O que é comportamento? Rose, J. C. C. de. e Definição de

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GRUPO DE ESTUDOS E DIFUSÃO DA ANÁLISE DO COMPORTAMENTO (GEDAC)
MATERIAL DE ESTUDOS PARA O 2º ENCONTRO DO 1º MÓDULO
DATA: 22/06/2013
LEITURA BÁSICA
Texto 01: “Aprendizagem”
Goulart, P. R. K.; Delage, P. E. G. A.; Rico, V. V.; Brino, A. L. de F.. Aprendizagem.
In: Maria Marta Costa Hübner, Márcio Borges Moreira (Orgs.). Temas clássicos da
psicologia sob a ótica da análise do comportamento. 1 ed. Rio de Janeiro:
Guanabara Koogan, 2012, p. 20-31.
Texto 02: “O que é comportamento?” e “Definição de comportamento”
Rose, J. C. C. de. O que é comportamento? In: Roberto Alves Banaco (Org.).
Sobre Comportamento e Cognição – aspectos teóricos, metodológicos e de
formação em Análise do Comportamento e Terapia Cognitivista. Santo André:
ESETec Editores Associados, 2001, p. 1-3.
Andery, M. A.; Sério, T. M.. Definição de Comportamento. Disponível em:
<http://www.terapiaporcontingencias.com.br/pdf/outros/definicao_comportamento.pdf
>
LEITURA COMPLEMENTAR
Texto 03: “Behaviorismo Radical como uma Filosofia da Ciência”
Moore, J. Behaviorismo Radical como uma Filosofia da Ciência. Tradução de
Luiz Alexandre Barbosa de Freitas. In: Jay Moore. The conceptual foundations of
radical behaviorism. Cornwall-on-Hudson, NY: Sloan, 2008.
Gedac - 2º Encontro: 22/06/2013
Texto 01 (Leitura Básica)
A pr en d iza g em
o
1 -1
D
i-
u
Paulo Roney Kílpp Goulart ■Paulo Elias Gotardelo Audebert Delage ■Viviane Verdu Rico ■Ana Leda de Faria Bríno
IN T R O D U Ç Ã O
O Q U E É A PRENDIZAGEM ?
A aprendizagem é um tem a recorrente entre as disci­
plinas preocupadas com algum aspecto do comportamento
hum ano, sejam as diversas abordagens da psicologia, as
neurociências ou a pedagogia, para citar algumas. Todavia,
em bora possamos encontrar com facilidade material de
qualidade sobre um a variedade de tópicos dentro do tema
—processos de aprendizagem, mecanismos neurais da aprendi­
zagem, aprendizagem associativa, aprendizagem por tentativa
e erro, déficits de aprendizagem etc. —, raramente encon­
tramos um a definição formal de aprendizagem. Aparen­
tem ente, trata-se de um daqueles conceitos que todos
parecem compreender, mas ninguém é capaz de definir. O
fato é que os episódios reconhecidos como casos de apren­
dizagem são tão variados e as explicações que cada disci­
plina privilegia são tão diversas (e, por vezes, até incompa­
tíveis entre si) que se torna realmente difícil arriscar um a
definição suficientemente abrangente e coerente o bastante
para agradar a leitores de todas as predileções teóricas.
Este capítulo não busca fornecer essa definição abran­
gente. N ão pretendem os englobar todas as facetas que
possam vir a ser atribuídas ao “fenôm eno” aprendizagem,
nos seus mais diversos tratam entos. Pelo contrário, o
objetivo aqui é identificar características com portam entais m inim am ente definidoras daquelas ocorrências reco­
nhecidas como aprendizagem. Por certo, os hum anos não
são os únicos animais capazes de aprender, então, nossa
definição de aprendizagem precisa ter características que
sejam observadas tam bém em outros animais. Conside­
remos, então, o que no com portam ento de um organismo
nos faz reconhecer um caso de aprendizagem.
