karl marx (1818-1883) e friedrich engels (1820-1895

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KARL MARX (1818-1883) E FRIEDRICH ENGELS (1820-1895):
SUBSÍDIOS PARA UMA EDUCAÇÃO DIFERENCIADA
Mariângela Castejon - IFTM
Neusa Abadia Gomes Andrade - UFTM
Geraldo Gonçalves de Lima - IFTM
Resumo
Este trabalho tem como objetivo buscar as conexões do pensar de Karl Marx e Friedrich
Engels dentro do campo da epistemologia. Nesse sentido, afirmamos que tais pensadores não
elaboraram propriamente uma filosofia da educação, mas, nos deram uma visão da mesma,
dos problemas que nela e dela surgem, dando-nos confiança e esperança de que esses
problemas possam ser equacionados. É sob o viés deste pensar que nos propusemos discorrer
sobre a relação Sociedade, Ciência, Educação e Tecnologia. Contudo, entendemos que, para
se criar um sentido para essa discussão e fazer uma análise acurada do assunto, é preciso
iniciá-la a partir de referenciais filosóficos históricos. Para isso, referenciados em autores
como Chauí (2001); Arduini (1989); Marx e Engels (2001); Nogueira (2002), dentre outros,
pensamos que a educação precisa ser canalizada a fim de contribuir para a construção do
homem-cidadão, focada no futuro, esforçando-se em desenvolver as potencialidades naturais
do indivíduo, para além das massas ou processos de massificação. Portanto, ousamos
pressupor que o sistema educacional, do Ensino Fundamental à Universidade, necessita se
comprometer com a formação da cidadania, produção e difusão do conhecimento,
desenvolvimento pessoal, formação e promoção de saberes tecnológicos, humanos e
científicos, que estimule a transformação e, também, o sustente. Um plano educacional que
contemple o sistema escolar como um todo, no qual esforços conjugados de profissionais e
políticas governamentais sejam fortalecidos em favor da formação e acesso aos saberes para
todos dentro de um respeito à subjetividade de cada um.
Palavras-chave: Marx e Engels. Sociedade. Ciência. Educação e Tecnologia.
Introdução
Entendemos que, a fim de se criar um sentido para essa discussão e fazer uma análise
acurada do assunto, é preciso iniciá-la a partir de referenciais filosóficos históricos.
Referenciados também em Chauí (2001), afirmamos que a necessidade é para não se aceitar
todas as questões como óbvias uma vez que envolve da ciência, suas atividades e da
tecnologia, suas aplicabilidades. Segundo Chauí (2001), é possível perceber a necessidade de
se interrogar as ideias, os fatos, as situações, os comportamentos, os valores e a prática
educacional. Isso precisa ser feito à luz da história e com usos bem determinados.
Para Chauí (2001), são as necessidades que fazem com que as diversas instituições
modifiquem suas funções em decorrência das amplas mudanças dos fatores sociais,
econômicos e culturais. Ainda, mostram como a educação, ao se escolarizar na modernidade,
passou a exercer um papel de controlador e adaptador daquelas necessidades.
Com a finalidade de conhecer melhor as crenças e sentimentos e o porquê as temos e
os sentimos, buscaremos apoio no campo da filosofia. Nesse intuito, vem de Kant (17241804) a possibilidade de pensarmos na razão, uma vez chamada para organizar o caos da
experiência, pois as formas a priori da razão permitem conhecer os fenômenos. Assim, é a
filosofia que possibilita o conhecer-se por meio da história, uma vez que por ela analisa-se
simultaneamente como somos ou não pertencentes a uma história, ou seja, aquilo que o
sujeito é e o que virá a ser.
Dessa forma, neste estudo, objetivamos estabelecer as conexões do pensar de Karl
Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895) dentro do campo da epistemologia e sua
repercussão no entendimento sobre a educação. Assim, afirmamos que tais pensadores não
elaboraram propriamente uma filosofia da educação, mas nos deram uma visão da mesma, dos
problemas que nela e dela surgem, dando-nos confiança e esperança de que esses problemas
possam ser equacionados. É sob o viés deste pensar que nos propusemos discorrer sobre a
relação entre Sociedade, Ciência, Educação e Tecnologia.
