DOSSIER A força dos dentes O

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DOSSIER
Ortodontia
A força dos dentes
O estudo da mecânica da boca é fundamental para a resolução de problemas
que prejudicam o quotidiano dos pacientes. A solução encontrada apoia-se,
muitas vezes, numa estrutura colocada na boca, que nem sempre é de fácil
aceitação. Com os avanços tecnológicos, os especialistas têm hoje uma série
de instrumentos, de observação e planeamento e também de tratamento, que
tornam esta uma das especialidades de maior dinâmica.
Os brackets actuais permitem optar por uma coloração neutra ou pela coloração metálica usual, dependendo da vontade do paciente
conhecimento em Ortodontia evoluiu para tornar esta disciplina uma
conjugação de factores
humanos e tecnológicos, que
garantem um resultado final
quase sempre satisfatório.
Ao contrário de outros procedimentos clínicos, o tratamento ortodôntico é praticamente
desprovido de dor. Contudo,
o seu carácter de "aplicação a
prazo", de investimento que se
O
SO Setembro-Outubro 2005
grande maioria das vezes, mais
motivados para encetar tratamentos ortodônticos, não só
devido à maior informação
que têm quanto às técnicas e
possibilidades dos mesmos,
como também devido a uma
maior capacidade de avaliar
os seus benefícios num futuro
próximo.
O alinhamento da dentição e uma correcta oclusão são
os objectivos da ortodontia,
prolonga no tempo pode ser
um factor a ter em conta na
escolha do paciente.
A cooperação e motivação
do doente são essenciais para o
sucesso desta intervenção e se
é verdade que os casos mais
jovens são mais promissores, porque a estrutura da boca
ainda se encontra em crescimento e é mais flexível, também
é verdade que são os doentes
adultos os que se mostram, na
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terapia que se baseia numa
análise aprofundada da estrutura bucal, confrontando ângulos
entre a mandíbula e a maxila,
no sentido de encontrar a harmonia da face, algo que irá
trazer um novo equilíbrio e
uma renovada auto-estima ao
paciente. O processo ortodôntico analisa as forças que são
colocadas nas acções naturais da boca e dos dentes, optimizando a sua distribuição e
prevenindo assim possíveis
problemas que podem surgir
mais tarde.
Ao realizar um plano de
tratamento que implica o movimento condicionado dos dentes,
o especialista sabe que, apesar
de pouco usuais, podem surgir
complicações, pois nem sempre
o doente consegue cumprir
rigorosamente as regras de cuidado com manutenção, higiene
e alimentação que o recurso a
aparelhos bucais torna necessárias.
É mais do que reconhecida
a importância de um sorriso
seguro e bonito para a forma
positiva como o paciente se
olha ao espelho e a posição dos
dentes ou dos maxilares e mandíbulas é fundamental nesse
contexto, pelo que os pacientes
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devem ter consciência da importância de cumprirem escrupulosamente as precauções que esta
terapêutica implica.
Um caso
adulto
Há alguns anos era usual
pensar-se que o uso de aparelhos dentários só fazia sentido
nas crianças, porque o processo
de crescimento da dentição
estava terminado no caso dos
adultos, o que levava muitos
possíveis pacientes a não colocarem a hipótese de corrigir o
posicionamento da dentição
mandibular ou maxilar a partir
de uma certa idade. Contudo,
essa visão mudou e, actualmente, tanto novos como menos novos procuram fazer tratamentos ortodônticos, de forma a
obter uma mordida adequada.
Para António Korrodi Ritto,
especialista nesta área, existem
duas grandes dificuldades no
tratamento de adultos: «a condição periodontal, que por vezes
não é a melhor para levar a
cabo um tratamento ortodôntico
e a dificuldade de apoios monetários para a realização de tratamentos multidisciplinares, que
envolvem implantologia e cirurgia». Esta segunda questão, de
acordo com o mesmo clínico,
«obriga-nos a fazer, por vezes,
um tratamento designado por
camuflagem, que nem sempre
seria aquele que traria melhores
resultados estéticos ao paciente».
No caso de equipas multidisciplinares, o resultado dos
esforços conjuntos acaba por
compensar. Ana Filipa Antunes
tem 26 anos e há cerca de ano e
meio iniciou um tratamento ortodôntico. «O que me levou a fazer
o tratamento foi um problema
no maxilar, que estalava. Além
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As crianças têm menos motivação para o tratamento ortodôntico, mas apresentam maior potencial de sucesso devido à dentição
estar ainda a evoluir
aparelho fixo na dentição do
maxilar, enquanto o aparelho
mandibular foi colocado em
Abril, passados três meses.
