abordagem teórica sobre a judicialização das políticas

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ABORDAGEM TEÓRICA SOBRE A JUDICIALIZAÇÃO DAS
POLÍTICAS PÚBLICAS: A EXTENSIBILIDADE DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS SOCIAIS E A CONTRIBUIÇÃO PARA UMA
SOCIEDADE MAIS JUSTA
João Victor Vieira de Sant´anna1
Thiago Bovi Nunes2
Resumo
Tema recorrente na jurisprudência e doutrina é o da judicialização das políticas públicas,
segundo o qual, o Poder Judiciário, componente estatal, uma vez invocado no caso concreto,
determina prestações positivas ao Poder Executivo, diante da sua negligência na
concretização de direitos, sobretudo os sociais. Em pleno Estado Social de Direito, destaca-se
não ser novo papel do Judiciário a referida judicialização, mas a harmonia que devem possuir
os poderes no cumprimento dos princípios e valores albergados na Carta Fundamental. Assim,
se busca ponderar, pelo presente artigo, argumentos contrários e favoráveis a esse tipo de
intervenção. A clássica divisão de poderes e o conceito da reserva do possível, este importado
do direito alemão, submetem-se a nova leitura do pós-positivismo, período em que as normas
constitucionais vinculam o poder público, criando responsabilidade pela concretização dos
direitos fundamentais.
Palavras-chave: Direitos sociais. Judicialização. Divisão de poderes. Reserva do possível.
Abstract
Recurring theme in the jurisprudence and doctrine is the judicialization of public policy,
according to which, the Judiciary, component state, once invoked in this case, determines
positive benefits to the Executive Branch before his negligence in the fulfillment of rights,
especially social. Social fully rule of law, stands out not new role of the judiciary such
legalization, but the harmony that should have the powers in compliance with the principles
and values housed in the Fundamental Charter. Thus, attempts to consider, under this article,
and opposing arguments in favor of this type of intervention. The classic division of powers
and the concept of possible reserves, this imported German law, undergo new reading of postpositivism, during which constitutional norms are binding on the government, creating a
responsibility for achieving the rights fundamental.
Keywords: Social rights. Legalization. Separation of powers. Reservation possible.
1 INTRODUÇÃO
A problemática da judicialização das políticas públicas traz, atualmente, uma nova
1
Graduando em Direito pela Faculdade Eduvale de Avaré/SP. Servidor Público Estadual. Contato:
[email protected]
2
Graduando em Direito pela Faculdade Eduvale de Avaré/SP. Servidor Público Estadual. Contato:
[email protected].
2
perspectiva, de valoração axiológica, a qual permite ao indivíduo ter direito a ter direitos. E o
Estado-administrador tem trazido como óbice a essa atividade alguns argumentos, tais como a
sua discricionariedade na concretização das políticas públicas, via orçamentária, bem como, a
seu turno, eventual ofensa da separação dos poderes. Porém, a efetivação de direitos
fundamentais não pode ficar sob o crivo do administrador, cabendo ao Judiciário exercer o
controle de legitimidade em sentido amplo, isto é, albergando princípios e valores
constitucionalmente almejados. Nessa esteira, é que a jurisprudência vem entendendo que a
aplicação da reserva do possível, invocada pelos entes públicos para frear cobranças sobre
direitos essenciais insculpidos no artigo 6º do Texto Magno, tende a ser afastada. A ideia
central é a seguinte: frente à inércia governamental e à discrepância para com a Carta da
República, em um país ainda desrespeitador da dignidade humana, o mínimo existencial,
dentre outros argumentos, seria o alicerce norteador do Judiciário para colmatar inações
estatais violadoras de direitos e garantias fundamentais, prestigiando-se o indivíduo como um
fim em si mesmo. Conforme se verá, nesse sentido, há uma tendência de realização de direitos
sociais pelo Judiciário concernentes à saúde, o que não impede que, no caso concreto, sejam
tutelados outros direitos, tais como, moradia, alimentação, assistência à maternidade; ou seja,
aqueles presentes no art. 6º, da Carta Política de 1988, de tal sorte que haja uma verdadeira
extensibilidade a esses direitos, ou até mesmo, a qualquer direito fundamental.
2 A concepção dos direitos sociais como direitos fundamentais de 2ª Geração
A análise dos direitos e garantias fundamentais passa, necessariamente, por uma
evolução no contexto do papel do Estado, que nem sempre foi do tipo interventivo, conforme
será visto. Como ente supremo dotado de autonomia na regulação de normas para o convívio
social, o Estado, inicialmente, não tinha por fim declarar direitos, mas tão somente exercer o
poder sobre seus súditos, tornando-os escravos de seus interesses (GOTTI, 2012, p. 31).
Após tantos arbítrios, surgiu o movimento denominado de constitucionalismo, que
marca a transposição de um Estado autoritário para o Estado de Direito, onde a lei é
obedecida por todos, inclusive os governantes. Podem-se destacar alguns documentos
importantes da época, tais como a Magna Carta de 1215, Habeas Corpus Act (1679), Bill of
Rights (1688) e as Declarações de Direito (Americana em 1776, bem como a Francesa em
1789).
Essa é a fase em que o indivíduo conseguiu ganhar direitos, de modo a limitar
razoavelmente as ações estatais, marcada pelos ideais liberalistas, resultando nos direitos de 1ª
3
geração. Desse modo:
A lógica do modelo liberal traduzia-se, nesse contexto, na “abstenção”, na “não
atuação” do Estado-inimigo, assumindo relevo uma interpretação especialmente de
“bloqueio”, no sentido de que os direitos concebidos (liberdade, vida, propriedade e
igualdade perante a lei) eram direitos oponíveis ao Estado (GOTTI, 2012, p. 31).
