17 1 INTRODUÇÃO A fruticultura no Espírito Santo é uma das atividades agrícolas mais recentes quando comparada à pecuária e à cafeicultura. O setor ganhou destaque entre as atividades do Estado do Espírito Santo, apresentando grande ênfase no cenário econômico, tanto pela diversificação agrícola, como pela capacidade de produção (SILVA; COSTA, 2007). A maior disponibilidade e acessibilidade de novas tecnologias têm papel importante no aumento da produção de frutas dentro do Estado, não se restringindo apenas a grandes produtores rurais, mas abrangendo até mesmo praticantes da agricultura familiar. Assim, a utilização de novas tecnologias de produção tem possibilitado, entre outros aspectos, um aumento na exportação de frutos. Apesar dos avanços, a fruticultura capixaba ainda encontra diversos entraves para sua maior ampliação. Os problemas de fitossanidade destacam-se como ocasionadores de grandes perdas no setor. Um exemplo disso é a fusariose do abacaxizeiro, doença fúngica extremamente severa e limitante da produção no Estado. Em meados dos anos 70, o Estado do Espírito Santo apresentava a terceira maior produção de abacaxi do Brasil (ANUÁRIO ESTATÍSTICO DO BRASIL 1963-1976 apud VENTURA, 2006). Entretanto, no fim da década, a alta ocorrência da fusariose dizimou a produção capixaba do fruto. Houve desestímulo por parte dos produtores, que buscaram, então, culturas alternativas (VENTURA, 2006). Atualmente, o Espírito Santo é o oitavo maior produtor de abacaxi do país (AGRIANUAL, 2007), perdendo espaço para diversos estados brasileiros. O controle da fusariose do abacaxizeiro é realizado pela utilização de fungicidas, aumentando o custo de produção e riscos ambientais, além de que o fungo apresenta grande variabilidade, desenvolvendo assim resistência a fungicidas (VENTURA; ZAMBOLIM, 2002). Como alternativa eficaz, 18 economicamente viável e ecologicamente sustentável, o uso de variedades resistentes desponta como a melhor opção para o controle de doenças como a fusariose. Dessa forma, o Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (INCAPER) selecionou a partir do melhoramento genético clássico, a cultivar Vitória, que apresenta excelentes resultados quanto à resistência à fusariose, além de apresentar em condições de campo qualidades organolépticas iguais ou superiores às cultivares comercializadas atualmente (VENTURA et al., 2006). Uma agricultura sustentável, com a busca de mecanismos alternativos que levem a um controle natural dos microorganismos pelas plantas, sem os efeitos negativos dos agrotóxicos, tem sido o objetivo final de muitas pesquisas no mundo inteiro. Estudos dos mecanismos de defesa em plantas contra doenças vêm gerando grande quantidade de conhecimento, com aplicações que podem gerar resultados promissores em campo. Assim, variedades resistentes se firmam como uma boa alternativa para produtores e consumidores. O conhecimento das respostas de defesas em abacaxizeiro é importante para o suporte aos programas de melhoramento genético, o desenvolvimento de alternativas de manejo da fusariose e a produção de frutos de melhor qualidade para o mercado consumidor com menor custo para o produtor. No presente trabalho foram estabelecidos os mecanismos relacionados com a resistência da cultivar Vitória, através de análises histológicas, bioquímicas e microbiológicas em comparação com duas outras cultivares suscetíveis à fusariose (‘Pérola’ e ‘Smooth Cayenne’) visando assim, a caracterização das diferenças das respostas de defesa entre as três cultivares. 19 2 REVISÃO DE LITERATURA 2.1 O AGRONEGÓCIO NO BRASIL E NO ESPÍRITO SANTO O Brasil é um dos líderes mundiais na produção e exportação de vários produtos agropecuários, sendo o agronegócio responsável por 25,11% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional (CEPEA, 2007). O país apresenta destaque na produção e exportação de café, açúcar, álcool e sucos de frutas, além disso, tem grande expressão nas vendas externas de soja, carne bovina, carne de frango, tabaco, couro, dentre outros. As exportações do agronegócio no Brasil atingiram recorde no ano de 2007. Em relação ao ano de 2006, as exportações atingiram uma taxa de crescimento de 18,2%, totalizando um montante de US$ 58,4 bilhões, valor este que corresponde a 36,4% das exportações totais brasileiras no período (BRASIL, 2007). Assim, além de representar uma boa parcela do PIB brasileiro, o agronegócio é um dos maiores geradores de emprego e renda, não só no meio rural como no urbano. Este segmento é responsável ainda por boa parte do saldo positivo da balança comercial brasileira, demonstrando-se como um setor econômico de significativa importância para o país. No contexto nacional do agronegócio, o estado do Espírito Santo é responsável por 2,54 % das exportações. Em comparação com o ano de 2006, houve um acréscimo no valor exportado de 22,4%, ficando acima da média brasileira. Apesar de possuir cerca de 0,5% da área geográfica do país, o Estado ocupa o 10º lugar dentre os Estados exportadores de produtos do agronegócio. Para 82% dos municípios capixabas o agronegócio é a principal atividade econômica e o crescimento do setor no Estado está atingindo destaque nacional em diversas culturas agrícolas que demandam mão-de-obra manual e geram rendas em pequenas áreas (ESPÍRITO SANTO, 2005). 20 A fruticultura é a segunda atividade da agropecuária estadual, superada somente pela cafeicultura. Essa atividade ocupa uma área de 85 mil hectares, com uma produção anual estimada em 1,33 milhão de toneladas, proporcionando uma renda superior a R$ 550 milhões por ano e gerando cerca de 50 mil empregos diretos (SILVA; COSTA, 2007). Em nível nacional, o setor vem contribuindo com o aumento do superávit na balança comercial devido às exportações de frutas “in natura”, de polpas de frutas e de sucos prontos para beber. A atividade é responsável, também, pela diversificação agrícola de vários municípios, onde além de gerar renda e tributos, a fruticultura vem contribuindo diretamente para a redução do êxodo rural, devido ao aumento da oferta de emprego no campo. 2.2 ABACAXI 2.2.1 Produção A cultura tem uma produção mundial de aproximadamente dezesseis milhões de toneladas, ocupando lugar de destaque entre as principais culturas de frutas tropicais do comércio internacional. O Brasil, com uma produção de cerca de 1,5 milhões de toneladas/ano, caracteriza-se como primeiro produtor mundial de abacaxi (FAO, 2007). Os estados do Pará, Paraíba e Minas Gerais destacam-se como os maiores produtores do país, seguidos de produções mais modestas nos estados da Bahia, São Paulo e Rio de Janeiro (AGRIANUAL, 2007). No Espírito Santo a cultura começou a ganhar expressão na década de sessenta, atingindo a maior área plantada e a sua maior produção em 1975, quando foram colhidas 62.190 toneladas. Esse aumento evidente na produção de abacaxi capixaba fez com que o Estado ocupasse a 3ª posição na produção nacional, atrás apenas de Minas Gerais e Bahia, tendo participação de 12% da 21 produção nacional. Em 1973/1974, com o estabelecimento de indústrias alimentícias no estado houve grande estímulo para a expansão da cultura no Espírito Santo. Entretanto, problemas fitossanitários, principalmente a fusariose, contribuíram para paralisação dessas indústrias. Assim, houve um desestímulo generalizado com relação à cultura, trazendo sucessivas reduções da área cultivada e consequentemente da produção a partir de 1976 (VENTURA, 2006). Atualmente, o Estado tem uma produção de 87.898 toneladas, ocupando o modesto 8º lugar na produção brasileira (AGRIANUAL, 2007). Segundo dados de 2005 do Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (INCAPER), a produção de abacaxi no Espírito Santo concentra-se nos municípios litorâneos da região sul do estado do Espírito Santo, que compõem o Pólo de Abacaxi Sul, e na região norte, onde se encontra o Pólo de Abacaxi Norte, ainda em expansão (Figura 1). As principais cultivares plantadas são Pérola e Smooth Cayenne, numa área de cerca de 4.000 hectares. O consumo da fruta normalmente é in natura ou sob forma industrializada, como polpa ou sucos prontos para beber. Mais ainda, o mercado de plantas ornamentais está em franca expansão, destacando-se as variedades de abacaxi de interesse paisagístico. 22 Figura 1 – Estado do Espírito Santo: em destaque municípios produtores de abacaxi. Em cinza) Pólo de Abacaxi Norte; Em amarelo) Pólo de Abacaxi Sul. Fonte: Adaptado de INCAPER citado por PEREIRA, 2006. 23 2.2.2 Caracterização Botânica e Fisiologia da Planta O abacaxi cultivado (Ananas comosus (L., Merril) var. comosus Coppens d'Eckenbrugge & Leal, 2003) é uma monocotiledônea perene da Família Bromeliaceae. As folhas lanceoladas apresentam-se dispostas em espiral, formando uma densa roseta (Figura 2). A região basal das folhas (porção aclorofilada) é expandida e circunda o caule, cobrindo-o lateralmente (KRAUSS, 1948). O abacaxizeiro é extensivamente cultivado em áreas tropicais e subtropicais de ambos os hemisférios. Apresenta origem na América do Sul, onde apresenta grande variabilidade genética dentro da espécie (PY; LACOEUILHE; TEISON, 1984; LOISON-CABOT, 1992; FERREIRA et al., 1992). A classificação das folhas do abacaxizeiro já foi padronizada pela literatura de abacaxi (PY; LACOEUILHE; TEISON, 1984). O número total de folhas pode ser dividido em dois grupos, de acordo com o desenvolvimento e forma geral (Figura 2). As folhas mais velhas (A, B, C e D) são completamente desenvolvidas e apresentam forma lanceolada, enquanto a base é consideravelmente expandida. As folhas jovens (E e F) apresentam-se localizadas centralmente na roseta (Figura 2). A folha “D” apresenta-se como a mais jovem entre as folhas adultas e a mais ativa fisiologicamente entre todas as folhas, apresentando-se como folhas em fim de crescimento. Em geral, as folhas “D” formam um ângulo de 45º entre o nível do solo e um eixo imaginário que passa pelo centro da planta (PY; TISSEAU, 1969). A folha completamente desenvolvida do abacaxizeiro consiste em uma lâmina com uma parte clorofilada, sua porção principal e uma base não clorofilada expandida. As diferenças nas porções externas da folha também são notadas internamente, em que as regiões desiguais superficialmente também são caracterizadas pelas diferenças nas estruturas internas (KRAUSS, 1948). 24 Figura 2 - Distribuição das folhas do abacaxizeiro de acordo com a idade (A – mais velha, F – mais jovem). Fonte: Py; Lacoeuilhe; Teison (1984). As diferenças internas entre as duas regiões da folha – clorofilada e aclorofilada – são descritas como quantitativas (em volume dos diferentes tecidos), não estando sempre presentes e sem importância para a sistemática da planta. Outros autores afirmam que as diferenças estruturais entre a porção basal e apical da folha do abacaxizeiro apresentam importância fisiológica: a porção basal apresentaria função de raiz, enquanto a porção apical teria funções essenciais de folha (KRAUSS, 1948). No que se refere à anatomia foliar de A. comosus var. comosus (Figura 3), em condições de campo, são descritas estruturas anatômicas tais como: presença de ceras, tricomas, epiderme uniestratificada revestida por cutícula, com diâmetro maior perpendicular ao eixo da folha e presença de hipoderme (KRAUSS, 1948). Na face abaxial da epiderme, os estômatos encontram-se dispostos longitudinalmente em sulcos pequenos e paralelos (PY; LACOEUILHE; TEISON, 1984). O mesófilo apresenta tecido aqüífero logo abaixo da face adaxial da epiderme, parênquima clorofilado ou não, onde estão os feixes vasculares, cordões de fibras isolados e canais de aeração (BARBOZA et al., 2006). 25 x 200 x 200 x 650 c.u. chl. u.w . s.b. chl. s.c. D C B e. ws.t. A v.b. a.c. ch. s.a.c. m. ss.r. f.s. E p.c. c.a.c. G xy. F ss.c. fi. chl. ch. l.a.c. g.c. hy. phl. s.b. x 200 x 200 x 650 p. Figura 3 - Anatomia foliar do abacaxizeiro. Fonte: Krauss (1948). A- Representação esquemática da sessão transversal da folha: a.c. – canal aerífero; f.s. – fibra padrão; e. – epiderme; v.b. – feixe vascular; m. – mesófilo; ws.t. – tecido aqüífero; B- Epiderme superior: c.u.– cutícula; s.b. – corpos silicosos; u.w. – paredes ondulares; C- Canal Aerífero: c.a.c. – canal aerífero central; s.c. – célula estrelada; chl. – cloroplasto; D- Porção inferior do tecido de armazenamento de água: ch. – clorênquima; chl. – cloroplasto; p.c. – células paliçádicas de armazenamento de água; E- Feixe vascular (mesófilo sem cloroplastos): phl. – floema; xy. – xilema; F- Hipoderme e mesófilo (tricomas não mostrados): ch. – clorênquima; chl. – cloroplasto; fi. – fibras; hy. – hipoderme; G- Detalhe da epiderme inferior: ss.r. – canal subestomático; s.a.c. – canal aerífero secundário; l.a.c. – célula acessória lateral; g.c. – célula-guarda; ss.c. – câmara subestomática; s.b. – corpos silicosos; p. – poro. 26 Em termos de reprodução, A. comosus var. comosus é considerado autoincompatível (COPPENS D'ECKENBRUGGE; DUVAL; VAN MIEGROET, 1993). A propagação vegetativa é a forma dominante de reprodução (PY; LACOEUILHE; TEISON, 1984), sendo os plantios de abacaxi essencialmente originários de mudas de vários tipos, tais como coroa, filhote, rebentão (Figura 4) e mudas de cultura de tecidos ou de seccionamento do caule (REINHARDT; SOUZA, 2000). As sementes são dormentes e possuem endospermas impermeáveis, sendo usadas somente para programas de melhoramento (PY; LACOEUILHE; TEISON, 1984). Coroa Coroas múltiplas Muda do tipo Filhote Muda do tipo Filhote-rebentão Muda do tipo Rebentão Figura 4 - Aspecto geral da planta do abacaxizeiro: principais estruturas morfológicas e tipos de mudas convencionais do abacaxizeiro. Fonte: Adaptado de Bartholomew; Paull e Rohrbach (2003). 27 O abacaxizeiro apresenta fisiologia CAM (Metabolismo do Ácido das Crassuláceas), o que permite à espécie uma maior resistência a períodos secos provocada pela adaptação na fixação de carbono fotossintetizado. As plantas com metabolismo CAM possuem células com habilidade de fixar o carbono no escuro, havendo uma separação temporal entre a via C4 e o ciclo de Calvin. Assim, o CO2 é fixado à noite, quando os estômatos estão abertos. Nesse período o amido do cloroplasto é quebrado em fosfoenolpiruvato (PEP) até redução em malato, que é bombeado para o vacúolo e estocado como ácido málico. Durante o dia, o ácido málico é recuperado, produzindo CO2 (que entra no ciclo de Calvin e é fixado pela Rubisco) e piruvato (que é convertido em amido e outros açúcares). Assim os estômatos permanecem fechados durante o dia, o que previne a perda de água e do CO2 (TAIZ; ZEIGER, 2004). 2.2.3 Melhoramento do abacaxizeiro Apesar de serem extensivamente plantadas, as cultivares Pérola e Smooth Cayenne apresentam alta suscetibilidade à fusariose (CABRAL; MATOS; CUNHA, 1991; PY; LACOEUILHE; TEISON, 1984; VENTURA; MAFFIA; CHAVES, 1981), considerada a doença de maior importância econômica para a cultura no país. O uso de cultivares resistentes tem sido apontado como o método de controle de doenças mais eficiente e econômico, principalmente para culturas como o abacaxi, plantado normalmente por agricultores de baixa renda e de reduzido conhecimento tecnológico (VENTURA, 1994). O primeiro trabalho de melhoramento genético do abacaxizeiro foi desenvolvido na Flórida (EUA) com os objetivos de obter cultivares mais adaptados às condições locais e de melhorar a qualidade do fruto para exploração industrial. Posteriormente, programas semelhantes foram conduzidos na África do Sul, Austrália, Costa do Marfim, França, Havaí (EUA), Índia e Malásia. Nas últimas décadas, alguns programas também têm sido desenvolvidos no Brasil, Cuba, 28 Japão, Porto Rico e Venezuela (CABRAL, 1999). No Brasil, em 1984 foi iniciado o Programa de Melhoramento Genético do Abacaxizeiro, coordenado pela Embrapa Mandioca e Fruticultura Tropical, em Cruz das Almas- BA, com o objetivo principal de identificar fontes de resistência e obter híbridos resistentes à fusariose, além de mais produtivos e com qualidade de frutos para o mercado (VENTURA et al., 2006). Neste programa, utilizando como parental feminino a cv. Primavera (PRI) e parental masculino a cv. Smooth Cayenne (SC), foram gerados centenas de híbridos, que após avaliações preliminares em condições controladas resultaram na seleção de genótipos promissores, avaliados posteriormente em diferentes regiões produtoras. Destes, três híbridos provenientes da Embrapa Mandioca e Fruticultura Tropical foram introduzidos nas Fazendas Experimentais do Incaper, onde nos últimos 10 anos se realizou uma Seleção Recorrente Clonal no híbrido PRIxSC-08, originando o genótipo de acesso EC099, que deu origem à cultivar Vitória (Figura 5), lançada em novembro de 2006 (VENTURA et al., 2006). Para tanto, utilizou-se da metodologia de cruzamentos controlados entre o material conhecido e o que apresentava características a serem incorporadas à planta, realizando experimentos de hibridação entre as diversas cultivares, espécies e gêneros disponíveis. Os genótipos selecionados no ciclo de propagação sexual foram submetidos a várias avaliações clonais a fim de observar a estabilidade das características de tais genótipos (VENTURA et al., 2006). Os melhores genótipos foram multiplicados para avaliações posteriores, envolvendo maior número de plantas e vários ambientes. Nas avaliações realizadas em distintas regiões do Espírito Santo (municípios de Marataízes, João Neiva, Cachoeiro do Itapemirim e Sooretama), a nova cultivar destacouse dos demais genótipos, apresentando resistência à fusariose (VENTURA et al., 2006). 