1 Introdução Por altura dos dois encontros anteriores em Serpa

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Introdução
Por altura dos dois encontros anteriores em Serpa, desenvolvi a ideia de que “o
extermínio é a forma suprema do imperialismo”, o que significa que a sobrevivência
do sistema capitalista é incompatível com o desenvolvimento e a sobrevivência da
humanidade no século XXI. É necessário pois conceber o comunismo, não só como
a única via que permite a emancipação social da humanidade, mas como um antiextermínio consequente: como dizem os nossos camaradas cubanos, o socialismo
ou a morte, o que não significa apenas que é preciso lutar heroicamente pela
revolução, mas que sem o advento dum socialismo do século XXI claramente
orientado para a sociedade sem classes à escala mundial, a humanidade está
condenada a entrar em decadência, e mesmo a desaparecer.”Pessimismo da
inteligência, optimismo da vontade”, dizia Gramsci. Tal como a Cassandra da
antiguidade, é tomando consciência do carácter pan-destruidor do capitalismo
pseudo-moderno, que os Prometeus do futuro farão sair a humanidade do túnel em
que a contra-revolução anticomunista mundial e a re-mundialização ultrareaccionária da exploração capitalista a encerraram.
A interpretação do sentido geral do nosso período histórico não tem pois nada de
misterioso: numa época em que a contradição se torna explosiva entre, por um lado,
o carácter cada vez mais socializado e mundializado das trocas, e por outro lado, o
carácter cada vez mais privatizado da apropriação das riquezas, não há saída
capitalista para a crise sistémica do capitalismo que se aprofunda cada vez
mais, inclusivamente quando se pensa que se está a sair dela. Como se observa
com os intensos confrontos de classes que agitam os países da U.E., sujeitos a um
mega-plano de austeridade, como eu posso avaliar na própria França, com a
maior confrontação de classes desde Dezembro de 1995 e talvez mesmo, desde
Maio de 68, afirma-se como nunca a luta de classes, que de resto nunca cessou
mesmo quando os capitalistas estavam na ofensiva à escala mundial. O reformismo
está em crise, tal como a social-democracia e como as ideologias eurocomunistas
que exaltam o slogan nitidamente social-imperialista da “Europa social”: com efeito,
a social-democracia e os seus satélites euro-trotzkistas, euro-ecologistas e
eurocomunistas já só podem propor contra-reformas como se fossem
“reformas”. Mais que nunca ressoam nos nossos ouvidos os avisos de Lenine: “as
reformas são as bases da luta revolucionária” e “não é possível avançar um passo
se receamos caminhar para o socialismo”. E se me refiro à violência, por vezes
latente, por vezes sangrenta, que marca actualmente o confronto entre o poder
sarkozysta fascizante, executor febril do grande patronato e procônsul da U.E., e o
movimento popular, não nos devemos iludir quanto ao carácter exclusivamente
“pacífico” da próxima retoma das lutas nacionais e mundiais pelo socialismo…
Mantém-se no entanto de pé a questão sobre a estratégia que leva ao socialismo e
depois ao comunismo. Na nossa época, coloca-se nomeadamente a questão do
enquadramento territorial propício à revolução socialista. Para um habitante da
Europa, coloca-se a questão: Revolução mundial, concebida como o simétrico da
mundialização capitalista? Revolução europeia utilizando o quadro político da U.E.
para marchar ao encontro dos estados-unidos socialistas da Europa, como sonhava
Trostki? Ou então rotura revolucionária, num único país ou em vários países da U.E.
ao mesmo tempo, para construir uma alternativa progressista, patriótica e
internacionalista, cujo desenlace estratégico só poderá ser o socialismo num país e
depois em vários países?
Cruza-se então necessariamente a questão do patriotismo, do internacionalismo
e da sua dialéctica. Toda uma tradição pseudo-marxista, mas na realidade
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esquerdista, abandona o patriotismo aos burgueses chegando a confundir
imperialismo e estados-nações. Quanto a internacionalismo fica-se assim
necessariamente reduzido ao mundialismo capitalista e à sua variante local, o
supranacionalismo personificado no ex-esquerdista Barroso.
Queríamos, pelo contrário, mostrar aqui que, por um lado, o patriotismo e o
internacionalismo devem, em questões de princípios, estar associados para romper
com a cadeia imperialista e avançar para o socialismo. Que, em termos estratégicos,
e na condição de ser travada com bases antifascistas, laicas e progressistas, a luta
pela independência nacional se confunde em França, e sem dúvida noutros
países da U.E., com a luta pelo socialismo. Para terminar, irei abordar a questão
controversa da reconstrução do Movimento comunista internacional e da sua
articulação à Frente anti-imperialista mundial e às lutas pela emancipação nacional.
I – O “Inter-Nacional” será o género humano!