N o laboratório de condicionamento operante, dizemos
que um rato aprendeu a pressionar a barra quando essa
resposta passa a ser frequente, sendo que observamos no
passado que ele não a em itia em quantidade significa­
tiva. Se ouvimos um a mãe dizer que seu filho finalmente
aprendeu a andar de bicicleta sem rodinhas, supom os
imediatamente que, há pouco tempo, aquela criança não
era capaz de se equilibrar por conta própria e pedalar ao
mesmo tem po. Se perguntamos a um a criança o que ela
aprendeu na escola, esperamos que ela nos conte algo novo,
que não era capaz de fazer anteriorm ente. U m a pessoa,
tendo sua pia de cozinha entupida, pode afirm ar que
aprendeu, “da pior forma possível”, a não jogar restos de
comida no ralo, mas somente concordaremos que ela de
fato aprendeu se passar a jogar os restos em outro lugar no
futuro. Em todos esses exemplos, reconhecer ou não algo
como aprendizagem depende de se considerar o estado
presente de algum aspecto do com portam ento de um a
pessoa em comparação com seu estado anterior. Apren­
dizagem, então, é um a demonstração de com portam ento
novo ou modificado. É um a alteração no m odo como um
indivíduo responde a parcelas relevantes do m undo.
N o entanto, nem toda alteração na relação do orga­
nismo com o ambiente qualificar-se-á como aprendizagem.
Certas ocorrências podem modificar tem porariam ente a
maneira como um organismo responde. Por exemplo, uma
pessoa que acabou de assistir a um filme de terror pode
responder por algum tempo de maneira exacerbada a certos
ruídos, mesmo àqueles com os quais está familiarizada.
Aprendizagem
Em manipulações experimentais, é possível observar um
ruído provocar um sobressalto maior que o usual em um
rato quando antecedido por um choque elétrico. O utro
exemplo de modificação circunstancial da maneira como
o organismo responde a partes do m undo é quando certos
eventos deixam de evocar as respostas que norm alm ente
evocam se forem apresentados em rápida sucessão ou de
modo continuado. É o que acontece quando você simples­
mente deixa de notar o ruído da sua geladeira, por exemplo.
Alterações desse tipo na relação dos organismos com o
ambiente (conhecidas na literatura técnica como “sensi­
bilização” e “habituação”, respectivamente) são exemplos
im portantes de m odulação da influência dos estímulos
ou da sensibilidade do organismo, dependendo do ponto
de vista), mas não serão tratados como casos de aprendi­
zagem, devido ao seu caráter transitório e pontual. Essas
são situações em que um determ inado arranjo ambiental
causa um a modificação no responder, mas esse responder
modificado está restrito à ocorrência daquele arranjo espe­
cífico: sem o choque, o rato do exemplo citado voltará a
responder aos ruídos da mesma maneira que antes de ter
experimentado a sucessão choque-ruído. Estamos interes­
sados aqui em mudanças na relação do organismo com o
ambiente que sejam duradouras, no sentido de perdurar
e repercutir no responder futuro do organismo, mesmo
que ele não volte a ter contato com o arranjo ambiental
específico que originou a mudança no responder. As condi­
ções que favorecem esse tipo de modificação duradoura
no responder dos organismos serão discutidas no decorrer
deste capítulo.