29 Figura 5 - Abacaxi ‘Vitória’ resistente à fusariose em campo. Fonte: Ventura et al. (2006). 2.2.3.1 A cultivar Vitória A cultivar Vitória apresenta características agronômicas semelhantes ou superiores em relação às cultivares Pérola e Smooth Cayenne, usadas como referência (Tabela 1). As plantas têm como vantagem a ausência de espinhos nas folhas, o que facilita os tratos culturais, sendo as recomendações técnicas de cultivo as mesmas atualmente em uso pelos produtores para a ‘Pérola’ e ‘Smooth Cayenne’. Possui praticamente o mesmo porte da ‘Pérola’ e plantas vigorosas. Apresenta bom perfilhamento, bom desenvolvimento e crescimento, produz frutos quando maduros de excelente qualidade para o mercado. Os frutos têm polpa branca, elevado teor de açúcares (média de 15,8 °Brix) e 30 excelente sabor nas análises químicas e sensoriais, sugerindo que suas características relativas à acidez são superiores às do abacaxi ‘Pérola’ e ‘Smooth Cayenne’, tendo ainda uma maior resistência ao transporte e em póscolheita, o que pode facilitar a sua adoção pelos produtores e ter a preferência dos consumidores (VENTURA et al., 2006). Tabela 1 - Principais características da cultivar Vitória, comparada com as cultivares Pérola e Smooth Cayenne, segundo média dos dados coletados no Espírito Santo, entre 2000 e 2006. Características Fusariose Tipo de folha (epinescência) Cor da folha Cultivares Vitória Pérola Resistente Sem espinhos Suscetível Smooth Cayenne Suscetível Espinhosa Parcial 92,8 10,48 4,2 1.557 1.427 131 12 Verde Escuro 93,4 9,58 7,4 1.473 1.309 164 11 Verde Escuro 86,6 10,26 3,7 1.773 1.543 230 13 Verde Claro Comprimento da folha "D" (cm) Largura da folha "D" (cm) Mudas do tipo filhote/planta (n°) Peso do fruto com coroa (g) Peso do fruto sem coroa (g) Peso da coroa (g) Diâmetro mediano do fruto (cm) Diâmetro do eixo central do fruto (cm) Forma do fruto 1,2 2,3 2,7 Cilíndrica Cilíndrica Cor da casca do fruto maduro Amarela Cor da polpa do fruto Sólidos solúveis totais (°Brix) Acidez titulável (AT em %) Branca 15,8 0,8 Cônica Verde Escuro Branca 13,2 0,5 Alaranjada Amarelada 14 0,7 Fonte: Ventura et al. (2006). Outras características favoráveis da cultivar Vitória são o formato cilíndrico dos frutos, casca cor amarela na maturação (Figura 6), pesando em torno de 1,5 Kg. Os frutos obtidos podem ser destinados ao mercado de consumo in natura e para a agroindústria, face às suas adequadas características sensoriais e físico-químicas (VENTURA et al., 2006). 31 A B C Figura 6 - Características anatômicas dos frutos de abacaxi das cultivares Vitória (A), Smooth Cayenne (B) e Pérola (C). Fonte: Ventura (2006). O abacaxi ‘Vitória’, por ser resistente à fusariose, dispensa a utilização de fungicidas para o controle da doença, possibilitando a redução nos custos de produção por hectare, referente à aquisição de fungicidas e de aplicação, além de reduzir também os riscos de impacto ambiental e aumentar a produtividade comparativamente em, no mínimo, 30% (VENTURA et al., 2006). Portanto, conclui-se que a cultivar ‘Vitória’ vem suprir a grande lacuna deixada pela ausência de uma cultivar resistente à fusariose, constituindo-se em uma alternativa economicamente viável para os produtores e consumidores de abacaxi. 2.3 DOENÇAS DO ABACAXI O abacaxizeiro é uma planta que pode ser afetada por várias doenças causadas por fungos, bactérias e vírus, além de anomalias de origem não parasitária. Devido à grande expansão da cultura no Brasil, muitos problemas fitopatológicos têm surgido, destacando-se as doenças fúngicas como a fusariose, a podridão-negra-das-mudas, doenças viróticas como a murcha do abacaxizeiro e pragas como a cochonilha e a broca do fruto. Muitas dessas 32 doenças são limitantes à produção da cultura, impedindo assim a obtenção de altos rendimentos. A maioria dos patógenos é levado para as lavouras pelas mudas infectadas, sendo a qualidade e fitossanidade destas fundamental para a prevenção ou redução das perdas, além de evitar a disseminação do patógeno para áreas ainda não afetadas (VENTURA; ZAMBOLIM, 2002). 2.3.1 Fusariose do abacaxizeiro A fusariose é normalmente considerada a doença de maior importância econômica para a cultura do abacaxizeiro no Brasil, com perdas estimadas em 30% a 40 % dos frutos e até 20 % das mudas. É conhecida também como resinose-fúngica, sendo relatada pela primeira vez em 1964 no Brasil por Kimati e Tokeshi, no estado de São Paulo (VENTURA; ZAMBOLIM, 2002). 2.3.1.1 Etiologia A etiologia da doença é associada ao fungo Fusarium subglutinans (Wollenweber & Reinking) Nelson, Toussoun & Marasas f. sp. ananas Ventura, Zambolim & Gilbertson (Sinônimo: Fusarium guttiforme), que tem especificidade para o abacaxizeiro, por isso denominado como uma forma especial (VENTURA, 1994). Anteriormente ao trabalho de Ventura (1994) a espécie Fusarium subglutinans (Wollenweber & Reinking) Nelson, Toussoun & Marasas era relatada como patógeno de diferentes hospedeiros como abacaxi, pinus, milho, cana-deaçúcar, dracena, dentre outros, causando então a fusariose do abacaxizeiro e de outras culturas. 33 Em 1998 alguns isolados do fungo foram avaliados filogeneticamente e descritos como uma nova espécie, F. guttiforme Nirenberg e O´Donnell, sendo sinônimo de F. subglutinans f. sp. ananas. No entanto, os caracteres morfológicos descritos parecem não ser suficientes para distinguir este táxon de outros isolados de F. subglutinans, separando-os apenas pela patogenicidade nos seus hospedeiros, o que não justifica a separação do fungo em uma nova espécie biológica (VENTURA; ZAMBOLIM, 2002). 2.3.1.2 Distribuição Geográfica Após o primeiro relato da doença em 1964 no estado de São Paulo Robbs; Amaral e Dianese (1965) descreveram a doença também nos estados do Rio de Janeiro e de Minas Gerais, acreditando que esta tenha sido introduzida no país por ocasião da importação de mudas de abacaxi da Argentina e Uruguai (VENTURA, 1994). Atualmente a doença está presente em todas as regiões produtoras do país. Em 1991 foi identificada a presença do patógeno em mudas e frutos do abacaxi da cv. Red Spanish provenientes da Bolívia (MATOS et al., 1991 apud VENTURA, 1994). Pesquisadores de Cuba relataram a ocorrência de podridão de frutos de abacaxi associada a F. subglutinans, existindo também a suspeita de que a doença já esteja presente na Venezuela (VENTURA; ZAMBOLIM, 2002). Portanto, não existiriam relatos da ocorrência da fusariose em outros países tradicionalmente produtores de abacaxi além do Brasil, havendo registros apenas em países como Argentina, Bolívia, Venezuela, Cuba e no Uruguai (VENTURA, 1994). Apesar disso, a fusariose constitui-se em séria ameaça à abacaxicultura mundial tendo em vista a suscetibilidade à esta doença manifestada pelas cultivares de abacaxi que apresentam participação expressiva na produção dessa cultura no mundo. 34 2.3.1.3 Sintomas Os prejuízos devidos à fusariose são decorrentes da infecção e morte de mudas, morte de plantas durante o desenvolvimento vegetativo e podridão dos frutos, que perdem seu valor comercial. O sintoma mais evidente da doença é a exsudação de goma em frutos (Figura 7), podendo se manifestar em todos os estágios de desenvolvimento vegetativo da planta, com diferentes sintomas (PISSARRA; CHAVES; VENTURA, 1979). Figura 7 - Abacaxizeiro da cv. Smooth Cayenne em campo com frutos demonstrando sintomas característicos da fusariose. Fonte: Ventura et al. (2006). 35 O patógeno é capaz de infectar praticamente toda a planta, colonizando desde a região das inserções foliares até os frutos e, principalmente, as mudas. Na fase adulta, as lesões restringem-se à parte basal, acompanhadas de podridão gomosa, enquanto que, em mudas, a exsudação gomosa é sempre menos pronunciada. Plantas com sintomas de fusariose durante a fase de desenvolvimento podem apresentar alteração na roseta foliar, encurtamento do talo, morte do ápice, enfezamento e clorose (PISSARRA; CHAVES; VENTURA, 1979). Entretanto, nos estádios iniciais os sintomas são quase imperceptíveis, levando os agricultores sem conhecimento a utilizar nos plantios material propagativo doente (VENTURA, 1994). Durante o ciclo da cultura, o período crítico para infecção ocorre após indução floral até o final da antese, tendo como principal sítio de infecção as flores (VENTURA; MAFFIA; CHAVES, 1981). Os conídios, que podem ser transportados pelo vento, por respingos de chuva ou por insetos, quando se depositam na roseta foliar podem provocar a infecção da inflorescência ainda na fase inicial de desenvolvimento (VENTURA; MAFFIA; CHAVES, 1981; VENTURA, 1994). A infecção pode também ocorrer por meio de ferimentos localizados na base das folhas, já que a penetração direta não é uma característica deste fungo. 2.4 MECANISMOS DE DEFESA EM PLANTAS Apesar de não possuírem sistema imunológico como os animais, as plantas apresentam uma série de mecanismos que as tornam resistentes a doenças e pragas. Saber como os vegetais se protegem é essencial para obter cultivares resistentes, o que pode aumentar a produção e a qualidade dos alimentos. Dessa forma, grupos de pesquisa de todo o mundo buscam definir o papel de cada substância participante dos processos bioquímicos de defesa das plantas (RODRIGUES; LINDSEY; FERNANDES, 2006). 36 A resistência de plantas a organismos causadores de doenças é baseada em mecanismos constitutivos (pré-formados) e induzidos (pós-formados). Os mecanismos pré-formados estão presentes em plantas sadias (OSBOURN, 1996a), ainda sem contato com o fitopatógeno. Tratam-se de compostos préexistentes ou que possuem precursores inativos, que em resposta ao estresse, ou ao ataque de patógenos, são rapidamente ativados (VAN ETTEN et al., 1994). Os mecanismos induzidos de defesa envolvem a ativação de mecanismos de resistência latentes em resposta ao contato com agentes bióticos ou abióticos, representando assim, uma resposta ativa das células do hospedeiro após o reconhecimento do(s) invasor(es) ou elicitor(es) (SIEGRIST; OROBER; BUCHENAUER, 2000). Os mecanismos constitutivos e induzidos podem ser divididos em mecanismos bioquímicos e estruturais, os quais podem ou não estar vinculados um ao outro. Pode-se afirmar que, separadamente, os mecanismos estruturais e bioquímicos explicam apenas alguns dos casos de resistência, enquanto integradamente podem explicar a imunidade das plantas diante de milhares de espécies de microorganismos livres com potencial para infectar e colonizar a matéria vegetal (MEDEIROS; FERREIRA; DIANESE, 2003). 2.4.1 Defesa bioquímica As plantas produzem uma série de compostos químicos importantes para sua sobrevivência e reprodução: os metabólitos secundários. Com atividades comprovadamente relacionadas à defesa contra patógenos e herbívoros (BENNETT; WALLSGROVE, 1994), estes compostos apresentam importância primária no vegetal, tendo ainda funções na polinização, dispersão de sementes (POIATTI, 2007), proteção contra radiação ultravioleta, bem como na competição planta-planta (TAIZ; ZEIGER, 2004). O termo fitoanticipinas foi proposto para distinguir os compostos antimicrobianos pré-formados das fitoalexinas (VAN ETTEN et al., 1994), as 37 quais são sintetizadas após o contato com o patógeno ou elicitor, provavelmente após a síntese de novo de enzimas (OSBOURN, 1996a). Uma das primeiras barreiras bioquímicas existentes na planta são as fitoanticipinas, caracterizando-se como compostos antibióticos que em muito inibem a colonização dos tecidos vegetais por invasores. 2.4.1.1 Defesa bioquímica constitutiva As plantas produzem uma gama de metabólitos secundários na ausência de patógenos, muitos deles com ação antibiótica e antifúngica. Alguns deles estão presentes na planta sadia, enquanto outros possuem precursores inativos que são rapidamente ativados em resposta ao ataque por microorganismos ou herbívoros (STOESSL, 1985). Em geral, após a destruição da membrana celular ou parede celular, enzimas são liberadas e participam da ativação de compostos pré-formados (RAO, 1995). Os compostos bioquímicos pré-formados apresentam frequentemente, distribuição tecido-específica, com a tendência de acumularem-se em camadas celulares mais externas, podendo assim agir como inibidores, funcionando como uma barreira bioquímica primária para patógenos e herbívoros. Alguns destes compostos com capacidade de difusão pelos tecidos poderiam inibir o crescimento do patógeno ainda na superfície das folhas, entretanto, a grande maioria é armazenada em vacúolos e organelas de plantas sadias (OSBOURN, 1996a). A natureza e a quantidade de inibidores pré-formados aos quais um patógeno é potencialmente exposto variam de acordo com o dano causado no tecido vegetal, genótipo, idade do hospedeiro e condições ambientais (DAVIS, 1991). Compostos pré-formados podem apresentar atividade contra uma grande diversidade de patógenos, exercendo provavelmente um papel crucial na resistência de plantas não-hospedeiras (HEATH, 1980; NIKS, 1987). 38 Patógenos capazes de minimizar os efeitos destes compostos em sua fisiologia poderiam, então, estabelecer a doença em seus hospedeiros (CALLOW, 1983). Uma enorme variedade de compostos secundários derivados do ácido chiquímico (Figura 8) e aminoácidos aromáticos apresentam importante papel na defesa de plantas. Glicosídeos cianogênicos, glicosinolatos, alcalóides, fenóis, fitoalexinas, ácido salícilico, metiljasmonatos (BENNETT; WALLSGROVE, 1994), lactonas insaturadas, compostos sulfúricos e saponinas (FRY; MYERS, 1981; MANSFIELD, 1983; KUĆ, 1992; BENNETT; WALLSGROVE, 1994; GRAYER; HARBORNE, 1994; OSBOURN, 1996b) são alguns dos metabólitos vegetais com ação antimicrobiana que funcionam como componentes chaves dos mecanismos de defesa. Fosfoenol Piruvato + Eritrose 4-Fosfato Deoxi-arabino heptulosonato-7-fosfato 3-Dehidroquinato 3-Dehidrochiquimato Ácido chiquímico Chiquimato 3-fosfato 5-Enolpiruvoil Chiquimato 3-Fosfato p-Amino Benzoato Corismato Tyr Phe p-Hydroxi Benzoato Trp Figura 8 - Via do ácido chiquímico ou chiquimato e a geração de aminoácidos aromáticos que são utilizados na síntese de compostos secundários de defesa. Os aminoácidos aromáticos, principalmente a fenilalanina e tirosina, produzidos no final da via são precursores para a síntese de diversos compostos envolvidos com a defesa vegetal, inclusive os compostos fenólicos, na via dos fenilpropanóides. Fonte: Adaptado de Herrmann (1995). 39 Muitos compostos fenólicos, taninos e dienos têm sido apontados como os responsáveis pela resistência de tecidos vegetais jovens a determinados patógenos, sendo potentes inibidores de muitas enzimas hidrolíticas de fitopatógenos. Outros tipos de compostos antimicrobianos apresentam, além da atividade antimicrobiana através da lise da membrana do patógeno, potencial para eliminar o patógeno do local de infecção (AGRIOS, 2005). Os fenóis são um grupo estruturalmente diverso de metabólitos secundários (WONG, 1973), que inclui compostos formados a partir da condensação de unidades de acetato, por modificações de aminoácidos aromáticos, flavonóides, isoflavonóides e taninos. Derivados do ácido chiquímico (Figura 8), existe uma ampla gama de compostos fenólicos constitutivos com ação na resistência contra fungos, bactérias e nematóides, entretanto, com ação circunstancial (KUĆ, 1990). Os compostos fenólicos frequentemente apresentam-se solúveis em água, visto que, na célula vegetal ocorrem mais frequentemente dentro do vacúolo na forma conjugada, principalmente com resíduos de açúcares ligados por um ou mais grupos hidroxila fenólicos ou como ésteres conjugados (HARBORNE, 1998). Geralmente, os fenóis livres e os fenóis ácidos são considerados únicos, já que são normalmente identificados juntos nas análises químicas em plantas (DE ASCENSAO; DUBERY, 2003). A hidrólise ácida ou alcalina dos extratos vegetais libera um grande número de ácidos fenólicos éter-solúvel que ou são associados com lignina combinada como grupos éster ou apresentam-se na fração solúvel, ligados a álcoois como simples glicosídeos (HARBORNE, 1991). Evidências acumuladas ao longo dos anos sugerem que a esterificação de fenóis a materiais da parede celular é um tema muito comum na expressão da resistência (FRY, 1987) e a presença de compostos fenólicos nas paredes celulares dos hospedeiros é associada à resistência a enzimas fúngicas, além de apresentarem função de barreira física contra a penetração fúngica (DE ASCENSAO; DUBERY, 2003). Ácidos fenilpropanóicos esterificados na parede celular vegetal fenilpropanóicos (MATERN; KNEUSEL, 1988) e ligação de ésteres na parede, têm sugerido a formação de polímeros 40 semelhantes à lignina pela ligação daqueles à matriz de polissacarídeos (LEWIS; YAMAMOTO, 1990). Assim, fenóis na parede celular primária funcionariam como um molde para deposição adicional de lignina, sendo então a esterificação e a lignificação considerados processos contínuos e integrados (DE ASCENSAO; DUBERY, 2003). Além dos compostos de baixo peso molecular, moléculas mais complexas como proteínas também estão presentes constitutivamente em plantas com funções de defesa. Várias classes de proteínas pré-formadas têm sido relatadas como inibidoras de proteinases do patógeno, ou mesmo de enzimas hidrolíticas envolvidas na degradação da parede celular, para inativar os ribossomos exógenos ou para aumentar a permeabilidade da membrana plasmática dos fungos (AGRIOS, 2005). Muitos genes de plantas são ativados em momentos específicos do desenvolvimento reprodutivo e vegetativo das plantas. Dois momentos do ciclo de vida de plantas associados com a reprodução apresentam uma ampla gama de proteínas tóxicas (BOWLES, 1990). Sementes e tubérculos apresentam mecanismos para resistirem às condições adversas, dentre os quais se destacam proteínas relacionadas à defesa que restringem o desenvolvimento de patógenos e herbívoros. Muitas plantas apresentam um grupo de proteínas de baixo peso molecular chamadas fitocistatinas que inibem cisteíno-proteases transportadas pelo sistema digestivo de nematóides e algumas vezes secretadas por fungos fitopatogênicos. Presentes constitutivamente ou induzidas por transgenia, as fitocistatinas promovem a redução das lesões causadas por nematóides. Além das fitocistatinas, as lectinas, um grupo de proteínas que se ligam especificamente a determinados açúcares, causam lise e inibição do crescimento de muitos fungos. Células da superfície das plantas também contêm quantidades variáveis de enzimas hidrolíticas, algumas das quais, como glucanases e quitinases, podem causar quebra de componentes da parede celular dos patógenos, contribuindo assim para a resistência à infecção (AGRIOS, 2005). 