A favor ou contra “a” nação? A favor ou contra “a Europa”? A favor ou contra “a”
mundialização? Estas questões traiçoeiras deviam ser reformuladas à luz dialéctica
e materialista do conceito de luta de classes, em que a crise do capitalismo remundializado universaliza e aprofunda como nunca o fosso nos planos nacional e
mundial.
Por um lado, “a” nação, “a” Europa e “o” mundo serão abstracções ocas enquanto
não se colocar a questão leninista do seu conteúdo de classe. Que nação? Que
“Europa” e para quem? Escolher “a” nação contra a “Europa”, ou o “mundo” contra
“a” nação, etc., é ceder ao pensamento único que proíbe que os progressistas
pensem na política a partir do social tal como na prática proíbe aos proletários re“nacionalizar” as suas lutas apropriando-se da “identidade nacional” do ponto de
vista da sua classe. Assim, os homens do capital financeiro pronunciam-se
simultaneamente a favor da mundialização financeira (OMC, FMI, e os seus braços
armados, a NATO, o exército europeu, etc.), a favor da “Françalemanha”, a favor da
U.E. de Maastricht e a favor da “winning France”, 100% globishizada [1], que
mantém em reserva o nacional-identidarismo de uma FN sustentada pela
redecoração bessono-hortefécal [2]. Simultaneamente xenófoba e supranacionalista, a oligarquia financeira combate ao mesmo tempo os movimentos antiglobalitários, a Europa das lutas e essa “França dos trabalhadores” outrora cantada
por Jean Ferrat, que as nossas elites euro-formatadas rejeitam com um desdém de
classe que roça a autofobia nacional.
Ao invés, os militantes operários que defendem o “produzir em França” contra as
deslocalizações, e os progressistas que recusam que a República sirva de
roupagem aos ditames de Bruxelas e ao Estado policial sarkozista, devem
reaprender urgentemente a reconciliar a bandeira vermelha internacional do
Trabalho à bandeira tricolor de Valmy e dos Soldados do Ano II [3]; assim a
perspectiva política e cultural duma transformação socialista da França poderá
renascer inscrevendo-se na marcha da humanidade para uma sociedade sem
classes gerando racionalmente a relação tornada tão problemática entre a
humanidade e o seu ambiente natural.
Em resumo, face a uma mundialização capitalista que reactiva ao mesmo tempo o
recuo xenófobo, o regional-separatismo e o supranacionalismo capitalista, o papel
dos verdadeiros progressistas é construir a aliança estratégica dos patriotas antiracistas e dum proletariado internacionalista de segunda geração associando as
vítimas das transnacionais. É neste espírito anti-imperialista que a ALBA,
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impulsionada por Cuba e pela Venezuela, exorta os povos latino-americanos a sair
dos tratados supranacionais/neo-liberais do tipo do ALENA para tecer novos
tratados progressistas que respeitem o direito dos povos a dispor de si próprios.
No que respeita à França, a aliança do universalismo progressista e do
patriotismo republicano forma o ADN de toda a nossa história progressista:
frente à Europa contra-revolucionária dos reis, na altura unida pelos Emigrados de
Coblença [4], já o patriotismo Sans-culotte se reclamava universalista e oferecia a
cidadania francesa a todos os estrangeiros que defendessem a causa da liberdade.
Em 1871, a Comuna de Paris ergueu a sua barricada proletária e patrióticointernacionalista contra Bismarck e o seu lacaio de Versailles, Adolphe Thiers. Na
véspera da primeira guerra mundial inter-imperialista, pouco antes de cair sob as
balas dum nacionalista, Jaurès declarava: “se um pouco de internacionalismo nos
afasta da pátria, muito aproxima-nos dela”. Durante a ocupação nazi, os FTP-MOI
[5] criados pelo PCF clandestino souberam fundir heroicamente o internacionalismo
anti-fascista às referências patrióticas de 1789 para fazer frente a essa oligarquia
colaboracionista que, a partir de 1936, declarava cinicamente “preferir Hitler à Frente
popular”. Quanto ao filósofo comunista Georges Pollitzer, escrevia, pouco antes de
ser entregue aos nazis por Vichy, que “o internacionalismo da classe operária inclui
a defesa da nação porque a liberdade da humanidade é solidária com a liberdade de
cada povo”.
A abordagem classista inspirada em Marx é pois plenamente operacional na
abordagem dos conceitos de nação e de internacionalismo. Não é o
internacionalismo “em si” que se opõe “ao” patriotismo “em si”; pelo contrário, é a
aliança estratégica dos povos livres e dum internacionalismo proletário de 3ª
geração que acabará por barrar o caminho ao etno-comunitarismo fascizante, esse
rosto escondido da balcanização pseudo-mundialista do planeta.