Nesse sentido, a proposta é trazer reflexões sobre a empregabilidade e uso dos avanços
científicos e tecnológicos pela sociedade e das consequências e interdependências dessas
atividades no campo político, social e educacional. Sabemos que essas questões têm ganhado
crescente espaço nos debates educativos e o desafio que nos tem mobilizado é o de contribuir
para a formação crítica e ética do sujeito, possibilitando o fortalecimento de seus valores de
cidadania. Nesse caminho, acreditamos que os desdobramentos aos quais os currículos
escolares estão sendo submetidos em todos os níveis de formação, visam discutir tais
questões, mostrando a força, a amplitude e a urgência desse debate.
Discussão
Referenciados em Marx e Engels (2001), pensemos no processo educacional que se
insere no contexto da existência humana a partir do momento histórico da reunião do homem
em comunidade, de forma que sua essência é o conjunto das relações sociais humanas e de
sua práxis. Nesse contexto, o homem social e sua ação viabilizam relacionamentos consigo,
com o outro e com o meio. Assim, a força criadora da existência humana tem seu locus na
natureza e na sociedade, sendo que o trabalho do homem sobre a natureza na busca da
satisfação de suas necessidades faz com que, na medida em que ele realiza este trabalho, se
descubra como um ser que produz/constrói e assume consciência de si e do mundo, podendo
agir sobre a realidade no intuito de transformá-la.
[...] o primeiro pressuposto de toda a existência humana e também, portanto, de toda
a história, a saber, o pressuposto de que os homens têm de estar em condições de
viver para poder fazer história. Mas, para viver, precisam-se, antes de tudo, de
comida, bebida, moradia, vestimenta e algumas coisas mais. (MARX e ENGELS,
2001, p. 21)
Vem do pensamento marxista a possiblidade de entendermos que após satisfazer essas
primeiras necessidades, a ação de satisfazê-las conduzirá a novas necessidades, sendo este o
primeiro ato histórico. E, ainda, em um terceiro movimento, é que os homens renovam a vida
por meio da procriação, constituindo suas famílias, sendo esta a primeira relação social.
Nessas novas relações sociais, as necessidades mais uma vez são ampliadas, sendo o que vem
a ser a força produtiva nesse processo.
Essa concepção do homem, como indivíduo social e histórico, remete-nos à afirmação
de que é necessário que cada um produza sua própria história como atividade prática,
coletivamente, sendo que o início da construção humana é sua atividade objetiva. É aí que se
identifica o núcleo gerador do homem, pela sua ação transformadora – a práxis – que ele se
faz como tal e se distingue dos animais: “Mas eles mesmos [os homens] começam a se
distinguir dos animais tão logo começam a produzir seus meios de vida” (MARX e ENGELS,
2001, p. 10).
Ainda, precisamos reconhecer que é por meio da ação que cada um desenvolve
saberes, valores, crenças, atitudes e sentimentos específicos de acordo com suas diferentes
experiências vividas, especializando-se e compartilhando o produto de sua ação entre seus
semelhantes. Ou seja, para os autores, o modo de produção de vida material condiciona o
conjunto de todos os processos da vida social, política e espiritual. Ocorre é que se estabelece,
então, com o convívio em sociedade, a relação humana de construção e transformação de
conhecimentos, denominada educação informal.
Conforme explica Chauí (1980), a primeira forma de propriedade é a propriedade
tribal, estrutura ampliada de família; a segunda forma de propriedade é a propriedade estatal
(propriedade privada coletiva), e a terceira forma de propriedade é a propriedade feudal
(propriedade privada territorial trabalhada por servos da gleba). Estas transformações das
formas de propriedade privada culminam na propriedade privada capitalista.