41 2.4.1.2 Defesa bioquímica induzida As plantas, ao longo de seu processo evolucionário, desenvolveram um sistema de defesa latente, o qual pode ser ativado de acordo com as necessidades do vegetal, enquanto a defesa constitutiva representa um gasto, muitas vezes desnecessário, para a planta (POIATTI, 2007). Esta transloca produtos energéticos de seu metabolismo para a produção de fatores de defesa, mesmo na ausência de patógenos (DI PIERO; KUHN; PASCHOLATI, 2005). O contato entre o patógeno e seu potencial hospedeiro desencadeia na planta uma série de reações de biossíntese, capazes de produzir então compostos tóxicos ao invasor. Entretanto, esses compostos devem ser produzidos rapidamente, próximos ao ponto de infecção e, em concentrações suficientes para inibir o crescimento do patógeno (SEQUEIRA, 1983). Fitoalexinas são moléculas com atividade antimicrobiana, de baixo peso molecular, produzidos após a infecção por fitopatógenos ou induzidos por agentes abióticos (KUĆ, 1997). Apresentam estruturas químicas diversas, incluindo derivados dos fenilpropanóides, flavonóides e isoflavonóides, podendo existir ainda fitoalexinas inorgânicas como o enxofre elementar (S8) (COOPER et al., 1996). Encontradas em cerca de 30 famílias botânicas, as fitoalexinas foram isoladas de diferentes partes de plantas como hastes, raízes, folhas, tubérculos e frutos (MEDEIROS; FERREIRA; DIANESE, 2003). A importância das fitoalexinas na resistência de uma espécie ou cultivar depende da taxa em que são sintetizadas, velocidade com as quais são degradadas pela planta ou microorganismo e sua toxicidade para o microorganismo (KUĆ, 1997). O balanço entre síntese e degradação será, então, o nível de fitoalexina presente no tecido (MEDEIROS; FERREIRA; DIANESE, 2003), sendo caracterizadamente importante na resistência vegetal como uma barreira química (KUĆ, 1995). 42 A síntese de fitoalexinas pode ocorrer a partir de vias bioquímicas secundárias como a do acetato-mevalonato, acetato-malonato e ácido chiquímico. A síntese e acumulação de maneira rápida e eficiente são associadas com a resistência de determinadas plantas a fungos e bactérias, entretanto, a informação genética para a síntese de fitoalexinas á encontrada em cultivares resistentes e suscetíveis (KUĆ, 1995). Nas interações com fungos, a velocidade e a duração da biossíntese de novo de fenóis são mais importantes para a resistência do que as concentrações constitutivas destes compostos. Os modos de ação destes produtos parecem se restringir a dois: (1) efeitos tóxicos diretos sobre o fungo (fitoalexinas e radicais livres formados a partir de precursores da lignina) e (2) deposição rápida e ativa de barreiras estruturais como a lignina (BENNETT; WALLSGROVE, 1994). A importância dos compostos fenólicos na inibição do crescimento de várias espécies do gênero Fusarium tem sido relatada em pesquisas científicas (MCKEEHEN; BUSCH; FULCHER, 1999; MODAFAR et al.; 2000; DE ASCENSAO; DUBERY, 2003; SANTIAGO et al., 2007) em que tecidos inoculados são testados quanto à presença ou ausência de compostos fenólicos e sua correlação com a resistência ou suscetibilidade de cultivares agrícolas. Assim, após o tratamento com o elicitor há um rápido aumento na síntese de fenóis totais de baixo peso molecular, aumentando também várias subfrações de fenóis livres, fenóis ligados à parede celular e ligados à glicosídeos (DE ASCENSAO; DUBERY, 2003). O papel dos fenóis na resistência vegetal contra fungos ocorre de maneira mais dinâmica quando comparado ao papel contra insetos (BENNETT; WALLSGROVE, 1994). Estruturas e barreiras distintas são formadas em resposta à infecção pelo hospedeiro, que é exposto ao patógeno em uma longa e íntima relação. A formação da lignina e de seus intermediários bioquímicos tem relação íntima com o mecanismo de defesa contra fungos (VANCE; KIRK; SHERWOOD, 1980; AIST, 1983). Assim, há uma forte correlação entre a indução rápida da enzima fenilalanina amônia liase e outros tipos de enzimas envolvidas na síntese de fenilpropanóides (incluindo cinamato álcool 43 desidrogenase e peroxidases, responsáveis pela síntese de precursores de fenilpropanóides e lignina) e a resistência contra fungos (SOUTHERTON; DEVERALL, 1990). Portanto, alterações bioquímicas na via dos fenilpropanóides (Figura 9), responsável pela síntese de precursores de compostos fenólicos e lignina, seriam importantes para a resistência de plantas, já que a maioria desses compostos é tóxica para as células dos patógenos. Fenilalanina Ácido Salicílico Ácido Benzóico Cinamato p-cumarato 5-OH ferulato Sinapato Lignina 4-cumaroil-Coa Isoflavonas Ferulato Ácido caféico 3-malonil-Coa Naringerina chalcona Isoflavanonas 5’-OH Eriodictiol Naringerina Flavonas Eriodictiol Dihidromiricetina Dihidrocaempferol Dihidroquercetina Leucodelfinidina Leucopelargonidina Leucocianidina Delfinidina Delfinidina-3 glicósido Pelargonidina Flavonóis Flavana 3-ols epicatequina Cianidina Pelargonidina-3 Cianidina-3 glicósido glicósido Taninos Proantocianidinas Antocianinas Figura 9 - Via dos fenilpropanóides em plantas. A fenilalalina proveniente da via do ácido chiquímico é o composto precursor para a síntese de diversos compostos envolvidos com a defesa vegetal, inclusive os compostos fenólicos e lignina. Fonte: Adaptado de Zabala et al. (2006). As cultivares resistentes em geral expressam níveis muito mais altos de compostos fenólicos e enzimas oxidativas como peroxidases e polifenoloxidases e, isto pode criar um ambiente tóxico em torno do tecido afetado, formando radicais livres derivados de fenilpropanóides reativos, além 44 de moléculas substrato para posterior lignificação (BENNETT; WALLSGROVE, 1994). Outra resposta da planta à agressão do patógeno é o acúmulo de proteínas relacionadas à patogênese (PRPs) (KUĆ, 1997). Tais proteínas são sintetizadas em resposta a agentes patogênicos como vírus, bactérias, fungos, estresses abióticos, como por exemplo, ferimentos e também em resposta a elicitores. Todas as proteínas cuja expressão é ativada após o dano ao tecido vegetal têm sido consideradas PRPs, levando-se em conta tratar-se de um dos eventos bioquímicos mais frequentemente observados em diversos patossistemas (STINTZI; HEITZ; PRASAD, 1993). Assim, em algumas plantas, o surgimento da resistência está ligado à expressão coordenada de uma classe de genes que codificam proteínas de defesa. Estas podem inibir diretamente o patógeno ou levar a alterações estruturais - um exemplo é o espessamento da parede celular, que além de dificultar a entrada do agressor também limita as trocas entre este e a planta (MARGIS-PINHEIRO et al., 1999). As PRPs são classificadas em diferentes famílias segundo suas seqüências de aminoácidos, peso molecular, função biológica e relação sorológica. Apresentam-se como proteínas solúveis, produzidas principalmente no local da agressão, podendo também ser posteriormente acumuladas em diferentes porções da planta (MEDEIROS; FERREIRA; DIANESE, 2003). Algumas das PRPs tem função enzimática, como quitinases e glucanases, que apresentam capacidade de degradar a parede celular de fungos (SELA-BUURLAGE et al., 1993), funcionando assim como enzimas hidrolíticas. Outros grupos de PRPs apresentam atividade de inibidoras de enzimas patogênicas, como proteases e ribonucleases. Ataques de patógenos e ferimentos levam ainda à produção de outros componentes da parede celular vegetal, como proteínas ricas nos aminoácidos hidroxiprolina (HRGP) e glicina (GRP). As proteínas HRGP acumulam-se em muitas plantas em resposta tanto a fungos quanto a bactérias e vírus, alterando a estrutura das paredes celulares para criar uma barreira física à invasão do patógeno (MARGIS-PINHEIRO et al., 1999). A resposta de hipersensibilidade (Figura 10) em plantas é também considerada como um mecanismo de defesa à invasão do patógeno ao tecido vegetal. 45 Caracteristicamente de ocorrência em interações incompatíveis, as respostas de hipersensibilidade ocorrem de maneira rápida e localizada nos tecidos (KUĆ, 1997), ocorrendo expressão de genes de resistência, produção de espécies reativas de oxigênio (ROS), síntese de compostos antimicrobianos e PRPs, perda de íons potássio, ganho de íons hidrogênio, destruição de compartimentos celulares e espessamento das paredes celulares por meio da deposição de lignina e morte celular. Patógeno Produto do gene de resistência Célula vegetal Figura 10 - Esquema da resposta de hipersensibilidade. A resposta de hipersensibilidade (HR) é disparada pelo reconhecimento de um elicitor derivado do patógeno por um produto gênico de resistência da planta. O poderoso sistema de defesa que é ativado constitui a resposta de hipersensibilidade que inibe o avanço do patógeno na célula vegetal. Fonte: Adaptado de Stuiver e Custers (2001). Por meio da morte das células localizadas ao redor do sítio de penetração, o acesso às células vizinhas é restrito, limitando o avanço do patógeno no tecido. Adicionalmente, a morte celular programada ocorrente na resposta de hipersensibilidade tem também a função de remover células infectadas, assim como células danificadas e indesejadas do organismo atacado (KERR; WYLLIE; CURRIE, 1972). A morte celular das células vegetais no local de infecção do patógeno pode constituir-se em uma situação nociva para os patógenos biotróficos, que necessitam da célula viva do hospedeiro para seu desenvolvimento e obtenção de nutrientes. No caso do F. subglutinans f. sp. 46 ananas, um fungo necrotrófico, a morte celular vegetal pode constituir-se um evento prejudicial, já que, com a lise celular uma série de compostos pré e pósformados, tóxicos ao fungo como por exemplo fitoalexinas, PRPs e compostos oxidativos são liberados. A resistência de uma série de variedades vegetais a determinados patógenos têm sido correlacionada à resposta hipersensitiva (GUZZO, 2004). A produção de espécies reativas de oxigênio (ROS) tem sido caracterizada como mecanismo essencial para sinalização das respostas de defesa pósformadas, apresentando papel central em vias de sinalização durante a percepção de estresses. Assim, as ROS foram demonstradas recentemente como mecanismo base das mudanças bioquímicas e fisiológicas que ocorrem em condições de estresse ambiental, as quais, por conseqüência medeiam a resistência de plantas a doenças causadas por fatores bióticos (KOTCHONI; GACHOMO, 2006). As ROS são moléculas tóxicas produzidas durante o metabolismo celular normal das plantas. Entretanto, quando sujeitas aos diversos tipos de estresses abióticos e bióticos, a quantidade de ROS produzida é muito grande, e, esse acúmulo excessivo dessas moléculas necessita do acionamento de mecanismos de defesa adicionais (SOUZA, 2007). Ao menos que essas moléculas sejam metabolizadas rapidamente no tecido vegetal, elas danificam componentes celulares vegetais, conduzindo à morte celular ou ao aparecimento de lesões necróticas (FOYER; NOCTOR, 2005). 2.4.2 Defesa Estrutural Os mecanismos estruturais de defesa de plantas funcionam como barreiras físicas aos patógenos, impedindo a infecção e colonização dos tecidos vegetais. Tais propriedades estruturas são portadoras de estabilidade físicas capazes de evitar a adesão química e e penetração de microorganismos (MEDEIROS; FERREIRA; DIANESE, 2003). 47 2.4.2.1 Defesa Estrutural Constitutiva Algumas defesas estruturais da planta estão presentes mesmo antes do contato da planta com o patógeno. A primeira barreira a ser transposta por todos fitopatógenos é a epiderme da planta. Para que um microorganismo obtenha os nutrientes presentes no interior das células vegetais, inicialmente é necessário adentrar os tecidos vegetais, saindo do ambiente externo, transpondo a epiderme vegetal e chegando até o interior dos tecidos. A epiderme é composta por uma ou mais camada de células e, externamente, uma rede lipídica, apresentando função estrutural primordial na defesa das plantas. Essas estruturas associadas agem como barreira limitando a invasão por patógenos, como fungos e bactérias. A cutina é uma macromolécula formada por ácidos graxos de cadeia longa ligados por ligações ésteres. Constituindo uma rede tridimensional rígida, a cutina é o principal constituinte da cutícula, uma estrutura secretada, pluriestratificada, que cobre as paredes celulares externas das células da epiderme das partes aéreas de plantas (TAIZ; ZEIGER, 2004). A cutícula é formada por uma cobertura de substâncias cerosas, uma camada intermediária contendo cutina e cera e uma camada mais interna de cutina e ceras combinadas com sustâncias glicídicas da parede celular, tais como pectinas, celulose e outros carboidratos (Figura 11). Desta forma, sendo formada em grande parte por substâncias hidrofóbicas, a cutícula inibe a formação de um filme de água na superfície das células, prevenindo o estabelecimento de microorganismos na superfície das plantas (BELL, 1981). As ceras são compostos altamente hidrofóbicos compostos por acil lipídios de cadeia longa. A resistência de certos genótipos de plantas está associada à espessura da camada cerosa da planta, como por exemplo genótipos de milho resistentes à infecção por Aspergillus flavus têm camada cerosa mais espessa (RUSSIN et al., 1997). Os grãos de milho mais resistentes à infecção por Aspergillus flavus apresentam, quando armazenados, menores níveis de aflatoxinas, devido à camada mais espessa de ceras. 