Ao invés, se os progressistas recusarem dialectizar sob formas inovadoras, o
patriotismo e o internacionalismo, ficarão impotentes para federar os estaleiros da
alternativa progressista (lutas sociais, combate anti-racista, compromisso
republicano, resistências anti-“globalitárias”, defesa da língua francesa contra a
política patronal de sujeição linguística ao tudo-em-inglês…).
Assim a prática há-de impor cada vez mais a todos os que querem nacionalizar as
lutas em França, sem deixar de internacionalizar a resistência dos povos, regressar
a uma abordagem materialista e “classista” da dialéctica do nacional e do universal.
É por isso que os dirigentes cubanos dão uma lição de dialéctica e de eficácia
política ao mundo inteiro quando terminam todos os seus discursos na praça da
Revolução com o duplo slogan; “patria o muerte, socialismo o morir, venceremos ! “.
A aliança entre patriotismo e internacionalismo é com efeito a via da vitória contra o
imperialismo, enquanto que a sua dissociação permite que este conduza a
humanidade a derrotas irreversíveis.
II – Rotura com a U.E. e marcha para o socialismo. Conteúdo tendencialmente
socialista da luta pela independência nacional no início do século XXI
Porque negam o direito vital da classe operária a produzir em França, certos
pseudo-marxistas, euro-trotzkistas e outro “alter-mundialistas” franceses acusam a
organização a que eu pertenço, o PRCF de “nacional-reformismo”. O PRCF não tem
a coragem de combater o “euro-reformismo” dominante na esquerda, para defender
à única alternativa possível à ultra-direita sarkozista e à social-eurocracia plural: a
construção duma Frente de resistência e de alternativa patriótica e popular
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federando o conjunto das camadas não-monopolistas, com a classe operária à
cabeça, não para “reformar a U.E.” do capital, mas para sair dela, correndo o risco
de afrontar a oligarquia financeira, incluindo a falsa esquerda dos Strauss-Kahn [6] e
outras Martine Aubry [7], e para construir uma nova República social, soberana e
fraterna. Esta última só terá o recurso, se quiser sobreviver, de expropriar o grande
capital e de alargar por todos os meios a democracia e a intervenção populares. Em
resumo, os “alter-europeistas” censuram aos militantes francamente comunistas
fazerem o que, antes deles, fizeram Thorez e Duclos: associar na acção a
bandeira vermelha internacional dos operários à bandeira tricolor da
Revolução francesa, para chamar o nosso povo a (re)-conquistar o emprego
industrial, o progresso social, a independência nacional e as liberdades
democráticas! Em condições certamente muito diferentes mas de princípios
idênticos, não é o que fazem os países latino-americanos progressistas da ALBA
que associam sem cessar, contra os Tratados de mercado livre impostos pelo Tio
Sam, a temática patriótica e o projecto revolucionário dum socialismo do século XXI?
No entanto, pessoas mal intencionadas difamam esta perspectiva, a única que pode
federar o nosso povo contra o grande capital, isento de qualquer influência da socialeurocracia, apelidando-a de “vermelho-castanha”, ou mesmo de “social-fascista”:
nesse caso, a Comuna de Paris seria “vermelha-castanha”, já que o que
desencadeou a insurreição comunal foi a recusa de operários patrióticos de Paris a
entregar os seus canhões e de abrir a sua cidade aos invasores prussianos! Nesse
caso, Jean Jaurès, que recusava a entrada na guerra mundial imperialista tanto por
patriotismo como por internacionalismo, também ele seria social-fascista! Vermelhocastanho seria Maurice Thorez que teve a coragem política de entoar, no 1º
encontro da Frente popular (14 de Julho de 1935!), a Marselhesa, o hino saído da
Revolução francesa, e a Internacional, inicialmente escrita por Pottier sobre a ária da
Marselhesa, para incitar os operários a disputar aos fascistas a bandeira da nação!
Social-fascista seria o Conselho Nacional da Resistência, cujo programa
associava o antifascismo, a independência nacional, a protecção social e as
nacionalizações. Vermelho-castanho seria Politzer, o filósofo comunista imigrado da
Hungria que escreveu o artigo Raça, Povo e Nação, verdadeira base teórica da
Resistência, pouco antes de ser fuzilado pelos nazis. Social-fascista seria
igualmente Georges Dimitrov que, no VII Congresso do Komintern, incitava os
comunistas franceses a disputarem aos fascistas a heroína nacional Joana d’Arc!
Vermelho-castanho seria também Mao, que associou em profundidade o movimento
para a revolução social à guerra de libertação anti-japonesa. Vermelho-castanho Ho
Chi Min que fundiu a guerra de libertação nacional e a revolução social, declarando:
não há bem mais precioso do que a independência e a liberdade! Vermelhocastanho, finalmente, Fidel quando conclui os seus comícios com as palavras de
ordem patria o muerte, socialismo o morir !
