Determinação da composição química de cálculos renais e de hábitos alimentares Marília Teixeira Andrade Bezerra (aluna de Iniciação Científica); Profª Dra. Regina Célia de Assis (orientadora, Depto de Bioquímica e Farmacologia – CCS) Introdução: A litíase renal, ou nefrolitíase, é uma desordem clínica recidivante formada por cristais, onde a precipitação desses cristais é resultante da supersaturação urinária influenciada pela eliminação de solutos excretados pelos rins, pelo pH e pelo volume urinário. Quando existe a supersaturação ocorre à nucleação, e são formados os cristais. Este núcleo formado servirá de superfície para depósitos de novos cristais levando ao crescimento do cálculo (SILVA et al, 2011; BRANCO et al., 2009). Esta doença tem apresentado alta prevalência e recorrência em países industrializados. Atualmente, estima-se uma prevalência de litíase renal de 10 a 15% entre os homens e 3 a 5% entre as mulheres, valores que têm crescido em países em desenvolvimento como China, Índia e Brasil devido às mudanças no estilo de vida. Afeta jovens, com seu pico de incidência durante a terceira e quarta décadas de vida, porém também ocorre comumente em crianças (PERES et al., 2011; ARRABAL-POLO; ARRABAL-MARTIN; GARRIDO-GOMEZ, 2013;). Estudos epidemiológicos têm referido fatores nutricionais, ambientais e genéticos como os principais responsáveis pela litogênese, abrindo uma nova abordagem metabólica, que vem revolucionando o tratamento e a prevenção da doença. Entre os nutrientes que participam da litogênese, capazes de alterar o equilíbrio urinário de cristalização/solubilização, os mais estudados têm sido proteínas, purinas, cálcio, oxalato, sódio e a ingestão de líquidos e fibras (OLIVEIRA et al., 2003). Nesse sentido, estudos sugerem que a dieta típica de países industrializados, que é rica em sal e proteína animal, bebidas adoçadas com açúcar e frutose, origina uma elevada excreção urinária de cálcio, ácido úrico, oxalato e do fósforo e diminui o citrato urinário e pH, promovendo assim formação do cálculo. Robertson e colaboradores foram os pioneiros a mostrar relação positiva entre consumo de proteína animal e formação do cálculo. Os autores relatam que aumento de 34 g/dia de proteína animal aumenta excreção de cálcio urinário em 23% e de oxalato em 24%. Por outro lado, um maior consumo de frutas e vegetais parece ser um fator de proteção para os cálculos, levando a uma ingestão adequada de fatores antilitogênicos tais como potássio, magnésio, citrato e fitato e reduzida ingestão de sal na dieta (BRENNA et al., 2013; SILVA, 2010). Este estudo visa descobrir a composição química dos cálculos renais analisados para investigar a relação destes com a ingestão de alimentos consumidos por um grupo de pessoas de uma clínica particular de Teresina – PI que possuem ou possuíram cálculo renal podem interferir no surgimento da litíase renal. Metodologia: Os cálculos renais foram obtidos de sete pacientes de Teresina-PI submetidos à cirurgia após diagnóstico comprovado de litíase renal, por meio de exame de imagem que voluntariamente aceitou participar da pesquisa. Todos os participantes foram entrevistados através de questionário que constava os dados socioeconômicos, dados laboratoriais, nível de atividade física e os dados demográficos e clínicos como idade, gênero e presença de alterações metabólicas, com exceção para os pacientes. Além disso, foram submetidos avaliação antropométrica e o avaliação do consumo alimentar no qual foram enfatizados os alimentos que podiam ajudar na formação do cálculo renal, para isso foram utilizados três Recordatórios de 24 horas e, posteriormente, Questionário Semiquantitativo de Frequência do Consumo Alimentar (QSFA) com base na alimentação que os pacientes fizeram no último ano. O QSFA continha 78 alimentos usados com base nos seguintes critérios: alimentos mais frequentes nos Recordatórios de 24h dos pacientes, alimentos mais consumidos na região (Teresina-PI), ricos em pelo menos um dos nutrientes analisados (carboidratos, lipídios, proteínas, cálcio, fósforo, sódio, potássio, vitamina C e magnésio. Os alimentos foram divididos em grupos de alimentos: 1-leite e derivados; 2-carnes, pescados e ovos; 3-cereais e massas; 