Estoicismo

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Estoicismo
Indiferença, renúncia e apatia estóica
Antonio Carlos Olivieri*
Da Página 3 Pedagogia & Comunicação
A frase que dá título a este artigo é de Sêneca (c. 2 a.C.-65 d.C.), um dos grandes expoentes da
escola filosófica do estoicismo. Ela sintetiza com bastante precisão a proposta fundamental
dos estóicos como se verá a seguir.
Em decorrência direta das conquistas de Alexandre, o Grande (356-323 a.C.), que difundiram a
cultura grega por todo o chamado mundo civilizado de sua época, a filosofia deixou de ser
grega e tornou-se internacional. Nesse momento, surgiu uma escola filosófica que iria
permanecer como uma linha organizada de pensamento durante nada menos que cinco
séculos: o estoicismo.
A escola estóica recebe esse nome do local onde foi fundada, a porta pintada ("Stoa Poikile"),
em Atenas, por Zenão de Cício, por volta de 300 a.C.. Zenão era fenício, como grande parte de
seus colegas e discípulos. Se estes constituíram os primeiros estóicos, os últimos foram os
romanos. Entre estes merece destaque especial Sêneca, não pela originalidade de suas idéias
mas pela sua capacidade de expressá-las, que o tornou um dos grande nomes não só da
filosofia, mas também da literatura latina.
Bem viver
Além de internacional, o estoicismo pregava o cosmopolitismo, considerando que o homem
devia ser um cidadão do mundo. Da mesma maneira, atingia todas as classes sociais. Entre os
grandes estóicos de Roma encontram-se o escravo Epicteto (55-135 d.C) e o imperador Marco
Aurélio (121-180 d.C.).
Mas em que consiste a filosofia estóica e por que ela conseguiu vigorar durante tanto tempo?
Em primeiro lugar, por que o estoicismo considerava que a ética e as questões morais, ou seja
"a arte de bem viver", eram mais importantes do que as questões teóricas. Nesse sentido, era
uma filosofia prática e os textos dos autores estóicos - guardadas as devidas proporções - se
assemelham aos textos de auto-ajuda contemporâneos, na medida em que propunham
maneiras de se atingir esse "bem viver".
Tudo tem um motivo
No entanto, esse "bem viver" dos estóicos está longe de ser uma busca insaciável de prazer,
como é o ideal das sociedades de consumo contemporâneas. Para o estóico, enquanto o
animal é guiado pelo instinto; o homem é guiado pela razão. O mundo que a razão apresenta
ao homem é a Natureza e não existe nada superior a ela. Deus, portanto, não está fora do
Natureza mas impregnado nela.
Uma vez que a Natureza é governada pela razão divina, tudo tem um motivo para ser e nós
não podemos mudar isso. Por conseguinte, nossa atitude diante das adversidades e da própria
morte deve ser de serena resignação. Assim, o ideal do estoicismo é atingir a ataraxia ou
apatia, ou seja, a indiferença em relação a todas as emoções, o que se alcança pela prática da
virtude.
Os estóicos suportavam as adversidades com calma e dignidade, mas também acreditavam
que as circunstâncias da vida de um homem podia se degradar a tal ponto (seja devido a uma
tragédia pessoal, à ruína e a subseqüente miséria, seja devido a uma doença dolorosa e
terminal), que um suicídio indolor se tornava a coisa mais racional a fazer.
Estoicismo e suicídio
De fato, muitos estóicos se suicidaram, entre eles o próprio Sêneca. É dele o trecho que
transcrevemos a seguir, Trata-se do fim da carta "Sobre a Providência Divina", em que ele dá
voz a um deus que se dirige aos seres humanos, ensinando-os e aconselhando-os:
Mas acontecem muitos sobressaltos tristes, horríveis, duros de se agüentar.
Como não podia afastar-vos deles, armei vossos espíritos contra todos: suportai bravamente.
Nisto vós estais à frente de um deus: ele está à margem do sofrimento dos males, vós, acima
do sofrimento.
Desprezai a pobreza: ninguém vive tão pobre quanto nasceu. Desprezai a dor: ou ela terá um
fim ou vos dará um. Desprezai a morte: a qual vos finda ou vos transfere. Desprezai o destino:
não dei a ele nenhuma lança com que ferisse o espírito.
Antes de tudo, tomei precauções para que ninguém vos retivesse contra a vontade; a porta
está aberta: se não quiserdes lutar, é lícito fugir. Por isso, de todas as coisas que desejei que
fossem inevitáveis para vós, nenhuma fiz mais fácil do que morrer.
Coloquei a vida num declive: basta um empurrãozinho. Prestai um pouco de atenção e vereis
como é breve e ligeiro o caminho que leva à liberdade.
[...]
A isso que se chama morrer, esse instante em que a alma se separa do corpo é breve demais
para que se possa perceber tão grande velocidade: ou o nó apertou a garganta, ou a água
impediu a respiração, ou a dureza do chão arrebentou os que caíram de cabeça, ou a sucção
de fogo interrompeu o respirar; seja o que for, voa. Por acaso enrubesceis?
Passa rápido o que temestes tanto tempo!”
Não no que se refere ao suicídio, é claro, mas no resignar-se a suportar as adversidades da
vida, o estoicismo influenciou diretamente a filosofia do cristianismo que floresceria na Idade
Média, com o fim do Império romano. Segundo o filósofo contemporâneo italiano Nicola
Abbagnano, "ao lado do aristotelismo, o estoicismo foi a doutrina que maior influência exerceu
na história do pensamento ocidental. Muitos dos fundamentos enunciados ainda integram
doutrinas modernas e contemporâneas".
* Antonio Carlos Olivieri é escritor, jornalista e diretor da Página 3 Pedagogia & Comunicação.
http://educacao.uol.com.br/filosofia/estoicismo-indiferenca-renuncia-e-apatia-estoica.jhtm
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