Contudo, com o passar do tempo foi observado que a liberdade que os indivíduos
conseguiram limitava-se ao campo abstrato e formal, revelando, verdadeiramente, uma
distância entre as diferentes classes sociais. Logo que assim constatou-se, várias foram as
reivindicações e lutas para amenizar tal distância. Precisamente, houve intensificação das
lutas no campo trabalhista, em plena era da globalização e revolução industrial, que ocasionou
a exploração do poder econômico sobre o proletariado. Assim é que:
Com o agravamento das tensões sociais decorrentes do impacto da industrialização e
do acirramento dos conflitos entre a classe burguesa e a proletária (que vivia em
situação de miséria e de exclusão política e social), fica exposta a fragilidade da
liberdade conquistada pela burguesia, que nada mais era do que uma abstração para
as demais classes (GOTTI, 2012, p. 31).
Como resultado dessa intensa briga de interesses, o Estado passou de liberal para
social, ou Estado Providência, na medida em que, atreladas ainda ao movimento
constitucionalista em expansão, surgiram outras constituições disciplinando novos direitos: os
direitos de igualdade ou de liberdade concreta3. Esse período de transição é bem delineado nas
seguintes palavras:
Em vez da ficção do indivíduo autocrático da sociedade burguesa, surgiu a imagem
de um indivíduo simultaneamente necessitado e responsável na comunidade social.
A ideia de que o Estado de direito podia, como Estado liberal, intervir o mínimo
possível na liberdade do particular foi complementada com a ideia de que, como
Estado social, tinha em primeiro lugar de criar e assegurar as condições de liberdade
(PIEROTH, 2012, p. 56).
A partir daí, os direitos sociais começaram a ser constitucionalizados e difundidos no
mundo. Em conceituação a tais, tem-se as palavras:
São prestações positivas proporcionais pelo Estado direta ou indiretamente,
anunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida
aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais
desiguais (SILVA, 2014, p. 288).
No Brasil, a Constituição que teve seu núcleo socialista positivado, inovando na
matéria, foi a de 1934, sob o contexto das revoluções sociais da época, na perspectiva de um
Estado Social de Direito. Já na Constituição de 1988, houve trato especial para os referidos
3
Dentre as Constituições que se seguiram ganham destaque a mexicana de 1917, bem como a alemã, mais
conhecida como a de Weimar, de 1919. Disponível: http://www.dhnet.org.br/direitos/index.html. Acesso em
07/11/2014.
4
direitos, em especial o artigo 6º, assim como um título específico da Ordem Social.4
Enquanto os direitos de primeira geração garantem ao indivíduo a não ingerência do
Estado na sua vida, na sua liberdade ou no seu patrimônio, os ditos direitos sociais garantem o
pleno exercício das demais liberdades, funcionando como evolução dos civis. O entendimento
não pode ser contrário, pois de nada adianta o sujeito poder transitar normalmente pelo
território nacional, se não lhe for garantido o direito de fazê-lo com saúde, ou, desprovido de
uma educação precária, tendo a faculdade de se desenvolver materialmente em todas as
potencialidades do ser humano.
Ademais, não se deve esquecer que, em nossa Carta Política, dá-se eficácia máxima
às normas reveladoras de direitos e garantias fundamentais5, e como sendo, de modo
inequívoco, os direitos sociais também dessa natureza, é que, toda ação que visa a garanti-los
no plano concreto, seja pelo poder público, não deve ser obstaculizada.
Em excelente lição, Agra diferencia os direitos sociais dos individuais com base no
critério teleológico, isto é, aquilo que na sua normativização visa alcançar:
O fator teleológico dos direitos sociais se difere de forma nítida das normas de
primeira dimensão já que ultrapassam o viés de proteção exclusiva do princípio da
autonomia da vontade individual, reestruturando-o para submetê-lo ao alvedrio das
necessidades sociais, tomadas como pressupostos para o desenvolvimento integral
da sociedade. O desenvolvimento da personalidade dos cidadãos ultrapassa a
perspectiva restritiva do individualismo orgânico, para abranger necessidades
coletivas que colocam cada componente da sociedade em ligação com os demais
(AGRA, 2012, p. 792).
Em síntese, aos direitos sociais é plenamente possível estabelecer uma relação plena
de Estado social, à medida que a tutela que lhe é peculiar alcança os cidadãos em sua
pluralidade.
3 Os argumentos contrários à judicialização
Não há como negar que o tema é acalorado, principalmente por aqueles que
defendem um Estado mínimo, cuja intervenção deve ser restrita a certas e determinadas
situações fáticas. Como consequência, haver-se-ia redução dos gastos públicos, repercutindo
no campo social, evidentemente.
Contudo, já posição sinalizada na qual é diante do caso concreto que o Judiciário
exerce seu papel de valer o direito, não podendo se omitir na exímia função, conforme
4
Art. 6º., São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a
previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta
Constituição. Já o artigo 193 inaugura a ordem social dizendo que: a ordem social tem como base o primado do
trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça social. (BRASIL, 1988).
5
Art. 5º. § 1º - As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata (BRASIL,
1988, grifo nosso).