Ainda, consoante Chauí (1980), referente à sociedade capitalista, os trabalhadores são
mantidos em suas condições de “força de trabalho alienada” mediante a consciência alienada,
processo pelo qual cada indivíduo permanece na atividade que lhe é imposta a partir da
ideologia a qual surge da separação entre trabalho “braçal” (material) e trabalho “intelectual”
(espiritual). Na divisão social do trabalho constitui-se, pelo conjunto das relações sociais, a
ideia de Sociedade. Tem início então a ideologia, pois a ideia de Sociedade aparece como
existente por si mesma, a priori das relações humanas e determinantes das mesmas,
justificando então a separação dos “papéis sociais”.
Dessa forma, podemos dizer que o processo educacional ocorre primeiro de maneira
informal, entre indivíduos, permeado pelas relações sociais e calcado nos relacionamentos
familiares. Nesse sentido, este está centrado no homem, que, por meio da práxis, torna-se
agente de sua existência, gerando aprimoramento em seu processo de produção de bens de
consumo. Sendo assim, o homem é o sujeito desse processo e, ao mesmo tempo, o principal
beneficiário. Assim, o ensino e a aprendizagem estão estabelecidos na sociedade mesmo antes
do surgimento da escola formal, ligado ao trabalho.
Retomando nossas análises sobre os autores de referência, apoiados nos argumentos de
Chauí (1980), é possível supor que na sociedade capitalista, a distribuição desigual dos meios
e condições do trabalho resulta em crise do sistema de dependência recíproca dos indivíduos,
ocasionando também uma falsa concepção antagônica entre os interesses comuns e
individuais. Assim, o percebido é que se pode afirmar que há uma concepção falsa, resultado
das ideologias, pois, onde há propriedade privada, não pode haver interesse social comum.
De forma esclarecedora, por meio das palavras de Chauí (1980), podemos perceber
que é exatamente nesta aparente contradição entre interesse comum e interesse individual que
surge o Estado, pois esse, assumindo forma autônoma, aparece como realização do interesse
comum. Entretanto, ele é a forma pela qual os interesses da classe dominante são
estabelecidos como aparência de interesses de toda a sociedade. Dessa forma, o Estado não é
a superação das contradições, como afirmava Hegel (1770-1831), mas a imposição dos
interesses de uma parte da sociedade sobre outras.
Portanto, ao termos o objetivo de entendermos os desafios atuais da educação e seus
interesses, é fundamental embasarmos a reflexão em pontos históricos da sociedade humana,
perceber a influência de vários movimentos, principalmente o da ciência sobre a educação
escolar, o compromisso do ensino na atualidade e o papel do mesmo através de sua evolução.
Centrando as análises no pós-modernismo, constata-se a valorização das diversificadas
formações culturais em seu sentido integrativo, globalizante e não homogeneizador. Por esse
prisma, há uma consideração do movimento histórico como elemento da realidade e das
significações da vida dos homens na produção do conhecimento. Assim, a cultura é assumida
como forma de recuperar os valores e as tradições de origem, na busca do eventual, do
efêmero e descontínuo, sem se opor completamente à cultura erudita do universal e do
concretizado.
Outro aspecto importante a ser citado, é quando o conhecimento passa a questionar a
si próprio, confrontando o método científico moderno, que se presume o único capaz de obter
o conhecimento do real, revelando as leis e explicando seu funcionamento. A verificação e a
comprovação do conhecimento só são então tomadas por verdadeiras e absolutas quando
executadas pelos cientistas e nas instituições científicas.
Para Freitas (1994), nesse raciocínio, é possível perceber que a ciência de nossos dias
está marcada pelos legados que impulsionaram todo o avanço tecnológico atual, mas também
pelas patologias herdadas do pensar a ciência desde sua fundamentação histórica. Isso se
tornou chave central para um ensino crítico, pois possibilita destituir a ciência de seu lugar
“canônico e santificado”. Nesse caminho, podemos perceber a ciência, ainda, a partir de uma
concepção de mundo fechado e hierarquicamente ordenado, tanto que a divisão entre os
saberes se caracteriza por uma especialização, pela separação crescente das disciplinas
científicas e por uma conduta do cientista que desconsidera as questões gerais vinculadas à
significação global de suas pesquisas, pois se limita aos conteúdos específicos de uma
disciplina. Isso explica a fragmentação dos saberes que estão e são inseridos na escola.
