiores eram serpentes e cães ferozes; no outro lado havia “Charybdis”, um terrível redemoinho. Sob o olhar da equipe nefrológica, segundo a autora, tem-se uma situação análoga em uma pessoa enfrentando uma doença renal em estágio final, que está presa entre a morte certa ou uma vida dependente do suporte tecnológico. Para Mariano (2004): [...] este dilema reflete-se na literatura a cerca da insuficiência renal e de seu tratamento. Freqüentemente são citadas frases como: “medo da morte e da vida”, “vivendo com tempo emprestado”, “escravo de uma máquina” e outras [...] 12 CAPÍTULO 2 – O QUE É HEMODIÁLISE Segundo o professor Otto Busato*. Quando o paciente renal atinge a fase final de sua doença, ou seja, perde-se a função renal de modo irreparável, impedindo a filtragem das toxinas, cabe a este paciente, atualmente, três métodos de tratamento, que substituem a função dos rins: a diálise, a hemodiálise e o transplante renal. Estes métodos, apesar de seus problemas, segundo Busatto (1975), irão proporcionar a sobrevivência, com maior ou menos conforto dependendo de inúmeros fatores. “Assim, cabe-lhes o direito de tomarem a decisão final”. A hemodiálise, portanto, é um tratamento que significa a tentativa de sobrevivência do paciente ao atingir a fase final de sua doença. Isto significa que a pessoa terá que se deslocar de sua casa, em geral, três vezes por semana e terá que ficar “ligado” à máquina por um período aproximado de quatro horas por seção. Esta máquina representa um “rim artificial”, externo, que irá filtrar o sangue e devolvê-lo ao corpo do paciente. Para Meleti (2003), é um processo que consiste na circulação do sangue fora do organismo do paciente, através do acesso vascular. O acesso se dá por meio de uma derivação ou de uma fístula, que são obtidas através de técnicas operatórias. De acordo com Meleti (2003), uma boa técnica operatória proporciona a sobrevivência da fístula ou derivação por um período de longo prazo. Geralmente usa-se, para isto, segundo a autora, a artéria radial e/ou a veia cefálica, tendo a derivação uma vida média que pode variar de 8 a 17 meses para o lado arterial e de 7 a 10 meses para o lado venoso. Busato (2001) diz que para realizar a hemodiálise é necessário fazer passar o sangue pelo filtro capilar e, para isto, é fundamental ter um vaso resistente e suficientemente acessível, que permita ser pulsionado três vezes por semana com agulhas especiais. Busato (2001) diz que o vaso sangüíneo com essas características é obtido através de uma fístula artéria venosa (FAV). A FAV é feita por um cirurgião * Professor Adjunto da Faculdade de Medicina da Universidade do Rio Grande do Sul. 13 vascular, unindo uma veia e uma artéria superficial do braço, de modo a permitir um fluxo de sangue superior a 250 ml por minuto. De acordo com Busato (2001), esse fluxo de sangue abundante passa pelo filtro capilar durante quatro horas, retirando tudo o que é indesejável. O rim artificial é uma máquina que controla a pressão do filtro, a velocidade e o volume de sangue que passam pelo capilar e o volume e a qualidade do líquido que banha o filtro. A hemodiálise, segundo este autor, tem a capacidade de filtração igual ao rim humano, ou seja, uma hora de hemodiálise equivale a uma hora de funcionamento do rim normal. Para ele, a diferença entre a diálise e o rim normal é que na primeira realizam-se três sessões de quatro horas, o equivalente a doze horas semanais. Um rim normal trabalha na limpeza do organismo 24 horas por dia, sete dias por semana, perfazendo um total de 168 horas semanais. Assim sendo, o tratamento com rim artificial deixa o paciente 156 horas semanais sem filtração. Ainda de acordo com Busato (2001), apesar de realizar somente 12 horas semanais de diálise, já está provado que uma pessoa pode viver bem, com boa qualidade de vida e trabalhar sem problemas. Este autor também diz que a hemodiálise tem seus riscos, como qualquer tipo de tratamento, e apresenta complicações que devem ser evitadas, como hipertensão arterial, anemia severa, descalcificação, desnutrição, hepatite, aumento do peso por excesso de água ingerida e complicações das doenças que o paciente é portador. Com relação à máquina, Meleti (2003) diz: O equipamento padrão consiste essencialmente em um tanque de aço e uma bomba para circular o líquido dialisador. A hélice de tubulação é colocada em um receptáculo e conectada às linhas arterial e venosa. A câmara de bolhas venosas é ligada a um manômetro e a um interruptor. O recipiente de banho é enchido com água a 37ºC, acrescentando-se concentrado do dialisato. O sistema é preparado com soro fisiológico heparinizado, as linhas são conectadas ao paciente e é iniciada a diálise. A heparina é injetada em uma dose inicial de 50 a 100 mg, sendo feitos ajustes adicionais de acordo com os tempos de coagulação. Este tratamento, segundo Meleti (2003), o paciente renal crônico recebe, no geral, em centros especializados em hemodiálise, instituições vinculadas à Previdência Social ou hospitais-escolas. É raro instituições privadas prestarem 14 este tipo de assistência. Para Meleti (2003), é um tratamento de alto custo financeiro, sendo, portanto, formado por grupos de pacientes heterogêneos em diferentes aspectos: idade, sexo, condição socioeconômica e culturais. Normalmente, a enfermaria de hemodiálise consiste em várias máquinas alinhadas lado a lado e frente a frente, o que significa dizer que um paciente está em contato com outros à todo instante e a cuidados de emergência, tanto podendo ser para outros pacientes, como para ele próprio. Isso porque poderá existir ocasião, segundo a autora, e que ele será a causa do emergencial, ou então poderá passar pela experiência de presenciar a morte de um outro paciente, companheiro de diálise. Segundo Denise de Paula Rosa e Walter Pinheiro Nogueira (1990): [...] estes pacientes além da nefropatia possuem complicações cardiológicas, crises hipertensivas e quando submetidos à hemodiálise estão sujeitos não somente aos estresses inusitados e até então inexplorados, associados com a dependência ao procedimento, bem como às reações de adaptação ao novo estilo de vida e às reações dos familiares. De qualquer forma, o processo de hemodiálise, apesar da tecnologia avançada que atualmente representa, não oferece um estado de saúde e qualidade de vida ao paciente renal crônico tal qual ele tinha antes de se ver acometido pela doença (IRC). O que se pode dizer é que a hemodiálise significa uma condição para que este paciente consiga continuar vivendo, apesar de mantê-lo nesta situação de morte iminente, complicações das mais variadas, desde parada dos rins de forma mais persistente à complicações originárias da própria máquina, como um problema na tubulação ou a desconexão de algum tubo, o que pode ocasionar a morte do paciente num curto período de tempo. O paciente renal crônico jamais voltará a ter o estado físico que tinha antes de adoecer. E esta condição, aliada aos problemas do tratamento em si, mais as complicações da doença e os problemas que podem ocasionar a sua dependência real à máquina, podem gerar danos psicológicos e emocionais irreversíveis na vida deste paciente. 15 CAPÍTULO 3 – ASPECTOS PSICOLÓGICOS E EMOCIONAIS DO PACIENTE EM HEMODIÁLISE Busato (1976) refere que o tratamento do paciente na fase de insuficiência renal crônica evoluiu intensamente nos últimos anos. Para ele, a expansão do conhecimento e o avanço tecnológico nesta área, através do uso de órgão artificial ou do transplante de órgãos de doadores vivos ou cadavéricos trouxeram modificações nas atitudes e na vida dos pacientes e seus familiares, bem como nas vivências das equipes médicas. Aos pacientes renais crônicos apresentam-se três chances: morrer, fazer diálise ou submeter-se a um transplante. As duas últimas têm seus problemas, mas indiscutivelmente proporcionam a sobrevivência com um maior ou menor conforto, dependendo de inúmeros fatores, assim, cabe-lhes o direito de tomarem a decisão final. Para este autor, quando a doença renal crônica final é descoberta abruptamente, tanto o paciente como a família, sofrem profunda depressão e decepção necessitando algum tempo para serem superadas. Os pacientes renais crônicos, até atingirem a fase final, passam por um período mais ou menos longo de evolução, dependendo da etiologia da doença. Se, durante essa evolução, ocorrer um aconselhamento médico consciente com adequada orientação, os pacientes terão oportunidade de elaborar a perda de sua função renal. Este autor diz que de qualquer forma, hoje, nem o paciente renal crônico e nem os seus familiares aguardam passivamente a sua morte sem tentarem o tratamento médico conservador (diabético) ou a diálise (peritoneal ou hemodiálise) e mesmo, posteriormente, o tratamento cirúrgico (transplante). É bem provável que, durante o tratamento conservador, momento em que surgem as primeiras restrições na qualidade de vida, os pacientes comecem a tomar consciência da chegada de uma nova fase: sua dependência vital de uma máquina, que é o rim artificial. 