O utra ressalva é feita por Catania (1998/1999) em seu
livro Aprendizagem. O autor comenta que se, após encarar
um eclipse solar, um observador tiver dano perm anente
nos olhos, seu com portam ento futuro certam ente será
alterado, mas, “se alguém afirmasse que essa alteração é
um caso de aprendizagem, provavelmente discordaríamos”
p. 22). Certam ente, nesse caso, a relação daquele orga­
nismo com toda estimulação visual passa a ser diferente
do que foi no passado, mas isso ocorre porque ele deixou
de ser sensível àquela parcela do m undo. N ão é que ele
responda de m odo diferente... Ele não é mais capaz de
responder! Claro que há situações em que deixar de
responder a um estím ulo é um caso de aprendizagem,
como seria não jogar restos de com ida na pia. A diferença
é que, nesses casos, o indivíduo é capaz de perceber o
evento, ainda que não responda de m aneira específica a
ele. O indivíduo responde de outras maneiras (joga restos
de comida no lixo, por exemplo) e pode, inclusive, vir a
21
responder da maneira que não responde hoje (volta a jogar
os restos na pia). Ao observarmos um a mudança no modo
como determinado indivíduo interage com certos eventos
ambientais, devemos considerar se o organismo perm a­
nece sensível àquele conjunto de acontecim entos antes
de reconhecermos aquela m udança como sendo aprendi­
zagem. Para a Análise do C om portam ento, ambiente não
diz respeito a todo o universo que circunda o organismo,
mas justam ente àqueles eventos que exercem influência
de fato sobre o seu com portam ento (ver, por exemplo,
Tourinho, 2001). Portanto, podem os considerar que
aqueles eventos aos quais um organismo responderia se
tivesse um aparato visual intacto deixam de ser “ambiente”
para a pessoa que teve dano visual permanente. Q uando
falarmos em “ambiente”, então, estaremos nos referindo a
aspectos do m undo que um organismo é capaz de perceber
(ver no Capítulo 3 como a percepção pode ser tratada de
um a perspectiva analítico-comportamental).
Após essas considerações, podemos, agora, arriscar uma
definição comportamental de aprendizagem. Aprendizagem
é qualquer mudança duradoura na maneira como os orga­
nismos respondem ao ambiente. Tal definição será suficiente
para identificarmos a maioria dos casos de aprendizagem,
seja na natureza, no laboratório ou na escola, mas ainda é
necessário que consideremos os meios pelos quais a modifi­
cação da “relação organismo-ambiente” se dá. Essa relação,
a qual nos referimos de m aneira mais ou menos genérica
até então, diz respeito à relação funcional observada entre
eventos ambientais e respostas do organismo, ou seja, a
relação entre estímulos e respostas. Assim, a “m udança na
relação organism o-am biente” que caracteriza a aprendi­
zagem pode ser tanto a modificação de um a relação estím ulo-resposta preexistente com o o estabelecim ento de
um a relação estímulo-resposta nova.
As relações entre estímulos e respostas não são todas
iguais. Alguns estímulos estão fortem ente vinculados a
uma resposta, de modo que a resposta ocorre praticamente
toda vez que o organismo entra em contato com o estí­
mulo (como a contração da pupila no contato com uma
fonte de iluminação intensa). O utras respostas, embora
claramente ligadas a certo estímulo, não acontecem sempre
que o estímulo está presente (como abrir a porta da gela­
deira) e ainda podem se relacionar com outros estímulos
(a porta do carro, de casa, do arm ário). A literatura da
Análise do C om portam ento costum a dividir as relações
comportam entais em duas categorias - “com portam ento
respondente” e “comportamento operante” —, dependendo
das correlações entre eventos ambientais e com portam en-
22
Temas Clássicos da Psicologia sob a Ótica da Análise do Comportamento
tais que as descrevem. Apresentaremos a seguir um a breve
caracterização dessas duas classes de relações com portamentais, antes de abordarmos as maneiras como elas se
estabelecem e/ou se modificam, ou seja, os processos de
aprendizagem propriam ente ditos.
Som alto e repentino
Resposta de sobressalto
US
UR
FIGURA 2.1 Exemplo de um com portam ento reflexo incondicionado,
no qual US (unconditioned stimulus) é o estím ulo incondicionado e
U R (unconditioned response) é a resposta incondicionada. As siglas se
referem aos term os em inglês, sendo as siglas usadas na literatura.
Comportamento respondente
O term o “com portam ento respondente” é usado em
Análise do Com portam ento para se referir aos compor­
tam entos conhecidos com o reflexos, costum eiram ente
caracterizados como reações involuntárias do organismo
a certos eventos. O exemplo mais célebre é o reflexo de
salivar dos cães, estudado por Ivan Petrovich Pavlov (1849­
1936). As relações comportam entais ditas respondentes
são as mais fundamentais encontradas em organismos que
apresentam sistema nervoso central. Em termos analíticocomportamentais, são caracterizadas por um a reação alta­
mente provável do organismo a um estímulo específico do
am biente (Catania, 1998/1999; Millenson, 1967/1975;
Skinner, 1953/2000; Skinner, 1974). Sob condições
ótim as,1 a resposta ocorrerá toda vez que o organismo
entrar em contato com o estímulo.