48 Epiderme adaxial Epiderme abaxial Tricoma Estômato Figura 11 - Esquema da estrutura da epiderme e cutícula das folhas de plantas: EW – ceras epicuticulares; C – cutícula propriamente dita, na qual moléculas de cutina são embebidas com ceras intracuticulares; CL – camada cuticular, que apresenta cutina e polissacarídeos da parede da célula adjacente, podendo conter ceras intracuticulares; PW - parede celular primária; Cy – citoplasma; V – vacúolo; ML - lamela média e camada pectinácea; PM – membrana plasmática. Fonte: Adaptado de Pollard et al. (2008). Outra molécula importante de revetimento é a suberina, um polímero, assim como a cutina, formado por ácidos graxos hidroxi e epoxi unidos por ligações ésteres, apresentando ainda ácidos dicarboxílicos, além de uma significativa proporção de compostos fenólicos. Apresenta-se como o principal constituinte da periderme, se formando também em áreas de abscisão foliar e em ferimentos cicatrizados (TAIZ; ZEIGER, 2004). Outra barreira física muito eficiente nas células vegetais é a parede celular. As células vegetais apresentam parede celular externamente à membrana plasmática. Essa barreira física separa os agentes patogênicos dos produtos do metabolismo vegetal, que ficam restritos, em grande parte, nas células vegetais (HÜCKELHOVEN, 2007). A parede celular vegetal desempenha uma série de importantes funções no metabolismo vegetal. Funcionando como uma matriz elaborada, que circunda cada célula vegetal, a parede celular apresenta funções específicas como manutenção da forma da célula, resistência 49 mecânica, proteção contra microorganismos, sustentação, controle da expansão celular, armazenamento de material de reserva, participação no reconhecimento entre células e sinalização, além de apresentar efeitos sobre o transporte intercelular e sobre o potencial de água da célula (SOUZA, 2007). A parede primária é uma fina camada produzida a partir da divisão celular, sendo composta basicamente por celulose, hemicelulose e proteínas. Sua arquitetura precisamente regulada e extraordinária complexidade estrutural desempenham papéis importantes na tarefa de defesa das plantas contra microorganismos invasores. A presença de uma malha composta por uma série de carboidratos complexos e glicoproteínas faz da parede celular uma barreira física muito eficaz, impedindo a penetração de microorganismos no interior das células do hospedeiro (TAIZ; ZEIGER, 2004). As paredes celulares dos tecidos invadidos por patógenos variam em espessura e resistência e, devido a essas características, podem algumas vezes inibir o avanço do patógeno. A presença, em particular de vasos ou áreas extendidas de células esclerenquimáticas, podem parar ou inibir a colonização por parte do patógeno nos tecidos vegetais (AGRIOS, 2005). Assim, tecidos em que as células apresentem paredes celulares espessadas podem inibir o avanço do patógeno na planta. As proteínas presentes nas paredes celulares também apresentam uma grande importância na defesa estrutural de plantas. Proteínas estruturais são moléculas extremamente importantes para os processos de síntese de tiloses e géis e moléculas de lignina sintetizadas e ligadas a proteínas da parede celular são mais resistentes à hidrólise que aquelas ligadas a carboidratos. Muitas dessas proteínas estruturais apresentam atividades enzimáticas e provavelmente são importantes para reações químicas nas paredes celulares (BELL, 1981). Dessa forma, as proteínas ligadas à parede celular desempenham uma ampla gama de funções importantes para a defesa da célula contra agressores patogênicos. Muitos outros fatores estruturais têm sido correlacionados com o nível de resistência de certas espécies vegetais. O número e tipo de estômatos, número 50 e tamanho de lenticelas, quantidade de silício na epiderme foliar, número e tipo de tricomas, conteúdo e distribuição de fibras esclerenquimáticas (MEDEIROS; FERREIRA; DIANESE, 2003) e estrutura das células epidérmicas são alguns dos fatores considerados importantes para definição do nível de resistência ao patógeno (AGRIOS, 2005). 2.4.2.2 Defesa Estrutural Induzida A existência de barreiras estruturais pré-existentes nas plantas inibe a penetração de uma gama de microorganismos nos tecidos vegetais, tornandoos resistentes à maioria dos microorganismos potencialmente causadores de doenças. Entretanto, apesar da eficiência desses mecanismos, muitos organismos causadores de doenças podem infectar o vegetal por meio de ferimentos e aberturas naturais na epiderme. Assim, após a entrada do microorganismo, a planta responde ao ataque patogênico se defendendo por meio de estruturas de defesa pós-formadas, ou seja, induzidas pela presença do patógeno. A defesa estrutural induzida em plantas pode se dar de diversas formas. Após a infecção por um determinado microorganismo uma série de reações e vias bioquímicas são ativadas para a síntese de compostos que inibirão estruturalmente o avanço do patógeno. Algumas estruturas de defesa formadas envolvem o citoplasma das células sob ataque, outras envolvem as paredes das células infectadas (AGRIOS, 2005), em que, modificações da parede celular se traduzem em diversos níveis de espessamento nos pontos de infecção (MEDEIROS; FERREIRA; DIANESE, 2003). Tais estruturas envolvem modificações morfológicas na parede ou mesmo modificações derivadas das paredes das células invadidas pelo patógeno. Muitos microorganismos são capazes de degradar substâncias presentes nas paredes celulares, penetrando assim no citoplasma celular e posteriormente no 51 tecido vegetal. Enzimas degradadoras de polímeros presentes na parede, como pectinases, celulases, xilanases e poligalacturonases, são produzidas por muitos fitopatógenos. Assim, muitas plantas podem responder à invasão de patógenos pelo espessamento de suas paredes celulares, tornando-as resistentes à degradação e reduzindo o desenvolvimento do patógeno (KUĆ, 1997). Esse espessamento de parede celular restringirá fisicamente o patógeno, além de bloquear a difusão de nutrientes das células para o patógeno e de fitotoxinas do patógeno para a célula vegetal. Modificações na composição da parede celular como resposta à infecção incluem deposição de calose, formação de papilas, lignificação e cross-linking (ligações cruzadas) entre proteínas estruturais (KUĆ, 1997) e compostos fenólicos (DE ASCENSAO; DUBERY, 2003). Existem fortes correlações entre resistência e deposição rápida de substâncias capazes de obstruir a entrada de microorganismos por meio do reparo de ferimentos. Muitas dessas substâncias, como papilas, derivadas dos fenilpropanóides, previnem o ingresso fúngico no tecido vegetal. Outros exemplos de barreiras estruturais fenólicas incluem ligações cruzadas de dímeros de ácidos ferúlicos aos polissacarídeos da parede celular catalisadas por peroxidases, que podem fazer com que as paredes tornem-se resistentes à enzimas fúngicas degradadoras (BENNETT; WALLSGROVE, 1994). Com a função de reparar o dano sofrido pela célula, as papilas algumas vezes são produzidas antes da penetração, prevenindo a colonização das células. A face interna da parede celular das células expostas a agressões mecânicas do patógeno é um sítio de defesa à invasão patogênica no qual o citoplasma se agrega e promove a deposição de material. As papilas ou aposições se formam na face interna da parede celular abaixo do ponto de penetração direta de fungos e algumas bactérias (Figura 12), interrompendo assim o processo infeccioso. Nestas porções das células há o acúmulo de sustâncias viscoelásticas como a lignina, polifenóis, calose (β - 1,3 glucana), suberina, silício e celulose que funcionam como barreiras contra a força mecânica exercida pelo patógeno (MEDEIROS; FERREIRA; DIANESE, 2003). 52 Assim, a ruptura da parede celular não leva necessariamente à morte celular, pois a limitação do crescimento do patógeno pode ocorrer de diversas formas. As papilas são produzidas pelas células vegetais com minutos após ferimento e com 2 a 3 horas após inoculação com microorganismos (AGRIOS, 2005), podendo ser visualizadas por meio de microscopia ótica ou eletrônica. H CW A CW S AH HC Figura 12 - Formação de papila em torno de hifa fúngica penetrando a parede celular vegetal. H: hifa fúngica; CW: parede celular vegetal; A: apressório; S: papila; AH: penetração da hifa mesmo em presença da papila; HC: hifa no citoplasma da célula vegetal. Fonte: Agrios (2005). A principal componente das papilas é a calose, polissacarídeo formado pelas plantas em resposta aos mais variados estresses, sendo constituída principalmente por moléculas de glicose unidas por ligações β - 1,3. Em alguns casos, os tubos de penetração fúngicos se expandem no sentido do lúmem celular sendo então envolvidos por materiais celulósicos (calose) que mais tarde apresentará substâncias fenólicas ligadas, formando assim um tubo lignificado ao redor das hifas (Figura 12). Lignina é um dos mais abundantes biopolímeros na Terra, sendo formado principalmente pela condensação de radicais livres de álcoois hidroxinamil. A lignificação pode limitar o crescimento fúngico dentro dos tecidos vegetais de diversas formas. Assim, a lignina pode fazer com que as paredes tornem-se 53 mais resistentes à penetração mecânica. A lignificação da parede pode ocorrer no ponto de ataque, fazendo com que aquela porção torne-se mais resistente à diluição por enzimas fúngicas. A lignificação das paredes pode também impedir a difusão de enzimas e toxinas do fungo para o hospedeiro e de água e nutrientes do hospedeiro para o fungo. Mais ainda, precursores fenólicos de baixo peso molecular da lignina e radicais livres produzidos durante a polimerização desta podem atuar inativando membranas, enzimas, toxinas e elicitores fúngicos. Por fim, as hifas fúngicas podem tornar-se lignificadas e perderem a plasticidade necessária para o crescimento (RIDE, 1978). O aumento da síntese de lignina pela via do ácido chiquímico e via biossintética da lignina (Figura 8 e 13) é uma resposta celular frequentemente associada ao insucesso da penetração por patógenos (MEDEIROS; FERREIRA; DIANESE, 2003). Provavelmente, peroxidases da parede celular, ao reduzir o peróxido de hidrogênio, geram radicais livres do álcool coniferil, que espontâneamente, por meio de ligações cruzadas, formam a lignina (WALTON, 1997). Trabalhos recentes têm demonstrado a importância da lignificação no espessamento da parede celular em culturas de interesse econômico inoculadas com elicitores provenientes do patógeno. Em testes realizados com banana, cacau, milho, tomate, batata, eucalipto e outros, as espécies resistentes em campo apresentaram mecanismos de espessamento mais eficientes através da deposição de fenóis e lignina na parede celular (MODAFAR et al., 2000; DE ASCENSAO; DUBERY, 2000; NOJOSA et al., 2003; DE ASCENSAO; DUBERY, 2003; SANTIAGO et al., 2007; MANDAL; MITRA, 2007; POIATTI, 2007; SMITH et al., 2007). 54 L-Fenilalanina PAL Cinamato C4H Tirosina TAL 4-Cumarato 4CL C3H Cafeato COMT Ferulato COMT Sinapato CAD Álcool 4-cumaril CCoA-3H 4CL Lignina Cafeoil-CoA CCoA-OMT 4CL F5H 5 – Hidroxi ferulato 4-Cumaroil- CCR 4CoA Cumaraldeído 4CL FeruloilCoA 5-Hidroxiferuloil-CoA Suberina CCR CCR Coniferaldeído CAD Álcool coniferil 5-Hidroxiconiferaldeído Fenóis solúveis Etc. CCoA-OMT 4CL SinapoilCoA CCR Sinapaldeído Fenóis ligados à parede celular CAD Álcool sinapil Figura 13 - Via biossintética da lignina: PAL – Fenilalanina amônia liase; TAL - Tirosina amônia liase; C4H – Cinamato 4-hidoxilase; C3H - pCumarato 3-hidroxilase; COMT – Ácido cafeico O-metiltransferase; F5H - Ácido ferulico 5-hidroxilase; 4CL - 4-Cumarato-CoA ligase; CCoA-3H – Cumaroil-coenzima A 3-hidroxilase; CCoA-OMT – Cafeoil-coenzima A O-metiltransferase; CCR - cinamil-CoA redutase; CAD - cinamil álcool dehidrogenase. Fonte: Adaptado de Boudet e Grima-Pettenati (1996); Campbell e Sederoff (1996). 55 A defesa histológica em vegetais pode, portanto, ocorrer de uma série de formas. A infecção do tecido vegetal por fitopatógenos, principalmente fungos e bactérias induzem também a formação de camadas de células suberificadas, constituindo camadas de cortiça em torno do ponto de infecção (Figura 14). O tecido corticoso surge provavelmente para inibição da invasão adicional do patógeno, constituído por um tecido morto que bloqueia a troca de substância entre o patógeno e planta. Assim, a área infectada é limitada por regiões necróticas nos tecidos, que limitam o avanço do patógeno nos tecidos saudáveis (AGRIOS, 2005). Micélio Grão de amido Cortiça Epiderme Figura 14 - Esquema da formação da camada de cortiça entre tecidos saudáveis e infectados em tubérculos de batata, não permitindo que o fungo ultrapasse a barreira estrutural. Fonte: Adaptado de Agrios (2005). 56 3 OBJETIVOS 3.1 OBJETIVO GERAL Determinar os fatores relacionados com a resistência à fusariose no abacaxizeiro da cultivar Vitória. 3.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS Através da comparação entre a cv. Vitória e as cultivares suscetíveis à fusariose, Pérola e Smooth Cayenne: • Determinar os mecanismos de resistência das cultivares de abacaxi através das respostas estruturais à infecção com o fungo F. subglutinans f. sp. ananas; • Analisar as diferenças quanto à presença de compostos orgânicos; • Caracterizar os teores de proteínas e compostos fenólicos; • Avaliar o potencial antifúngico do extrato bruto protéico de folhas de mudas; • Avaliar os mecanismos de resistência através das respostas estruturais à lesão mecânica. 57 4 MATERIAL E MÉTODOS 4.1 MATERIAL VEGETAL As mudas de abacaxi das cultivares Vitória, Smooth Cayenne e Pérola foram cedidas pelo INCAPER e plantadas em vasos plásticos de 25 cm de diâmetro e 30 cm de altura, contendo uma mistura de 2:1 p/p de terra adubada com esterco e areia de rio lavada, com irrigação semanal, mantidas no telado do Laboratório de Estudos Celulares e Moleculares do Estresse (LESMol), Núcleo de Biotecnologia, Centro de Ciências da Saúde, UFES, com sombreamento de aproximadamente 50%. Para todos os testes realizados durante este estudo foram utilizadas a porção basal, caracteristicamente aclorofilada, das folhas “D” do abacaxizeiro, originárias de plantas com aproximadamente 6 meses de idade. As análises foram realizadas em triplicatas. 4.2 ANÁLISE ANATÔMICA E HISTOQUÍMICA DAS RESPOSTAS DE DEFESA NAS DIFERENTES CULTIVARES EM PRESENÇA DO INÓCULO A comparação anatômica das diferenças nas respostas de defesa entre as cultivares do abacaxizeiro foi realizada em seções de folhas com cerca de 10 cm, contando-se a partir da parte basal aclorofilada. Em seguida foram limpas, desinfestadas com hipoclorito de sódio 1,5% e colocadas dentro de placas de Petri estéreis. Foram realizados ferimentos com 12 agulhas entomológicas unidas à cerca de 5 cm a partir da base foliar. Para os tratamentos foram inoculados 100 µL de uma suspensão de conídios (1,5x 105 conídios/mL). Cada placa, contendo duplicatas do experimento foi colocada dentro de caixas de acrílico Gerbox (11 x 11 x 3,5 cm) com fundo coberto por papel filtro umidificado com 5 mL de água destilada estéril. 58 Imagens para análise morfológica dos ferimentos para cada tratamento foram capturadas por meio de câmera manual, sendo as imagens de detalhe obtidas por zoom digital. Cortes nas regiões de ferimentos foram realizados à mão livre no período de 0 e 48 h após o ferimento. Os cortes foram submetidos aos testes de coloração temporária (KRAUS; ARDUIN, 1997). Foram preparadas lâminas semipermanentes utilizando-se material fresco, preso a um suporte e cortado a mão livre com o auxílio de lâmina de barbear. As seções transversais foram colocadas em água destilada, coradas com safranina aquosa a 0,5%, montadas na mistura glicerol-água 50%, entre lâmina e lamínula e vedadas com esmalte incolor. Para a realização dos testes histoquímicos foram empregados os seguintes reagentes: lugol, para evidenciar grãos de amido (BERLYN; MIKSCHE, 1976); cloreto férrico, para visualização dos compostos fenólicos do tecido (JOHANSEN, 1940); Sudam III, para evidenciar lipídios como cutina e suberina (SASS, 1951); solução de floroglucinol acidificado, para detectar a impregnação de lignina nas paredes celulares (HERR, 1992). O reagente de lugol é indicado para amido, dando uma coloração azul-negra ou marrom muito escuro. O cloreto férrico produz uma coloração negro-azulada ou verde escuro com compostos fenólicos. O floroglucinol acidificado produz uma coloração vermelha para a lignina, podendo também corar outros componentes (como a suberina, por exemplo). Já o reagente Sudam III cora lipídios, cutina e suberina de amarelo-alaranjado ou vermelho (KRAUS; ARDUIN, 1997). O material vegetal utilizado para os cortes anatômicos foi fotografado, demonstrando o comportamento in vitro das cultivares em presença do agente causador da doença após 48 h do ferimento e inóculo com F. subglutinans f. sp. ananas. 59 As imagens foram capturadas em um microscópio ótico Leica DMLS, acoplado a um sistema de aquisição de imagem digital, câmera Moticam 2000, utilizando o programa Leica EWS. 4.3 ANÁLISE BIOQUÍMICA DO EXTRATO BRUTO DAS FOLHAS O macerado utilizado para dosagens bioquímicas foi obtido a partir da trituração de 0,3 gramas da parte aclorofilada das folhas “D” frescas de cada um dos genótipos em nitrogênio líquido, e posterior extração de compostos bioquímicos para dosagem por espectrofotometria de acordo com o protocolo descrito a seguir. 4.3.1 Extração e determinação do teor de fenóis ligados e livres A análise da concentração de fenóis totais foi feita utilizando metanol como agente extrator e o reagente de Folin e Ciocalteu para determinação de sua concentração (GUZZO et al., 1999). Para extração dos compostos fenólicos, 0,3 g de folhas foram trituradas em nitrogênio líquido e o pó foi ressuspenso em 4 mL de metanol à 50% e deixado em banho-maria por 1,5 h à 80 °C. O extrato foi resfriado e centrifugado à 12000 rpm (Centrífuga Eppendorf modelo 5804R) por 15 minutos. O sobrenadante foi coletado para dosagem de fenóis livres. Ao pellet foram adicionados 2 mL de NaOH (hidróxido de sódio) 0,5 M e incubado por aproximadamente 24 h para saponificação de fenóis ligados à parede celular. A reação foi neutralizada com 0,5 mL de ácido clorídrico (HCl) 2 M e o extrato foi centrifugado à 12000 rpm por 15 minutos. À 150 µL dos sobrenadantes (fenóis livres e ligados à parede) foi adicionado 3 mL de carbonato de sódio (Na2CO3) (2% m/v) e 150 µL do reagente de Folin- 60 Ciocateu diluído em água (1:1 v/v). Procedeu-se a leitura em espectrofotômetro (BioMate 3 – ThermoSpectronic) à 750 nm. A concentração de fenóis foi expressa em equivalentes de ácido clorogênico (µg) por mg de tecido fresco. A concentração de fenóis presente em cada amostra foi determinada utilizandose uma curva padrão utilizando soluções de ácido clorogênico nas concentrações de 0; 10; 20; 30; 40; 50; 100 e 150 µg/mL. 4.3.2 Determinação do conteúdo protéico total A determinação do conteúdo protéico foi realizada segundo o método proposto por Lowry (1951). O macerado foliar foi ressuspenso em 4 mL do tampão fosfato 0,01 M (pH 6,0) a 4 ºC, obtendo-se assim o extrato bruto. O extrato foi centrifugado a 12.000 rpm por 25 minutos à 4 ºC e o sobrenadante coletado. Para dosagem adicionou-se 1 mL do extrato bruto à 5 mL do reagente de cobre (composto por 48 mL da solução de carbonato de sódio 3% em NaOH 0,1 M, 1 mL de tartarato de sódio e potássio 4% e 1 mL de sulfato de cobre 2%). Após 10 minutos, acrescentou-se 500 µL do Reagente de Folin-Ciocalteu diluído em água destilada (1:2 v/v). Após 10 minutos as amostras tiveram a absorbância estimada em espectrofotômetro à 660 nm. A concentração de proteínas presente em cada amostra foi determinada utilizando-se uma curva padrão (25, 50, 100 e 150 µg) de albumina de soro bovino. 