Mais sérios são os trabalhadores que perguntam de boa fé se defender a
independência nacional não porá os comunistas na dependência da burguesia
“soberanista” correndo o risco de esconder a perspectiva do socialismo e de semear
a ilusão duma “terceira via” entre o capitalismo e o socialismo? Além disso,
perguntam esses camaradas, insistir na independência nacional, não será
menosprezar os operários imigrados e a cooperação internacional, mais
incontornável que nunca na nossa época?
Que esses camaradas se tranquilizem: nós, marxistas “ortodoxos”, nunca perdemos
de vista a ideia de Lenine de que não há uma mas DUAS nações dentro de “a”
nação. A par da nação reaccionária dos exploradores que, com Le Pen e Sarkozy,
explora a xenofobia para dividir o povo e cultivar a ideologia neo-colonialista, há a
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nação operária, republicana e popular, que aspira viver dignamente do seu
trabalho. Abominamos a primeira “nação”, essa “França de cima” que produziu os
emigrados de Coblença, Versailles, Vichy e Sarko-Neuilly, mas assumimos
orgulhosamente a segunda nação, essa “França dos trabalhadores” generosa e
rebelde cantada por Jean Ferrat. Neste mesmo momento, a “França vermelha” dos
operários do petróleo a que a juventude estudante se juntou, afronta a
“Franceuropa” do fascizante Sarkozy cujo regime Badiou classificou, e com toda a
razão, de neo-pétainiste. Por várias vezes na história da França, a anti-França de
cima se prostrou diante do opressor estrangeiro para dominar o seu próprio povo.
Luis XVI esperava a sua salvação dos exércitos austríacos de Brunswick. Thiers
capitulou perante a invasão prussiana para conseguir que Bismarck o ajudasse a
esmagar a Comuna. O Comité des Forges [8] dos anos 30 preferia “Hitler à Frente
popular”; fez a “escolha da derrota” e da colaboração enquanto que, graças ao PCF
clandestino, “a classe operária patriota, antifascista E internacionalista se mantinha
fiel à França profanada”, segundo as palavras do gaullista Mauriac.
Nessa mesma época, o imperialismo “francês” ainda era parcialmente “nacional”.
Minoritária em 1940 mas maioritária em 58, uma corrente significativa das nossas
“elites” apoiou De Gaulle, porque nessa época, a constituição do “capitalismo
monopolista do Estado” pela fusão dos trusts, ainda se fazia principalmente à escala
francesa e passava por uma forte colagem ao Estado-nação; porque também era
preciso substituir o Império colonial em descrédito pela insidiosa “Françáfrica” e o
seu sangrento “pré-carré” neo-colonialista. Bem entendido, o imperialismo francês
continua a existir; continua igualmente feroz, tendo nos bastidores essas aves de
rapina que são a Total, a Dassault, a Lagardère e Ca. Certamente, como qualquer
imperialismo, o “nosso” imperialismo “nacional” está “territorializado” e ancorado no
hexágono que constitui a sua coutada de caça “por direito divino” e a sua base de
apoio para super-explorar a África e exportar os seus capitais.
Só que, é assim: depois das fusões nacionais, os monopólios “franceses” do CAC 40
[9] tiveram que constituir alianças continentais e transcontinentais para prosseguir
na sua corrida aos lucros. Além disso, no quadro da integração europeia e dos
acordos de livres-trocas da OMC, o capitalismo “francês” desindustrializou-se e
financializou-se cada vez mais. Nos dias de hoje, 40% do CAC 40, as 40 maiores
empresas francesas, está nas mãos de capitais norte-americanos. Com a queda do
campo socialista, com a “reunificação” alemã e a ascensão do eixo transatlântico
germano-americano, o imperialismo “francês” perdeu a sua soberba e no pretenso
“Eixo” franco-alemão, é a Alemanha que predomina ao ponto de conseguir
actualmente, sob o diktat de Merkel, que o orçamento de cada nação da U.E. seja
validada por Bruxelas antes de ser apresentado aos parlamentos nacionais. A
postura gaullista que afirmava a “grandeza da França” navegando entre a URSS e
os Estados Unidos, tornou-se insustentável para a grande burguesia a partir do
desaparecimento do campo socialista e a escalada do unilateralismo americano. De
Pompidou a Sarkozy, o imperialismo francês teve cada vez mais a tendência,
defendendo sempre os seus interesses perante os outros predadores, de “entrar nas
fileiras” do atlantismo, nas guerras americanas (Jugoslávia, Afeganistão) e numa
“construção europeia” dominada de A a Z pelos EUA e pela RFA. Actualmente, o
grande capital francês colabora sem qualquer pejo na destruição da herança
nacional progressista, conquistas sociais do CNR, laicidade à francesa, quadro
territorial saído da Revolução (o tríptico comunas/departamentos/Estado nação foi
refeito no quadro área urbana/euro-regiões/Bruxelas); não somente a economia
produtiva foi chupada até ao tutano (indústria, agricultura, pescas) em prol da
finança, do transporte rodoviário e do turismo para ricos, não somente os regimentos
de fronteira do exército francês foram desmantelados em benefício do exército
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europeu concebido para a manutenção da ordem capitalista continental, como o
grande patronato “francês” encoraja o abandono da língua francesa em benefício do
patrono “tudo em inglês” que é imposto, na própria França, na Investigação, na
universidade, na publicidade, nas relações de trabalho, no comércio, etc. Por detrás
do mito do inglês, como linguagem veículo, assistimos à imposição duma língua
única mundial, o “globish”, com graves consequências em termos de discriminação
social, de empobrecimento cultural e de condicionamento ideológico, porque obrigar
um povo a renunciar à sua língua nunca é uma coisa neutra ideologicamente. Mais
que nunca, os monopólios procuram assim dinamizar os seus lucros
destruindo a nação. Evidentemente, não se trata de uma “invasão”, como em 40:
mas, em certo sentido, ainda é pior porque é para o suicídio nacional que os homens
do capital empurram o povo, incessantemente tratado de “chauvinista “, de “francofrancês”, de “obsoleto”, por causa da sua fidelidade às tradições revolucionárias.