Diante de uma relação estímulo-resposta desse tipo, um
analista do com portam ento dirá que o estímulo eliciou a
resposta reflexa (Figura 2.1). Eliciar é o termo usado para
dizer que a resposta foi provocada pelo estímulo. Quando a
resposta reflexa do organismo a determinado estímulo não
precisou ser aprendida, usa-se o termo incondicionado ou
primário para se referir tanto ao estímulo quanto à resposta
(Catania, 1998/1999; M illenson, 1967/1975; Skinner,
1953/2000). Os seres hum anos não precisam aprender a
contrair a pupila diante de um a luz intensa. Esse reflexo é,
portanto, um reflexo incondicionado. As relações respon­
dentes incondicionadas são inatas e foram selecionadas na
história de cada espécie em razão de seu valor de sobrevi­
vência. Por exemplo, afastar a mão rapidamente de uma
fonte de calor é um reflexo im portante na m anutenção de
'O comportamento reflexo obedece a algumas leis que regem a sua ocor­
rência. Por exemplo, o estímulo incondicionado tem que ocorrer em
intensidade suficiente para eliciar a resposta incondicionada, de modo
que existe um limiar a partir do qual o estímulo produz a resposta. Uma
fonte de calor pouco intensa provavelmente não provocará o afastamento
irresistível da mão. Além disso, quanto maior a intensidade do estímulo,
maior a força (ou magnitude) da resposta reflexa e mais rapidamente
ela se seguirá ao estímulo (menor latência entre estímulo e resposta).
U m tratam ento mais completo das leis do reflexo pode ser encontrado
em Catania (1998/1999), Millenson (1967/1975) e Skinner (1938).
nossa integridade física. Assustar-se com um som alto e
repentino é um reflexo relevante, pois prepara o organismo
para um a potencial situação de perigo.
Comportamento operante
N o século 19, Edw ard L. T horndike (1874-1949)
descreveu pela prim eira vez que o com portam ento dos
animais era influenciado por seus efeitos. Ele construiu
uma variedade de caixas-problema, nas quais colocava dife­
rentes animais. Esses animais deveriam aprender a resposta
que abria a caixa, que lhes permitia sair da mesma e comer
o alimento colocado fora dela. Por tentativa e erro, todos
os animais aprendiam tal resposta (puxar um a corda, abrir
um trinco etc.). Primeiramente, os animais abriam a caixa
por acaso, enquanto se movimentavam dentro dela. Com
o passar do tem po, movimentos que perm itiam o escape
da caixa ocorriam após intervalos de tempo cada vez mais
curtos a partir da inserção do anim al na caixa. C om a
resposta já aprendida, os animais passavam a abrir a caixa
quase que instantaneamente, assim que eram colocados lá
dentro. A aprendizagem era avaliada pela redução no tempo
que o animal levava para escapar da caixa-problema nas
inserções sucessivas do sujeito dentro do aparato. A partir
dessas observações, Thorndike (1898/1911) elaborou a Lei
do Efeito, que basicamente dizia que o com portam ento
era modificado em função de seus efeitos.