O que se observa com isso é uma homogeneidade da comunidade científica e não uma
interdisciplinaridade dos múltiplos conhecimentos. Quanto à pós-modernidade, ela
caracteriza-se pelo fim da verticalização entre os conhecimentos e pressupõe a
heterogeneidade deles, de modo a superar as divisões das diversas disciplinas acerca de um
olhar múltiplo sobre nossos objetos de estudo. Muito tem se defendido um modelo explicativo
interdisciplinar que supera as próprias barreiras que a História tem encontrado nos limites de
sua especialidade e mais um passo ter-se-á como resultado a eliminação definitiva de
fronteiras na produção do conhecimento (FREITAS, 1994).
Precisamos ainda reforçar que a ciência pós-moderna tem questionado a autenticidade
de um conhecimento carregado de pura objetividade. O objeto do conhecimento torna-se,
neste sentido, uma construção do sujeito; o homem é o sujeito do conhecimento científico que
interfere e determina a relação epistemológica sujeito-objeto.
Nessa mesma linha de raciocínio, o sujeito se refaz ao ser assumido como indivíduo
concreto e social, com sua ação e suas condições materiais de vida, caracterizado
primeiramente pela consciência da natureza ou da práxis existente e pela consciência de suas
produções teóricas. O pensamento pós-moderno considera o importante papel do sujeito
consciente de si mesmo nessas atividades. Essa compreensão do sujeito supera o
comportamento gerado pela Modernidade que o enclausurou no seu ensimesmamento, na sua
subjetividade egocêntrica, sem as suas relações com sua práxis e sua existência. O sujeito
torna-se detentor da sua vitalidade como agente e responsável por seu existir social e
histórico. (GIROUX, 1993, p. 61-3)
No entanto, esta crise de paradigmas da ciência constitui-se em um amadurecimento.
Nesse caminho, os períodos de crise são extremamente férteis porque abrem novas
possibilidades ao pensamento. Portanto, eles permitem o surgimento de alternativas aos
modos de pensar anteriores, porém o confronto das abordagens moderna e pós-moderna não
implica necessariamente na ocorrência de uma substituição de uma pela outra, muito menos
na existência de uma transição.
Candau e Moreira (2003) identificam e enumeram alguns desafios a serem enfrentados
se quisermos promover uma educação intercultural e com uma perspectiva crítica e
emancipatória. Contudo, estes não são fáceis, pois percebemos que a educação está
relacionada às transformações decorrentes da estrutura social. Como Severino (2006),
sinalizamos que ela deve mediar às ações desempenhadas pelos indivíduos, isto é, entrelaçada
ao contexto social, uma vez que envolve interesses políticos, social e profissional. Em razão
disso, a educação é tida então, como mediadora, entre o saberes e práticas sociais, permeando
toda a vida social e, como orienta Freire, (2005) precisa promover o sujeito inserido nela.
De forma esclarecedora, Pimenta (1996) ainda afirma que, consequentemente, a
educação é algo histórico, que se modifica pela ação, na relação que o sujeito estabelece com
ele e seu meio e que, por sua vez, o modifica. Também, as conquistas e possibilidades ainda
podem ser percebidas nos ganhos em torno de aspectos afetivos e cognitivos na relação social
entre sujeitos, pressupondo que influem e contribuem para a aprendizagem de conteúdos
trabalhados. Para Vygotsky (2000), é aprender que possibilita ao sujeito usar seu saber no
cotidiano, tornando o conhecimento útil e aplicável, o que dá sentido ao processo. Nisso fica
entendido a importância da conectividade entre saber escolar e saber cotidiano.
Para Monteiro (2003), o saber escolar é aquele ensinado na escola, sistematizado, ou,
ainda, um saber científico adequada ao ensino escolar. Claro que essa sistematização não
implica em negar as outras formas de saber, pois as formas assistemáticas são pontos de
partida possíveis para a apropriação das formas mais complexas inerentes ao saber escolar. E,
por saber cotidiano, Giardinetto (1997) esclarece que, como o próprio nome informa, refere-se
aos saberes que ocorrem fora dos bancos escolares, nos quais não há uma sistematização, são
construídos nas relações sociais empreendidas com os demais sujeitos sociais.