Conforme relata, «o aparelho
do maxilar ficou colocado durante um ano e quatro meses e
o da mandíbula ficou durante
um ano e um mês. O tratamento podia prolongar-se por dois
anos, mas o médico dentista
achou que já tinha atingido os
resultados pretendidos».
disso tinha a dentição do maxilar
alinhada com a da mandíbula,
pelo que se tornou necessário
corrigir a mordida», conta.
Seguida por uma médica
dentista, por um ortodontista e
por um higienista oral, nos serviços do SAMS, esta paciente
recorda que tudo começou com
o nascimento dos sisos, «que
começaram a pressionar os dentes da frente». A médica dentista
que a acompanha comunicou-lhe então que o problema
«só poderia ser corrigido com
aparelho, porque o facto de
extrair os sisos não iria, por si
só, resolver a questão».
Em Janeiro de 2004,
Ana Filipa Antunes recebeu um
Primeiros
tempos
A adaptação a uma nova
realidade nem sempre é fácil e
Tratamentos alternativos
à ortodontia estrita
1. Tratamento ortodôntico com ou sem extracção de dentes
permanentes.
2. Tratamento ortodôntico associado ou não a cirurgia ortognática.
3. Soluções protéticas.
4. Combinações destas alternativas.
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a boca, uma zona sensível por
excelência, pode sofrer com a
intrusão de objectos que acabam por ser "contra-natura".
Os primeiros tempos «não
foram assim muito complicados», indica a paciente, avançando que «em cima, o aparelho
causou-me impressão quando
fechava a boca. Mas em baixo
fez-me mais confusão porque,
como tinha os dentes tortos, o
aparelho começou a mexer.
Além disso, magoou-me e fiquei
com os lábios feridos por dentro até começar a utilizar uma
protecção de silicone».
Uma das questões que se
colocam ao doente submetido a
tratamentos ortodônticos tem a
ver com a alimentação. «Enquanto tive apenas o aparelho
de cima consegui comer praticamente tudo, depois disso,
com a aplicação do segundo aparelho, deixei de conseguir comer frutas e alimentos
que fosse preciso trincar com
mais força», explica Ana Filipa
Cuidados a ter com
aparelhos fixos:
●
Deve-se verificar se os brackets e elásticos estão bem firmes.
●
Verificar se os brackets e bandas não se partem.
●
Fazer uma higienização correcta, escovando sempre bem os dentes
após as refeições.
●
Ter cuidado com a alimentação, evitando alimentos duros
e açucarados
●
Não utilizar palitos ou outros instrumentos rígidos para limpar
os dentes.
●
Evitar hábitos como roer unhas e morder canetas.
Antunes. Além de evitar esses
alimentos, as pessoas que têm
aparelhos ortodônticos devem
ter cuidado com o consumo
de alimentos ricos em açúcar,
sendo totalmente "proibido" o
consumo de pastilhas elásticas e
produtos afins.
Conforme conta, nesta altura retirou os dois aparelhos
fixos e colocou um novo aparelho de contenção, que deverá
permanecer nas dentições superior e inferior durante aproximadamente dois anos.
Segundo refere, «a higiene
oral é mais complicada de fazer
com este aparelho de contenção. Enquanto com os outros
aparelhos era preciso colocar o
fio dentário por cima do arame,
o que não era muito difícil,
com este aparelho é necessário
utilizar um instrumento especial
para fazer passar o fio dentário
no espaço entre as gengivas e o
dente, para se poder limpar
essa zona». Ana Filipa lembra
ainda que, durante o tratamento
com brackets, também teve que
usar um escovilhão, «para limpar
os espaços entre o bracket e o
dente».
Mesmo com tantas preocupações e durante um período
tão longo, Ana Filipa afirma:
«nunca pensei em desistir, até
porque não demorou muito
tempo e sempre tive cuidado,
tanto na manutenção como na
alimentação».
Crianças
motivadas
O tratamento ortodôntico
em crianças pode ser mais eficaz de um ponto de vista técnico, mas é seguramente mais
difícil no plano da adesão à
terapêutica. O incentivo da
família é muito importante para
se obterem resultados positivos, pois as crianças têm tendência para abandonar certos
cuidados necessários porque
não têm consciência total das
implicações que esse abandono
provoca.