5
estabelece o art. 5º, XXXV da Constituição Federal de 1988. Os direitos fundamentais estão
na Constituição para serem cumpridos e efetivados na prática, não constituindo meras
recomendações. Nesse sentido, é imprescindível a seguinte ponderação:
Há, pois, que se fazer consideração a propósito da necessidade de que os direitos
fundamentais sejam garantidos e não negligenciados pelo órgão governamental. Não
pode haver substituição da vontade política pela vontade jurídica do juiz. No
entanto, diante de realidades palpáveis e à vista do descumprimento de preceito
fundamental, por parte do órgãos incumbido da implementação das políticas
públicas cabe a intervenção do Judiciário. Não deve ser sempre e em qualquer
situação. Há que se examinar a situação específica, para se aquilatar o
descumprimento de dever fundamental (OLIVEIRA, 2014, p. 704).
Em razão disso, há inúmeros argumentos contrários à judicialização das políticas
públicas, mas que, por razões práticas, passa-se a enumerar os principais.
3.1 O princípio da divisão dos poderes
O princípio da divisão dos poderes, quase sempre, é utilizado para suplantar a
atividade judicial no que diz respeito à realização das políticas públicas. Por isso, relevante
tratar do tema neste momento, de tal maneira a perceber que Judiciário não tem por fim
invadir uma esfera que não seja de sua alçada, mas sim realizar normas constitucionais dentro
do seu campo de atuação.
Os poderes estatais a que se refere o art. 2º, da Carta Política encampam a noção das
funções de Estado, pois o poder político é uno, indelegável e indivisível, diferenciando-se dos
demais poderes sociais6. A divisão tem origem quando da identificação das funções de Estado
por Aristóteles, passando pelas análises de Montesquieu, que pregou a separação como
garantia de limitação do próprio poder.
De grande evidência já se dispunha o art. 16 da Declaração dos Direitos do Homem e
do Cidadão de 1789, de que “toda a sociedade em que a garantia de direitos não é assegurada
e a separação de poderes determinada, não possui, em absoluto, Constituição”7. Era como o
marco revolucionário advindo da queda do poder monárquico na França.
Em comentário, Diniz assevera que:
Está ínsita a convicção ideológica da prevalência da lei sobre a vontade dos
governantes e a exigência de uma Poder Judiciário colocado acima da estrutura
administrativa estatal. A separação de poder é uma condição sócio-político do
Estado contemporâneo, pois sua ausência poderia por em dúvida a exigência de uma
6
Poder econômico, poder dos trabalhadores, de membros de bairro, ou seja, toda manifestação que não decorra
diretamente do Estado.
7
Disponível
em:
http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Documentos-anteriores-%C3%A0cria%C3%A7%C3%A3o-da-Sociedade-das-Na%C3%A7%C3%B5es-at%C3%A9-1919/declaracao-de-direitosdo homem-e-do-cidadao-1789.html. Acesso em 01/11/2014.
6
organização política compatível com o modo de vida correspondente à democracia
(DINIZ, 1988, p.3-4).
Dessa primeira análise, observa-se que a justificativa da separação é não centralizar o
poder nas mãos de um único órgão, privilegiando os governados, pois são os mais fracos na
relação político-jurídica. Assim, surgia o princípio da divisão de poderes como a garantia de
limitação estatal, e simultaneamente, condição sine qua non da elaboração de Constituição
por um Estado.
Prega, também, o texto constitucional os Poderes do Estado, Legislativo, Executivo e
Judiciário, como sendo independentes e harmônicos entre si. Pode-se, então, extrair como
conteúdo principiológico, a divisão dos poderes, de um lado, e a harmonia entre eles, noutra
margem. A independência resulta na impossibilidade de um poder se subordinar a outro no
exercício de suas atribuições constitucionais. É possível assim admitir, pois, a harmonia que
se estabelece, ou que deve ser estabelecida entre eles, já se deduzindo que a divisão não é
absoluta.
Assim já dizia Silva que:
Nem a divisão de funções entre os órgãos do poder nem sua independência são
absolutas. Há interferências, que visam ao estabelecimento de um sistema de freios e
contrapesos, à base do equilíbrio necessário à realização do bem da coletividade e
indispensável para evitar o arbítrio e o desmando de uma em detrimento do outro e
especialmente dos governados (SILVA, 2014, p. 112).
Trata-se das funções atípicas dos poderes estatais8. Se esse mecanismo de freios e
contrapesos visa assegurar a independência orgânica ou a harmonia entre os poderes estatais,
e com isso, efetivando direitos sob o pretexto do bem comum, a atuação de um ante a omissão
justificada ou não do outro seria um arbítrio? Espera-se que não.
Encarar o fato de a divisão de poderes constituir obstáculo a tal intento seria, no
mínimo, irrazoável do ponto de vista axiológico, pois uma garantia constitucional, uma vez
conquistada, só pode ser utilizada em prol da sociedade que, reunindo esforços em dado
momento histórico, manifestou-se por limitar o poder.
3.2 A reserva do possível e a crise do Estado Social
Esse é um dos principais entraves à realização dos direitos sociais no Brasil. É assim,
8
O executivo, tipicamente, executa atos administrativos, fazendo cumprir a lei, mas pode, atipicamente, legislar
quando edita uma medida provisória. O legislativo cumpre seu papel tipicamente, procedendo ao processo
legislativo que resulta nas leis, contudo pode realizar concurso público para o provimento de cargos dentro da
sua estrutura administrativa. E por fim, o judiciário dirime os conflitos dentro do caso concreto, cumprindo sua
função jurisdicional, mas pode realizar licitações para a aquisição de bens e serviços na sua função
administrativa (LENZA, 2014, p. 435).