Podemos entender, então, que a discussão em torno dos paradigmas da ciência afeta
sensivelmente o campo da pedagogia: educação e método de ensino não estão distantes desses
pressupostos e também passam por momentos de crise e reconstrução do pensamento. Nesse
ponto centra-se a relevância do papel da educação em desempenhar uma reflexão crítica dos
alunos perante o contexto atual, pois as análises epistemológicas da ciência encontraram
diretrizes para orientar a abordagem tanto do conhecimento cotidiano quanto do
conhecimento científico e, consequentemente, de sua construção em conhecimento escolar e,
para tal, é preciso entender o que caracteriza ambos os conhecimentos e como são definidos,
provocando sua reconstrução e fazendo com que cheguem às massas populares.
A construção do conhecimento escolar assume o conhecimento cotidiano que é gerado
quando damos significado aos outros com os outros; é conhecimento corriqueiro, nasce do
nosso modo de vida. A gênese do conhecimento humano implica a práxis imediata do agir no
mundo, da produção da própria vida.
O conhecimento cotidiano, como conhecimento do senso comum, nasce
imediatamente da relação básica e primordial do caráter prático do sujeito e a
realidade fática do mundo. Não há como separar a relação da práxis com o
conhecimento, pois a objetividade do mundo só pode ser apreendida no próprio
âmbito da práxis. (SILVA, 2001, p. 76)
Contudo, mesmo sendo o conhecimento cotidiano um elemento essencial e primordial
aos homens, ele não é suficiente para compreender a complexidade do universo existencial,
pois os homens são capazes de acontecer, de romper com suas estruturas físicas e, dessa
forma, não podem ser analisados apenas por seu arcabouço biológico e fisiológico.
De acordo com Silva (2001), o caráter epistemológico do conhecimento científico, que
se faz na objetivação exigida pela necessidade dos homens atuarem e controlarem a realidade,
tem seu objeto formado pela realidade objetiva com sua significação resultante da práxis
enquanto atividade humana intencional e subjetiva sobre a matéria. Onde há intencionalidade,
há também razão, que confere ao homem a condição de avaliar, julgar, ponderar, elaborar
raciocínios e juízos sobre determinadas situações.
Dialogando com Silva (2001), o sujeito do conhecimento científico é o próprio homem
que interfere e determina a relação epistemológica sujeito-objeto. Nesse caminho, faz-se
necessário também redefinir as relações epistemológicas originárias do conhecimento
científico, de maneira que, recuperam-se as complexas relações do sujeito e do objeto na
compreensão integrada da realidade em suas variadas determinações.
Assim, buscando esclarecer tais saberes, Silva (2001) aponta que o conhecimento
científico, ao se diferir dos conhecimentos cotidiano e mítico, imprime em seu discurso o
predomínio da racionalidade, desconsiderando muitas vezes a subjetividade que envolve a
relação dialética entre sujeito, meio, coletividade e vice-versa. Dessa forma, o almejado é a
compreensão da realidade do ponto de vista concreto, sem ressaltar a articulação das
ocorrências reais oriundas das atividades humanas. E, um grande exemplo disso está na
escola, que, ao repassar o conhecimento científico sustentado na teoria e sem embasamento no
cotidiano, esvazia o seu sentido. O apego à concretude, à objetividade, faz com que o
conhecimento científico ignore o mito e o conhecimento cotidiano, o que constitui uma de
suas maiores limitações.
Essa discussão nos serve como fundamentação para discutir o papel da escola e
repensar a postura do educador, sua prática docente e tudo que flui dela, sabendo que o aluno
é um ser a construir-se a partir de suas vivências, de suas práticas. A educação em si envolve
ações biológicas, cerebrais, espirituais, culturais, linguísticas, sociais, políticas científicas e
históricas. O conhecimento precisa ser global e pleno, e cada um – professor e aluno – tem
uma forma peculiar de ver todos os fatores citados acima.