16 O tratamento hemodialítico pode se prolongar por toda a vida do paciente ou até que um doador apareça e forneça um órgão compatível para a realização do transplante. Segundo o autor, durante o período hemodialítico, geralmente ocorrem problemas da seguinte natureza: a) dificuldades em manter patente o acesso vascular, com temores de obstrução do “shunt” ou fístula artério –venosa; b) dificuldades em manter as restrições diabéticas, principalmente as relacionadas aos líquidos; c) dependência da máquina, o que acarreta problemas sociais, familiares e financeiros; d) temores relacionados às complicações funcionais da máquina (hemodiálise, infecções, perdas sangüíneas etc.); e) temores quanto a doenças intercorrentes (hipertensão, infarto, acidente vascular cerebral etc.); f) dificuldades de relacionamento com a equipe médica e de enfermagem; g) dependência de medicamentos. Sob estes aspectos, portanto, ao paciente cabe almejar a vida que levava anteriormente à doença crônica, sem ter que tri semanalmente depender da hemodiálise, o que o faz ansiosamente aguardar pelo transplante, o que no Brasil não seria uma solução de fácil viabilidade, por vários motivos, tais como: sociais, religiosos e culturais, o que dificulta e impede que as equipes médicas consigam órgãos cadavéricos para transplantes. Desta forma, para se conseguir uma melhor qualidade de vida com o transplante, resta ao paciente renal crônico recorrer à ajuda de seus familiares. 17 A família e o doente, ainda segundo Busato, ao serem informados das dificuldades da doação, encontram-se frente a um problema real e objetivo, que é a busca de um doador. E é durante esta etapa que o paciente entra em crise emocional, pelo medo e temor de não conseguir um doador, ou pela demora de encontrá-lo, perdendo com isso as condições físicas necessárias para se submeter à cirurgia do transplante. Assim sendo, o paciente renal crônico apresenta uma problemática emocional variada, que vai surgindo no decorrer da doença. Sabe-se que o ser humano, quando se vê acometido por uma doença, adoece como um todo. O estresse causado por uma doença inabilita e enfraquece a estrutura psíquica e emocional da pessoa enferma. De acordo com Rosa & Nogueira (1990), os pacientes acometidos por uma doença crônica, geralmente, utilizam-se de mecanismos de defesa, numa tentativa de reorganização de sua vida mental, para melhor poderem lidar com as situações de angústia, dor e sofrimento que a cronicidade da doença traz. Ainda para as autoras, dois importantes mecanismos de defesa podem ser ativados, por causa, principalmente, da dependência com a máquina e com a equipe: a negação e a formação reativa. A negação vai acontecendo progressivamente e sendo utilizada pelo paciente renal crônico na medida em que novos estresses físicos e psicológicos vão aparecendo. Existem ocasiões em que estes pacientes negam a própria doença e as limitações que a mesma lhe impões, sendo que daí acontece, segundo Palombini, Manfro & Kopstein (1985) a chamada “fuga para a saúde”. Para esses autores, a negação, quando acionada, permite o manejo das frustrações para que o paciente consiga seguir em frente com o programa de diálise. Para Rosa & Nogueira (1990), os pacientes crônicos tendem a reorganizar sua vida mental lançando mão de defesas psicológicas que lhes possibilitem lidar com situações de angústia provocadas pela cronicidade da doença. Por outro lado, estes pacientes são pessoas sempre bem adaptadas, em que a doença eclode criando uma situação de crise, o que traz consigo uma necessidade de rearranjo das defesas psicológicas. 18 Muitas questões surgem quando se fala do paciente renal crônico, segundo Meleti (2003), que vão estendendo e entrelaçando desde esferas sociais até as econômicas, de orgânicas a psicológicas, de culturais a éticas. Para Meleti (2003), em geral, os pacientes em hemodiálise vivenciam muitas perdas e vislumbram outras tantas. Perderam suas atividades escolares, domésticas ou profissionais. Outros tiveram que se afastar de seus empregos, passando a depende dos benefícios da Previdência Social, fato que os leva, invariavelmente, à perda da segurança financeira. Perderam as funções físicas, como o vigor e a resistência ao lazer, incluindo as atividades sexuais. Meleti (2003) relata também a perda da independência e liberdade em função do tratamento e das intercorrências, que muitas vezes os confinam em casa ou no hospital, acamados. Partindo dessa realidade, Reichsman & Levy (apud MELETI, 2003, p. 120) descreveram os estágios de adaptação para a manutenção da hemodiálise, pelos quais passam alguns pacientes. Esses estágios foram denominados: 1- Período de “Lua de mel”; 2- Período de desencanto e desencorajamento; 3- Período de adaptação. Para Machado e Car (2003), a condição crônica e o tratamento hemodialítico são fontes de estresse e representam desvantagem por ocasionarem problemas: isolamento social, perda do emprego, dependência da Previdência Social, parcial impossibilidade de locomoção e passeios, diminuição da atividade física, necessidade de adaptação à perda de autonomia, alterações da imagem corporal e, ainda, um sentimento ambíguo entre medo de viver e de morrer. As reações do doente, segundo as autoras, advém do seu contexto social, cultural, das suas crenças e valores pessoais. Alguns estudos mostram que o apoio psicoterápico individual e grupal e o suporte informal (enfocado nas relações sociais, de trabalho e familiares) podem ser úteis e utilizados como estratégias de cooping. Estas autoras discorrem sobre estes diversos aspectos relacionados às reações do doente quando influenciam diretamente sua vida e 19 existência, no contexto social, que pode prevenir ou servir e ser utilizado por este paciente como defesa emocional das conseqüências negativas durante o declínio da função física ao longo do processo do adoecer. Na relação à reabilitação para o trabalho que, segundo as mesmas, um estudo revela que 68% dos doentes transplantados apresentam reabilitação normal; 39% dos doentes em diálise crônica apresentam capacidade parcial para o trabalho e 29% são totalmente incapacitados ao trabalho, justificando assim a necessidade de investigação a respeito da qualidade de vida dos doentes em tratamento hemodialítico. De acordo com as autoras, para os doentes, a hemodiálise é “necessária”. Assim, neste fenômeno, o necessário emerge como opressor, trazendo uma realidade difícil, árdua e repleta de restrições, mas necessária! Além destas restrições, o paciente renal apresenta uma problemática emocional variada, segundo Miranda, Krollmann & Silva (1993). Seus problemas, que surgem no decorrer da doença, precisam ser abordados de modo bastante diverso, para não excluir o psicológico. A hemodiálise, ao mesmo tempo que promove a melhora de alguns sintomas clínicos, provoca desordens emocionais. A cronicidade e os estresses desse tratamento têm como conseqüência a depressão grave do paciente e uma maior dificuldade deste em lidar com a nova forma de vida. Esses aspectos constituem importante variável para sua adaptação ao tratamento e para sua maior – ou menor – sobrevida. De acordo com o estudo destas autoras, desde a inclusão no programa de hemodiálise até o transplante ou óbito, esse paciente passa por várias experiências. Num primeiro momento, ele se encontra em estado de alerta, tenso, agitado e na expectativa de que algo está para acontecer, o que lhe ocasiona um desgaste físico e emocional muito grande. Isso é vivido desde o diagnóstico de IRC, quando o paciente começa a apresentar sintomas típicos de estresse. Por desconhecer o processo a que se submeterá, ele deixa aflorar todos os seus medos, angústias e fantasias. Tudo o que lhe é apresentado é muito novo e o fato de todo seu sangue estar circulando entre os dispositivos da máquina faz com que 20 seja atribuído a ela o poder de mantê-lo vivo. Teme, então, que ela pare de funcionar, retendo parte do seu sangue. Acredita estar arriscando sua vida ao tratarse. Esse medo acentua-se, ainda, de acordo com o estado dos outros pacientes que dividem com ele o mesmo espaço físico, a sala, onde passam boa parte do tempo. Juntos presenciam situações alarmantes. Por isso, quando acontece algum incidente numa sessão, eles reativam o estado de alerta e voltam a temer que o pior lhes aconteça. Num segundo momento, o paciente passa da fase de alerta para a da adaptação aparente. Ainda não aceitou a doença e o tratamento, porém, exteriormente, mostra-se calmo, tranqüilo e não se apavora diante das situações emergenciais. Realiza o tratamento normalmente, comportando-se como um bom paciente, assíduo, obediente. Os fatos que ocorrem à sua volta são corriqueiros e tudo faz parte da sua rotina de vida. Essa fase, segundo as autoras, é caracterizada pelo surgimento de formações reativas. A formação reativa é o modo que o paciente encontra