N a década de 1930, Burrhus Frederic Skinner (1904­
1990), ao estudar com portam ento reflexo em ratos, cons­
tatou que muitos comportam entos não podiam ser expli­
cados em termos de relações reflexas (como se supunha
na época). D iferentem ente do observado nos reflexos,
naqueles comportamentos não havia uma relação de deter­
minação absoluta de um estímulo antecedente sobre um a
determinada resposta, porque ou havia imprecisão em se
verificar a ocorrência de qualquer estímulo que pudesse
estar controlando um a resposta observada, ou, quando
verificada sua presença, a apresentação do estímulo não
era garantia de ocorrência da resposta. A relação entre estí-
Aprendizagem
mulos e respostas era marcada pela flexibilidade: a probabi­
lidade de ocorrência da resposta variava ao longo de m últi­
plas exposições ao estímulo. Além disso, vários estímulos
podiam estar relacionados com a mesma resposta e várias
respostas com o mesmo estímulo. U nindo suas observa­
ções aos estudos de Thorndike, Skinner identificou que,
nesses casos, a ocorrência ou não das respostas e sua relação
com os estímulos que as antecediam eram influenciadas
por suas consequências passadas. Alguns eventos am bien­
tais consequentes, isto é, que ocorrem após a emissão de
um a resposta pelo organismo, fazem com que respostas
semelhantes a ela tenham m aior ou m enor probabili­
dade de ocorrer no futuro (Baum, 1994/1999; Catania,
1998/1999; Millenson, 1967/1975; Skinner, 1953/2000,
Skinner, 1974). Se a resposta passa a ocorrer com maior
frequência em situações semelhantes àquelas em que a
consequência foi produzida, dizemos tratar-se de um a
consequência reforçadora. Se, ao contrário, a frequência
da resposta dim inuir naquelas situações, dizemos que a
consequência é aversiva. Vejamos um exemplo:
Todos conhecem a curiosidade das crianças. Qualquer
objeto novo as fascina de tal maneira que elas logo se apro­
ximam e m anipulam o objeto. Ao ver um a tomada, uma
criança se aproxima e não demora m uito para começar a
colocar o dedo ou até mesmo objetos em seus orifícios.
Em um determ inado m om ento, ela leva um pequeno
choque e se afasta da tomada. Será pouco provável que
ela volte a colocar o dedo ou objetos em seus orifícios,
visto que choques costum am ter funções aversivas. Em
outra situação, esta mesma criança vê um a bola e começa
a manipulá-la. Ela aperta a bola, joga a bola, observa a bola
pulando, chuta a bola etc. Se houver um adulto presente,
provavelmente ele brincará de jogar a bola com a criança.
Todas essas consequências da resposta de manipular a bola
são potencialm ente reforçadoras, o que se confirmará se
a criança frequentem ente pegar e brincar com um a bola
quando esse objeto estiver presente no seu ambiente.
Certas respostas, portanto, tornam-se mais ou menos
prováveis em situações semelhantes àquelas nas quais costumam
estar correlacionadas com determinadas consequências. Dito
23
de outra forma, os contextos semelhantes àquele no qual
certas respostas foram consistentemente acompanhadas de
reforçadores têm m aior probabilidade do que outros de
evocar aquelas respostas. Por isso, a Análise do C om por­
tam ento descreve o com portam ento operante por meio
da tríplice contingência, que envolve não só a resposta e
a consequência, mas ainda o contexto em que ocorrem
(Figura 2.2). Esse contexto, a estimulação antecedente à
resposta, recebe o nom e de estímulo discriminativo (SD).
Em princípio, podemos imaginar que as respostas podem
se tornar mais ou menos frequentes de m aneira genera­
lizada, a despeito do contexto, mas basta um a inspeção
mais atenta para notarm os que não é isso o que acon­
tece. Considerem os o exemplo de chutar um a bola. O
que chamamos de resposta, ‘chutar bola”, se pensarmos
bem, já é um a relação entre estímulos e respostas: como
seria possível chutar um a bola na ausência de uma bola?
Ainda assim, a presença da bola nem sempre vai evocar
respostas de “chutar bola”. Imaginem os que tenham os
observado que a criança em questão norm alm ente chuta
a bola quando há um adulto presente, que se engaja em
chutar a bola de volta. Então, a relação comportam ental,
nesse caso, inclui a presença da bola e de um adulto. Essa
relação será modificada dependendo das consequências.
Se o adulto costum eiram ente se engajar em jogar bola
com a criança, chutar a bola sob aquelas condições será
mais provável no futuro. Por outro lado, se aquele adulto
estiver rotineiramente cansado e não brincar com a criança,
a relação será enfraquecida.