4-leguminosas; 5-frutas; 6-verduras e legumes; 7-raízes e tubérculos; 8-doces e guloseimas; 9-óleos e gorduras; 10bebidas; 11-lanches e 12-outros alimentos industrializados. A quantidade de energia, macronutrientes e os micronutrientes cálcio, fósforo, sódio, potássio, vitamina C e magnésio foi calculada pelo programa DietSys versão 4.01, o qual analisa questionários de frequência do consumo alimentar. Quanto às análises químicas, as amostras foram submetidas à trituração mecânica, a fim de se obter uma homogeneidade quanto ao tamanho do grão a ser estudado. Para isso foi utilizada uma peneira granulométrica em aço inox ASTM 200 MESH. As caracterizações termogravimétricas (TG, DTG) e Calorimetria Diferencial Exploratória (DSC) foram realizadas por meio de um equipamento da marca TA modelo SDT Q-600, com taxa de aquecimento de 10°C/min, iniciando em 25°C até 1000°C, sob fluxo de nitrogênio com vazão de 100 mL/min. O equipamento utilizado para realizar as análises é de posse do Laboratório Interdisciplinar de Materiais Avançados (LIMAV) da Universidade Federal do Piauí (UFPI). Resultados e discussão: Na analise térmica observa-se uma característica comum de vibrações simétricas e assimétricas de C-H em compostos de cadeia aberta e fechada, onde o pico em 1680 cm-1 é atribuído ao estiramento de estruturas de apatita dihidratada e oxalatos de cálcio ou de metais como ferro complexado com moléculas orgânicas, o que corrobora com a analise de Florescência de Raios X (FRX), onde os elementos ferro, enxofre, cloro, cálcio e fosforo apresentam percentagem majoritária. Portanto, nas amostras 1 e 2 os componentes químicos presentes foram de apatita dihidratada e oxalato de cálcio. Assim foi possível estabelecer relação entre o consumo de sódio pelo paciente 1, proteína e fósforo pelo paciente 4 e cálcio, fósforo, potássio e vitamina C pelos pacientes 5, 7, 9 e 10 à formação de oxalato de cálcio. A amostra 3 apresentou perfil de degradação diferenciado e continha como componentes majoritários o enxofre, o cálcio e o ferro. Houve associação positiva entre o consumo de proteínas de origem animal e o aparecimento desses minerais devido à elevada quantidade de aminoácidos sulfurados provenientes destas proteínas, ao conteúdo de ferro fornecido pelas carnes e ao efeito das proteínas sobre a hipercalciúria. A dieta rica em proteína animal está relacionada com a formação de cálculos renais, tanto pelo seu efeito em elevar os promotores da cristalização, a exemplo do cálcio e do ácido úrico, como pela redução na excreção de inibidores, como citrato e que dietas ricas em proteína e/ou sódio diminuem a habilidade da urina para inibir a aglomeração dos cristais do oxalato de cálcio resultando em efeitos adversos para a formação de cálculos. Observou-se também que a vitamina C pode ser metabolizada a oxalato, o que pode aumentar a excreção de oxalato e, portanto, o risco de formação de cálculos de oxalato de cálcio, visto na maioria das amostras. Os pacientes 2,3, 5 e 9 possuem histórico familiar de nefrolitíase como um dos fatores litogênicos além da alimentação. Além disso, os pacientes 3 e 5 têm hipertensão, diabetes, excesso de peso (paciente 3) e obesidade (pacientes 5,9 e 10). A paciente 10 relatou a presença de um hormônio que aumenta a quantidade de cálcio no sangue, fator que interferiu no aparecimento de cálcio na composição do cálculo renal retirado desta paciente, uma vez que a ingestão dietética de cálcio está bem abaixo da recomendação. Conclusão: A partir deste estudo foi possível estabelecer conexões entre os hábitos alimentares e a formação de cálculos renais nos sete participantes. Entretanto, este estudo sugere maiores investigações sobre tal relação, visto que há outros fatores litogênicos como fatores genéticos, climáticos e nível de atividade física. APOIO: UFPI Referências bibliográficas: ARRABAL-POLO, M. A.; ARRABAL-MARTIN, M.; GARRIDO-GOMEZ, J. Calcium renal lithiasis: metabolic diagnosis and medical treatment. São Paulo Medical Journal, v. 131, n. 1, p. 46-53, 2013. BRANCO, C. H. D.; SILVA, A. L.; LUIZ, J. M.; MERCURI, L. P.; MATOS, J. R. Caracterização de cálculos renais por análise térmica. Eclética Química. 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