para esconder o seu estado angustiante e consiste numa forma de negação. Nesse caso, a negação torna-se uma defesa útil. O paciente, sem condições psíquicas para suportar sua dolorosa realidade, necessitará de um grau maior – ou menor – de negação, a fim de manter as forças necessárias para conservar-se vivo. Num terceiro momento, para as autoras, quando suas defesas já não estão mais tão arraigadas, a mudança comportamental do paciente começa a surpreender a todos. Atitudes inesperadas, como transgredir a dieta, faltar às sessões, ter atrito nas relações interpessoais são aspectos que caracterizam essa fase. Enquanto as defesas diminuem, aumenta o nível de consciência e, em conseqüência, surge a depressão, como resultante do conflito existente entre aceitar ou não a nova forma de vida. Esse comportamento pode agravar o quadro do paciente e ocasionar rompimentos de vínculos afetivos com pessoas próximas, o que dificultará seu tratamento, sobretudo na medida em que a agressividade gerada pelo conflito atuar sobre a equipe que o assiste. Em relação à depressão, Palombini, Manfro & Kopstein (1985) afirmam que, considerando as perdas e crises que esses pacientes enfrentam, é inexplicável a depressão que os atinge. E acrescentam que: 21 Entendemos a depressão como uma resposta à perda que se manifesta quando os mecanismos de defesa (negação, projeção, formação reativa, deslocamento, isolamento de afeto, entre outros) não são suficientes para conter a ansiedade. Estes autores, ao citarem Abram (1978, p. 342 – 363) relatam que o paciente em diálise crônica atravessa várias fases durante o curso do tratamento; no início da diálise a ansiedade predomina, ao passo que, no final, a depressão é a principal característica. De acordo com estes autores, outro aspecto importante e freqüentemente presente é a ameaça da morte. Os pacientes procuram dominá-lo pelo isolamento e pela negação, mas muitas vezes os mecanismos de defesa não são suficientes para enfrentar, por exemplo, a morte de um colega. Nesse momento, perdem a confiança na eficácia do tratamento e a harmonia do grupo fica prejudicada. Ao contrário do paciente que se submete a uma cirurgia cardíaca, quando a ansiedade e a ameaça de morte são fugazes, o paciente em hemodiálise crônica, segundo estes autores, é obrigado a coexistir com essa ameaça o tempo todo. Assim sendo, ao conviver com a máquina, com a terapêutica de tratamento e à dependência aos mesmos, de importância vital, pode-se perceber que esta situação do paciente renal crônico assume características especiais à sua afetividade e seu comportamento. Isto quer dizer que à ele cabe uma nova forma de adaptação de vida, que deve se ajustar, pois que não se trata de uma situação transitória ou aguda, mas de uma situação de ajuste e adaptação permanentes, o que implica em dizer que esta nova forma de adaptação e ajuste depende da capacidade do paciente em lidar com as contrariedades, traumatismos e frustrações, que são inerentes ao tratamento. Em relação ao apoio da família do paciente renal crônico, Dyniewicz, Zanella & Kobus (2004, p. 199 – 212), ao citarem Silva et al. (2002, p. 566), descrevem que a avaliação de uma pessoa em relação à sua qualidade de vida está muito relacionada ao apoio que recebe da família, e que este fato a faz sentir melhor. Consideram que a “doença, de uma certa forma, também é da família e, quando os familiares estão presentes, dando apoio constante, a dor do doente renal crônico é compartilhada, diluída” 22 De acordo com estas autoras, ao citarem Gonçalves et al. (1996), em relação à doença crônica, verificou-se a tendência para a concentração das responsabilidades de cuidado ou ajuda num cuidador único da família. Neste estudo, nota-se que o cônjuge desempenha este papel. Gonçalves et al. (1996) reforçam que a qualidade de vida tão desejada a ser vivida no contexto familiar depende do empenho dos familiares junto ao doente, amparando-o, não o negligenciando ou fragilizando. Para tanto, o cuidador único não deve se sobrecarregar ou se estressar até à exaustão. Neste estudo, parece haver o compartilhar de cuidados entre os membros da família quanto aos cuidados com a dieta, a administração de medicamentos, o que mostra uma resposta positiva unânime, segundo as autoras, frente às necessidades diárias do paciente. Comum também nesses pacientes são os problemas sexuais. Meleti (2003), ao citar Dr. Levy (1979), em estudo realizado em 287 pacientes de hemodiálise, mostra claramente uma deteriorização na função sexual* à medida que os pacientes passaram de pré-urêmicos a sintomáticos de uremia. Entretanto, ao passar de uremia não tratada ao tratamento pela hemodiálise ocorreu uma piora da função sexual em 35% dos homens e 24% das mulheres. Somente 9% dos homens e 6% das mulheres experimentaram melhora na função sexual quando sob hemodiálise. Assim, em uma situação de melhora física, um grupo de pacientes sofreu piora da função sexual. Meleti (2003) cita também que as hipóteses levantadas com relação a essas disfunções abarcam não só a enfermidade física, como também as razões psicológicas – como sentimento de dependência real do procedimento da hemodiálise, a impotência perante ele mesmo e os outros, na medida em que muitos casos há a inversão de papéis na família, quando, diante das necessidades financeiras, cabe ao cônjuge sadio ir trabalhar fora de casa, restando ao paciente algumas atividades domésticas; além da depressão, que tem concomitantes físicos que incluem o estresse e a capacidade sexual diminuídos. No que diz respeito à vida profissional do paciente renal crônico, Miranda, Krollmann & Silva (1993) relatam que não se pode inferir quanto à relação entre profissão dos pacientes e as causas da IRC. Alguns relatam, segundo as * A função sexual foi medida quanto à freqüência das relações sexuais à incidência de impotência no homem e à freqüência do orgasmo durante o coito na mulher. 23 autoras, a fantasia de que dados de suas condições de trabalho, como contato direto com água (friagem), produtos químicos, calor em excesso etc. possam ter sido causadores da doença. Porém, nada foi comprovado quanto à veracidade dessa relação. De acordo com o estudo realizado pelas autoras, o que se observou é que o paciente que se submete ao tratamento dificilmente conseguirá manter-se em emprego com vínculo empregatício, pois tem que ausentar-se do trabalho durante várias horas semanais para estar no programa de hemodiálise. Além disso, geralmente, ele reclama de mal-estar, alteração na pressão arterial, fraqueza generalizada, o que interfere bastante no desempenho de uma atividade profissional. Neste estudo as autoras descrevem as privações vividas pelo paciente e suas implicações no estado emocional dele. Trabalhar ou não será, pois, determinado não só pelo condicionamento físico do paciente, como também, segundo as autoras, por vontade de trabalhar, pelas oportunidades de trabalho e pelo desejo de permanecer trabalhando. Trabalhar é, na verdade, uma forma de manter-se útil, produtivo e motivado pela pulsão de vida. Além da privação concernente à sua vida profissional, neste estudo as autoras também descrevem as outras privações vividas pelo paciente e suas implicações no estado emocional dele, tais como a privação alimentar, afetiva e privação de informação. Na privação alimentar, de acordo com as autoras, o estado nutricional do paciente é importante em qualquer estágio de sua doença: a) no prédialítico, o estado nutricional inadequado, em interação com outros fatores, pode desencadear sérias complicações para o indivíduo; b) no dialítico ele atua como agravante da doença ou mantenedor da sobrevivência e restabelecimento do paciente; e c) no pós-transplante, propiciando o sucesso da intervenção e a recuperação das funções vitais do organismo. O urêmico crônico é obrigado a cumprir uma dieta com várias restrições (protéica, de sal e líquidos), que provoca uma frustração oral. Essa 24 frustração gera, nesse paciente, sentimentos diversos, como raiva, culpa, medo e também faz com que ele utilize mecanismos de defesa para lidar com ela. 1) fator psicológico – transgredir a dieta e ingerir líquidos em excesso têm diferentes significados peculiares à estrutura de cada paciente. Assim, tais procedimentos podem representar uma forma de: chamar a atenção e obter cuidados de pessoas significativas; negar uma realidade, pois aceitar a dieta implica aceitar a doença; de atuar a raiva diante do fato de não conseguir alguém que lhe doe um rim; reagir ao fracasso após um transplante mal-sucedido; buscar o autoextermínio, de maneira inconsciente ou consciente, para dar fim ao sofrimento. 2) fator psicossocial – nem sempre o paciente gosta de comer aquilo que é necessário. Além disso, nos dias em que ele faz hemodiálise, alimentase fora de hora, por não aceitar a comida oferecida pelo hospital ou por morar longe dele. 3) fator socioeconômico – a condição socioeconômica do paciente, com freqüência, interfere na manutenção da dieta indicada. Muitas vezes, o paciente vê-se incapacitado de obter alimentos adequados e passa a alimentar-se do que é possível e não do que é necessário. 