No caso dos operantes, a relação entre o estímulo ante­
cedente e a resposta não é considerada um a relação de
eliciação. Respostas de “chutar a bola” são emitidas em
determ inadas situações e sua emissão é m odulada pelas
suas consequências. Relações com portam entais m odu­
ladas pelas consequências são am plam ente encontradas
na natureza, nas mais variadas espécies. Skinner estudou
esses com portam entos com pombos e ratos por meio de
um a câmara experimental —a famosa Caixa de Skinner
—, que perm itia o controle automatizado da apresentação
de eventos ambientais antes e após a ocorrência de uma
Chutar a bola
Receber bola de volta
R
FIGURA 2 .2 Esquem a de um a tríplice contingência operante. SD é o estím ulo antecedente (estím ulo discrim inativo), R a resposta e SR o es­
tím ulo reforçador.
24
Temas Clássicos da Psicologia sob a Ótica da Análise do Comportamento
resposta arbitrariamente definida (tradicionalmente, bicar
um disco transilum inado, no caso de pom bos, e pres­
sionar um a barra, no caso de ratos). Q uando os animais
efetuavam a resposta requerida, o aparato disponibilizava,
por exemplo, um bocado de ração. O ambiente do animal
era organizado de m odo que seu comportamento operava
sobre o ambiente, produzindo uma consequência, daí o nome
“com portam ento operante”.
E im p o rtan te ressaltar, todavia, que, do ponto de
vista do organismo, é irrelevante se a consequência foi
ou não produzida por seu com portam ento. Se eventos
reforçadores se sucederem de m odo contíguo a um a
resposta em determ inada situação, a resposta tornar-seá ligeiram ente mais provável sob situações similares, no
futuro. O próprio Skinner (1948) identificou situações
em que a contiguidade acidental entre respostas e conse­
quências produzia um aum ento transitório na frequência
daquelas respostas, as quais ele denom inou “com porta­
m entos supersticiosos”. U m a vez que o am biente esteja
configurado de modo que a contiguidade resposta-consequência seja recorrente, serão produzidas relações entre
estímulos e respostas estáveis características do “com por­
tam ento operante”. O conceito original de com porta­
m ento operante vem sendo refinado desde sua origem,
como é com um ocorrer na ciência (Todorov, 2002), mas
a relação entre resposta e consequência mantém-se central
em sua definição.
Vim os, então, que os organism os já nascem com o
potencial para responder prontam ente de m aneira adaptativa a alguns eventos am bientais. São os cham ados
reflexos incondicionados, que já “vêm de fábrica”, por
assim dizer; não dependem de aprendizagem para ocorrer.
Entretanto, é possível que novos estímulos passem a eliciar
respostas semelhantes no decorrer da vida do organismo,
tendo com o p onto de partida as relações reflexas estímulo-resposta incondicionadas. Por sua vez, os operantes
são caracterizados pela flexibilidade e arbitrariedade das
relações entre estímulos e respostas, possibilitando varia­
bilidade com portam ental para além da observada nas
relações reflexas. Em todos os casos, a determinação dos
estím ulos e respostas que participarão das novas rela­
ções com portam entais do repertório de um organismo
é produto da história específica de contato de cada orga­
nism o com seu am biente durante a sua vida. A seguir,
abordarem os os principais processos de aprendizagem
encontrados na natureza, tendo com o base as relações
estabelecidas entre estímulos ambientais e respostas do
organismo.
PROCESSOS BÁSICOS
_______ DE A PREN D IZA G EM _______
Condicionamento respondente
Com o dito antes, a partir dos reflexos incondicionados é
possível produzir novos reflexos, chamados condicionados.
Os reflexos condicionados são originados a partir de uma
história de condicionamento respondente (também chamado
de condicionamento clássico ou pavloviano). Essa possibili­
dade de condicionamento permite que o comportamento
reflexo inato seja modificado de acordo com as necessidades
de adaptação do organismo às mudanças no ambiente em
que vive (Skinner, 1974). D a mesma maneira como ocorre
com o reflexo incondicionado, no reflexo condicionado um
estímulo elicia imediatamente um a resposta. Entretanto,
esta relação entre o estímulo e a resposta se desenvolve
durante a vida do organismo (ontogênese), em vez de ser
determinada pela história evolutiva da espécie (filogênese)
(Catania, 1998/1999; Skinner, 1974).