7
pela própria essência de tais direitos, vez que consubstanciam uma prestação estatal positiva,
na qual os recursos materiais são imprescindíveis à sua implementação, que o Estado nada faz
sem os meios adequados. Até mesmo para se garantir direitos negativos, o Estado deve dispor
de recursos9.
Esse discurso impeditivo encontra guarida no próprio contexto social à época do
surgimento dos direitos sociais, caso que é exposto por Bonavides:
Passaram primeiro por um ciclo de baixa normatividade ou tiveram eficácia
duvidosa, em virtude de sua própria natureza de direitos que exigem do Estado
determinadas prestações materiais nem sempre resgatáveis por exiguidade ou
limitação essencial de meios e recursos (BONAVIDES apud LENZA, 2014, p.
1057, grifo nosso).
Igualmente, não é difícil de analisar que as necessidades sociais são infinitas, mas os
recursos materiais finitos, de tal sorte que a concretização dos direitos sociais passa,
inevitavelmente, pela gestão econômica do Estado. É trazido à tona, no mesmo contexto, o
problema da intervenção mínima, que impõe baixos gastos no campo social, relativizando
direitos mínimos em favor do acúmulo de capitais e do lucro, à custa do Estado-Providência.
É a lógica do modelo neoliberal que tenta resgatar o estado absenteísta.
Porém, o modelo atual de Estado adotado pelo Brasil, decorrente da
redemocratização e do desenvolvimento das instituições públicas, permite acompanhar o
entendimento defendido por Eros Roberto Grau, no sentido de afirmar que a Constituição de
1988 define:
Um modelo econômico de bem-estar. Esse modelo, desenhado desde o disposto nos
seus arts. 1º e 3º, até o quanto enunciado no seu art. 170, não pode ser ignorado pelo
Poder Executivo [muito menos pelos Poderes Legislativo e Judiciário, diga-se de
passagem], cuja vinculação pelas definições constitucionais de caráter conformador
e impositivo é óbvia. Assim, os programas de governo deste e daquele Presidente da
República é que devem ser adaptados à Constituição, e não o inverso, como se tem
pretendido. A incompatibilidade entre qualquer deles e o modelo econômico por ela
definido consubstancia situação de inconstitucionalidade, institucional e/ou
normativa. (...) A substituição do modelo de economia de bem-estar consagrado na
Constituição de 1988 por outro, neoliberal, não poderá ser efetivada sem a prévia
alteração dos preceitos contidos nos seus arts.1º, 3º e 170. (GRAU apud GOTTI,
2012, p. 37).
Trazendo outro viés sob a análise da efetivação dos direitos sociais, a alocação de
recursos para as áreas sujeitas de ação estatal envolve, sobretudo, o gasto público, e como tal,
deve ser feito de forma legítima e democrática, sob pena de se deturpar a administração e a
9
É que a concepção de realização de direitos fundamentais entra como objeto de prestação estatal, passando
necessariamente por dispêndio de verbas. Desse modo, elucida Gilmar Ferreira Mendes que, “os direitos sociais,
assim como os direitos e as liberdades individuais, implicam tanto direitos a prestações em sentido estrito
(positivos) quanto direitos de defesa (negativos), e ambas as dimensões demandam o emprego de recursos
públicos para a sua garantia” (MENDES, 2012, p. 84).
8
gestão pública. Como possível solução para o caso, antes mesmo de se invocar o poder
Judiciário para a tutela de direitos, aduz Régis Fernandes de Oliveira que:
Modernamente, o direito outra coisa não pode ter em mente, senão a dimensão da
pessoa humana. Não mais pode subsistir o mero aspecto sintático de conexão de
normas, desprovida de conteúdo sensível. Em verdade, o conjunto normativo dirigese a uma sociedade identificada por uma série de ideais, de cultura, de folclore, de
emoções coletivas, tudo a identificar uma nação. Esta não pode ser tratada como
punhado de ignorantes ou então como mais privilegiados de um lado e abandonados
do outro. Há que se instaurar uma justa distribuição de recursos, para que haja a
democratização da sociedade. Isso se faz com a democratização dos gastos
(OLIVEIRA, 2014, p. 456).
Ainda, dentro das possibilidades financeiras do Estado, busca-se cumprir aquilo que
está prescrito por opção política. Ocorre que a decisão de se gastar o dinheiro público
demanda discricionariedade do administrador, consistindo numa grande responsabilidade na
promulgação dos direitos fundamentais, principalmente quando se faz uma má escolha ou
autêntica omissão estatal. No entanto, adverte brilhantemente Gotti assim:
Embora a escolha de onde serão alocados os recursos públicos tenha um importante
componente político, não pode deixar de ser considerado o seu aspecto jurídico, na
medida em que devem ser observadas as diretrizes estabelecidas nas normas
constitucionais e nos tratados internacionais ratificados pelo Estado brasileiro. Nesse
passo, além das diversas normas constitucionais contidas no Título VIII – Da Ordem
Social, que direcionam a utilização dos recursos públicos para a implementação, por
exemplo, do direito à educação e do direito à saúde, é importante ter presente que o
art. 3º, de forma abrangente, endereça aos Poderes Públicos metas prospectivas
voltadas ao atingimento da justiça social. A própria ordem econômica, segundo o
caput do art. 170 da Carta de 1988, tem como objetivo assegurar os ditames da
justiça social e assegurar a todos existência digna (GOTTI, 2012, p. 78-79).