4) fator cultural e educacional – o baixo nível intelectual do paciente dificulta a compreensão da doença e do tratamento. Na maioria dos casos, observa-se, ainda, ignorância sobre princípios dietéticos básicos. Mesmo sabendo que seguir o tratamento é a única forma de manter a vida e de obter sucesso num futuro transplante, segundo as autoras, nem sempre o paciente renal crônico consegue controlar-se. Para elas, a transgressão da dieta é, dessa forma, uma atuação da pulsão de morte. Ao saber do diagnóstico de IRC, o indivíduo percebe que seus rins nunca mais funcionarão. Esse fato revela um comprometimento grave que ameaça a sua integridade física. Assim sendo, ele fica e sente-se mais vulnerável à morte, que se torna, para o doente, um fato dos mais reais e concretos. Se a morte é tão concreta, a IRC que a representa também o é. Nesse momento de vulnerabilidade, aparece a depressão reativa, que leva, às vezes, a entregar-se à terminalidade, totalmente incapaz de suportar o tratamento e de resistir ao sofrimento. Somente 25 após melhorar do seu estado depressivo é que ele começa a adaptar-se ao local, às pessoas e à rotina que lhe manterão a vida. Na privação afetiva, as autoras afirmam que no relato dos pacientes verifica-se freqüente ocorrência de conflitos afetivos. O que pode gerar a ruptura de vínculos significativos e, de certa forma, necessários ao bem-estar de todos e à sua possível recuperação. Os conflitos apontados se dão em vários níveis: com a equipe do serviço de Nefrologia, com a família, com o cônjuge e com os amigos. • A equipe – apesar de a solução para o problema do paciente ser dada pela máquina, é a equipe de médicos e enfermeiros que garante sua manutenção adequada. Ele sabe que depende dessa equipe para sair com vida da sessão de hemodiálise, mas isso não impede um conflito interpessoal. É comum vê-lo reclamar de todos. É preciso perceber o que está subjacente a essas reclamações para não se ficar em constante atrito com o paciente. A fala do paciente revela seus sentimentos diante de tudo o que lhe está acontecendo. • Família e amigos – inicialmente, segundo as autoras, a família e os amigos acompanham de perto o tratamento do paciente renal crônico. Com o passar do tempo, instala-se uma rotina e um conseqüente afastamento das pessoas. O paciente considera esse afastamento como abandono. Muitas vezes, é o paciente quem se distancia das pessoas, porque imagina que a aproximação pode significar uma cobrança à família ou às pessoas mais próximas para que lhe doem um rim. O fato de a família compartilhar do seu problema leva-o a um sentimento de culpa exacerbado, gerando sofrimento para todos os envolvidos. O próprio estado depressivo leva o paciente, às vezes, a fechar-se em si mesmo, evitando relacionar-se com os outros. • Cônjuge – na relação conjugal as autoras citam que a situação torna-se bastante delicada. Sobretudo porque, com freqüência, a fantasia do casal diz respeito à impotência e à dependência gerada pela doença, como foi anteriormente abordado. Vários são os casos 26 de separação após o casal ter consciência de serem esses problemas sem previsão de solução um fator que contribui para todos esses conflitos, segundo as autoras, é a falta de informação geral. Na privação de informação, de acordo com as autoras, o paciente, muitas vezes, não reconhece a presença da doença até que surja a IRC. Foi observado por elas que a grande maioria ignora as origens, causas e conseqüências da insuficiência renal. Observa-se que, apesar da demanda do paciente quanto a essa necessidade de informação, muitas vezes ele não é capaz de perguntar ao médico o que quer saber, por não entender o que ele diz, por não ter acesso ao informante na medida em que este não lhe parece muito disponível, ou mesmo por ter medo de escutar aquilo que ainda não está pronto para ouvir. Conseqüentemente, o sujeito que, de modo geral, nunca teve contato com essa doença, tem que aceitar as intervenções médicas sem saber em que consistem e porque são necessárias. O grau de escolaridade do paciente, para estas autoras, contribui para essa situação. Sua capacidade de abstração e compreensão é baixa e isso dificulta uma maior compreensão do processo da doença. Sentimentos de ambivalência também norteiam o quadro psicológico do paciente renal crônico, segundo Gordon (1975) com relação a “máquina”, salvadora de sua vida, não-comunicativa. Os pacientes comentam, segundo o autor, com freqüência, que esta parece ter personalidade própria. Produz barulhos, tem luzes que piscam e em alguns dias parece trabalhar melhor do que em outros. De certa forma, a diálise reproduz situação análoga a uma dependência primitiva mãe-criança, pela qual o paciente é novamente obrigado a depender de um sistema externo de subsistência de vida, tipo placenta, para purificar seu sangue. Priva o paciente de sua independência, mas salva a sua vida. Viederman (1974 apud Gordon, 1975) acredita que esta dependência produz dificuldade. Se o paciente teve conflitos com ansiedade resultante, nos primeiros anos, por cuidados maternos inadequados, a diálise, representando simbolicamente esta situação primitiva pode provocar reprodução da ansiedade e conseqüente regressão neurótica. 27 A perda de status – para o autor, a regressão pode ser intensificada pela perda do status. Muitos pacientes não podem continuar com suas ocupações. É provável, por exemplo, que a dona-de-casa tenha que depender do marido ou das crianças, com conseqüente perda de estima. O chefe da família pode não ser mais capaz de produzir a renda, sendo obrigado a depender do auxílio governamental. Gordon (1975) também fala sobre a morte iminente – sengundo o autor, estas angústias difíceis e crônicas estão em jogo contra a implacável e onipresente perspectiva da morte iminente. A defesa normal da negação da morte está sempre presente no paciente com insuficiência renal. Mais ameaçadora ainda é a morte de um companheiro com o mesmo problema. O estresse crônico da incerteza da morte produz uma irmandade única. O autor também discorre sobre a morbidade psiquiátrica em pacientes sob estresse – o que pode ser dito sobre a população que enfrenta este tipo de estresse? Estudos da morbidade psiquiátrica de uma população de ambulatório rural da Nova Escócia e do Centro de Manhattan demonstraram que 25% da população estão severamente prejudicadas por sintomas psiquiátricos, 50% estão menos alterados, porém afetados por alguns sintomas e 25 % estão definitivamente não afetados. Para o autor, portanto, em qualquer programa de diálise ou de transplante, pode-se esperar encontrar depressão, comportamento imaturo, de oposição ou neurótico, dificuldades conjugais e sexuais, psicoses ocasionais e morte provocada pelo paciente. Destes, Abram et cols. (1971, apud Gordon, 1975) descreveram pacientes que não permitiriam ao corpo médico a possibilidade de participar da decisão de interrupção da diálise, na maioria jovens que preferiram, então, interrompê-la. De acordo com o estudo do autor, portanto, o espectro dos pacientes tratáveis está se expandindo, incluindo muitos portadores de sérios problemas emocionais. A morbidade psiquiátrica deve ser, portanto, esperada e tratada tanto quanto as circunstâncias o permitam. Gordon (1975) finaliza: 28 Como na maior parte das outras situações humanas, os pacientes que têm maiores possibilidades de serem bem sucedidos são aquela minoria de afortunados que podem adaptar-se ao estresse crônico e difícil, submeter-se a experiências emocionais positivas e ter uma família que colabore, trabalho satisfatório, identidade sólida, amor próprio adequado – em resumo, aqueles com boa saúde mental. A discussão gira em torno da personalidade ou das variáveis da experiência da vida que possam ter utilidade prognostica. Em relação à esperança do transplante renal, Medina et al. (2002, apud DYNIEWICKS, ZANELLA & KOBUS, 2004) relatam que no Brasil existem cerca de 46.000 pacientes em diálise. Em 2001, foram realizados 3.099 transplantes, sendo 1.256 com doador cadáver. As leis nº 9434/97 e 10211/01, do Congresso Nacional, estabelem os critérios para a doação de órgãos de cadáver e de doador vivo. Os critérios para diagnóstico de morte encefálica foram estabelecidos pela Resolução do Conselho Federal de Medicina nº 1480/97, com base no diagnóstico clínico, comprovado por ao menos um exame subsidiário. Entretanto, o principal obstáculo à doação continua sendo a não-identificação do doador e a ausência de sua notificação às centrais de captação, através de uma abordagem adequada. Esta situação é percebida pelo paciente renal crônico, quando suas expectativas chegam ao ponto angustiante, na espera de um transplante que nunca acontece, na esperança de visualizar a “tal da lista” que nunca aparece, em uma “fila” que simboliza esta fantasia de espera que prolonga ainda mais o sofrimento e a dor do paciente renal crônico. Nas palavras de Mariano (2004): A diálise “modifica” a vida que salva. Cria problemas na medida em que prolonga a vida, já que os meios utilizados são psiquicamente: fragmentadores do corpo, excludentes do afetivo e essencialmente provocadores da dor. [...] os pacientes, temendo a vida, tornam-se homens marginais. O homem marginal está suspenso entre o mundo dos doentes e o mundo dos sãos, sem pertencer a nenhum deles e fazendo parte, ao mesmo tempo, de ambos. Ele parece bem, mas sente-se mal, espera e deseja atingir a normalidade, mas não é capaz de fazê-lo. Para Machado & Car (2003), à respeito do dia seguinte à hemodiálise, relatam que o doente desenvolve normalmente tarefas domésticas, exceto quando apresenta alguma alteração (dor). De acordo com as autoras: [...] Toda realidade guarda em sua essência infinitas possibilidades que podem ou não vir-a-ser. Cada uma delas, quando encontra condições necessárias à sua concretização, logo se torna a nova realidade. Assim, é possível perceber como, por meio de pequenos aspectos do cotidiano, 29 diferentes realidades emergem, conforme o cotidiano é rompido pela história individual de cada um dos doentes. 