Para tornar os aparelhos
menos desagradáveis, é hoje
possível optar por elásticos
coloridos, que tornam mais evidente o tratamento mas, ao
mesmo tempo, dão um ar mais
suave à boca, tornando o aparelho divertido para os miúdos.
Para o médico dentista
Nuno Braz de Oliveira, o problema da aceitação por parte
das crianças é fundamental.
«Existem vários tipos de aparelhos e alguns requerem a colaboração por parte dos miúdos
em situações tão simples como
a utilização do aparelho ou de
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contributo para o tratamento
ortodôntico, sobretudo ao nível das defor midades esqueléticas em que, por vezes,
com a radiologia convencional é difícil avaliar correctamente a magnitude do problema e o segmento maxilar
ou mandibular envolvido na
anomalia».
Segundo refere, «as tomografias axiais computorizadas,
as reconstruções ósseas a três
dimensões feitas através destas
e a avaliação térmica da musculatura através de scannings
Cuidados a ter
com aparelhos removíveis:
●
Quando retirados da boca, devem-se guardar num estojo apropriado.
●
A limpeza deve ser feita diariamente, escovando-se e lavando
o aparelho quando este é retirado.
O uso de brackets coloridos é uma forma de aligeirar o tratamento, principalmente
nas camadas mais jovens de pacientes
●
Não se deve colocar o aparelho, após tomar refeições, sem escovar
previamente os dentes e o próprio aparelho.
elásticos». Conforme refere, é
preciso distinguir entre as crianças que apresentam fases de
crescimento favoráveis, pois,
«caso contrário, há dificuldades
em obter bons resultados sem
eventual recurso, mais tarde, a
cirurgia», e os adultos, cujo crescimento terminou. «Como já
não podemos interferir no crescimento, o tratamento consiste
na camuflagem da maloclusão
ou cirurgia, quando a magnitude das discrepâncias assim o
justifica». Outros factores que
este clínico avança e que dificultam o prognóstico são os
«compromissos estéticos que
são necessários e para os quais
temos que ter muito engenho».
Pedro Leitão, especialista
nesta área, considera que «o
desconforto inicial é, normalmente, maior e mais prolongado nos adultos», defendendo
também que, no caso das crianças, «o maior problema reside
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na trilogia motivação-cooperação-higiene».
●
Não se deve comer com o aparelho na boca, pois isso pode magoar
o paciente e danificar o aparelho.
●
É aconselhado guardar o aparelho quando o paciente estiver
a participar em actividades desportivas, como o caso da natação.
Dinamismo
tecnológico
grandes deformações que exigem cirurgias reconstrutivas
complexas».
Esta "corrida" à tecnologia é
vista de forma positiva por
António Korrodi Ritto. «Todas as
formas inovadoras que ajudem no diagnóstico são bem
vindas», afirma. Contudo, há
um lado mais complicado de
resolver. «Os aparelhos são
muito caros e é incomportável
para uma clínica adquirir estes
sistemas».
Mesmo assim, António Korrodi Ritto considera que, «num
futuro próximo, estas novas tecnologias de imagem radiológica
irão ser um acréscimo para a
Ortodontia».
Nuno Braz de Oliveira vê
na inovação tecnológica «um
As tecnologias de informação
têm revolucionado várias áreas
científicas e médicas e a Medicina Dentária não é excepção.
«A Ortodontia é uma especialidade dinâmica», defende
Pedro Leitão, que indica que a
«passagem do 2D para o 3D está a permitir que todos os registos comecem a ser virtuais. Fotografias e radiografias virtuais já
são rotina nos consultórios e os
modelos virtuais em 3D estão
agora a começar a entrar no
mundo clínico».
O mesmo especialista revela
ainda que «a análise craniofacial
3D, como meio auxiliar de diagnóstico, ainda está na área experimental, sem grande aplicação clínica real, excepto nas
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são uma preciosa ajuda nos
casos mais complicados».
Mudanças
nos aparelhos
Os aparelhos dentários são
hoje muito mais discretos do
que os antigos, em que uma
faixa de metal com o bracket
rodeava o dente. Actualmente
os brackets podem ser coloridos
ou não, segundo as preferências
do paciente e são colados directamente sobre o dente, minimizando o seu impacto visual e
mecânico.