4.4 PREPARO DO EXTRATO BRUTO PROTÉICO Os tecidos foliares de cada um dos genótipos foram triturados em nitrogênio líquido e colocados rapidamente em tampão Tris 30 mM pH 7,5 a 4 °C com polivinilpolipirrolidona (PVPP) 2%, azida sódica 1 mM e os inibidores de 61 proteases, aprotinina, pepstatina e leupeptina à concentração final de 25 µM e PMSF 100 µg/mL, numa proporção de 1:5 (g de folha/mL do tampão). Os extratos foram submetidos à agitação por 4 horas a 4 °C, visando à diluição das proteínas no meio líquido. Restos celulares e macro elementos foram excluídos através de centrifugação por 40 min a 4 °C à 10.000 rpm. Colocou-se os extratos protéicos individualmente em sacos de membrana de diálise com poro de 3,5 kDa. Estes foram então submetidos à diálise em tampão Tris 30 mM por 18 h. Para a concentração do extrato, as membranas de diálise foram colocadas em uma bandeja contendo polietilenoglicol 4000 USP. Desta forma, as proteínas de pesos moleculares superiores ao tamanho do poro ficaram retidas no interior da membrana. O extrato protéico concentrado foi armazenado em freezer a -20 °C até posterior utilização. 4.5 AVALIAÇÃO ANTIFÚNGICA Uma suspensão matriz de conídios (1.5x 106 conídios/mL) do fungo F. subglutinans f. sp. ananas foi filtrada em gaze dupla e adicionada em meio de cultura Batata-Dextrose (BD), obtendo-se uma concentração final de 2,5 x 104 conídios/mL. Alíquotas de 150 µL desta cultura foram colocadas nos poços de microplacas de 96 poços. A cada poço foram adicionadas concentrações protéicas finais de 0,5 mg/mL e água estéril para um volume final de 300 µL. Como controle negativo foi utilizado água destilada estéril. Como controle positivo foi utilizado 0,05% p/v do fungicida sintético benomyl (Benlate® 500 PM, DuPont do Brasil). As placas foram incubadas a 28 °C por 3 ou 4 dias, tempo necessário para que o fungo atinja, ao menos, metade da fase exponencial de crescimento. O crescimento fúngico foi acompanhado em espectrofotômetro a uma densidade ótica (DO) de 620 nm em aparelho de ELISA (ELX 800 LBP, EUA). Para confeccionar a curva de crescimento fúngico nas condições do experimento foi utilizado um modelo matemático de probabilidade segundo Gibson e Hocking (1997), estimando-se assim a taxa de crescimento do fungo. 62 A probabilidade de crescimento foi obtida a partir do modelo de regressão S logistic, com o auxílio do programa Origin 6.0. 4.6 ANÁLISE ANATÔMICA DAS RESPOSTAS DE DEFESA AO FERIMENTO NAS DIFERENTES CULTIVARES A comparação anatômica das diferenças nas respostas de defesa entre as cultivares do abacaxizeiro foi realizada segundo o item 4.2, utilizando-se o reagente safranina aquosa. Entretanto, os tratamentos receberam 100 µL de água destilada autoclavada, ao invés da suspensão de conídios. 63 5 RESULTADOS E DISCUSSÃO 5.1 INTERAÇÃO DOS TECIDOS VEGETAIS COM F. subglutinans f. sp. ananas Os mecanismos celulares e moleculares que conferem resistência à fusariose na cv. Vitória ainda não são conhecidos. Análises morfológicas e histológicas comparativas das três cultivares em presença de F. subglutinans f. sp. ananas auxiliam a compreensão dos mecanismos que conferem a resistência à fusariose na cv. Vitória. Neste estudo foram utilizadas porções aclorofiladas de folhas ‘D’ por se apresentarem completamente desenvolvidas, mas sem sintomas de clorose. Estas são as folhas ideais para a análise do desenvolvimento da doença, já que folhas muito jovens apresentam uma alta severidade da doença, enquanto folhas muito velhas demonstram-se, em alguns casos, resistentes à inoculação com o patógeno. Mais ainda, os tecidos clorofilados não desenvolvem a lesão característica da doença, podendo estar associada à formação de determinados compostos bioquímicos (como compostos fenólicos, em especial taninos), à pressão osmótica das células ou mesmo a teores de nutrientes, o que não ocorreria nos tecidos aclorofilados utilizados no presente estudo (VENTURA, 1994). As porções aclorofiladas das folhas foram submetidas a ferimentos formando aberturas para entrada do patógeno nos tecidos vegetais. Tal procedimento foi necessário já que a penetração direta (pela superfície intacta do hospedeiro) não é uma característica deste fungo, que pode sobreviver epifiticamente na superfície das folhas do abacaxi sem causar a doença (DIANESE, 1981). Em estudos com a cv. Pérola, Ventura (1994) confirmou, através de testes de inoculação das folhas, que a penetração do patógeno só ocorre através de ferimentos. 64 A região destacada indica a porção onde o ferimento foi realizado na porção basal das folhas, demonstrando os pontos de penetração das agulhas no tecido (Figura 15 – A, B e C setas). Imagens obtidas imediatamente após o ferimento e inoculação com os conídios do fungo demonstraram a regularidade dos tecidos em uma análise morfológica ao olho nu (Figura 15 – A, B e C). A análise das folhas das cultivares de abacaxi inoculadas com F. subglutinans f. sp. ananas evidenciou o estabelecimento de lesões nas cultivares suscetíveis. Verdadeiramente, as folhas das cultivares suscetíveis exibiram visíveis sintomas da doença após 48 horas de inoculação, com degradação de células em torno do ferimento (Figura 15 - E, H, F e I). A doença pode ser caracterizada pela necrose dos tecidos, que se apresentam com a coloração amarronzada na região do ferimento, além da degradação das células nessa região, indicando a suscetibilidade das cultivares Smooth Cayenne e Pérola (Figura 15 - E, H, F e I). Nestas houve decomposição dos tecidos adjacentes ao ponto de inoculação, originando assim, sintomas da doença semelhantes aos observados em condições naturais. A cv. Vitória, resistente em campo à fusariose, também mostrou-se resistente in vitro à doença (Figura 15 - A, D e G), confirmando os resultados obtidos por Ventura et al. (2006). Após 48 horas de inoculação a região dos ferimentos não apresentou degradação de células, mantendo o aspecto íntegro do tecido, além de apresentar coloração clara, bastante diferenciada da coloração evidenciada nas outras cultivares. Assim, ao longo do ferimento, além de manter-se integro, o tecido demonstra-se em cicatrização, com porções esbranquiçadas circundantes. Em trabalho semelhante, Ventura (1994) comparou as cultivares Pérola (suscetível) e Perolera (resistente). O método da folha destacada mostrou-se eficiente para a avaliação de patogenicidade e verificou-se que as inoculações na base das folhas resultaram lesões mesmo nas cultivares tidas como resistentes. Apesar da utilização do mesmo método, com a mesma região da folha, a cv. resistente no presente trabalho não desenvolveu a doença in vitro, evidenciando-se ainda mais os eficazes mecanismos de resistência em ‘Vitória’. 65 Santos; Matos e Cabral (2001) também utilizaram o método da folha destacada com as folhas ‘D’ em 6 diferentes genótipos: ‘Guiana’, ‘Pérola’, ‘Perolera’, ‘Primavera’, ‘Roxo de Tefé’ e ‘Smooth Cayenne’. As análises in vitro foram realizadas após 15 dias de incubação, enquanto em campo as mudas do tipo filhote foram analisadas após 100 dias de inoculação. Os genótipos suscetíveis ‘Guiana’, ‘Pérola’, ‘Roxo de Tefé’ e ‘Smooth Cayenne’ expressaram reação de suscetibilidade ao patógeno. Essa reação de suscetibilidade ao patógeno também foi observada para as cultivares suscetíveis ‘Pérola’ e ‘Smooth Cayenne’. Nas análises realizadas por Santos; Matos e Cabral (2001) os genótipos suscetíveis diferiram da cv. Primavera e Perolera, nos quais não se constatou infecção nas folhas inoculadas com nenhum dos 10 isolados de F. subglutinans f. sp. ananas utilizados no estudo. A cv. Primavera, não apresentou lesões após incubação com nenhum dos 10 isolados estudados. Tida como resistente por Cabral; Matos e Souto (1985) e confirmada como tal no estudo de Santos; Matos e Cabral (2001) a cv. Primavera é o parental resistente usado na hibridação da cv. Vitória. 66 A D G B E H C F I Figura 15 - Região do ferimento da porção aclorofilada da folha do abacaxizeiro. A, D e G: Vitória; B, E e H: Smooth Cayenne; C, F e I: Pérola. A, B e C: imediatamente após injúria e inoculação com conídios de F. subglutinans f. sp. ananas; D, E e F: 48 horas após injúria e inoculação; G, H e I: Detalhe da porção do ferimento apresentados em D, E e F respectivamente, após 48 horas da inoculação. As setas indicam a região do ferimento nos tecidos. (Barra = 0,5 cm). 67 Os tecidos analisados por microscopia óptica imediatamente após o ferimento e inoculação apresentaram-se íntegros nas análises. Apesar dos ferimentos realizados com as agulhas entomológicas, o parênquima aclorofilado apresentou-se íntegro, sem alteração nos feixes vasculares e tecidos de aerênquima. Assim, histologicamente não foram detectadas diferenças entre os tecidos parenquimáticos das folhas das três cultivares (Figura 16 - A, B e C), apesar da grande quantidade de amido na cv. Pérola, visível mesmo sem coloração específica, imediatamente após a realização do ferimento (Figura 16 – C estrela). Tal visualização foi possível uma vez que, os grãos de amido nos tecidos vegetais apresentam-se como grânulos de diferentes tamanhos e com coloração esbranquiçada. Com a passagem da luz pela lâmina dos tecidos, por apresentarem maior absorção da luz, os grãos de amido eram então evidenciados mesmo sem a utilização de um reagente para coloração, como o lugol. As cultivares apresentaram, após reação dos tecidos com a safranina, coloração avermelhada uniforme no momento após a realização do ferimento, indicando assim, para este momento, a ausência de mecanismos de defesa induzidos. Ao redor das lesões é bastante visível a uniformidade da coloração com as outras regiões do parênquima (Figura 16 - A, B e C). Diferentemente, nas análises após 48 h do ferimento e inoculação o espessamento de parede é bastante evidente pela coloração mais escura (negra nas fotos) ao longo das lesões em todas as cultivares (Figura 16 - D, E e F). 68 * A D B E C F Figura 16 - Seção transversal da região basal aclorofilada da folha de abacaxi. A e D: Vitória; B e E: Smooth Cayenne; C e F: Pérola. A, B e C: imediatamente após injúria e inoculação com conídios de F. subglutinans f. sp. ananas.; D, E e F 48 horas após injúria e inoculação. As setas indicam a região parenquimática abaixo da lesão. O asterisco indica a presença de tecido suberificado e a estrela indica a grande concentração de grãos de amido no tecido (Coloração: safranina aquosa). (Barra= 500µm). 69 As análises histológicas das cultivares inoculadas com a suspensão de conídios de F. subglutinans f. sp. ananas mostraram um espessamento de parede celular ao redor do ferimento (Figura 16 - D, E e F) após 48 h de incubação. As plantas podem responder à infecção através do espessamento de suas paredes celulares, fazendo com que estas se tornem resistentes à degradação, reduzindo a penetração e restringindo o desenvolvimento do patógeno. Por meio do espessamento das paredes celulares, a planta pode também evitar a difusão de nutrientes das células vegetais para o microorganismo e retardar a difusão de fitotoxinas do patógeno para suas células (KUĆ, 1997). No tecido colonizado da cv. Pérola, a presença de hifas no tecido é marcada pela desintegração do tecido parenquimático aqüífero (Figura 16 - F) de modo precoce, quando comparado com as outras cultivares. Presente na face adaxial das folhas do abacaxizeiro e constituído por células maiores, o tecido parenquimático aqüífero apresenta importância no suprimento de água para a planta (PY; LACOEUILHE; TEISON, 1984). Tal tecido, rico em água, poderia criar condições propícias para o estabelecimento do patógeno nessa região. As paredes celulares vegetais são estruturadas por diversos compostos, dentre os quais os compostos fenólicos e a lignina, e o espessamento das paredes envolve o aumento da quantidade de lignina ligada aos componentes da parede. A lignificação dos tecidos vegetais ocorre durante o desenvolvimento vegetal e também como resposta a infecções fúngicas como parte do mecanismo de defesa geral em plantas (WALTER, 1992). Células com paredes lignificadas são mecanicamente mais rígidas e mais resistentes à degradação por enzimas produzidas pelo patógeno, restringindo fisicamente a invasão (VANCE; KIRK; SHERWOOD, 1980; RIDE, 1980). O aumento da síntese de lignina pelo metabolismo dos fenilpropanóides (Figura 9 e 13) é uma resposta frequentemente associada ao insucesso da penetração nos tecidos vegetais por patógenos (MEDEIROS; FERREIRA; DIANESE, 2003). Foi facilmente perceptível no intervalo de 48 h uma camada de células com paredes lignificadas mais espessa na cv. Vitória, envolvendo um número 70 maior de células, quando comparada às duas outras cultivares suscetíveis (Fig. 16 – D, E e F). Uma das possibilidades é que a formação da lignina ocorreria a partir da peroxidação do peróxido de hidrogênio na parede celular, gerando radicais livres do álcool coniferil, que por ligações cruzadas forma a molécula da lignina (WALTON, 1997). As alterações da parede celular observadas nas tecidos da cv. Pérola, não restringiram a colonização intracelular neste hospedeiro, podendo ser observada a degradação dos tecidos internos à lesão, com as paredes já espessadas no período de 48 h após a inoculação (Figura 16 - F) . O mesmo foi observado por Mims e Vaillancourt (2002) na interação Colletotrichum graminicola (Cesati) Wilson e uma cultivar suscetível de milho (Zea mays L.), onde papilas foram produzidas nas células da epiderme e do mesófilo em resposta à tentativa de penetração pelo patógeno, mas estas não tiveram sucesso em prevenir a entrada das hifas nas células. De acordo com Aist (1983), as papilas nem sempre são efetivas em restringir a penetração do patógeno no hospedeiro. A freqüência e a velocidade da formação das papilas são fatores que podem influenciar na retenção do patógeno. Nicholson e Hammerschmidt (1992) citam que se a papila é formada rapidamente e se esta se torna fortemente lignificada, pode prevenir a entrada do fungo no hospedeiro. Matsuoka (1988) verificou que a resistência de pimentão (Capsicum annuum L.) à Phytophthora capsici Leonian manifesta-se através da rápida formação de papilas, em resposta à penetração da hifa infetiva. A intrínseca relação entre resistência contra o ataque de patógenos e lignificação já foi claramente observada e demonstrada em diferentes órgãos e/ou tecidos de diversas plantas incluindo folhas de pepino (HAMMERSCHMIDT; KUĆ, 1982; HAMMERSCHMIDT et al., 1985), tubérculos de batata (HAMMERSCHMIDT, 1984), folhas de trigo (RIDE; PEARCE, 1979), e casca das árvores de amendoeiras (DOSTER; BOSTOCK, 1988). Estas observações comprovam que o espessamento das paredes celulares observado na folha do abacaxizeiro está claramente relacionado com o mecanismo de defesa, provavelmente pela lignificação, uma barreira física que dificulta a penetração das hifas nos tecidos da folha. 71 A resistência da lignina à degradação microbiana suporta sua acumulação na resposta à infecção como um importante mecanismo de resistência (KUĆ, 1997). A cv. Vitória apresentou também a formação de um tecido com a coloração amarronzada (Fig. 16 – D asterisco), evidenciada mesmo sem a utilização de corantes. Essa coloração sugere a presença de suberina, caracterizando um tecido de cicatrização, situação não observada para as cultivares Pérola e Smooth Cayenne, suscetíveis ao patógeno. De modo geral, a suberina é depositada em torno de ferimentos e a camada de células suberizadas é denominada periderme de cicatrização (SILVA; ALQUINI; CAVALLET, 2005). No caso de microrganismos, a suberização pode impedir a passagem do patógeno e de qualquer substância tóxica secretada por ele. Posteriormente, pode impedir a passagem de nutrientes para a área atingida privando o patógeno de nutrição, enfraquecendo-o e até mesmo causando a sua morte. O tecido suberizado e o patógeno mortos costumam formar uma lesão necrótica ou são empurrados pelos tecidos saudáveis em direção ao exterior da planta. No primeiro caso ocorre uma limitação do patógeno a pequenas manchas e no segundo caso ocorre a remoção do invasor. Em frutos é um empecilho à comercialização (PASCHOLATI; LEITE, 1995; AGRIOS, 2005). A formação de células suberosas constituindo camadas de cortiça em torno dos ferimentos é um mecanismo comum de defesa histológica de plantas. A suberina é um polímero insolúvel altamente resistente à degradação enzimática e é depositada nas paredes celulares de várias plantas, quando os tecidos são invadidos por patógenos (MEDEIROS; FERREIRA; DIANESE, 2003). O tecido corticoso é morto e inibe a invasão crescente pelo patógeno, bloqueando o transporte de substâncias tóxicas por ele produzidas. Assim, a área em que o patógeno encontra-se presente torna-se limitada, na forma de manchas e/ou lesões locais, isolando o patógeno, sem maiores possibilidades de ação em outros tecidos (GOODMAN; KIRÁLY; ZAITLIN, 1967; AGRIOS, 2005). 