30 III. METODOLOGIA Este trabalho tem como objetivo compreender o significado da hemodiálise para o paciente renal crônico, a partir da fenomenologia existencial. Para isso, será utilizada a Entrevista Aberta como instrumento descrito a seguir e será feita uma análise fenomenológica dos dados obtidos. No método fenomenológico procura-se desvelar um determinado fenômeno, isto é, refletir e apreender o fenômeno tal qual ele se mostra, para assim chegar a uma compreensão do mesmo e recriar uma nova possibilidade de ser e de compreender o mundo do outro e da relação que o este estabelece com o pesquisador, para que o mesmo possa atuar como agente facilitador do acesso ao vivido. Assim, a pessoa que fala, efetivamente tem a oportunidade para dizer a sua experiência, tornando a pessoa que relata, não um sujeito que fornece informações, mas um colaborador, pensando junto o assunto, fazendo-o com a novidade da primeira vez. Que tipo de pesquisa é a fenomenológica? Para Amatuzzi (2003) é basicamente uma pesquisa de natureza, (Husserl falava do conhecimento das essências). Ela pretende dar conta do que acontece, pelo clareamento do fenômeno. Construindo uma compreensão de algo. Se o fizer a partir da experiência comum, teremos a pesquisa fenomenológica no sentido mais filosófico do termo. Se o fizer fundamentando-se numa análise objetiva de dados, teremos a pesquisa fenomenológica no sentido mais empírico do termo, isto é, no sentido em que se baseia uma análise sistemática de registros de experiência Para Amatuzzi (2003) “a pesquisa fenomenológica é a pesquisa do vivido e ele pode não ter sido acessado antes” (p.21) O objetivo de uma entrevista fenomenológica é para Amatuzzi(2003) dialética e mobilizadora, e diz “ surpreender o vivido no presente, quando a experiência da pessoa é pensada de repente e dita como pela primeira vez” (p. 21) Segundo o autor, neste tipo de pesquisa o melhor juíz é o colaborador. Só ele saberá dizer se se reconhece no que o pesquisador “lê” no que diz. Sendo que aqui, caso o pesquisador esteja trabalhando com fenomenologia, é preciso distinguir o que o pesquisador pode dizer sobre a experiência concreta de uma pessoa, o que seria, em situação ideal. 31 De acordo com Forghieri (2004), portanto, o método fenomenológico apresenta-se à Psicologia, como um recurso para a pesquisa da vivência. A Fenomenologia surgiu no campo da Filosofia como um método que possibilitasse chegar à essência do próprio conhecimento apresentando a redução fenomenológica, como o recurso para empreender essa tarefa. Portanto, retornar à experiência vivida e sobre ela fazer uma profunda reflexão que permita chegar à essência do conhecimento, ou a maneira como este se constituiu no próprio existir humano. Para Forghieri (2004) o conhecimento psicológico é reflexão e ao mesmo tempo vivência; é conhecimento que pretende descobrir a significação, no efetivo contato do psicólogo com sua própria vivência e com a de seus semelhantes. Para Boss (1975, pg.24) apud Forghieri (2004): A essência de todos os sofrimentos humanos fundamenta-se no fato de que a pessoa perdeu essa capacidade de se abrir e de se decidir livremente acerca de suas possibilidades de comportamento normal... Os métodos psicoterapêuticos têm por objetivo devolver à pessoa, na medida do possível, a livre disposição de suas possibilidades existenciais de comportamento que correspondem aos dados do mundo. Segundo Forghieri (2004), ao fazer a transposição do método fenomenológico, do campo da Filosofia para o da Psicologia, o objetivo inicial de chegar à essência do próprio conhecimento passa a ser o de procurar captar o sentido ou o significado da vivência para a pessoa em determinadas situações, por ela experienciadas em seu existir cotidiano. O pesquisador deve iniciar o seu trabalho voltando-se para a sua própria vivência, ao se utilizar da redução fenomenológica para investigar formas concretas de existência, a fim de refletir sobre ela no objetivo de captar o significado da mesma. O pesquisador utiliza-se da redução fenomenológica para investigar a sua própria vivência e também para estudar e compreender a vivência de outras pessoas. A pesquisa fenomenológica busca acessar a apreensão da realidade, a partir do sentido desta para uma subjetividade intencional, ou seja, alcançar o significado da realidade e do mundo para um sujeito encarado como ator e protagonista de sua própria vivência. 32 Considerações metodológicas norteadoras do trabalho Sujeito.................................................................................................................... Critérios de escolha do sujeito........................................................................... Instrumento de coleta de dados.......................................................................... Local da pesquisa: Hospital Geral da Cidade de São Paulo– Equipe de Nefrologia, Transplante de Órgãos e Hemodiálise. Instrumentos para coleta de dados: 1 entrevista com um paciente renal crônico para levantamento de dados . Os dados obtidos através da entrevista deverão ser analisados de acordo com o enfoque fenomenológico da personalidade e suas características básicas do existir humano, proposto por Forghieri (2004). Critérios de escolha do sujeito: Os critérios de escolha do sujeito obedeceram as seguintes premissas: o paciente se dispor a participar da pesquisa e que estivesse passando pela experiência de diálise. Sobre o Sujeito desta pesquisa: Joana (nome fictício) tem 27 anos, é separada há um ano e vive com seu filho de cinco anos. Está aposentada e vive desta renda. Aos 18 anos foi diagnosticada com nefrite e aos 20 anos de idade, engravidou. Por causa da nefrite, na gravidez os rins começaram a falhar e o filho nasceu prematuro aos 6 meses. Os rins ainda funcionaram por mais 1 ano antes de parar definitivamente e logo depois iniciou o processo de hemodiálise em 2002. Procedimento: Foi feita pelo pesquisador uma entrevista que não seguiu um roteiro préestabelecido, que portanto, podendo ser considerada aberta. A única pergunta formulada indagava para que a paciente relatasse que, a partir de sua experiência 33 pessoal, o que significava para ela, o processo da hemodiálise. As perguntas que surgiram depois aconteceram de acordo com o relato da paciente. A entrevista foi realizada durante uma sessão de hemodiálise, onde o pesquisador esclareceu que anotaria tudo o que fosse sendo falado pela paciente. Também foi esclarecido pelo pesquisador que esta entrevista estaria dentro das normas de proteção à indentidade da paciente e do sigilo. Obtendo o consentimento da paciente, deu-se início à entrevista concedida pela paciente. Desta forma, ante a entrevista e o material trazido através deste relato pela paciente, será feita a análise, discussão e interpretação. 