Portanto, a construção do saber não é uma tarefa fácil, ao contrário, ela envolve
múltiplos aspectos e precisa ser fundamentada no conhecimento cotidiano, no mito, acrescido
do saber científico trazido pelo educador. Lançando-se um olhar para a educação, nos
deparamos com dizeres variados, convergentes e divergentes, sobre o ato de educar. Arduini
(1989) afirma que educar
[...] é explicitar o que está latente, é ativar potencialidades. Educar não é produzir
artefatos. É ‘orientar’, que significar amanhecer, surgir, nascer. Educar é
originalizar, é fazer crescer de dentro pra fora, é ajudar o novo a emergir. Ser
educador é ser ‘oriente’, para ir aclarando consciências e destinos. (ARDUINI, 1989,
p. 201)
Para o citado autor, educação, educar e educador praticamente se fundem. Ser
educador é conduzir os alunos à prática de perguntar, de descobrir as verdades que traz em si
pelo processo de multiplicar as perguntas a fim de obter os conceitos, ou seja, tornar-se ser
pensante e crítico. O educador é aquele que provoca a reflexão do educando.
Do educador Paulo Freire (1921-1997), tomamos o conceito de “educação bancária”,
para falar da prática educativa que não vai além da transmissão, pura e simples. Algumas
instituições, apesar de utilizar uma roupagem moderna dos recursos e inovações tecnológicas,
não vão além do ato de fazer. Os fundamentos educacionais estão enraizados nos valores e
princípios da pessoa, da liberdade e da responsabilidade, uma vez que o homem é o sujeito e
fim da educação. (ARDUINI, 1989)
O processo educacional ocorre quando, verdadeiramente, conduz o ser humano um
conhecimento cada vez mais pleno de si mesmo e a uma ação que transforme a sua própria
realidade, desde o nível pessoal e familiar a níveis mais profundos das dimensões social,
política, econômica, cultural e religiosa. Nesse sentido, importa que os fundamentos da
didática orientem e inspirem olhares mais amplos sobre as instituições e demais estruturas
educacionais, a partir da ação concreta dos docentes.
De acordo com Nogueira (2002), Herbart (1776-1841), considerado pai da “pedagogia
científica”, foi preceptor e professor e, com certeza, sua experiência oportunizou-lhe construir
suas reflexões pedagógicas, as quais fundamentam as bases da escola tradicional: transmissão
do conhecimento pelo professor, passividade do aluno, execução de um programa extenso a
ser reproduzido fielmente pelo aluno. E, ainda hoje, há escolas, que mesmo adotando outra
nomenclatura, pautam sua proposta educacional nos fundamentos da escola tradicional.
Entretanto, há uma divergência entre os educadores em dar maior importância à
educação ou à instrução no processo educativo. Apesar do consenso em reconhecer que
educação engloba a instrução e que ambas são constitutivas de qualquer proposta pedagógica.
(NOGUEIRA, 2002).
Nogueira (2002, p. 80) afirma que “contribuir para o processo de humanização do
aluno-cidadão consciente de si no mundo, capaz de ler e interpretar o mundo no qual está e
nele inserir-se criticamente para transformá-lo”. Sendo assim, perguntar e responder são
atributos do ser humano e o “ser pensante” define-se mais pelo perguntar do que pelo
responder, pois assim busca dar sentido, entender o que ainda não decifrou. Levar o aluno a
tornar-se este ser interpretativo, que consiga compreender o que vai além do olhar, é o grande
desafio da contemporaneidade.
De acordo com Levy (1999), surgem reflexões sobre o devir dos sistemas de educação
e formação os quais devem se apoiar numa análise prévia da mutação contemporânea da
relação com o saber, uma vez que o saber-fluxo, o saber-transação de conhecimento, as novas
tecnologias da inteligência individual e coletiva estão modificando profundamente os dados
do problema da educação e da formação. Os percursos e os perfis de competência são
singulares e está cada vez menos possível canalizar-se em programas ou currículos que sejam
válidos para todo o mundo. Devemos construir novos modelos do espaço dos conhecimentos,
que se reorganizam conforme os objetivos ou contextos e nos quais cada um ocupa uma
posição singular e evolutiva.
