Qualidade da democracia e judicialização da política: Uma Análise

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Qualidade da democracia e judicialização da política: Uma Análise Qualitativa Comparativa do
caso brasileiro
O presente trabalho analisa a relação entre a qualidade da democracia e a judicialização da
política no Brasil – tema particularmente relevante no contexto da América Latina como um
todo, cujos países passaram por processo semelhante na transição de regimes ditatoriais para
democráticos e apresentam certo paralelismo. O conceito de judicialização utilizado, é o
firmado na literatura por Tate e Vallinder (1995), e expressa um processo político que atinge as
democracias contemporâneas e seus dois vetores seriam (1) Processo pelo qual os tribunais
dominam ou tendem a dominar a produção de políticas públicas que eram antes realizadas por
outras instituições; e (2) O processo pelo qual negociações não-judiciais tendem a ser
dominados por procedimentos quase-judiciários (legalismo). Por conta do desenho
institucional do Estado de Direito, as decisões politicamente deliberadas nem sempre são
concluídas pelo canal político, ficando muitas vezes sua resolução final a cargo dos tribunais,
como se fossem eles elevados à categoria de terceira câmara legislativa. Nas questões
altamente controversas as normas jurídicas parecem deter maior legitimidade democrática,
visto que o consenso se torna mais difícil de ser objetivo.
A relação entre qualidade da democracia e a judicialização da política se faz muito importante
no contexto de regimes que passaram por transição de ditatoriais para democráticos, como o
caso do Brasil, marcado pela promulgação da constituição de 1988. A supremacia do Direito é
um ideal enraizado no pensamento ocidental – vem pelo menos dos gregos antigos até nossos
dias. O poder judiciário tem se tornado um foco de atenções, o que pode ser ilustrado pelo
estabelecimento de cortes constitucionais em democracias europeias – como uma reação ao
fascismo após a Segunda Guerra Mundial.
A expressão “constitucionalismo democrático” evoca o funcionamento adequado da
democracia, pelo fortalecimento das leis editadas pelas maiorias legislativas e evitando que
sejam violados os direitos individuais e das minorias. Mais recentemente a comunidade
internacional demanda o estabelecimento de cortes independentes eficazes e, por sua vez, o
banco mundial frequentemente apóia reformas judiciais em países em desenvolvimento. Dessa
forma, o estabelecimento de cortes constitucionais é justificado sob o prisma jurídico (como
requisito do estado de democrático de direito) e sob o econômico (pela relação entre reforma
judicial e desenvolvimento).
Falar em controle da lei pelo judiciário transparece na jurisprudência norte-americana assim
como na brasileira. Naquela, encontra-se na célebre cláusula due processo of law1; nesta, com
menos intensidade, no princípio de isonomia2.
No entanto, a noção de que cortes
independentes poderiam ou deveriam ter o papel de guardiãs, não é tão óbvio como parece.
Dahl questionou se seria possível saber por que um judiciário protegeria direitos e, se o
fizesse, que minorias e que direitos ele protegeria? Por outro lado, se os juízes assumissem
essa função de protetores por serem politicamente responsáveis, o que o judiciário
acrescentaria às políticas majoritárias?
O controle sobre a lei se expressa pela verificação de constitucionalidade, básica para a
sobrevivência do regime constitucional. Contra esse controle levanta-se a acusação de que
isso levaria ao “governo dos juízes”, o que espelha parte da verdade. O controle de
constitucionalidade permite que magistrados façam prevalecer, em alguns momentos, suas
opiniões políticas sobre as da representação popular. Podem, dessa maneira, a pretexto de
interpretar a constituição, ferir leis que desagradem suas convicções. Porém, de acordo com
Dahl, em uma democracia saudável esses riscos são mínimos.
Embora o processo de democratização tenha contribuído para avanços no campo da
competição eleitoral e pluralismo, ainda há muitos problemas tais como falhas nos mecanismos
de responsabilização dos governantes (accountability), corrupção e práticas de clientelismo.
Tais características podem aumentar os riscos da judicialização, que poderá apresentar como
processo conexo a politização do Judiciário, conforme leciona Boaventura de Sousa Santos, e
uma grave consequência é a possibilidade de que o corporativismo judiciário use o incremento
de suas competências para ampliar vantagens funcionais em vez de auxiliar no processo
democrático. O autor Ran Hirschl apresenta outro problema decorrente da partidarização das
cortes superiores, por meio dos processos políticos de indicação dos magistrados.
O desenho institucional determinado pela Constituição de 1988 concedeu estatuto de poder ao
judiciário, que passou de aplicador das leis e códigos a agente político, sendo competente para
controlar a constitucionalidade das normas e julgar conflitos entre o legislativo e o executivo,
bem como definiu que as todas as decisões proferidas por ambos são passíveis de revisão
judicial. A consagração de uma ampla esfera de direitos e o pleno acesso à justiça
possibilitaram um aumento da busca por soluções judiciais. Trata-se, ainda, de uma das cortes
mais acessíveis do mundo em relação aos agentes legitimados para propor a ação direta de
inconstitucionalidade.
1
A Quinta Emenda à Constituição proíbe ao Congresso despojar qualquer pessoa de sua vida, liberdade ou
propriedade, sem o devido processo legal (without due process of law).
O princípio da isonomia está consagrado no artigo 5º, caput, da Constituição Brasileira: “Todos são iguais perante a
lei, sem distinções de qualquer natureza”.
2
Ernani Carvalho (2004) aplicou o quadro condicional desenvolvido por Tate (1995) ao caso
brasileiro3, registrando apontamentos que podem ajudar a verificar se a judicialização é uma
realidade. De acordo com sua pesquisa, as condições seriam: (1) democracia; (2) separação
dos poderes; (3) direitos políticos; (4) uso dos tribunais pelos grupos de interesse; (5) uso dos
tribunais pela oposição; (6) inefetividade das instituições majoritárias; No entanto, conclui em
sua análise que poucas ADIns tiveram seu mérito apreciado do ériodo de 1988 a 1998 (apenas
13,54%), sendo este um possível sinal da falta de vontade do operador de direito participar do
policy making. E sugere ainda a inclusão de novas abordagens que possam aumentar a
capacidade de visualizar o problema, sobretudo explorando com mais profundidade o processo
causal. A seleção dos casos será feita entre conflitos políticos relevantes que vem ocorrendo
no Brasil de 1988 até o presente. Trata-se de casos de julgados pelo STF acerca de temas
como direitos indígenas, terras quilombolas, lei de biossegurança, lei da ficha limpa, união
homoafetiva e aposentadoria dos servidores.
Com o objetivo de verificar afinal quais fatores possibilitam o processo de judicialização no
Brasil, este estudo desenvolve uma análise qualitativa comparativa (QCA) dos conflitos
políticos judicializados, baseando-se na aplicação de fuzzy-sets (Ragin, 2009). Esse método é
apropriado para encontrar a relação entre a qualidade da democracia e a judicialização da
política, pois facilita a compreensão de sua complexidade causal, o uso de fuzzy setes também
permite que possamos avaliar variações entre fatores causais e resultados por diferentes graus
(evitando a dicotomização).
3
CARVALHO, Ernani. Em busca da judicialização da política no Brasil: apontamentos para uma nova
abordagem. Revista Sociol. Política, Curitiba, 23, p. 115-126, Nov. 2004.
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