34 IV. ANÁLISE E DISCUSSÃO O presente capítulo consiste na reconstrução do que foi apreendido na entrevista, tratando-se de uma descrição. Em alguns momentos desta entrevista foram tecidos comentários sobre o conteúdo que a paciente explicitou, mas com objetivo de integração dos elementos que levaram em direção ao sentido da experiência vivida e relatada pela mesma. O que vale ressaltar que não se pretendeu promover com isso um redirecionamento dos dados, mas uma tentativa de organizá-los de forma a tornar claro e evidente o tema ao qual se referiam. IV.1 - Análise Da Entrevista A análise compreensiva da entrevista mostra os seguintes temas: O aparecimento da doença: Hemodiálise: “significa uma paralização na minha vida” Sentimentos Ambivalentes: - Possibilidade de cuidar do filho: “É uma coisa ambígua, porque me permite cuidar do meu filho” - Não disponibilidade para brincar com o filho: “...e ao mesmo tempo paralizou a minha vida” Prejuízos: - Tempo: “...não posso sair, não posso viajar, é um compromisso, porque a gente não tem Natal, não tem feriado, não tem festa, passeio”. Casamento: - “Depois da hemodiálise piorou de vez até a separação.” Ganhos: - Sentimento de Gratidão: “Ao mesmo tempo agradeço a hemodiálise”. - “A hemodiálise me mantém viva.” 35 Espera pelo transplante: - Sentimento de injustiça: “...eu acho que isso tudo aqui é muito injusto”. - Sentimento de descrédito: “Esta lista é fictícia é fantasia”. Relacionamento com a Equipe: - Sentimento de desconfiança: “A gente não é compatível com um rim, porque não é compatível com a conta bancária do médico”. Impossibilidade de exercer a maternidade plenamente: - “...se não fosse a hemodiálise eu poderia ser uma mãe melhor...” Compara o início do tratamento e o momento atual: - “É...agora já estou acostumada, já estou adaptada, já não é mais um “bicho de sete cabeças”. Na época, a “ficha” só “caiu” mesmo muito tempo depois. Eu já fazia diálise. Eu já tinha mais de um ano de diálise. Aí que foi “cair a ficha”. Pensava: “Gente, olha onde eu estou”! Falta de planejamento: - “Eu acho que já estou tão acostumada que o tempo passou e eu não planejei a vida”. Diferença socioeconômica de tratamento: - “...algumas enfermeiras, não estou falando das auxiliares, nem te olha para te dar bom dia”. Sentimento de Desânimo: - “...mas desanima, não muda nada...” Contato com a Morte: - “Você começa a ver pessoas que vão morrendo à sua volta e quando isso acontece, é muito ruim, porque você passa muito tempo aqui dentro”. 36 Aparência: - Sentimento de incômodo: “Uma coisa que me incomoda muito também é a aparência do braço”. Justifica a tentativa de mudança: - “É uma idéia mudar alguma coisa, porque está estagnada.” A crença em suas possibilidades de mudança: - “Sim mesmo. Acredito que eu posso.” Procura uma justificativa, um motivo para estar ali: - “Eu acho que se estou aqui é porque tenho que estar, e por algum motivo eu estou aqui. Tem que ter um motivo, porque nada acontece por acaso”. Planejamento para o futuro: - “Agora eu pretendo fazer uma faculdade”. Não realização: - ”... coisa que nestes cinco anos de diálise eu já podia ter feito”. - “Eu deixei tudo para depois que eu fizesse hemodiálise”. Escolha do momento para efetuar mudança: - “Eu estou começando a me organizar. Por enquanto estou planejando fazer faculdade e aos pouquinhos eu vou me organizar.” Preocupações e incertezas: - “...não posso esperar sair da diálise, porque pode ser que isso não aconteça”. IV.2 - Análise compreensiva da entrevista a partir da fenomenologia existencial Neste momento proponho-me a refletir sobre a vivência desta paciente com insuficiência renal crônica em processo de hemodiálise, que participou 37 da entrevista, a partir da psicologia fenomenológica, mais precisamente através do enfoque fenomenológico da personalidade proposto por Forghieri. O homem é um ser-no-mundo. E esse é um mundo concreto no qual o homem atribui significados, ou seja, existe sempre em relação com algo e alguém e compreende as suas experiências, o que dá sentido à sua existência. Possuindo consciência da sua existência no mundo, este homem se constitui em suas experiências, se contextualiza e atribui sentido às coisas e às pessoas e se relaciona. É um ser que possui historicidade e um modo próprio e único de vivenciar as suas experiências. Para Forghieri (2004) existem características básicas do existir humano, percebidas e compreendidas pela pessoa no decorrer da vivência cotidiana imediata, constituindo uma totalidade, sendo elas: o ser-no-mundo, o temporalizar, o espacializar e o escolher. A nossa vida decorre dentro do cenário da experiência cotidiana imediata. A estrutura fundamental desta experiência é o ser-no-mundo. Para sabermos quem somos precisamos, de certo modo, saber onde estamos, pois a identidade de cada um de nós está implicada nos acontecimentos que vivenciamos no mundo. A vivência desta paciente com insuficiência renal crônica, em processo de hemodiálise, se dá no universo da doença e do tratamento. Portanto, seu mundo se configura através das relações mediadas pela situação de cronicidade e enfrentamento desta doença. Mas esse mundo, embora seja vivenciado como uma totalidade, apresenta-se ao homem sob três aspectos simultâneos, diferentes: o mundo circundante, o mundo humano e o mundo próprio. O mundo circundante consiste no relacionamento da pessoa com o ambiente, caracterizando-se pelo determinismo, sendo portanto, a adaptação, o modo mais apropriado do homem relacionar-se a ele. Na fala da paciente, este mundo é caracterizado pelo ambiente hospitalar e as pessoas que ali se encontram, pelo ambiente familiar e pela conseqüência que o tratamento em hemodiálise impõe ao seu corpo. É preciso adaptar-se a esse mundo e se inteirar a respeito do processo que envolve o “estar” em hemodiálise. O corpo é o depositário das sensações e o unificador, tendo o poder de sintetizá-las de forma global. A paciente relata sob este aspecto, a vivência incômoda à respeito da aparência do braço, por 38 ela experienciada corporalmente. A paciente também reflete em sua vivência, uma forma adaptada de se relacionar com este mundo, quando diz estar já acostumada a fazer diálise. Denota impossibilidade de viver concretamente a sua liberdade de ir e vir, demonstrando o condicionamento que está sujeita, limitada em seu ambiente e na sua corporeidade, quando não consegue realizar todas as suas possibilidades. O mundo humano diz respeito a vivência e ao encontro da pessoa com os seus semelhantes, sendo de fundamental importância para a existência humana esta relação com os outros seres humanos ocorrendo neste encontro, uma relação de reciprocidade, na qual ambos influenciam-se mutuamente. A paciente encontra-se em convívio dia sim, dia não, com os companheiros de diálise, tendo portanto, a oportunidade de se identificar, de atualizar as suas potencialidades, na relação com os companheiros e também na relação que estabelece com o filho, ao vivenciar com ele suas potencialidades, peculiarmente humanas de amor, liberdade e responsabilidade. O mundo próprio constitui-se na relação que a pessoa estabelece consigo mesma, e envolve sua consciência e o seu autoconhecimento, percebendose como sujeito e objeto. Quando a paciente retoma a história da sua vida e relata os acontecimentos por ela vivenciados neste momento, em relação à doença, maternalidade, ganhos, perdas, expectativas, relacionamento, aparência, planejamento, passado, presente, futuro e contato com a morte. O temporalizar consiste em experienciar o tempo como um fluxo contínuo, que se estende tanto em direção ao passado como em direção ao futuro. A existência humana consiste em estar continuamente saindo de si mesma, portanto, “existir e transcender possuem o mesmo significado que é o de lançar-se para fora, ultrapassar a situação imediata, que também quer dizer temporalizar” (Forghieri, 2004). O relato desta paciente demonstra que ao lançar para o passado o seu temporalizar, na reflexão sobre a sua existência e o que fez deste tempo em que está desde então, fazendo hemodiálise, denota a estagnação e a paralização de sua vida e as possibilidades de realização que não aconteceram. E quando fala do tempo remete-se também ao futuro quando planeja fazer uma faculdade, na tentativa de mudança. Questiona e compara o início do tratamento com o momento atual de sua existência. 39 O espacializar consiste no modo como vivemos o espaço em nossa existência, objetivando a nossa espacialidade, localizando e denominando os lugares e as coisas que nele se encontram. Procuramos racionalizar, objetivar, localizar e determinar esta vivência do espaço em nossa existência, como se fosse algo estático. O nosso espacializar compreende uma “expansividade”, reunidos numa compreensão global. Quando vivemos intensas alegrias o nosso existir se amplia e quando vivemos intensos sofrimentos, se restringe. A vivência do espaço e tempo estão intimamente relaciona-das. Podem ser vivenciadas com amplitude ou restrição, a esperança da pessoa em poder realizar as suas possibilidades, amplia. O desânimo e as perspectivas de não conseguir visualizar os meios de concretizar as suas possibilidades, restringe. Na fala da paciente, esboça sentimento de desânimo, que nada muda, também sentimento de desconfiança em relação à equipe, num modo de vivenciar o espaço com estranheza. O que sob este aspecto de sua vivência, restringe. O escolher consiste na condição de liberdade humana, proporcionando amplitude nas possibilidades de escolha, durante a existência. Para Forghieri (2004), podemos considerar que a liberdade de escolher é tanto maior quanto mais ampla for a abertura do ser humano à percepção e compreensão de sua vivência no mundo. Esta abertura, requer também que a compreensão esteja de acordo com a realidade; a compreensão