Vemos assim que a autofobia comunista dos anos 90, denunciada por Losurdo, é
completada por uma campanha permanente de autofobia nacional de que a
xenofobia sarkozista é a imagem simétrica…E como a euro-esquerda existente e o
euro-trotzkismo passaram a ser os batedores da mentirosa “Europa social”, o
nosso povo está politicamente preso numa tenaz entre a ultra-direita de Sarkozy e o
FN cuja xenofobia desacredita o patriotismo, e os dirigentes eurocomunistas e
eurosindicalistas que renegam a nação tal como começaram por renegar Lenine.
Nestas condições, cabe à classe operária e aos seus militantes de vanguarda,
não só travar, mas DIRIGIR a luta pela independência nacional orientando-a
contra os monopólios, para a saída da U.E. e da NATO, para uma dinâmica de
progresso e de democracia popular e para novos tratados progressistas
internacionais análogos à ALBA latino-americana. E, bem entendido, essa luta é
inseparável do esforço para integrar politicamente no combate os operários
imigrados, visto que a verdade é que para unir o povo, é preciso primeiro que a
classe operária se una ela própria!.
No entanto, existe uma importante diferença entre a congregação antimonopolista
actual e a aliança do Conselho Nacional da Resistência que o PCF fez em 1945 ao
aliar-se às outras forças antifascistas. Nos anos 45/47, por muito poderoso que fosse
na altura, o PCF estava numa posição subalterna no governo de união patriótica.
Nos anos 58/69, apesar de ambos defenderem, cada um à sua maneira, a
independência nacional, o PCF e a corrente burguesa nacional só podiam estar em
oposição, já que os monopólios apostavam em De Gaulle e no seu regime brutal
para sobre-explorar o proletariado (esses mesmos monopólios deixaram cair o
General logo que deixaram de precisar dele). Mas actualmente, o povo
trabalhador, com os operários à cabeça, pode assumir sozinho e plenamente a
defesa e o renascimento da nação assassinada. Isso não significa de forma
nenhuma que o proletariado possa dispensar alianças com sectores que
representam a pequena e a média burguesias: estas estão com efeito condenadas à
morte pelo mercado livre imposto por Washington que, ao abrigo do dólar
inconvertível (e, se necessário, do Exército dos EU), dinamita os mercados nacional
e locais… dos outros países. Esse tipo de aliança patriótica, progressista e
antimonopolista, está tão longe de ser uma visão do espírito, que por duas vezes
vimo-la ganhar com o Não maioritário ao referendo de 2005 sobre a constituição
europeia, e depois com os 62% de abstenção nas europeias de 2009. Basta
examinar a composição social do voto “Não” de 2005 e a da abstenção de 2009 para
verificar que, nos lugares da frente se encontra a classe operária (72% dos Nãos) e
a juventude popular (65%). Face a este bloco popular, cuja resistência tem que se
alargar, radicalizar-se e politizar-se, a oligarquia financeira hexagonal mas
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antinacional viola quotidianamente a República… burguesa enquanto espera poder
“dar cabo dela”. E o violador-mor está instalado no lugar mais alto do Estado!