Os principais estudos que contribuíram para a compre­
ensão do condicionam ento reflexo datam do início do
século 20. Foi o já citado fisiólogo russo Ivan P. Pavlov
quem sistematizou um a metodologia de estudo do condi­
cionamento respondente. Daí o fato de este ser chamado
também de condicionamento pavloviano. Nossa exposição
do condicionam ento respondente será centralizada nos
estudos de Pavlov, mas é im portante ressaltar que contin­
gências respondentes são foco de investigação ainda hoje
(ver Rescorla, 1988; 2000, por exemplo).
Em 1927, Pavlov estudava a atividade digestiva de
cães quando se deparou com um fenômeno interessante.
Ele percebeu que os cães não salivavam apenas quando
tinham com ida na boca (que é um reflexo incondicio­
nado), mas tam bém quando viam a vasilha de comida,
quando entravam na sala em que eram alimentados e até
m esmo quando viam o tratador ou ouviam seus passos
(Keller, Schoenfeld, 1950/1974; M illenson, 1967/1975).
A partir dessa observação, Pavlov supôs que a resposta de
salivação a esses estímulos havia sido aprendida e pôs-se
a testar essa hipótese com experimentos que usavam o
paream ento regular entre estímulos “neutros”2 e o estí-
2É im portante ressaltar que o estímulo é considerado “neutro” em
relação à resposta reflexa que está em foco, mas provavelmente será
estímulo eliciador para outras respostas. Por exemplo, o som de um a
sineta é originalmente neutro para a resposta de salivar, mas pode ter
função eliciadora sobre a resposta de virar a cabeça na direção do som.
Aprendizagem
Reflexo incondicionado
Alimento na boca
US
Salivação
UR
Condicionamento respondente
Som + Alimento na boca
NS
US
->
Salivação
UR
Reflexo condicionado
Som
CS
-►
Salivação
CR
FIGURA 2 .3 Esquem a do processo de condicionam ento respondente.
As siglas usadas significam: U S, estím ulo incondicionado; U R , res­
posta incondicionada; N S, estím ulo neutro; CS (conditioned stim u­
lus), estím ulo condicionado; C R (conditioned response), resposta con­
dicionada. As siglas se referem aos term os em inglês, sendo as siglas
usadas na literatura.
mulo incondicionado, o que se tornou o procedim ento
clássico para a produção de um a relação reflexa condicio­
nada (Figura 2.3).
Basicamente, o que Pavlov fazia era tocar um som (estí­
mulo neutro) sempre que colocava alimento na boca do
cão (estímulo incondicionado), coletando as gotas de saliva
produzidas (resposta incondicionada). Esse procedimento
foi feito regularmente, por alguns dias. Em seguida, Pavlov
com eçou a apresentar o som (estímulo condicionado)
sozinho, verificando a ocorrência da resposta de salivação
I resposta condicionada). O que ocorre no condiciona­
mento respondente, então, é que um estímulo neutro passa
a eliciar um a resposta reflexa, com o produto do paream ento frequente entre esse estímulo e um outro eliciador
que pode ser incondicionado ou condicionado). Q uando
o estímulo originalmente neutro passa a eliciar a resposta,
recebe o nom e de estím ulo condicionado. A resposta,
por sua vez, em bora seja semelhante à resposta eliciada
incondicionalm ente, recebe o nom e resposta condicio­
nada, por estar sendo eliciada em decorrência de apren­
dizado por condicionamento, e não por um a relação inata
entre estímulo e resposta (Catania, 1998/1999; Millenson
1967/1975).