72 A presença da suberina em tecidos vegetais pode ser constitutiva ou induzida, sendo depositada principalmente após danos mecânicas ao tecido. A produção da suberina é dependente de enzimas oxidativas como desidrogenases, fenilalanina amônia liase (FAL) e peroxidases e a infecção por fungos já é caracterizada por ativar todas essas enzimas (VIDHYASEKARAM, 1997). A presença de tecido suberificado não foi observada nos tecidos das cultivares Pérola e Smooth Cayenne (Figura 16 – E e F), não sendo observada a formação de camada amarronzada como a que ocorre na cv. Vitória (Figura 16 – D). Em interações compatíveis, a literatura relata que o patógeno pode atrasar o acúmulo de suberina, como observado em tomates suscetíveis à infecção com Verticillium albo-atrum (MEDEIROS; FERREIRA; DIANESE, 2003). Apesar de Verticillium albo-atrum apresentar mecanismo de infecção distinto do observado em F. subglutinans f. sp. ananas, a síntese e acúmulo de suberina nas cultivares Smooth Cayenne e Pérola poderia ser adiada por mecanismos ainda não conhecidos no fungo. Nos tecidos da cultivar Pérola, 48 h após a inoculação, apesar da formação de uma barreira estrutural na região do ferimento, os tecidos internos encontraram-se com visível degradação (Figura 16 – E seta). Isso ocorreu, provavelmente devido ao tardio mecanismo de espessamento de parede, permitindo que as hifas fúngicas penetrassem o tecido. Outra explicação para esse mecanismo de cicatrização ineficiente pode ser atribuída à liberação de forma inadequada de um elicitor, como alguns monômeros componentes da própria parede, que poderiam ter a função de induzir a síntese de lignina. A diferença chave entre uma planta resistente e uma suscetível é definida por Yang; Shah e Klessig (1997) como o tempo gasto pela planta para o reconhecimento do patógeno invasor e a rápida e efetiva ativação dos mecanismos de defesa pela planta hospedeira. Uma planta resistente como a cv. Vitória é capaz de desenvolver rapidamente uma ampla variedade de respostas de defesas que podem prevenir a invasão e colonização do patógeno. Em contraste, plantas suscetíveis como ‘Smooth Cayenne’ e principalmente ‘Pérola’ apresentam respostas de defesa atrasadas em relação à ‘Vitória’, além de menor intensidade. Assim, essas defesas não seriam 73 suficientes para restringir o avanço do patógeno nos tecidos vegetais. Como resultado, frequentemente uma planta suscetível é severamente afetada pela infecção do patógeno, podendo culminar na morte das células. A ativação das respostas de defesa nas plantas inicia no momento do reconhecimento, por parte da planta, das moléculas elicitoras do patógeno. A interação das moléculas elicitoras do patógeno com os receptores do hospedeiro ativa a cascata de sinais que podem estar envolvidas na fosforilação de proteínas, fluxo de íons, produção de ROS e outros eventos de sinalização (YANG; SHAH; KLESSIG, 1997). A diferença entre resistência e suscetibilidade pode ser o resultado de uma variação de tempo, autonomia celular ou intensidade das respostas de defesa das plantas (MORAES, 1998). O reconhecimento rápido de patógenos invasores pelas células vegetais e a indução rápida das respostas de defesa são essenciais para a resistência das plantas. Desta forma, a resistência ocorre quando respostas múltiplas de defesa são ativadas rapidamente e coordenadamente (YAMAMIZO et al., 2006), o que poderia explicar a resistência do abacaxi ‘Vitória’ no campo. 5.2 A LESÃO MECÂNICA COMO ESTÍMULO PARA RESPOSTAS HISTOLÓGICAS DE DEFESA As fotos capturadas das porções das folhas imediatamente após ferimento e o recebimento da água estéril demonstram a regularidade dos tecidos em uma análise morfológica ao olho nu (Figura 17 – A, B e C), da mesma forma que nos tecidos inoculados com o fungo (Figura 15 – A, B e C). De forma semelhante às análises com as folhas inoculadas com F. subglutinans f. sp. ananas, as regiões destacadas indicam a porção onde o ferimento foi realizado, demonstrando os pontos de penetração das agulhas no tecido (Figura 17 – A, B, C, D, E e F setas). 74 A análise das folhas das três cultivares de abacaxi lesionadas, sem o inóculo de F. subglutinans f. sp. ananas demonstrou cicatrização dos ferimentos na cv. Vitória após 48 horas de inoculação. As folhas das cultivares suscetíveis exibiram coloração amarronzada ao redor dos ferimentos, em menor intensidade quando comparadas às folhas inoculadas com o fungo. A degradação das células na região dos ferimentos após 48 h de incubação demonstrou uma maior suscetibilidade das cultivares Smooth Cayenne e Pérola (Figura 17 - E, H, F e I). Na região dos ferimentos, a cv. Vitória não apresentou degradação de células, mantendo o aspecto íntegro do tecido, além de apresentar coloração clara, bastante diferenciada da coloração evidenciada nas outras cultivares. Ao redor do ferimento, além de manter-se íntegro, não houve qualquer alteração de cor. 75 A D G B E H C F I Figura 17 - Região do ferimento da porção aclorofilada da folha do abacaxizeiro. A, D e G: Vitória; B, E e H: Smooth Cayenne; C, F e I: Pérola. A, B e C: imediatamente após injúria; D, E e F: 48 horas após injúria; G, H e I: Detalhe da porção do ferimento em D, E e F respectivamente, após 48 horas de ferimento. As setas indicam a região do ferimento nos tecidos. (Barras = 0,5 cm). 76 Nas amostras que receberam água após o ferimento, os tecidos analisados por microscopia óptica também apresentaram-se íntegros nas análises. Apesar dos ferimentos realizados com as agulhas entomológicas, o parênquima aclorofilado apresentou-se íntegro, sem alteração nos feixes vasculares e tecidos de aerênquima. Assim, histologicamente não foram detectadas diferenças entre os tecidos parenquimáticos das folhas das três cultivares (Figura 18 – A, B e C). As cultivares apresentaram coloração uniforme no momento após a realização do ferimento, indicando assim a ausência de mecanismos de defesa induzidos já neste momento. Ao redor das lesões é bastante visível a uniformidade da coloração com as outras regiões do parênquima (Figura 18 – A, B e C). Diferente do que observado após 48 h de ferimento e inoculação, onde o espessamento de parede é bastante evidente pela coloração mais escura (negra nas fotos) ao redor das lesões em todas as cultivares (Figura 18 – D, E e F). A análise histológica dos tecidos das três cultivares de abacaxi imediatamente após o ferimento e após 48 h de ferimento demonstrou o espessamento de parede principalmente na cv. Vitória e Smooth Cayenne (Figura 18 – A, B, D e E), processo não observado de modo evidente em ‘Pérola’ (Figura 18 - C e F). Essa resposta à agressão mecânica na cv. Smooth Cayenne poderia estar associada à menor severidade da doença em campo, quando comparada com a cv. Pérola. É importante destacar também que ‘Smooth Cayenne’ é um dos parentais da cv. Vitória, sugerindo que parte da resistência desta cultivar também poderia ter sido herdada da primeira. Apesar de suscetível, a cv. Smooth Cayenne apresenta algumas respostas de defesa, como o espessamento de parede em resposta ao ferimento, respostas estas evidenciadas também na cv. resistente, entretanto, de forma mais intensa. 77 A D B E C F Figura 18 - Seção transversal da folha de abacaxizeiro, região da lesão. A e D: Vitória; B e E: Smooth Cayenne; C e F: Pérola. A, B e C: imediatamente após injúria; D, E e F 48 horas após injúria. As setas indicam a região parenquimática abaixo da lesão (Coloração: Safranina aquosa). (Barra = 500µm). 78 Na cv. Vitória, após 48 h da inoculação (Figura 18 - D), houve coloração intensa (cinza escuro) na região do ferimento, havendo continuidade das porções mais escuras ao longo de toda a injúria, demonstrando “fechamento” do tecido lesionado. Essa “cicatrização” do tecido lesado deu-se principalmente por meio do espessamento das paredes celulares, coradas com o reagente safranina. Na ‘Smooth Cayenne’ (Figura 18 - E) a coloração em torno do ferimento não foi tão intensa quanto na cv. Vitória, além de não ter demonstrado continuidade ao longo de todo o ferimento. Entretanto, houve envolvimento de um número maior de camadas de células do que na cv. resistente. Já na ‘Pérola’ o espessamento de paredes não foi evidenciado ao longo da lesão, deixando os tecidos íntegros sujeitos à entrada de patógenos oportunistas, já que com o ferimento toda a barreira inicial da epiderme foi eliminada. A lignificação dos tecidos e células vegetais ocorre em resposta a várias pressões ambientais como estresses mecânicos e ataques de patógenos (DIXON, 2001). Estresses mecânicos, como os ferimentos realizados nas folhas do abacaxizeiro, são caracterizados como indutores dos mecanismos de defesa de plantas. No abacaxizeiro, as injúrias mecânicas foram capazes de induzir o espessamento de paredes através da lignificação. Respostas semelhantes às do presente estudo, principalmente na cv. Vitória, foram obtidas com frutos de pêssego injuriados com estiletes e aplicados com água deionizada. Nestes tecidos, houve aumento nos teores de açúcares neutros nas paredes celulares dos tecidos injuriados em relação a frutos controle sem ferimento (SOUZA et al., 1999). Essa resposta demonstra tendência de reforço das paredes celulares (biossíntese de compostos fenólicos e de componentes estruturais da própria parede) como resposta de defesa dos tecidos (RITTINGER; BIGGS; PEIRSON, 1987) nos tecidos injuriados mecanicamente. A cura do ferimento em tecidos de pêssego da cv. Biuti estimulou a síntese de enzimas (fenilalanina amônia-liase, polifenoloxidase e peroxidase) e de lignina como resposta de defesa à injúria mecânica (SOUZA et al., 1999). 79 Os tecidos parenquimáticos de todas as cultivares demonstraram-se íntegros após 48 h de injúria, evidenciando dessa forma que os tecidos não foram colonizados por fitopatógenos. O espessamento das paredes celulares se dá, principalmente, pela deposição da lignina ou compostos semelhantes, que posteriormente formarão lignina para defesa. Existem evidências consideráveis de que a lignina apresenta um importante papel na defesa de plantas, e realmente representa uma característica da resposta de defesa em plantas a injúrias (VANCE; KIRK; SHERWOOD, 1980; NICHOLSON; HAMMERSCHMIDT, 1992). A lignina depositada em casos de injúria mecânica é conhecida como “semelhante à lignina” (STRANGE et al., 2001) ou lignina de defesa, distinguindo-a da lignina depositada durante o desenvolvimento do vegetal (HAWKINS; BOUDET, 2003). Dessa forma, o espessamento de parede decorrente de injúrias mecânicas representa a formação de uma barreira impermeável, protegendo assim os tecidos sadios de uma futura infecção oportunista (VANCE; KIRK; SHERWOOD, 1980; WALTER, 1992; TROCKENBRODT, 1994a). A lignina de defesa pode também ser formada como resposta da planta a outros tipos de estresses abióticos como exposição ao ozônio (SANDERMANN et al., 1998) e estresse hídrico (COSTA et al., 1998) além de estresses bióticos, como a invasão por patógenos. A suberina também é um importante componente da defesa de plantas a danos mecânicos. A suberificação é uma resposta comum ao ferimento em diversos órgãos de plantas (KOLATTUKUDY, 1981) formando, da mesma forma que a lignina, uma barreira física, a qual um patógeno oportunista é incapaz de transpor. A formação de lignina e/ou suberina em resposta a ferimentos têm sido relatada em órgãos de diversas culturas dentre os quais tubérculos de batata (BERNARDS; LEWIS, 1992; BORG-OLIVER; MONTIES, 1993; LAPIERRE; POLLET; NEGREL, 1996), folhas de trigo (SOUTHERTON; DEVERALL, 1990), caules de linho (MCDOUGALL, 1993), além de espécies de plantas lenhosas (BIGGS, 1987; DOSTER; BOSTOCK, 1988; SCHMITT; LIESE, 1993; 80 TROCKENBRODT, 1994b). Dessa forma, os dados apresentados por esses autores explicam e corroboram com os resultados obtidos nesse trabalho. As respostas de espessamento de parede após 48 h de incubação na cv. Vitória e em menor proporção na cv. Smooth Cayenne sem a presença do inóculo (Figura 18 – D e E) demonstraram-se menos acentuadas do que nos casos em que os tecidos foram lesionados e inoculados com o fungo F. subglutinans f. sp. ananas (Figura 16 – D e E). Isso poderia ser explicado por um mecanismo de defesa não-específico ao fungo na cv. Vitória. Assim, a cv. Vitória apresenta resistência não só ao patógeno causador da fusariose como também a lesões mecânicas, as quais também induzem defesas estruturais pós-formadas na cv. resistente. 5.3 HISTOQUÍMICA DIFERENCIAL DAS FOLHAS DAS TRÊS CULTIVARES A histoquímica é uma ferramenta que pode ser utilizada para correlacionar resistência ou suscetibilidade em plantas (BAILEY, 1983). Assim, a realização de testes histoquímicos com as três cultivares foi aplicada como uma alternativa para análise dos compostos dos tecidos de cada cv., contribuindo para a compreensão da resistência da cv. Vitória. As diferenças são evidenciadas através de testes, que demonstram a presença ou ausência de metabólitos importantes para a resistência. Cultivares suscetíveis podem apresentar uma maior quantidade de compostos atrativos ao patógeno. Assim, substratos que podem ser, de alguma forma, utilizados pelo fungo em seu metabolismo basal seriam atrativos quando em maiores quantidades nos tecidos. Sob esse ponto de vista, realizaram-se testes histoquímicos para detecção de amido, carboidrato de reserva em plantas, que constituiria uma fonte nutricional para o crescimento e avanço do fungo nos tecidos mais suscetíveis. Os resultados das análises histoquímicas das folhas das três cultivares mostraram que o reativo de lugol indicou a presença de grãos de amido com a 81 mesma localização em todas as três cultivares, nos diferentes tratamentos, distribuídos ao longo do mesófilo, concentrado principalmente entre os feixes vasculares e aerênquima. As diferenças observadas em relação à presença ou ausência de amido foram apenas em relação à intensidade de coloração (o que poderia indicar maior ou menor quantidade em termos semi-quantitativos). As cultivares Vitória e Pérola apresentaram constitutivamente coloração mais intensa quando comparada com ‘Smooth Cayenne’ e para 48 h Controle (Tabela 2, Figura 19 e 20). Tabela 2 - Representação da presença de compostos orgânicos nas folhas de três cultivares de abacaxi constitutivamente e após 0 e 48 horas de inoculação, analisadas por histoquímica após coloração com reagentes específicos. Composto 48 horas Controle Constitutivo 48 horas Inoculado V SC P V SC P V SC P Amido ++ + +++ ++ ++ +++ +++ +++ +++ Compostos fenólicos totais +++ ++ + +++ + + +++ + + Compostos fenólicos ligados ++ ++ ++ ++ ++ ++ +++ ++ ++ Lipídios +++ ++ + ++ ++ + ++ ++ + V - 'Vitória’; SC - 'Smooth Cayenne’; P - 'Pérola’ +++ - coloração mais intensa ++ - coloração intermediária + - menor intensidade de coloração Em estudo com dois genótipos de amendoim (Arachis hypogaea L.), um resistente e outro suscetível, a análise histoquímica foliar de não demonstrou diferenças entre os genótipos quanto à coloração para amido. O teste foi positivo nas células epidérmicas, hipoderme, clorênquima, bainha, parênquima do xilema e floema, na seção transversal do pecíolo (VEIGA et al., 1992). Em todas as cultivares de abacaxizeiro analisadas no presente estudo a distribuição do amido foi mais restrita, localizando-se principalmente na região central do parênquima. Já nas folhas de Brosimum gaudichaudii, uma espécie comum nos cerrados, com grande valor na medicina popular e na indústria de medicamentos, foi 82 observada a mesma distribuição de amido presente na folha de abacaxizeiro. Os grãos de amido na lâmina foliar de B. gaudichaudii são presentes no parênquima da nervura principal e no parênquima paliçádico da região internervural (JACOMASSI; MOSCHETA; MACHADO, 2007). +++ ++ D A + B ++ E +++ C + F Figura 19 - Padrão de distribuição e intensidade de coloração para amido e lipídios na seção transversal da folha de abacaxizeiro segundo símbolos da tabela 2. A e D: Vitória; B e E: Smooth Cayenne; C e F: Pérola. A, B e C: coloração com o reagente de Lugol para identificação de amido; D, E e F: coloração com o reagente Sudam III para identificação de lipídios. (Barra A, B, D-F = 500 µm; C = 100 µm). 