Nestas condições, a futura “República social e soberana” não constitui uma fase
intermédia de longa duração entre capitalismo e socialismo, versão nacional com
que sonham os utópicos adeptos do serviço público europeu tão queridos a
Besancenot [10] e a B. Thibault [11]. Porque, embora contendo um profundo
conteúdo patriótico, a saída da U.E. duma França progressista teria logo à
partida um conteúdo revolucionário, internacionalista e anti-imperialista: o
confronto entre o grande capital e o campo do trabalho aliado às camadas médias
agudizar-se-ia necessariamente por iniciativa dos trabalhadores. A rotura da U.E.
nesta malha frágil do domínio imperialista em que se tornou a França retalhada pela
desintegração europeia produziria uma onda de choque internacional capaz de
abalar toda a cadeia imperialista. Essa saída da U.E. estimularia a Europa das lutas
e alimentaria a ofensiva das massas proletárias dos países vizinhos da França. Essa
política que associa progresso social, renascimento nacional e cooperação
internacional, não seria evidentemente “o” socialismo. Mas através da
intensificação das lutas de classes que suscitaria, a saída da França da U.E.
voltaria a pôr concretamente na ordem do dia a revolução socialista, e não
apenas em França mas nos países vizinhos! Os marxistas de salão que, ao abrigo
da sua tagarelice “anti-nacionalista”, exibem o seu desprezo para com o proletariado
industrial e o campesinato, desintegrados e desclassificados pela integração
europeia e pelo mercado livre da OMC, e a sua indiferença para com a revolução
que não pode ser esperada passivamente surgida de uma qualquer revolta
anticapitalista espontânea: na realidade, os falsos marxistas que inscrevem a França
na perseguição da utópica “Europa social”, reduzem a zero não apenas a
independência da França, mas a independência política da classe operária
submetendo-a à política funesta de integração europeia desejada pela direita e pelo
PS.
Claro que o socialismo que sairá desse confronto de classe por iniciativa do povo
será profundamente marcado por traços nacionais, como de resto é sempre o caso
segundo Lenine. Mas não poderá fazer a economia do poder popular e da
socialização dos meios de produção dando um papel central à classe trabalhadora,
imigrados inclusive; porque, como re-industrializar os nossos países, como devolver
a confiança à classe operária, como dar um trabalho digno aos jovens sem uma
planificação democrática, associada a um grande poder de intervenção dos
assalariados no local do trabalho? Como se vê, não se trata pois de remendar a
eterna “união da esquerda” por detrás do PS quando este partido se amarrou de mil
maneiras ao odioso regime de Sarkozy: não foi Sarkozy quem propôs a candidatura
do “socialista” Strauss-Kahn para a direcção do FMI? Mesmo em França, enquanto
que os jovens e os trabalhadores, que contestam a alteração das reformas, são
espancados e aprisionados, o PS continua, como se não fosse nada, a “dialogar”
com Sarkozy, vergonha do nosso país, em vez de o deslegitimar e de recordar a 1ª
Constituição republicana da França que proclamava: “Quando o governo viola os
direitos do povo, a insurreição é para o povo e para toda a porção do povo o
mais sagrados dos direitos e o mais indispensável dos deveres”!
Em resumo, é urgente que os verdadeiros comunistas, qualquer que seja a sua
organização de referência, trabalhem em conjunto para criar uma Frente
progressista para fazer sair a França da U.E.: com efeito é neste terreno que a
classe operária reconquistará na prática o seu papel político de dirigente. Porque
afinal cada um tem que escolher o seu campo: ou servir a nação republicana
para romper com o capitalismo, ou preferir o capitalismo para pôr um ponto
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final na história da nação. Quem não vê claramente qual o campo que a oligarquia
já escolheu? Também se sabe – vemo-lo na América latina mas também no nosso
país – o que o povo escolheu e escolherá: e essa perspectiva deveria estimular os
revolucionários que procuram as vias concretas do socialismo para o século XXI!
Talvez vos tenha cansado, caros amigos, com a minha insistência sobre a situação
francesa. Mas, por um lado, seria contraditório falar do patriotismo falando do ponto
de vista de Sirius, como seria indecente para um militante marxista, que sai por
alguns dias do confronto de classes e que está muito inquieto com o futuro das
liberdades em França, propor-vos uma exposição desligada das realidades
nacionais. Cabe a cada um, onde quer que esteja, ver como é que estas análises
podem funcionar ou não para o seu próprio país.
Vou terminar esta exposição sobre o internacionalismo e o patriotismo com uma
reflexão sobre a maneira de reorganizar o internacionalismo à escala planetária.
III – “5ª Internacional” ou dialéctica do FAIM e do MCI?
Alguns marxistas, como o poeta francês Francis Combes, entusiasmam-se com o
projecto, lançado por Chaves, de instituir uma 5ª Internacional que reagrupe todos
os que querem lutar pelo socialismo e combater o imperialismo. Sem rejeitar
totalmente esta proposta, que tem o mérito de relançar o debate sobre a
reorganização mundial do movimento progressista, acho que se trata de uma “falsa
boa ideia”.