O essencial reside, pois, num novo estilo de pedagogia que favoreça, ao mesmo
tempo, os aprendizados personalizados e o aprendizado cooperativo em rede. Nesse quadro,
segundo Levy (1999), o docente vê-se chamado a tornar-se um animador da inteligência
coletiva de seus grupos de alunos, em vez de um “dispensador” direto de conhecimentos. Os
professores aprendem ao mesmo tempo que os estudantes e atualizam continuamente tanto
seus saberes disciplinares quanto suas competências pedagógicas.
Consideraremos, aqui, o conceito de massas, muito discutido na atualidade, o qual
ganha variações para seu significado, passando a designar um conjunto de pessoas movidas
por interesses comuns que criam uma identidade coletiva amorfa, uma vez que não se forma
qualquer tipo de laço instrucional ou ideológico entre elas. Nesse raciocínio, foi Jean-Jacques
Rousseau (1712-1778) um dos primeiros pensadores a identificar a existência das massas,
entendidas no século XVIII, com o Iluminismo e entendida como grande aglomerado de
pessoas, de características predominantemente urbanas.
Os iluministas e os que deram continuidade a essa corrente de pensamento acreditaram
que o primado da razão seria realmente alcançado com o advento da sociedade de massas. Ela
se consolidaria através de um amplo e vigoroso sistema educacional gratuito que permitiria às
multidões o contato com a educação, responsável pela transformação dessas massas em
agentes sociais voltados para a harmonização da sociedade. Desse modo, cada indivíduo
preservaria sua identidade e ao mesmo reforçaria os laços comunitários.
As massas surgiram efetivamente com o desenvolvimento da economia capitalista.
Contrariando as expectativas de Karl Marx e Friedrich Engels, além da formação de duas
grandes classes sociais, a burguesia e o proletariado, este último diversificou-se, gerando
outros segmentos sociais com identidade própria e movidos pela satisfação de necessidades
individuais e coletivas através do consumo. Em vez da elitização prevista pelo marxismo,
observou-se uma democratização da sociedade capitalista acompanhada pela economia de
escala marginal, responsável por possibilitar a ampliação e a satisfação material dos
mercados.
Considerações Finais
Redirecionando nossa discussão, e já anunciando nossas conclusões, a educação
precisa ser canalizada a fim de contribuir para a construção do homem-cidadão, focada no
futuro, esforçando-se em desenvolver as potencialidades naturais do indivíduo, para além das
massas ou processos de massificação. Do mesmo modo, a escola precisa ser um lugar voltado
para a alegria, um lugar de seres felizes, a construção do ser-cidadão passa pela liberdade
construída por meio da responsabilidade, da ética. O avanço da tecnologia não deve esvaziar o
conteúdo, não pode tornar a educação estéril e massificadora.
A mesma sociedade que cria a estrutura cria também a sua reação, evidenciando que a
contradição social existe e, como professores, não podemos ficar alheios a essa dimensão. Daí
a importância de se colocar ao lado das mudanças, desafiados a estar atentos e ser o sujeito da
história. Além disso, a proposta para que essa mudança tenha sentido, é que esse processo
aconteça em dois espaços concomitantemente – dentro e fora dos muros da escola.
Portanto, ousamos pressupor que o sistema educacional, do Ensino Fundamental à
Universidade, necessita se comprometer com a formação da cidadania, produção e difusão do
conhecimento, desenvolvimento pessoal, formação e promoção de saberes tecnológicos,
humanos e científicos, que estimule a transformação e, também, o sustente. Seja um plano
educacional que contemple o sistema escolar como um todo, no qual esforços conjugados de
profissionais e políticas governamentais sejam fortalecidos em favor da formação e acesso aos
saberes para todos dentro de um respeito da subjetividade de cada um.
Referências
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