83 +++ +++ D A ++ ++ B E + C ++ F Figura 20 – Padrão de distribuição e intensidade de coloração para compostos fenólicos totais e ligados a parede celular na seção transversal da folha de abacaxizeiro segundo símbolos da tabela 2. A e D: Vitória; B e E: Smooth Cayenne; C e F: Pérola. A, B e C: coloração com o reagente Cloreto Férrico para identificação de compostos fenólicos totais; D, E e F: coloração com o reagente Floroglucinol Acidificado para identificação de compostos fenólicos ligados à parede celular. (Barra A, B, D-F = 500 µm; F = 100 µm). 84 Muitos compostos presentes na planta podem estar associados à resistência do tecido vegetal. Compostos fenólicos ligados à parede celular, fenóis livres e lipídios constituintes da cutina são compostos que contribuem, em muito, com a resistência de uma planta, formando barreiras químicas e constitutivas aos patógenos. Em geral, cultivares ou espécies que apresentem determinados compostos do metabolismo secundário ou mesmo primário (como lipídios na epiderme) são mais resistentes. Assim, realizaram-se testes histoquímicos objetivando evidenciar a presença e localização de compostos tóxicos ao patógeno (como os compostos fenólicos) ou mesmo compostos importantes para defesa estrutural da planta (como lipídios presentes na cutina). Todas as cultivares apresentaram a mesma localização em relação aos compostos fenólicos totais, caracterizada pela coloração esverdeada à negra dada pelo reagente Cloreto Férrico. A maior intensidade de fenóis totais foi observada principalmente ao longo da região central do mesófilo, concentrado principalmente entre os feixes vasculares e aerênquima, além de concentração evidente nas fibras, devido à presença de compostos fenólicos e monolignóis ligados à parede. As diferenças observadas para este teste foram em termos de intensidade de coloração, ao longo do tempo e entre as cultivares. Nas análises após 48 h de incubação, a cv. Vitória apresentou diferenças entre Controle e Inoculado. Nos tecidos da cv. ‘Vitória’ 48 h Controle houve uma redução na intensidade de coloração esverdeada à negra na região central do mesófilo. Os compostos fenólicos tornam-se concentrados nas fibras, provavelmente pela presença de compostos fenólicos ligados à parede das células localizadas ao redor da lesão. Já nos tecidos de ‘Vitória’ 48 h Inoculado não foi observada a redução na intensidade de coloração observada no Controle, sendo evidente uma concentração superior na porção central do mesófilo, além da concentração nas fibras, feixes vasculares e principalmente ao longo da lesão. Constitutivamente a cv. Smooth Cayenne apresentou coloração ao longo da região central do mesófilo, entretanto, numa menor área, quando comparado com a ‘Vitória’. Nos tecidos do 48 h Controle de ‘Smooth Cayenne‘ há uma redução na concentração dos compostos fenólicos na região central do 85 mesófilo, restringindo-se a poucas porções com coloração intensa. Os compostos fenólicos tornam-se concentrados nas fibras, devido à presença de compostos fenólicos ligados, entretanto ao longo da lesão não foi envidente a presença de compostos fenólicos, sendo ausente a coloração esverdeada. A cv. Pérola apresentou distribuição de compostos fenólicos constitutivos numa menor área e em menor intensidade quando comparado com ‘Vitória’ e ‘Smooth Cayenne’. Para os tecidos analisados após 48 h do ferimento, tanto Controle como o Inoculado, há restrição a poucas porções com coloração intensa, apresentando menor coloração para compostos fenólicos. Em estudo recente, foi observada a presença de compostos fenólicos, por meio da histoquímica, em 5 de 7 espécies de eucalipto. Em todas as cinco espécies a presença mais evidente desses compostos foi observada no mesófilo, especialmente na região do parênquima paliçádico e, em alguns casos na epiderme (SANTOS et al., 2008). A presença de compostos fenólicos nos tecidos dessas espécies foi abordada como uma vantagem, já que estes compostos estão relacionados com a defesa vegetal. A presença de compostos fenólicos nos tecidos parenquimáticos também foi observada no presente estudo, funcionando como uma vantagem para a espécie que os possuiria em maiores quantidades. No caso, a cv. Vitória poderia exibir vantagens em relação às demais cultivares não só com relação à ausência de ataques de patógenos e herbívoros, mas também com relação à proteção contra raios ultra-violeta e situações de deficiência hídrica. Análises histoquímicas dos compostos fenólicos presentes em plantas de Aspidosperma australe e Aspidosperma cylindrocarpon demonstraram coloração diferenciada para as duas espécies. A. australe é altamente suscetível à infestação por insetos galhadores. Os polifenóis foram detectados, em A. australe, como conteúdo castanho claro em quantidade relativamente pequena nas células epidérmicas da face abaxial. Em A. cylindrocarpon, os polifenóis foram detectados como conteúdo enegrecido nos vacúolos das células parenquimáticas adjacentes às epidermes em ambas as faces e na camada mais externa do parênquima paliçádico (ISAIAS et al., 2000). 86 Nas análises histoquímicas A. cylindrocarpon apresentou maior produção de substâncias fenólicas. A maior concentração e a localização de substâncias fenólicas no mesófilo de A. cylindrocarpon foram descritas como uma barreira ao ataque por insetos herbívoros (ISAIAS et al., 2000). Da mesma forma, a cv. Vitória apresentou a maior coloração dentre as cultivares, tanto constitutivamente como após os tratamentos. A coloração com o reagente Floroglucinol Acidificado demonstrou a mesma localização nos tecidos das três cultivares para a lignina e compostos fenólicos ligados à parede, presentes nas fibras e nos feixes vasculares de xilema. Semelhantemente, em uma espécie de maracujazeiro Passiflora setacea, análises das folhas com Floroglucinol indicaram a presença de lignina nos elementos do tecido vascular (PEREIRA et al., 2008), onde normalmente esse composto está presente (GLÓRIA, 2006). Em geral, os tecidos vasculares apresentam-se lignificados, o que confere proteção a estes tecidos e sustentação ao corpo da planta. Na cv. Vitória, nos tecidos de 48 h Controle, os compostos fenólicos ligados encontravam-se nas fibras e ao longo do ferimento. No tecido da ‘Vitória’ 48 h Inoculado, a distribuição dos compostos fenólicos manteve-se nos feixes vasculares de xilema, logo abaixo da epiderme (hipoderme), fibras e em torno da lesão de forma intensa. ‘Smooth Cayenne‘ e ‘Pérola’ apresentaram distribuição de compostos fenólicos ligados semelhante ao já descrito para todos os tratamentos. As duas cultivares suscetíveis não diferiram também com relação à intensidade de coloração para compostos fenólicos ligados, apresentando-se com coloração intermediária (Tabela 2, Figura 20). Na detecção de lipídios, todas as cultivares apresentaram a mesma localização para a presença destes compostos. A coloração apresentou-se nos feixes de xilema e fibras, onde podem ser observados depósitos de lipídios provenientes da suberina, que compõe estes órgãos. A coloração também foi intensa na epiderme, proveniente dos lipídios que compõem a cutícula. 87 A cv. Vitória apresentou diferenças em termos de localização apenas nos tecidos de 48 h Controle e Inoculado, nos quais houve ainda coloração ao redor da lesão (restrito à lesão). A coloração mais intensa ao redor da lesão na cv. Vitória pode estar relacionada com uma maior eficiência da cv. em evitar a perda de água, a partir do maior depósito de lipídios, apresentando-se como uma vantagem nesta cv. Os lipídios são moléculas altamente hidrofóbicas que evitam a perda de água dos tecidos vegetais para o ambiente externo. Para os tecidos de 48 h Controle e 48 h Inoculado das cultivares Smooth Cayenne e Pérola, os lipídios estão presentes nos feixes de xilema, fibras, epiderme e ao redor da lesão. A cv. Pérola apresentou coloração de forma menos intensa ao redor da lesão quando comparado à ‘Vitória’ e ‘Smooth Cayenne’. Em Passiflora setacea, análises com Sudam indicaram a presença de lipídios apenas na cutícula das folhas (PEREIRA et al., 2008). Nas cultivares de abacaxizeiro estudadas a distribuição de lipídios foi mais ampla, estando presente também nas vasos do xilema e fibras. Provavelmente, a maior distribuição destes compostos em abacaxizeiro dá-se pelas características fisiológicas da planta, adaptada a ambientes secos, com grande intensidade luminosa e elevada perda de água. Os lipídios teriam então maior importância nesta espécie, diminuindo sua perda de água. 5.4 INFLUÊNCIA BIOQUÍMICA NA RESISTÊNCIA DA CV. VITÓRIA 5.4.1 Teores de fenóis ligados à parede celular e livres como fatores de resistência da cv. Vitória Com o objetivo de determinar as diferenças quanto ao teor de fenóis em cada uma das cultivares realizou-se as dosagens bioquímicas. Pôde-se, dessa forma, estabelecer a existência de relações entre resistência e suscetibilidade 88 entre as variedades com os teores de compostos fenólicos maiores ou menores. As plantas produzem uma ampla gama de metabólitos secundários, muitos constitutivos, estando presentes em suas formas ativas em plantas sadias. Trata-se da defesa bioquímica pré-formada que, em geral, acumula-se em tecidos mais externos e funcionam como barreiras bioquímicas primárias contra os patógenos (OSBOURN, 1996a). Os dados da figura 21 demonstram que a cv. Vitória apresentou quantidades elevadas de compostos fenólicos ligados à parede celular quando comparados aos teores das outras duas cultivares suscetíveis. Quanto comparada à ‘Smooth Cayenne’, a cv. Vitória apresentou quantidades 30% maiores de compostos fenólicos ligados à parede celular. Já quando comparada à cv. Pérola, a diferença é muito maior: ‘Vitória’ apresenta teores 519% maiores, demonstrando uma diferença acentuada. Assim, a maior quantidade de compostos fenólicos ligados à parede celular em ‘Vitória’ sugere uma característica importante para sua resistência. Valores elevados de compostos fenólicos, além de funcionar como compostos altamente tóxicos a microorganismos, atuam também como precursores para polímeros complexos com função de barreira estrutural. Uma das mais importantes classes de produtos do metabolismo secundário com atividade de defesa contra patógenos em plantas é a dos compostos fenólicos (LEGRAND, 1983). Os compostos fenólicos são produzidos a partir da fenilalanina e hidroxifenilalalina a partir da via do chiquimato (Figura 8 e 13). Esta via é responsável pela síntese de aminoácidos aromáticos como a fenilalanina e tirosina, extremamente importantes como precursores dos compostos fenólicos, dentre os quais podemos citar a lignina. A lignina é um polímero de monômeros aromáticos de fenóis que podem variar em tipo e em quantidade, dependendo da espécie vegetal e tipo de lignina. Sua formação dá-se como resposta a danos mecânicos ou ferimentos, e muitas plantas respondem ao ataque de patógenos pela deposição de lignina e outros 89 fenóis ligados à parede celular no local do ataque patogênico (BOUDET; GRIMA-PETTENATI, 1996). 2.00 Concentração de fenóis (µg de fenol/mg de folha) 1.75 1.50 1.25 1.00 0.75 0.50 0.25 0.00 'Vitória' 'Smooth Cayenne' 'Pérola' Cultivar Figura 21 - Teor de fenóis ligados em µg por mg de folha fresca presentes na porção aclorofilada das folhas de três cultivares de abacaxizeiro. Valores superiores de compostos fenólicos ligados à parede celular sugerem uma relação com a maior eficiência no espessamento das paredes celulares quando em presença do patógeno após ferimento. Compostos fenólicos têm sido implicados no mecanismo de defesa de plantas, principalmente relacionado ao processo de lignificação (BAPTISTA et al., 1999; NOJOSA et al., 2003). Assim, compostos fenólicos nas plantas podem apresentar efeitos tóxicos, como radicais livres ou mesmo formação e deposição de lignina, constituindo então uma barreira física. A presença de fenóis na parede celular do hospedeiro é constantemente associada à resistência às enzimas fúngicas e à formação de uma barreira 90 física contra penetração fúngica. Monômeros de fenóis presentes na parede celular de plantas são importantes para a rápida resposta do tecido a ferimentos e lesões, proporcionando a síntese e deposição de lignina durante a resposta de defesa ao agente agressor (DE ASCENSAO; DUBERY, 2003). Além disso, a esterificação de ácidos fenólicos nos materiais das paredes celulares vegetais tem sido sugerida funcionar como molde para a deposição de lignina adicional, constituindo-se expressão de resistência (SANTIAGO et al., 2007). Assim, teores elevados de compostos fenólicos ligados à parede celular estariam altamente correlacionados com a deposição de lignina, caracterizando-se como processos integrados e contínuos. A resistência da cv. Vitória em campo poderia então ser explicada em parte pela grande quantidade de compostos fenólicos ligados à parede celular, monômeros estes, que, no momento de infecção e colonização por parte do patógeno formariam polímeros de lignina. A cv. Smooth Cayenne, parental da cv. resistente, apresentou valores intermediários entre ‘Vitória’ e ‘Pérola’. Com relação aos compostos fenólicos livres, a cv. Vitória apresentou quantidades 60% menores que a cv. Smooth Cayenne, enquanto quando comparado a ‘Pérola’ a cv. Vitória apresentou teores de compostos fenólicos livres 719% maiores. Assim, a cv. Vitória apresentou valores intermediários, enquanto ‘Pérola’ apresentou os menores teores de compostos fenólicos livres (Figura 22). 91 1.50 Concentração de fenóis (µg de fenol/mg de folha) 1.25 1.00 0.75 0.50 0.25 0.00 'Vitória' 'Smooth Cayenne' 'Pérola' Cultivar Figura 22 - Teor de fenóis livres em µg por mg de folha fresca presentes na porção aclorofilada das folhas das três cultivares de abacaxizeiro. Algumas plantas apresentam teores elevados de compostos fenólicos constitutivamente, associados à defesa pré-formada. Esses compostos fenólicos livres pré-formados, em geral, estão relacionados à resistência das plantas não hospedeiras. Assim, o acúmulo de material fenólico, normalmente em porções externas dos órgãos vegetais, em geral não está envolvido com a maior resistência de espécies ou cultivares a agentes causadores de doenças daquela espécie (BAPTISTA et al., 1999). Com relação aos compostos fenólicos livres na célula, a cv. Smooth Cayenne apresentou valores superiores aos de ‘Vitória’ e ‘Pérola’. Compostos fenólicos livres podem apresentar função no isolamento do patógeno, constituindo-se compostos antimicrobianos. Entretanto, a cv. Smooth Cayenne é caracterizada como suscetível à fusariose em campo, demonstrando-se assim a ineficiência desses compostos, apesar de em maior quantidade, como antifúngicos nesta cultivar. Este fato poderia ser explicado pela ineficácia dos compostos fenólicos livres, produzidos constitutivamente, na inibição do desenvolvimento de F. 92 subglutinans f. sp. ananas na ‘Smooth Cayenne’, já que este é um fungo que apresenta como hospedeiro apenas o abacaxizeiro. 5.4.2 Influência dos teores de proteínas na resistência de ‘Vitória’ Com o objetivo de determinar as diferenças quanto ao teor de proteínas em cada um das cultivares, realizou-se a dosagem bioquímica, estabelecendo-se assim um paralelo entre a quantidade de proteínas e a resistência nas três variedades de abacaxi. A cultivar Vitória apresentou teor elevado de proteínas constitutivas quando comparada às demais cultivares (Figura 23). Em relação à cultivar Smooth Cayenne, a quantidade constitutiva de proteínas na cv. Vitória é 52% maior. Já quando comparada à ‘Pérola’, o teor de proteínas da cv. Vitória é 135% maior. Proteínas são macromoléculas constantemente envolvidas em mecanismos de defesa em plantas. Assim, esta grande concentração de proteínas nos tecidos de ‘Vitória’ explicaria, ao menos em parte, a resistência à fusariose de ‘Vitória’ em campo, já que estas proteínas poderiam constituir mecanismos eficientes de defesa. 