Por um lado, se se trata de combater o imperialismo à escala mundial, e
portanto de construir uma organização que materialize a aliança dos
comunistas e dos patriotas, o perímetro duma aliança dessas é demasiado
estreito. Porquê excluir logo à partida dessa Frente anti-imperialista os patriotas
pequeno-burgueses que, sem se reclamarem do socialismo, arriscam a pele frente
ao imperialismo? Na minha qualidade de progressista, combato sem peias o
integrismo religioso; melhor ainda, defendo o materialismo e o ateísmo porque, como
dizia Marx, a crítica da religião é a base de todas as outras críticas. Mas aprovo o
PC libanês que combateu o invasor sionista com o Hizbollah. Claro que podemos
entrar em polémica entre anti-imperialistas mas as barricadas só têm dois lados e,
por exemplo no Iraque, prefiro os resistentes sunitas que combatem o ocupante a
certos pseudo-comunistas que regressaram a Bagdade nas camionetas norteamericanas.
Agora, se se trata de reagrupar as forças comunistas que combatem pelo
socialismo, então o perímetro proposto por Chavez parece-me demasiado
grande, com tendência para diluir o conteúdo de classe proletária necessário para
reconstruir uma verdadeira Internacional revolucionária: a não ser que seja definida
rigorosamente – e nesse caso como evitar a referência marxista-leninista? -, a
palavra “socialismo” arrisca-se sobretudo a atrair a social-democracia, o altereuropeismo, o alter-mundialismo, o alter-europeismo, as numerosas capelinhas
trotzkistas e anarquistas, em resumo, todos os contrabandistas da revolução que
nunca fizeram nada senão esbater as posições e paralisar a acção.
Além disso, a referência à 5ª Internacional é distorcida, visto que legitima a posteriori
a pretensa 4ª Internacional, posta no mesmo plano das três primeiras Internacionais
ligadas aos nomes de Marx, de Engels e de Lenine. Mas, sobretudo, é perigoso
contornar a questão do leninismo que, no seu fundo, é a do papel dirigente da
classe operária nas alianças de classes e de países necessárias para derrotar
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o imperialismo. Com efeito, é falso considerar que todas as camadas não
monopolistas tenham o mesmo interesse objectivo e a mesma postura antiimperialista que a classe operária. Só a classe operária, que é preciso definir de
forma ampla, marxista, incluindo nela os camponeses sem terra e os “colarinhos
brancos” produtores de mais valia, pode combater eficazmente o imperialismo até ao
fim porque quer fazer tábua rasa de toda a exploração: numa palavra, pode
combater eficazmente o imperialismo e libertar as nações porque vê para além do
combate nacional e anti-imperialista. Ao invés, há uma série de camadas
intermédias que não podem deixar de ter tentações de conluio quando se opõem ao
imperialismo: receiam que o imperialismo seja varrido de todo, como em Cuba,
porque isso poderia libertar a iniciativa das massas ao ponto de o capitalismo ser
varrido e, com ele, os privilégios da média burguesia. Como se tem visto sempre
com as burguesias nacionais do século XX, que praticamente pactuaram todas com
o imperialismo para acabar um dia por massacrar os comunistas, a burguesia
patriótica está, pela sua natureza, inclinada para o compromisso e para a traição da
frente patriótica.
Além disso, é necessário criticar uma outra ideia saída do revisionista de esquerda,
Toni Negri, segundo o qual na nossa época “o Império” se confrontará com a
“Multidão”: isso volta, por um lado, a dissolver o papel dirigente do proletariado e a
apagar a contradição principal entre Trabalho e Capital e, por outro lado, a ignorar o
desenvolvimento desigual dos Estados capitalistas e por conseguinte as
contradições inter-imperialistas, como se o imperialismo estivesse mundialmente
unificado. Seria, por exemplo, ignorar a escalada na Europa do imperialismo alemão.
Este está actualmente descomplexado, drogado pela anexação da ex-RDA e pela
recolonização insidiosa dos ex-países socialistas. Berlim trabalha na sombra sem
cessar para estilhaçar os países vizinhos da Alemanha, desde a Checoslováquia à
Jugoslávia, desde a Bélgica à Itália, no quadro de “dividir para reinar”. Actualmente
enfeudado a Washington, o imperialismo alemão ficará sempre na segunda posição,
agora que recuperou a embriaguez de falar de cátedra aos “maus alunos” europeus,
rebaptizados de PIGS? À escala mundial, que acontecerá a certos “países
emergentes” e à Rússia capitalista que praticam em grande escala a exportação dos
capitais, essa característica central do imperialismo? Em resumo, por detrás da
sedutora teoria esquerdista de Negri, vemos ressurgir o velho mito do “hiperimperialismo” tão caro a Kautsky, porque se o imperialismo se pudesse unificar à
escala do planeta para formar um único Império, então, de um só golpe, o combate
socialista passaria a ser inútil tal como o combate patriótico. Ora todos podemos
constatar este facto evidente: mais do que nunca os capitalistas jogam com o
diferencial de desenvolvimento entre os países e entre os continentes para
compensar a baixa tendencial da taxa de lucro. O desenvolvimento desigual não é
pois uma característica contingente do imperialismo, é uma sua lei central e é
porque ela existe que a revolução socialista, sem deixar de se internacionalizar o
mais depressa possível, pode ter a possibilidade de ganhar terreno num país ou
num grupo de países, como todos esperamos que aconteça na América latina,
aliando as características patrióticas e as características internacionalistas, ou na
Europa, como acontecerá mais cedo ou mais tarde, no dia em que um país,
empurrado pela sua classe operária, tiver a coragem de entrar num confronte de
classes internacional ofensivo, batendo com a porta da U.E. do capital.