Nesse sentido, adverte-se que o Supremo Tribunal Federal já ponderou a reserva do
possível e o mínimo existencial, passando a entender que “entre reconhecer o interesse
secundário do Estado, em matéria de finanças públicas, e o interesse fundamental da pessoa,
que é o direito à vida, não haveria opção possível para o judiciário senão de dar primazia ao
último”. (MENDES, 2012, p.115).
Em vista disso, observou o Superior Tribunal de Justiça10 que “se não se pode
cumprir tudo, deve-se, ao menos, garantir aos cidadãos um mínimo de direitos que são
essenciais a uma vida digna, entre os quais, sem a menor dúvida, podemos incluir um padrão
mínimo de dignidade”.
Não fosse assim, diante de graves situações político-jurídicas, resultando em
violações dos direitos socais, no momento da responsabilidade do Estado-administrador,
bastava-se alegar o problema da falta de dinheiro público que tudo estaria resolvido. Em
10
(STJ, Informativo 543, REsp 1.389.952-MT, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 03/06/2014).
9
consequência, a reserva do possível só pode ser invocada para a implementação de prestações
supérfluas pelo Estado, após a garantia do mínimo para uma vida digna.
4 A legitimação da judicialização dos direitos sociais
A judicialização é tema polêmico na seara do direito, seja por que derroga o
Judiciário brasileiro a tratar de temas que, em tese, não seriam de sua competência, seja por
que reforça o seu papel no cenário político-jurídico em meio a era de direitos, fato este que é
temeroso pelos que repugnam tal ideia.
Com toda a maestria, Barroso dá um primeiro contorno do que seja efetivamente o
standard da judicialização. Nesse sentido, diz ele que:
Algumas questões de larga repercussão política ou social estão sendo decididas por
órgãos do Poder Judiciário, e não pelas instâncias políticas tradicionais: o Congresso
Nacional e o Poder Executivo – em cujo âmbito se encontram o Presidente da
República, seus ministérios e a administração pública em geral. Como intuitivo, a
judicialização envolve uma transferência de poder para juízes e tribunais, com
alterações significativas na linguagem, na argumentação e no modo de
participação da sociedade (BARROSO, 2012, p. 24, grifo nosso).
Por assim dizer, é imprescindível fazer uma breve análise das principais causas que
sinalizam esse papel não interventivo propriamente dito, mas harmônico, que, hodiernamente,
tende o poder Judiciário a realizar.
4.1 A dignidade da pessoa humana e o pós-positivismo
Falar em dignidade da pessoa humana em termos gerais é quase impossível, visto
que seu conteúdo é indefinido e rarefeito, dependendo de interpretação técnica no caso
concreto. Contudo, deve-se, ao menos ter em mente, que é a partir do respeito à dignidade que
todos os demais direitos podem ser cumpridos, sob pena de se tornar inócua a efetivação de
todo o sistema normativo.
O cerne da realização das políticas públicas pelo Judiciário é a dignidade da pessoa
humana como princípio-regra que vincula a atuação estatal (e os objetivos fundamentais 11),
principalmente, em plena era pós-positivista, que se insere o modelo constitucional brasileiro.
11
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação. (BRASIL, 1988).
10
Tem sua origem no pós-guerra, quando a humanidade percebeu que os fins estatais
não devem sobrepor ao indivíduo considerado socialmente. As atrocidades cometidas na
segunda guerra mundial deixaram sequelas tamanhas, que levaram os países a adotarem novos
rumos, a fim de que uma nova política internacional humanitária fosse instalada, repercutindo,
com efeito, nas respectivas constituições dos Estados. (PIEROTH, 2012, p. 42) E o respeito
ao ser humano constituiu a gênese dessa alteração.
Passou-se então a criar um novo paradigma, qual seja um novo direito constitucional,
influenciado pelos Direitos Humanos, de modo a positivar princípios que tornem eficaz as
normas jurídicas elaboradas pelos Estados. O pós-positivismo, então, constituiu uma mudança
de natureza filosófica resultante à época. Fulcral é o escólio de Barroso:
Em certo sentido, apresenta-se ele como uma terceira via entre as concepções
positivista e jusnaturalista: não trata com desimportância as demandas do Direito por
clareza, certeza e objetividade, mas não o concebe desconectado de uma filosofia
moral e de uma filosofia política. Contesta, assim, o postulado positivista de
separação entre Direito, moral e política, não para negar a especificidade do objeto
de cada um desses domínios, mas para reconhecer que essas três dimensões se
influenciam mutuamente também quando da aplicação do Direito, e não apenas
quando da sua elaboração. No conjunto de ideias ricas e heterogêneas que procuram
abrigo nesse paradigma em construção, incluem-se a reentronização dos valores na
interpretação jurídica, com o reconhecimento de normatividade aos princípios e de
sua diferença qualitativa em relação às regras; a reabilitação da razão prática e da
argumentação jurídica; a formação de uma nova hermenêutica; e o desenvolvimento
de uma teoria dos direitos fundamentais edificada sobre a dignidade da pessoa
humana (BARROSO, 2012, p. 38)
Ainda, valendo-se das lições do Ministro Barroso, num de seus inúmeros artigos
científicos, cunhou a expressão constitucionalização abrangente, fenômeno jurídico pelo qual
temas antes tratados por outras áreas ou pela legislação ordinária são positivados na
Constituição, potencializando a sua efetividade. Isso pode ser visto da seguinte maneira:
Constitucionalizar uma matéria significa transformar Política em Direito. Na medida
em que uma questão – seja um direito individual, uma prestação estatal ou fim
público – é disciplinada em uma norma constitucional, ela se transforma,
potencialmente, em uma pretensão jurídica, que pode ser formulada sob a forma de
ação judicial (BARROSO, 2012, p. 24).