deve ser verdadeira para que a escolha não venha a ser apenas uma quimera, ou uma ilusão. A realidade está originalmente fundamentada, segundo a autora, na compreensão que o ser humano tem das situações que vivencia, estando nela implícitas as três dimensões temporais de seu existir: como ele tem sido (passado), como está sendo (presente) e como poderá vir a ser ( futuro). O ser-no-mundo é um ser-de-escolhas e a necessidade que este ser tem para efetuar uma escolha entre várias possibilidades já contém a sua limitação como ser humano, indicando que não se pode escolher, simultaneamente, todas as suas potencialidades. Entretanto, de acordo com a autora, esta abertura originária às nossas possibilidades, não se realiza facilmente, pois defrontamo-nos com os obstáculos e restrições no decorrer da existência; estes, fazem parte de nossa facticidade, que abrange a materialidade do mundo e a nossa própria. O ambiente, o clima, as intempéries, os acidentes, bem como o nosso organismo, os instintos, 40 condicionamentos e doenças aos quais estamos sujeitos, constituem limites mundanos e pessoais à vida de todos nós. E as vivências desta paciente renal crônica, se dão dentro de uma enfermaria de hemodiálise, constituindo um obstáculo para a não realização de suas possibilidades, limitando-a à facticidade de sua existência, restringindo a sua presença concreta, a este determinado momento, único lugar, permitindo-lhe fazer apenas uma coisa de cada vez, e cada escolha implica em muitas renúncias. Na fala da paciente observa-se uma compreensão clara de sua condição. Através do desejo de mudança da mesma, em relação ao seu cotidiano estagnado, percebe-se esta abertura para a percepção e para a compreensão de sua vivência no mundo, o que também reflete uma maneira sadia de existir, abrindo-se a novas possibilidades, apesar de reconhecer as limitações que o processo de hemodiálise implica. O que não impede a paciente de se entregar à situação, que apesar de vivenciar momentos de restrição, conflitos e contrariedades, demonstra ter conseguido recuperar o envolvimento e a sintonia com o seu sofrimento ao atribuir-lhe um significado em sua existência, de forma saudável, quando faz planos para o futuro, desejando cursar uma faculdade, apesar destas limitações, na tentativa de mudar o seu cotidiano e começar a organizar a sua vida, abrindo-se às possibilidades de existir, desenvolver suas potencialidades e ampliar a compreensão de si e do mundo. 41 V. CONSIDERAÇÕES FINAIS Intervir, como profissional da área da saúde, requer habilidades tais que possibilitem o acolhimento e o cuidado com o outro, com o corpo e com a alma, na tentativa de auxiliar a pessoa na recuperação da abertura às múltiplas possibilidades de sua existência. Nessa atuação, é necessário que o terapeuta esteja presente de forma genuína, para que por meio desta, seja viabilizada a recuperação do envolvimento e da sintonia da pessoa com o mundo e consigo mesma e também favorecer o conhecimento de si mesmo, a compreensão do mundo, propiciando a busca por uma inserção plena, dentro do significado e do sentido que a pessoa atribui a sua vivência. Ao buscar compreender e refletir com o paciente, a essência do seu sofrimento e o seu significado, o terapeuta propicia, na medida do possível, a devolução à pessoa, da livre disposição de suas possibilidades existenciais de atuação que respondem aos dados do mundo. Observei que a insuficiência renal crônica, apesar de estagnar a vida da paciente, dentro do contexto da história da sua vida e todas as limitações implicadas nesta condição, impediram-na, durante todo este tempo de diálise, de desenvolver um modo enfermo de existir; ao contrário, demonstrou que a mesma, apesar do sofrimento e da dor que esta condição propicia, não perdeu a capacidade de se abrir e de se decidir livremente acerca de suas possibilidades. Este estudo me propiciou lançar o meu olhar para a família do renal crônico e como, com o tempo, esta vai se desligando do tratamento e conseqüentemente do paciente, onde percebe-se o abandono que surge ao seu redor, acarretando mais prejuízos em sua vida. Sugiro um estudo mais aprofundado sobre o tema, porque o profissional psicólogo, também pode atuar como educador, orientador, na medida em que fornece informações a família e ao paciente, sobre os aspectos que norteiam sua condição e sobre o tratamento em si. Também pode propiciar um pensamento conjunto, para a abertura e para a ampliação da compreensão do adoecer na família, objetivando o desenvolvimento das potencialidades existentes e de reflexões acerca de um vir-a-ser mais sadio da família e do paciente renal crônico. 42 Sendo a paciente do estudo, do sexo feminino, a questão da aparência é um tema que também propicia um estudo posterior aprofundado, porque notei que esta condição gera um incômodo, uma depreciação de si mesma e um afastamento da relação com os seus semelhantes, significando a falta de reciprocidade, condição de fundamental importância para a existência humana. O contato com a morte iminente é um tema importante, que também merece um estudo mais aprofundado, porque denota a facticidade humana a todo instante, limita as possibilidades de um vir-a-ser saudável e angustia o renal crônico, de maneira a revelar sentimentos ambivalentes de estagnação e de necessidade de mudança, o que reflete uma vivência conflitiva, de intensas contrariedades, revoltas e medos. Neste sentido, pode o profissional psicólogo oferecer os meios para que o paciente renal crônico recupere o envolvimento e a sintonia com o seu sofrimento, ajudando-o a atribuir um significado em sua existência. Observei que a desconfiança da paciente em relação à equipe, remete-nos a uma reflexão conjunta, para que todos os profissionais envolvidos em uma enfermaria de hemodiálise não se atenham somente nas intervenções pautadas nos aspectos técnicos e conhecimentos biológicos, devendo abranger a compreensão do que se vivencia pelo paciente renal crônico, procurando integrar na sua atuação a perspectiva da visão de quem é cuidado, para tanto há a necessidade de se realizar um estudo futuro, com a possibilidade da equipe poder refletir e compreender esta visão, sob o prisma da vivência do paciente. A Insuficiência Renal Crônica abrange muitos aspectos a serem estudados e pesquisados. O que aqui apresento, apenas refletem alguns destes caminhos a serem ainda percorridos e estudados, não se constituindo, portanto, num encerramento das possibilidades para o entendimento sobre esta questão nem tão pouco significando uma verdade única a respeito deste tema. Assim sendo, eu acredito ter conseguido atingir meu objetivo, pois este estudo possibilitou-me compreender o significado que cada pessoa atribui à sua vivência e nesta tentativa de compreensão deste fenômeno que é a experiência da hemodiálise para o paciente renal crônico, também me possibilitou compreender vários aspectos que norteiam esta vivência na hemodiálise e principalmente, a buscar intervir de forma genuína, ouvindo suas experiências, acolhendo suas dores, tentando compreender a essência dos seus sofrimentos, observando a realidade 43 circundante deste cenário no qual o paciente renal pertence, na medida em que o profissional propicia a compreensão destes aspectos pertinentes a esta condição e participa desta vivência conjunta, de modo a permitir que a pessoa existencialmente doente reflita sobre as várias escolhas apresentadas contidas num horizonte repleto de um vir-a-ser com infinitas possibilidades de viver no mundo inserido num contexto que lhe permita se abrir a estas possibilidades, aceitando e enfrentando os paradoxos e as restrições da sua existência, de modo a conseguir estabelecer articulações eficientes entre a amplitude e as restrições de seu existir. Ou seja, que consiga tentar dispor livremente e normalmente de todas as possibilidades que lhe permita se relacionar com o mundo de maneira existencialmente saudável. O importante, é que o profissional consiga transmitir para o paciente o reconhecimento de suas limitações para que este possa, também transcendê-las, de algum modo, através da descoberta de suas outras possibilidades. Quer dizer, permitir que o paciente se envolva e aceite o seu sofrimento, para que consiga compreendê-lo e ter condições, de se abrir para as suas possibilidades de existir. 44 VI. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BOSS, M. A Medicina Psicossomática e o Princípio de Causalidade. Revista Hexágono – Vol. 2 – Nº. 1 – 1975 – págs. 10-24. BRUNS, Maria A. de T.; HOLANDA, Adriano F. Psicologia e Fenomenologia: Reflexões e perspectivas. Campinas: Alínea, 2003. BUSATO, Otto. “Transplante Renal: aspectos emocionais”. In: MARTINS, Cyro et al.Perspectiva da Relação Médico-Paciente. Porto Alegre: Artes Médicas, 1975. _____________. Hemodiálise – O eu é?. Artigo ABC da Saúde, 2001. Revisão: 2003. Disponível em: http://www.abcdasaude.com.br/artigo.php?224 – Acessado em: 24/11/2006. CAMON, Valdemar A. A. (org.); CHIATTONE, Heloisa B. de C.; MELETI, Marli R. A Psicologia no Hospital. 