93 Concentração de proteínas (µg de proteínas/mg de folha) 1.50 1.25 1.00 0.75 0.50 0.25 0.00 'Vitória' 'Smooth Cayenne' 'Pérola' Cultivar Figura 23 - Teor de proteínas totais em µg por mg de folha fresca presentes na porção aclorofilada das folhas das três cultivares de abacaxizeiro. Proteínas produzidas constitutivamente em vegetais podem ter funções variadas na defesa vegetal, apresentando-se como enzimas degradadoras de moléculas provenientes de patógenos, como a quitina fúngica, por exemplo, além de inibidores de proteinases, tioninas, proteínas ricas em prolina, enzimas envolvidas no metabolismo de fenilpropanóide e proteínas inativadoras de ribossomos -RIPs (REINBOTHE et al., 1994), ou proteínas de reserva vegetativa (VSPs), proteínas com a função de proteger e defender as plantas sob condições de estresse (ROSSATO et al., 2002). Essa ampla gama de proteínas produzidas nas plantas mesmo sem a invasão dos tecidos por patógenos tem sua síntese aumentada em muito nos momentos de infecção, colaborando para o combate do agente agressor. Tecidos ricos em proteínas têm maiores probabilidades de apresentarem elevados teores constitutivos de proteínas eficazes no combate imediato de agentes patogênicos que invadam os tecidos do vegetal. Assim, ‘Vitória’ com sua grande quantidade de proteínas poderia apresentar mecanismos mais 94 rápidos e eficientes de defesa imediatamente após a invação patogênica. Essa disponibilização imediata de quantidades superiores de proteínas relacionadas à defesa poderia constituir uma primeira “frente” de defesa na cv. Vitória, combatendo, diminuindo ou anulando os efeitos danosos do patógeno nos tecidos vegetais do abacaxizeiro. Proteínas e peptídeos antifúngicos apresentam função protetora contra a invasão fúngica. Produzidas por uma ampla gama de organismos com plantas com flores, gimnospermas, fungos, bactérias e insetos (NG, 2004), as proteínas antifúngicas apresentam uma grande diversidade de estruturas. Algumas proteínas antifúngicas são classificadas, baseadas em sua estrutura e/ou função em quitinases, glucanases, proteínas semelhantes à taumatinas, tioninas e proteínas semelhantes à ciclofilina (WANG; NG, 2005). Outras proteínas bem conhecidas como as lectinas, proteínas inativadoras de ribossomo, ribonucleases, desoxiribonucleases, peroxidases e inibidoras de proteases também apresentam atividade antifúngica (NG, 2004). Além de atuarem imediatamente sobre o patógeno, muitas dessas proteínas podem ser fatores importantes para síntese mais rápida de compostos e outras proteínas para mecanismos mais tardios de defesa. Assim, a partir de fatores protéicos pré-existentes, a síntese de novos compostos na cv. Vitória se daria mais rapidamente, devido à maior quantidade de proteínas envolvidas na síntese desses aparatos. Proteínas de resistência em plantas estão direta ou indiretamente relacionadas à presença de fatores de virulência do patógeno e representam uma forma eficiente de imunidade vegetal, incluindo frequentemente a morte celular programada no vegetal (GASSMANN, 2008). A ativação de algumas dessas proteínas com papel importante na resistência do vegetal pode apresentar papel lesivo às células vegetais, sendo este processo regulado em vários níveis. Nestes casos, muitas PRP’s podem apresentar uma codificação diferenciada devido a splicing alternativo dos genes, gerando transcritos alternativos (GASSMANN, 2008) com papel positivo na ativação da defesa da planta. Assim, esses transcritos alternativos seriam ativados nos momentos de estresses na planta, não causando danos desnecessários à célula vegetal. 95 A presença de maior quantidade de proteínas na cv. resistente poderia indicar uma maior quantidade de proteínas de reconhecimento. As moléculas elicitoras do patógeno interagem com proteínas receptoras da planta, que sinalizam uma cascata de reações que compõem as reações para a defesa das plantas. As interações proteína-proteína são determinantes para a resistência ou suscetibilidade da planta (BOGDANOVE, 2002). Interações genéticas entre genes de resistência de plantas e genes de avirulência do patógeno torna a planta capaz de reconhecer o patógeno e ativar os mecanismos de defesa. Estas interações gene-a-gene, em geral, estão envolvidas diretamente com interações dos produtos dos genes. A presença de uma pequena quantidade de proteínas de reconhecimento nas células poderia ser a causa da suscetibilidade das cultivares Pérola e Smooth Cayenne. A especificidade incompleta de algumas dessas interações em laboratório sugerem que proteínas adicionais poderiam ser requeridas para conferir especificidade na planta (BOGDANOVE, 2002). Assim, a ausência da proteína específica para o reconhecimento de elicitores de F. subglutinans f. sp. ananas impossibilitaria determinada cv. “perceber” a presença do patógeno, não disparando as vias de defesa do vegetal. Sem o reconhecimento por parte da planta o patógeno poderia colonizar os tecidos vegetais, apresentando-se suscetível àquele microorganismo. 5.5 INIBIÇÃO DO CRESCIMENTO FÚNGICO EM PRESENÇA DO EXTRATO PROTÉICO DAS FOLHAS Diante da grande quantidade de proteínas presentes na cv. Vitória foram realizados testes antifúngicos com o extrato protéico da porção aclorofilada das folhas. Os ensaios foram realizados para determinar se estas proteínas apresentariam atividade antifúngica ou outras funções como sinalização, composição estrutural e ação enzimática, atuando em vias de resistência de plantas. Assim, estas proteínas poderiam ser em parte responsáveis pela resistência do abacaxizeiro ‘Vitória’, não com ação direta contra o fungo, mas com papel na síntese de compostos responsáveis pela defesa, como por 96 exemplo, lignina, papilas, compostos tóxicos como fenóis, dentre outros. Vale ressaltar que as plantas podem produzir potentes compostos antifúngicos com atuação direta sobre o fungo. Produzidas constitutivamente ou de maneira induzida, proteínas antifúngicas apresentam-se com função de implementar as barreiras estruturais contra as infecções microbianas (LUCCA; CLEVELAND; WEDGE, 2005). Objetivando avaliar a possibilidade de proteínas de defesa serem as responsáveis pela resistência da cv. Vitória em campo, foram realizados testes antifúngicos com o extrato protéico das folhas aclorofiladas das três cultivares. Assim, o fungo F. subglutinans f. sp. ananas foi crescido na presença do extrato protéico, numa concentração de 0,5 mg de proteínas por mL de meio, das três cultivares buscando-se compreender a possível relação de proteínas antifúngicas presentes nas folhas de ‘Vitória’ com a ausência do crescimento do fungo nestas plantas em campo. Diferentes concentrações de proteínas também foram testadas (dados não mostrados). As concentrações de 0,0; 0,05; 0,1; 0,2; 0,3 e 0,4 mg/mL de proteína apresentaram resultados menos expressivos com relação à inibição do crescimento fúngico. Assim, com o aumento da concentração de proteínas houve aumento da inibição do crescimento de F. subglutinans f. sp. ananas. Os melhores resultados com relação ao efeito dos extratos das diferentes cultivares no crescimento fúngico foram observados na concentração de proteínas de 0,5 mg/mL (Figura 24). Após análise do crescimento do fungo durante quatro dias observou-se que, em presença do extrato da cv. Vitória, F. subglutinans f. sp. ananas obteve sua menor absorbância (Figura 24), demonstrando o menor crescimento do fungo em presença do extrato da cv. Vitória, quando comparado com as duas outras cultivares. Este menor crescimento do fungo quando em presença do extrato protéico da cv. Vitória pode ser atribuído à presença de proteínas antifúngicas no extrato, como por exemplo, defensinas. Esses resultados são suportados por uma série de estudos que abordam proteínas com atividade antifúngica (FRITIG; HEITZ; LEGRAND, 1998; GIUDICI; REGENTE; CANAL, 2000; NG, 97 2004; WANG; NG, 2005; FERREIRA et al., 2007; MUÑOZ; GARCÍA; MARCOS, 2007). 1,00 Absorbância (u.a.) 0,75 0,50 0,25 0,00 0 1 2 3 4 Tempo (dias) Figura 24 - Efeito do extrato protéico das folhas das três cultivares ( Vitória, Pérola) no desenvolvimento do fungo F. Smooth Cayenne e subglutinans f. sp. ananas determinado pela absorbância. Como controle positivo foi utilizado o fungicida benomyl ( ) e para o controle negativo foi utilizado água estéril ( ). As proteínas antimicrobianas expressas nas folhas são, de longe, as mais estudadas (SLUSARENKO; FRASER; VAN LOON, 2001), sendo as folhas do abacaxizeiro uma provável fonte desses compostos. Plantas tropicais são expostas a uma série de estresses como, alta incidência de raios ultravioleta, altas temperaturas e estresse osmótico. O abacaxizeiro, exposto a esses estresses, apresenta-se com uma fruteira com potencial para produção de grandes quantidades de proteínas de defesa, que atuariam não só em estresses abióticos como também em estresses bióticos, como a invasão fúngica (TAIRA; TOMA; ISHIHARA, 2005). Dentre as proteínas antimicrobianas existem aquelas que atuam contra a invasão fúngica dos tecidos vegetais. Proteínas antifúngicas estão envolvidas 98 na defesa constitutiva e induzida contra o ataque de fungos (SELITRENNIKOFF, 2001). O fungo F. subglutinans f. sp. ananas, quando em presença dos três diferentes extratos apresentou diminuição no crescimento micelial. Isto pode ser observado através de valores inferiores de absorbância para as três cultivares quando comparadas com o controle no quarto dia (Figura 22). Quanto maior a absorbância obtida, maior a concentração de hifas do fungo ao longo do tempo. O modelo matemático utilizado para a confecção da curva de crescimento de F. subglutinans f. sp. ananas é bastante característico para crescimento de microorganismos. Assim, para estimar o crescimento do fungo em meio líquido a curva S pode ser dividida em algumas etapas: lag, exponencial, declínio, estacionária e morte celular (BRITISH MYCOLOGICAL SOCIETY, 2009). Durante a fase lag inicial a taxa de crescimento do fungo é bastante reduzida. Esta fase foi observada no primeiro dia de análise para o crescimento do fungo em presença de todos os extratos (Figura 24). Para as cultivares Smooth Cayenne e Vitória, a partir do primeiro dia o crescimento fúngico demonstrouse acelerado, caracterizando a fase exponencial de crescimento. Esta fase representa o período durante a incubação em que o fungo cresce mais rápido. A cv. Pérola apresentou altos valores de absorbância (Figura 24) já nos períodos iniciais (entre o dia 0 e 2), demonstrando já neste período a fase exponencial de crescimento. Os valores de absorbância para ‘Pérola’ foram muito superiores que os obtidos para as outras duas cultivares, inclusive para o controle (exceto no dia 5). A fase exponencial é estimulada ou limitada por diversos fatores, dentre eles a disponibilidade de nutrientes. As folhas da cv. Pérola apresentam quantidades muito superiores de grãos de amido que nas outras cultivares. Isto pôde ser observado nos testes histoquímicos a partir da coloração com o reagente de lugol (Tabela 2), em que os tecidos de ‘Pérola’ apresentaram coloração intensa na região do mesófilo próximo aos feixes vasculares. O maior crescimento do fungo na presença do extrato da cv. Pérola poderia ser explicado pela permanência de concentrações, mesmo que menos elevadas, de amido no extrato protéico desta cv. Devido às elevadas 99 concentrações de amido presentes na folha de ‘Pérola’, o método utilizado para o preparo do extrato protéico não foi o suficiente para a completa eliminação das moléculas de amido. A grande quantidade de amido nos tecidos de ‘Pérola’ poderia servir como substrato energético para o desenvolvimento do fungo F. subglutinans f. sp. ananas, fazendo com que o crescimento deste fosse muito superior em presença do extrato da cultivar. Na cv. Vitória a fase de declínio do crescimento do fungo foi a mais precoce, iniciando-se ainda no segundo dia de crescimento. Esse resultado demonstra a efetividade de proteínas antifúngicas presentes no extrato desta cv. em inibir o crescimento do fungo de maneira mais rápida e efetiva que nas outras duas cultivares suscetíveis. Após a fase de declínio, os nutrientes tornam-se escassos e os produtos tóxicos mais abundantes, caracterizando a fase estacionária. Nesta etapa não há um crescimento líquido da população, ou seja, o número de células que se divide é equivalente ao número de células que morrem. No meio contendo o extrato da cv. Pérola, a fase de declínio apresentou pequena duração, dando lugar a uma fase estacionária bastante precoce quando comparada às outras cultivares e ao controle. Este fato sugere o rápido consumo pelas células ali presentes dos nutrientes contidos no meio. Estas células estariam em elevada concentração devido à grande disponibilidade inicial de nutrientes. Após o período inicial, de grande crescimento do fungo e grande consumo de nutrientes, haveria então a escassez destes, limitando o crescimento futuro. Em presença do extrato da cv. Vitória, o crescimento fúngico alcançou a fase estacionária anteriormente do que quando em presença dos outros extratos. O crescimento do fungo em extrato de ‘Smooth Cayenne’ e no controle não alcançou a fase estacionária durante o período analisado. O crescimento de F. subglutinans f. sp. ananas na presença do extrato protéico da cv. Smooth Cayenne apresentou valores intermediários de crescimento quando comparado ao crescimento em presença das cultivares Vitória e Pérola. 100 Em trabalho com folhas inteiras do abacaxi, Taira; Toma e Ishihara (2005) isolaram três quitinases denominadas (PL Chi) -A, -B e -C, as duas últimas com alta atividade antifúngica, inibindo fortemente o crescimento fúngico. A PL ChiC é abundante em folhas de abacaxizeiro e pode ter papel fundamental contra fungos fitopatogênicos, mesmo em condições de alta concentração de NaCl, sendo assim adaptada para as condições de estresses a que o abacaxizeiro está exposto. PL Chi-A, uma quitinase ácida, apresenta massa molecular de 25 kDa, pH ótimo em torno de 3. PL Chi-B, quitinase básica, apresenta massa molecular de 33 kDa, com pH ótimo de 4, enquanto PL Chi-C apresenta massa molecular de 39 kDa, características ácidas e pH ótimo em torno de 9. Como as membranas de diálise utilizadas no presente estudo apresentavam poros de 3,5 kDa, as três quitinases possivelmente estavam presentes nos extratos de todas as cultivares. A inibição do crescimento fúngico que ocorreu em todas as cultivares se deu, provavelmente em parte, pela presença dessas quitinases, em especial a PL Chi-C, que apresenta alta atividade antifúngica. A esse respeito, cumpre mencionar que as quitinases apresentam papel essencial na defesa vegetal contra fungos e também contra bactérias (CAVALCANTI et al., 2006). No que tange os fungos patogênicos, como F. subglutinans f. sp. ananas, as quitinases presentes em abacaxi degradam a quitina, o principal componente da parede celular dos fungos. A maior inibição do crescimento fúngico em presença do extrato da cv. Vitória poderia ser explicada por uma possível maior tradução de PL Chi-C nesta cultivar, havendo então maiores concentrações desta quitinase nos tecidos da ‘Vitória’. A maior inibição pelo extrato da cv. resistente pode também ser explicada por uma maior concentração de outras proteínas de defesa e, em especial, proteínas antifúngicas, ainda não descritas. 101 6 CONCLUSÃO • Com base nos resultados obtidos, a interação dos tecidos vegetais com o fungo F. subglutinans f. sp. ananas demonstrou que as folhas da cv. Vitória apresentaram uma resposta mais rápida e eficaz ao ferimento acompanhado da inoculação com o patógeno quando comparada às cultivares Pérola e Smooth Cayenne. Essa resposta está relacionada à lignificação das paredes celulares, como mecanismo de resistência. • Adicionalmente, a cv. Vitória apresentou também mecanismos de espessamento de parede das células mais eficientes após injúria mecânica, comparado com as cultivares suscetíveis submetidas aos mesmos tratamentos, salientando o amplo espectro dos mecanismos de defesa desta cultivar. • A análise histoquímica diferencial das três cultivares revelou um padrão de distribuição tecidual dos compostos analisados semelhante entre as três cultivares avaliadas em diferentes tratamentos (constitutivamente, imediatamente após a inoculação com fungo e 48 h após a inoculação). Entretanto, as cultivares apresentaram diferenças na intensidade de coloração indicativa da presença de compostos fenólicos totais e ligados, sendo que a cv. Vitória apresentou-se mais fortemente corada. • A cv. Vitória apresentou teores mais elevados de compostos fenólicos ligados à parede, quando comparados com a cv. Smooth Cayenne e cv. Pérola (que apresentou as menores concentrações). Altos teores de fenóis ligados à parede encontrados constitutivamente na cv. Vitória estão relacionados a mecanismos mais eficazes de espessamento de paredes, através da lignificação. • A cv. Smooth Cayenne, suscetível a fusariose, apresentou concentrações de fenóis livres mais elevadas, entretanto, tais compostos não estão envolvidos com a defesa contra o fungo F. subglutinans f. sp. ananas, patógeno do abacaxizeiro. 102 • A cv. Vitória apresentou teores mais elevados de proteínas totais quando comparada às demais cultivares. Tais proteínas poderiam apresentar-se como proteínas antifúngicas com ação direta sobre o fungo ou mesmo como enzimas importantes na ativação de defesas mais tardias nos tecidos da ‘Vitória’, apresentando-se como uma importante vantagem nos mecanismos de defesa da cv. resistente. • O extrato bruto protéico da cv. Vitória demonstrou-se mais eficiente na inibição do crescimento de F. subglutinans f. sp. ananas, evidenciando a presença de proteínas antifúngicas mais eficazes contra o fungo no extrato desta cultivar. • Como perspectivas sugerem-se o estudo da ultra-estrutura da parede nas três cultivares, caracterizando-se as diferenças na organização das microfibrilas de celulose, além do estudo das proteínas expressas nos tecidos das três cultivares submetidos a estresses bióticos. 103 7 REFERÊNCIAS AGRIANUAL 2007 - ANUÁRIO DA AGRICULTURA BRASILEIRA. São Paulo: Instituto FNP, p.149 – 158, 2007. AGRIOS, G.N. How plants defend themselves against pathogens? In: AGRIOS, G.N. (Ed.). Plant Pathology. 5th ed. California: Academic Press, p.93-114, 2005. AIST, J.R. Structural responses as resistance mechanisms. In: Bailey JA, Deverall BJ, The dynamic of host defence. Australia: Academic Press, p. 33– 70, 1983. BAILEY, J.A. Biological perspectives of host-pathogen interactions. 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