Ora, não à toa que a Constituição Federal normatizou os princípios, funcionando,
primeiramente, como informadores do sistema e guias interpretativos para depois, tornaremse regras vinculantes ao Estado no cumprimento de seu dever. Entendimento este que garante
às normas de conteúdo programático (aquelas que traçam objetivos, visto posteriormente) não
como mera promessa, mas sim como satisfação plena por meio de esforços sucessivos.
Para corroborar este discurso, os objetivos constitucionais do Estado Democrático de
Direito estão no bojo dessa relação pós-positivista, repercutindo, por consequência, nos
11
direitos e garantias fundamentais. A esse respeito, esclarece Silva:
É a primeira vez que uma Constituição assinala, especificamente, objetivos do
Estado brasileiro, não todos, que seria despropositado, mas os fundamentais, e, entre
eles uns que valem como base das prestações positivas que venha a concretizar a
democracia econômica, social e cultural, a fim de efetivar na prática a
dignidade da pessoa humana (SILVA, 2014, p. 107-109, grifo nosso).
Dada a evolução do próprio direito, já não mais predomina o positivismo jurídico,
pois se percebeu que só a lei seca não basta para dar a cada um o que é seu de direito, na
medida em que a complexidade de relações sociais e transindividuais supera a taxatividade do
legislador. Por assim dizer, o mencionado período pós-positivista é marcado pela
normatização de princípios que redesenham o agir do Estado-Administrador.
Arrematando a questão, Giovani da Silva Corralo traz a importância ímpar que tem
os princípios para a realização dos direitos e garantias fundamentais:
É a posição axiológica superior da dignidade da pessoa humana no ordenamento
constitucional brasileiro que alicerça o rol de direitos fundamentais consignados na
Constituição Federal nos arts. 5º, 6º, 7º, e em outros artigos correlatos. A
concretização dos direitos fundamentais, em todas as suas dimensões, vincula os
poderes constituídos, em todos os níveis de federação (CORRALO, 2011, p. 150).
Dessa maneira, a dignidade ocupa posição máxima de destaque na Constituição
Federal, constituindo fundamento da República Federativa do Brasil, bem como premissa
básica e fundamental da promulgação das políticas públicas a se efetivarem direitos sociais.
4.2 Eficácia das normas de direitos fundamentais
Tendo em vista que a questão dos direitos sociais deve ser interpretada à luz dos
direitos e garantias fundamentais, insculpidos por normas constitucionais cuja eficácia é de
aplicabilidade imediata, não se pode deixar de discorrer sobre outra vertente, qual seja, a que
insere os direitos sociais na relação de eficácia programática.
Assim o é porque tais direitos se instrumentalizam com ações integradas dos demais
poderes, partindo-se da edição de leis pelo legislativo, para depois surtir seus efeitos com
ações do poder executivo. Exemplificando, de nada vale a existência de lei tratando da
educação se não houver a construção de escolas para implementar o direito previsto na
prática.
Logo, as normas constitucionais que determinam um agir do poder público para
efetivar direitos fundamentais, em especial os sociais, configuram normas programáticas. Tais
normas
São as em que o constituinte não regula diretamente os interesses ou direitos nelas
12
consagrados, limitando-se a traçar princípios a serem cumpridos pelos poderes
públicos (Legislativo, Executivo e Judiciário) como programas das respectivas
atividades, pretendendo unicamente a consecução dos fins sociais pelo Estado
(SILVA apud Diniz, 1998, p. 116).
Negar eficácia das normas programáticas talvez fosse de todo inútil, porquanto não
há norma constitucional destituída de eficácia, além disso, é possível deduzir de seu núcleo a
seguinte carga de vigor: a imposição de dever político aos órgãos constitucionais; e corroborar
o chamado Estado do Direito Social, condicionam a atividade discricionária da administração
e do judiciário, que são utilizadas como guias interpretativos e de aplicação judiciária e
estabelecem direitos subjetivos ao evitar comportamentos contrários a elas (DINIZ, 1998).
De outro lado, expõe Oliveira o seguinte:
Em verdade, ao estabelecer que o Estado deve uma prestação a alguém, previu um
serviço público que tem que ser desempenhado. Não pode dar-se ao luxo de deixar
de prestar a atividade que pela Constituição lhe foi imposta. Não se cuida de norma
de mera recomendação, uma vez que esta inexiste no direito brasileiro. Toda
norma, é dotada de eficácia jurídica e pois, possui um mínimo exigível, no dizer
kelseniano (OLIVEIRA, 2014, p. 449, grifo nosso).
Em vista disso, as situações concretamente consideradas, em que há desobediência
aos preceitos constitucionais decorrentes de programas de governo, quando se omitem ou se
praticam atos contrários aos comandos neles previstos, ensejam para os sujeitos, assim,
direitos subjetivos públicos, aptos a requerer medida protetiva em face do Poder Judiciário.
Enfim, não se deve negar eficácia a tais tipos de normas por só dependerem de ações
e atos dos demais poderes de Estado, tudo em prol da máxima efetivação dos direitos
fundamentais e do princípio da vedação ao não retrocesso social.