Resulta daí que, no próprio interesse da frente anti-imperialista, a classe operária, e
o seu representante ideológico, o Movimento comunista internacional, devem
munir-se duma organização internacional independente, ou pelo menos, se
ainda não soou a hora da Internacional comunista, devem encontrar-se
regularmente num grande Movimento claramente marxista e leninista. Isso não
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impede de forma alguma que, a um nível mais amplo, a Frente anti-imperialista
mundial se não deva reconstituir; nos anos 70, a articulação entre esses dois níveis
fazia-se por intermédio de Cuba que desempenhava um papel central, de Angola à
Namíbia, sob o impulso da frente anti-imperialista. Em resumo, se um pouco de
internacionalismo pode afastar da ideia dum reagrupamento comunista internacional
específico, muito internacionalismo a ela o faz regressar. O conceito que defendo é
tão pouco “estalinista” que foi infelizmente Estaline quem, em 1943, propôs, quanto
a mim erradamente, dissolver o Komintern para consolidar a coligação antifascista
mundial e instalar PC “nacionais”, como se a organização internacional do
proletariado pudesse prejudicar, nacional ou mundialmente, a construção duma
frente o mais alargada possível!
Conclusão
Caros amigos e camaradas, mais que nunca o nosso movimento, destruído por
dentro pelo Cavalo de Tróia do revisionismo de direita e de esquerda, tem que parar
de titubear sob os golpes do reformismo e do europeísmo. Pelo contrário, deve
reaprender a marchar sobre as suas duas pernas: a do patriotismo popular e a dum
internacionalismo proletário de segunda geração, a de um Movimento comunista
internacional que enfrente sem complexos a odiosa criminalização da URSS, e
também a de um muito grande Movimento anti-imperialista de que a ALBA pode vir a
ser o cadinho. Só assim, frente à “supranacionalidade” imperialista e ao seu
complemento, a xenofobia racista, a Inter-nacionale (em duas palavras) será
finalmente o género humano!
N.T.
[1] globish – neologismo formado a partir das palavras ‘global’ e ‘english’,
abrangendo a versão da língua inglesa que utiliza apenas as palavras e frases
inglesas mais comuns, usadas por pessoas de língua não inglesa.
[2] ‘bessono-hortefécal’ – de Éric Besson (ministro francês da Imigração, Integração,
Identidade Nacional e Desenvolvimento Solidário – 2009) e de Brice Hortefeux
(ministro francês da Imigração, Integração, Identidade Nacional e Codesenvolvimento – 2007).
[3] Soldados do Ano II – soldados mobilizados no Ano II do calendário revolucionário
da Revolução Francesa (1793) – símbolo do patriotismo revolucionário.
[4] Emigrados de Coblença – grupo de emigrados franceses, adversários da
Revolução Francesa, que se reuniram em Coblença, Alemanha e alinharam com o
exército austro-prussianos para invadir a França.
[5] FTP-MOI – Franco-atiradores e Partisans – Mão-de-obra Imigrada – grupo que
fazia parte da Resistência francesa durante a II guerra mundial.
[6] Dominique Strauss-Kahn – presidente do FMI (2007), membro do PS francês.
[7] Martine Aubry – primeira-secretária (líder) do PS francês (2008).
[8] Comité des Forges – associação dos grandes industriais da siderurgia francesa
que teve grande influência na vida pública (1864-1945).
[9] CAC 40 – Cotação Assistida em Contínuo – relação das 40 companhias com
melhor desempenho financeiro, e França
[10] Olivier Besancenot – personalidade política francesa de extrema-esquerda;
operário é hoje o porta-voz do Novo Partido Anticapitalista, de que é membro e
fundador.
[11] B. Thibault – secretário-geral da CGT desde 1999; membro do PCF (19872001); acusado no seio da CGT de ser demasiado consensual nas suas relações
com o governo e o patronato.
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* Filósofo, amigo e colaborador de odiario.info.
Tradução de Margarida Ferreira
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