2 Ed. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2003. DYNIEWICZ, Ana Maria; ZANELLA, Eloísa; KOBUS, Luciana S. G. Narrativa de uma cliente com insuficiência Renal Crônica: a História Oral Como Estratégia de Pesquisa. Revista Eletrônica de Enfermagem. V. 6 – Nº. 2 – p. 199-212, 2004. Disponível em: http://www.fen.ufg.br/revista/revista6_2/pdf/Orig7_narrativa.pdf. Acessado em: 24/11/2006. FORGHIERI, Yolanda C. Psicologia Fenomenológica: fundamentos, método e pesquisas. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2004. JUNIOR, Dr. João E. R. O Rim e Suas Doenças. Sociedade Brasileira de Nefrologia, 2004. Disponível em: http://www.sbn.org.br/Publico/rim.htm - Acessado em 11/12/2006. MACHADO, Leise R. 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ANEXOS i ANEXO I - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO PARA REALIZAR ESTUDO SOBRE O SIGNIFICADO DA HEMODIÁLISE PARA O PACIENTE RENAL CRÔNICO A PARTIR DA FENOMENOLOGIA EXISTENCIAL Você está sendo convidado como voluntário a participar da pesquisa: “Tentando compreender o significado da hemodiálise para o paciente renal crônico a partir da fenomenologia existencial”. A Justificativa, os Objetivos e os Procedimentos. O motivo que nos leva a estudar o significado da hemodiálise para o paciente renal crônico, provém da necessidade de maior compreensão sobre este processo, visando melhorias do atendimento clínico-hospitalar. O objetivo deste trabalho é descrever e analisar, partindo de um pressuposto teórico, o fenômeno da hemodiálise para a paciente renal crônica , buscando o sentido existencial atribuído a esta experiência. O procedimento de coleta de dados se baseará na realização de uma entrevista com a paciente renal em processo de hemodiálise. Garantia de Esclarecimento, Liberdade de Recusa e Garantia de Sigilo. Você será esclarecida sobre a pesquisa em qualquer aspecto que desejar. Você é livre para retirar seu consentimento ou interromper a sua participação na pesquisa a qualquer momento. A sua participação é voluntária e a recusa em participar não irá acarretar em qualquer penalidade ou perda de benefícios. O pesquisador tratará a sua identidade com padrões profissionais de sigilo. Os resultados da pesquisa serão enviados a você. O nosso encontro será transcrito manualmente, com a sua autorização. Uma cópia deste consentimento informado será arquivada no trabalho e outra será fornecida a você. Custo da Participação. A sua participação não acarretará nenhum custo a você e também não serão disponibilizados nenhum tipo de compensação financeira adicional. ii Declaração da Participante, ou do Responsável pela Participante. Eu,___________________________________________________ ____________ fui informada dos objetivos da pesquisa acima de maneira clara e detalhada e esclareci minhas dúvidas. Sei que em qualquer momento poderei solicitar novas informações e modificar a minha decisão se assim desejar. A pesquisadora Mônica Aparecida Zappa Rezende (RG: 18.044.588-1 SSP) certificoume de que todos os dados desta pesquisa serão para fins acadêmicos. Também sei que caso existam gastos adicionais, estes serão de minha própria responsabilidade. Em caso de dúvidas, poderei chamar a psicóloga Mônica Aparecida Zappa Rezende no telefone (11) 3051-2030 e (11) 7627-2075. Declaro que concordo em participar desta pesquisa. Recebi uma cópia deste termo de consentimento livre e esclarecido e me foi dada a oportunidade de ler e esclarecer as minhas dúvidas. ____________________________ ____________________________ Nome ________________________ Assinatura do responsável Data ____________________________ ____________________________ Nome ________________________ Assinatura da Pesquisadora Data _____________________________ _____________________________ Nome Data _________________________ Assinatura da Testemunha iii ANEXO II – ENTREVISTA Transcrição da Entrevista Realizada em 20/11/2006 Dados do Sujeito: NOME:I. P. S. F. SEXO: Feminino NASCIMENTO: 17/10/1979 IDADE: 27 Anos ESTADO CIVIL: Separada QUADRO CLÍNICO: Paciente tem 27 anos é separada há 1 ano e vive com seu filho de cinco anos. Está aposentada e vive desta renda. Aos 18 anos foi diagnosticada com Nefrite e aos 20 anos de idade, engravidou. Por causa da Nefrite, na gravidez os rins começaram a falhar e o filho nasceu prematuro aos 6 meses. Os rins ainda funcionaram por mais 1 ano antes de cessar definitivamente e logo depois a paciente iniciou o processo de hemodiálise em 2002. P. O que significa para você o processo da hemodiálise? I. Significa uma paralização na minha vida. É uma coisa ambígua, porque me permite cuidar do meu filho e ao mesmo tempo paralizou a minha vida. Prejudicou também. P. Prejudicou o que? I. O tempo. Porque não posso sair, não posso viajar, é um compromisso porque a gente não tem Natal, não tem feriado, não tem festa, passeio. É como se a minha vida tivesse parado no momento em que eu comecei a hemodiálise e ela tivesse estacionado. E até mesmo no meu casamento que já não era bom. Depois da hemodiálise, piorou de vez até a separação. Ao mesmo tempo eu ainda agradeço a hemodiálise, porque ainda posso cuidar do meu filho. A hemodiálise me mantém viva, mas ao mesmo tempo, chego em casa tão acabada, que não posso brincar com o meu filho, nem ajudar ele a fazer uma lição. Parece castigo de Deus... iv P. Sempre dois momentos antagônicos, contrários... I. Isso, mesmo... ambíguo. Quando eu chego em casa, eu faço o essencial, tipo cuidar do jantar, mas não posso correr com meu filho, atrás de uma bola, porque minha cabeça está girando...eu acho que isso tudo aqui é muito injusto. Que aqui não é uma coisa verdadeira. A lista de transplante não existe. Esta lista é fictícia é fantasia. Nestes cinco anos que estou aqui, nunca vi um companheiro receber um rim aqui. Eu acho que a gente nunca vai ser chamado. A gente não é compatível com um rim, porque não é compatível com a conta bancária do médico. Acho que isso é uma fonte de renda para o médico e que quando a gente caiu aqui, não tem volta. Aqui tem muito favorecimento para alguns pacientes e para outros não, apesar de ter gente aqui tanto do SUS quanto dos convênios e particular. Aqui não tem diferença. Mas algumas enfermeiras, não estou falando das auxiliares, nem te olha para te dar bom dia. Eu imagino que é um castigo por alguma coisa. Acho que quando eu entrei aqui tudo me parecia tão cruel...mas hoje já estou acostumada. Mas desanima, não muda nada e com o tempo começa a desanimar. Você começa a ver pessoas que vão morrendo à sua volta e quando isso acontece, é muito ruim, porque você passa muito tempo aqui dentro. Uma coisa que me incomoda muito também é a aparência do braço. É assim, o povo te aponta na rua. Já chegaram a me perguntar se eu tentei me matar. Minha vida parou. Hoje para mim não é tão ruim. Não vejo mais tanto drama. Quando comecei meu filho tinha 1 ano. Hoje já estou adaptada e mais tranqüila e ele entende mais. P. Seu filho se acostumou também... I. Sabe, eu penso que se não fosse a hemodiálise eu poderia ser uma mãe melhor...Coitadinho...se acostumou e tão pequeno ainda...ter que entender...eu acredito que sou uma boa mãe. Eu não saio, não viajo e não tem feriado, Natal, férias, passeios com ele...estas coisas que a gente pode fazer com criança. E depois, quando ele completou 1 ano eu entrei em diálise. Na gravidez forçou o rim e ele ainda agüentou 1 ano antes de parar totalmente. v P. Então você veio para esta enfermaria... I. É... agora já estou acostumada, já estou adaptada, já não é mais um “bicho de sete cabeças”. Na época, a “ficha” só “caiu” mesmo muito tempo depois. Eu já fazia diálise. Eu já tinha mais de 1 ano de diálise. Aí que foi “cair a ficha”. Pensava: “Gente, olha onde eu estou!” Eu acho que já estou tão acostumada que o tempo passou e eu não planejei a vida. Agora eu pretendo fazer uma faculdade, coisa que nestes 5 anos de diálise eu já podia ter feito. Eu estou começando a me organizar. Por enquanto eu estou planejando fazer faculdade e aos pouquinhos eu vou me organizar. Eu deixei tudo para depois que eu fizesse hemodiálise. Sendo que eu poderia ter feito durante este tempo. P. O uso que você fez e faz do seu tempo. O tempo é esse...o momento presente... I. É isso...não posso esperar sair da diálise porque pode ser que isso não aconteça. É uma idéia mudar alguma coisa, porque está estagnada. Será que eu não posso fazer alguma coisa para mudar isso? Mesmo estando fazendo hemodiálise? P. Me parece que sim...vc está dizendo que sim. I. Sim mesmo. Acredito que eu posso. Eu acho que se estou aqui é porque tenho que estar e por algum motivo eu estou aqui. Tem que ter um motivo, porque nada acontece por acaso...é isso o que eu tinha pra dizer. P. Bem, então eu agradeço muito por você ter me ajudado neste trabalho e a gente se vê depois de amanhã, tenha um bom dia e até...