4.3 O mínimo existencial e a busca pela igualdade
Junto com a reserva do possível, já tratada aqui, o mínimo existencial consiste em
princípios importados do Direito Alemão (Vorbehalt des Möglichen), que devem ser
interpretados à luz da realidade brasileira, e não do direito comparado 12. Isso por que a
realidade do Brasil é bem diferente da alemã, onde já se têm asseguradas prestações mínimas
de convivências condignas.
Por isso é que há:
Defensores da atuação do Poder Judiciário na concretização dos direitos sociais, em
especial do direito à saúde, alegam que tais direitos são indispensáveis para a
realização da dignidade da pessoa humana. Assim, ao menos o “mínimo existencial”
de cada qual dos direitos, exigência lógica do princípio da dignidade da pessoa
humana, não poderia deixar de ser objeto de apreciação judicial (MENDES, 2012, p.
12
Para mais informações, vide informativo 543 do STJ.
13
87).
O mínimo existencial também é utilizado como parâmetro de orientação à satisfação
da dignidade da pessoa humana, de tal sorte que toda intromissão estatal que afronta esse
limite deve ser afastada, e, com efeito, responsabilizada. Assim considera-se ingerência estatal
para os devidos fins:
A privação do mínimo existencial, a tolerância da degradação em situação de
abandono, a privação de toda a possibilidade de fazer valer as suas próprias
necessidades e pretensões contra o Estado – negligências em massa da
responsabilidade do Estado social e do Estado de direito em face do particular
(PIEROTH, 2012, p. 135).
Em plena era do Estado Social, a garantia dos direitos que dela decorrem, não só da
saúde, presta-se a tornar o Estado mais igualitário, pois conforme se viu, só a lei não basta
para hastear a bandeira da igualdade. Vive-se numa sociedade em que as mazelas sociais são
as mais gritantes possíveis, e a falta de direitos básicos, tais como a saúde, saneamento básico,
moradia dentre outros, reafirma a necessidade imperiosa do fortalecimento do acesso aos
direitos fundamentais de 2a geração, principalmente pelos carentes.
Assim, os direitos sociais "valem como pressupostos do gozo dos direitos individuais
na medida em que criam condições materiais mais propícias ao aferimento da igualdade real,
o que, por sua vez, proporciona condição mais favorável com o exercício da liberdade"
(SILVA, 2014, p. 289). Ora, se pessoas carentes desses direitos estão à margem do
desenvolvimento material em todas as suas facetas, atrai-se para o poder público o
nivelamento da devida redistribuição de bens e serviços, a começar pelo mínimo. Diga-se
mais que só assim que se caminha para uma sociedade livre, justa e solidária, sem prejuízo
dos outros objetivos constitucionais.
Sem embargos, a efetivação dos direitos sociais passa, quase sempre, pela análise de
justiça, que encontrou em Aristóteles embrião filosófico, cujo conteúdo reflete a igualdade,
realizada quando o legislador trata de maneira igual os iguais, e de maneira desigual os
desiguais, na medida de sua desigualdade.
Evidente que todos são iguais na essência, dado serem pessoas pertencentes à mesma
espécie, possuidoras das mesmas condições e capazes das mesmas coisas, na seara biológica.
No entanto, a evolução da ideologia do Estado, o qual se assenta nas bases econômicas do
liberalismo, criou a desigualdade fenomênica, logo, social, merecendo a atuação do Estado e
da sociedade para atenuar a desigualdade criada.
Nesse sentido, é necessário colacionar o seguinte entendimento:
14
Não se aspira uma igualdade que frustre e desbaste as desigualdades que semeiam a
riqueza humana da sociedade plural, nem se deseja uma desigualdade tão grande e
injusta que impeça o homem de ser digno em sua existência e feliz em seu destino.
O que se quer é a igualdade jurídica que embase a realização de todas as
desigualdades humanas e as faça suprimento ético de valores poéticos que o homem
possa desenvolver. As desigualdades naturais são saudáveis, como são doentes
aquelas sociais e econômicas, que não deixam alternativas de caminhos singulares a
cada ser humano único (ROCHA, apud SILVA, 2014).
O direito, portanto, prescinde do atendimento de situações petrificadas, não podendo
ficar ao sabor de autoridades públicas sem que se leve em consideração a realidade social.
Desta feita, a desigualdade entre as classes sociais, ensejando condições subumanas de vida, é
fato que deve ser tutelado pelo direito, em especial, quando da realização das políticas
públicas pelo Poder Executivo. Daí, configurada sua omissão institucional, a partir da
aplicação de normas constitucionais reveladoras dos direitos sociais aplicadas, o Poder
Judiciário busca concretizá-los.
5 Extensibilidade aos demais direitos sociais
Na prática, a judicialização tende para o lado da saúde, talvez por que há expressa
dicção constitucional no art. 196 que diz ser “direito de todos e dever do Estado” prestá-la.
Mas, nem por isso, se pode relegar uma extensão aos demais direitos sociais, na medida em
que existe entre eles o núcleo comum do indispensável existencial, demonstrando densidade
normativa de igual valor.
Observe-se o que preleciona Mendes sobre este tema:
A chamada “judicialização do direito à saúde” ganhou tamanha importância teórica e
prática que envolve os operadores do direito, os gestores públicos, os profissionais
da área de saúde e a sociedade civil como um todo. Se, por um lado, a atuação do
Poder Judiciário é fundamental para o exercício efetivo da cidadania; por outro, as
decisões judiciais têm significado forte ponto de tensão perante os elaboradores e
executores das políticas públicas, que se veem compelidos a garantir prestações
de direitos sociais das mais diversas (MENDES, 2012, p. 87, grifo nosso).