Os arames modernos resultam de tecnologias de ponta,
podendo exercer pressões suaves sobre os dentes, de forma a
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garantir que o processo de movimentação dentária é mais rápido e mais confortável. De acordo
com dados da American Association of Orthodontists, está a
ser testado um arame ortodôntico
claro, que pode vir a constituir
uma alternativa praticamente
"invisível" para os pacientes.
Os materiais que são utilizados, como por exemplo os arames, têm progredido de forma
acelerada nos últimos anos, com
a entrada no mercado do níquel-titânio, do cobre e do cobalto,
sendo que a última grande novidade é um composto desenvolvido pela NASA que permite a
sua activação através do calor,
originariamente usado para activar painéis solares que alimentam naves espaciais em órbita. Estas e outras descobertas
tecnológicas estão a contribuir
para a generalização de tratamentos ortodônticos e para a
sua melhor aceitação junto das
populações.
Para António Korrodi Ritto,
estas inovações «tornam o tratamento mais simples» para quem
"Dieta" para pacientes
ortodônticos:
●
●
●
●
São de evitar alimentos duros, como amêndoas e amendoins,
pipocas ou maçãs.
Antes de comer maçãs, cenouras, laranjas, etc..., deve cortar-se
o alimento em fatias ou esmagá-lo.
O consumo de alimentos doces e açucarados é contra-indicado.
Não se devem consumir pastilhas elásticas.
arcos «devem ser vistos como
mais um instrumento que o
clínico tem à sua disposição
para executar o plano de tratamento». Segundo Pedro Leitão,
«a técnica e a solução dependem do bom diagnóstico, da
formação técnico-científica do
clínico e da rigorosa execução
terapêutica».
deles necessita. Por exemplo,
em relação aos arcos, «antigamente os arcos de aço tornavam
necessário efectuar várias dobras no arame, para os tornar
mais flexíveis e permitir o alinhamento dentário. Com estes
novos materiais é possível, com
um arame recto, fazer sensivelmente a mesma coisa, evitando
maior desconforto para o paciente e facilitando a higiene».
Pedro Leitão defende que
«os arcos de níquel-titânio vieram facilitar muito a fase inicial
do tratamento ortodôntico».
Contudo, o mesmo especialista
adverte que «é um erro olhar
para estes novos materiais como
técnicas ou soluções terapêuticas» e afirma que os novos
Tratamento
computorizado
Falando sobre a evolução
da Ortodontia, o médico dentista Nuno Braz de Oliveira lembra como «há 20 anos, o meu
professor da faculdade, Fernando Peres, dizia que um dia
No final, depois de vários meses, o objectivo da terapia ortodôntica é a recuperação de um bonito sorriso
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haveríamos de dar aos nossos
doentes alguma substância que
tornasse os ossos plásticos, que
nos permitisse na hora colocar
os dentes na posição correcta
na arcada e, depois, com outra
medicação, reverter esse efeito
plástico do osso. Trata-se de
uma visão utópica, mas creio
que, dentro de 10 anos, vamos
obter um diagnóstico computorizado com um plano de tratamento fornecido pelo computador e, em seguida, a sequência
de aparelhos ideal».
Já Pedro Leitão prevê «aparelhos fixos mais discretos, com
o mesmo grau de eficácia dos
actuais. Acredito também que os
aparelhos baseados em goteiras
termomoldáveis se continuem a
aperfeiçoar, mas sem nunca se
tornarem alternativas completas
aos aparelhos fixos».
Uma visão bastante diferente tem António Korrodi Ritto.
Na sua opinião, no espaço de
uma década «várias escolas e
departamentos de Ortodontia
irão encerrar a nível mundial e,
dado que actualmente existem
aparelhos que são confeccionados individualmente e já preparados para fazerem por si só a
correcção praticamente completa, com arames já dobrados
em máquinas robot e com brackets com angulações individualizadas, vamos cair no exagero
de deixar quase a totalidade do
tratamento a cargo dos laboratórios especializados. Isso pode
criar a ilusão de que não é necessário ter conhecimentos para
fazer Ortodontia e isso, nos casos complicados, pode vir a dar
problemas aos ortodontistas, por
falta de diagnóstico correcto ou
plano de tratamento adequado».
Consensual é a ideia de que
os próximos anos podem ditar
grandes mudanças nesta área.
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