Sendo assim, é possível observar, a título de exemplo, alguns casos em que outros
direitos fundamentais foram judicializados:
Ementa: Defensoria Pública – Direito das pessoas necessitadas ao atendimento
integral, na Comarca em que residem, pela Defensoria Pública – Prerrogativa
fundamental comprometida por razões administrativas que impõem, às pessoas
carentes, no caso, a necessidade de custoso deslocamento para Comarca próxima
onde a Defensoria Pública se acha mais bem estruturada – Ônus financeiro,
resultante desse deslocamento, que não pode, nem deve, ser suportado pela
população desassistida – Imprescindibilidade de o Estado prover a Defensoria
Pública local com melhor estrutura administrativa – Medida que se impõe para
conferir efetividade à cláusula constitucional inscrita no art. 5º, inciso LXXIV,
da lei fundamental da república (...) (RE 763667 AGR / CE – Ceará, Relator(a):
15
min. Celso de Mello, julgamento: 22/10/2013, grifo).
Ementa: Processual civil e Administrativo. art. 535 do CPC. Alegação genérica.
Ação civil publica. Criação de abrigo para crianças e adolescentes.
Prequestionamento. Súmula 211/STJ. Aresto recorrido. Enfoque constitucional.1. O
Ministério Público Estadual de Minas Gerais ajuizou ação civil pública, objetivando
compelir o Município de Três Pontes/MG a promover a criação, instalação e
manutenção de abrigo a crianças e adolescentes que necessitarem do serviço, de
preferência em entidade mantida com o Poder Público Municipal, bem como
implementar a política de atendimento, nos termos do artigo 87, III, do Estatuto da
Criança e do Adolescente (...) (STJ. RE Nº 1.140.992 – MG, Mi. Rel. Castro Meira,
(2009/0095708-0)
Assim sendo, para melhor destinação dos direitos sociais, poderá haver a
judicialização de qualquer direito social no caso concreto, obedecida a plausibilidade do
pedido, a exemplo do acesso à moradia para os mais carentes, proteção à maternidade às
gestantes, lazer para aqueles não conhecem a acepção desta palavra, enfim, a todo e qualquer
direito fundamental, em prestígio à elevação do ser humano.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em vista do que foi dito, diante do profícuo estudo específico adentro da imensa
complexidade do tema, neste Estado Social de Direito em que se vive atualmente, faz-se
imprescindível à atuação estatal, tanto positiva quanto negativa, na garantia dos mais variados
direitos fundamentais do cidadão, dentre estes, as demais tutelas conferidas no rol do artigo 6º
do Texto Magno.
Ademais, não pode proceder a alegação, como se tem ventilado, que há uma invasão
de competência dos poderes do estado na Lei Maior, senão veja-se que a dignidade da pessoa
humana, com manjedoura no pós-positivismo, necessariamente, tende a superar tal
argumento, de sorte que deva ser albergada de modo efetivo no caso concreto, diante da
eficácia imediata dos direitos fundamentais.
Na mesma toada, a judicialização das políticas públicas ocorre, de fato, pelo não
cumprimento do papel básico do Poder Executivo, o qual, sob a simples alegação da reserva
do possível, consubstanciada sob o crivo da discricionariedade orçamentária, acaba por privar
direitos básicos a qualquer pessoa, em especial aos mais carentes, esquecendo-se, então, de
que nem o mínimo existencial, em muitos casos, lhes é fornecido.
Portanto, o direito deve acompanhar as evoluções e mazelas da nação em que está
inserido, e tem, como um de seus escopos, alicerçar direitos que, às vezes, sequer podem ser
mitigados, sob pena de flagrante descaminho na condução de uma sociedade mais justa.
16
REFERÊNCIAS
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Gandra da Silva Martins, Gilmar Ferreira Mendes, Carlos Valder do Nascimento (cords). – 2.
ed. – São Paulo: Saraiva, 2012.
BARROSO, Luís Roberto. A Constituição Brasileira de 1988: uma Introdução. In: Tratado
de direito constitucional, v. 1. Ives Gandra da Silva Martins, Gilmar Ferreira Mendes, Carlos
Valder do Nascimento (cords). – 2. ed. – São Paulo : Saraiva, 2012.
_______________________. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática.
[Syn]Thesis: Cadernos do Centro de Ciências Sociais.- Vol.I , Nº 1 (1996) - Rio de Janeiro:
UERJ, CCS, 1996 - v.5, no.1: 2012.
CORRALO, Giovani da Silva. Curso de direito municipal. – São Paulo: Atlas, 2011.
DINIZ, Maria Helena. Norma constitucional e seus efeitos. – 4. Ed. atual. – São Paulo:
Saraiva, 1998.
GOTTI, Alessandra. Direitos sociais: fundamentos, regime jurídico, implementação e
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LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. – 18. ed. rev., atual. e ampl. – São
Paulo: Saraiva, 2014.
MENDES, Gilmar Ferreira. Estado de Direito e Jurisdição Constitucional – 2002-2010. –
São Paulo : Saraiva, 2012.
OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Curso de direito financeiro. – 6. ed. rev., atual. e ampl. –
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014.
PIEROTH, Bodo. Direitos fundamentais. Bodo Pieroth e Bernhard Schlink ; tradutores
António Francisco de Sousa e António Franco. – São Paulo : Saraiva, 2012. – (SérieIDP).
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. – 37ª ed. rev. e atual. até a
Emenda Constitucional n. 76. – São Paulo: Malheiros, 2014.
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