Nesse experimento descrito, o pareamento do estímulo
neutro com o estímulo incondicionado ocorreu de modo
que os dois foram apresentados ao mesmo tempo. Entre­
tanto, essa não é a única configuração tem poral possível
25
da ocorrência dos estímulos no condicionam ento respon­
dente. O estímulo neutro pode tam bém ser apresentado
antes ou depois do estímulo incondicionado (ou de outro
estímulo condicionado). Na verdade, há diversas maneiras
de pareamento e cada um a delas tem um efeito diferente
na força do condicionam ento (Catania, 1998/1999). Por
exemplo, quando o estímulo neutro é apresentado imedia­
tam ente antes do estímulo incondicionado, o condicio­
nam ento é mais eficaz do que quando ambos são apre­
sentados ao mesmo tem po. Q uando o estímulo neutro
é apresentado depois do incondicionado, o condiciona­
m ento respondente dificilmente acontece. O tem po entre
a apresentação dos estímulos no paream ento tam bém
é um a variável relevante: para que o condicionam ento
ocorra, a distância temporal entre os estímulos não deve
ultrapassar certo lim ite e, quanto mais próxim os entre
si, mais rápido ocorre o condicionam ento. Para que os
efeitos do condicionam ento respondente se m antenham ,
isto é, para que a relação entre estímulo eliciador condi­
cionado e resposta condicionada perdure, é necessário que,
pelo menos de tempos em tempos, os estímulos condicio­
nado e incondicionado sejam novamente pareados. Caso
contrário, observa-se um processo de extinção da relação
reflexa condicionada (extinção respondente): gradual­
m ente, o tem po entre a exposição ao estímulo condicio­
nado e a ocorrência da resposta aum entará e a m agni­
tude da resposta diminuirá até, finalmente, alcançar níveis
próximos aos observados antes do condicionamento.
No caso dos seres humanos, o condicionamento respon­
dente pode ajudar a explicar alguns com portam entos
comuns. As nossas emoções são, em grande parte, expli­
cadas por condicionam ento respondente. Q uando nosso
coração bate forte ao ouvirmos um a música que tocava
muito quando namorávamos determinada pessoa, estamos
diante de um caso que envolve um reflexo condicionado.
Q uando nos apavoramos diante de um a pessoa que nos
lembre, de algum modo, alguém que nos assaltou, estamos
diante de outro caso de condicionam ento respondente
(este tema será abordado com maiores detalhes no Capí­
tulo 6). M uitos casos de fobia, por exemplo, resultam
de condicionam ento respondente, como m edo generali­
zado de cães ou medo de dentista. Um a m ordida de um
cão bravo pode tornar todo e qualquer cão um aversivo
condicionado, e a exposição a um procedim ento espe­
cialmente doloroso no consultório dentário pode fazer
o mesmo com tudo que se relacione com dentista. Além
disso, contingências respondentes têm sido implicadas
em aspectos da drogadição, tanto em estudos com porta-
26
Temas Clássicos da Psicologia sob a Ótica da Análise do Comportamento
mentais (p. ex., DeGrandpre, Bickell, 1993) como neurofisiológicos e bioquímicos (ver, p. ex., Everitt, Robbins,
2005, para um a revisão).
Condicionamento operante
Na breve exposição feita sobre comportamento operante,
falamos sempre de respostas que produzem consequências,
mas é im portante dizer que o Behaviorismo Radical não
define um com portam ento operante pela forma (ou topo­
grafia) específica da resposta, e sim por sua função; um a
resposta em itida por um organismo nunca é idêntica a
outra. A chance de que o organismo apresente uma resposta
topograficamente idêntica a anterior é m uito pequena, de
m odo que ocorrerão variações nas formas das respostas. O
analista do com portam ento reconhece todas as respostas
que tiveram sua frequência aum entada por um mesmo
tipo de consequência como da mesma função.3 Pensemos
no com portam ento de abrir uma porta, por exemplo. O
m odo como um a pessoa abre a porta depende de um a
série de fatores. Pode abrir a porta com a m ão direita
ou com a mão esquerda. Pode abri-la apoiando o coto­
velo na maçaneta, porque tem as mãos ocupadas. Pode
ainda pedir que alguém que a acom panha abra a porta.
Enfim, há diversas formas (topografias) de se abrir uma
porta, mas todas elas têm a mesma função: ter acesso ao
am biente que se encontra atrás da porta. É por isso que o
analista do com portam ento não fala apenas em respostas,
mas em classe de respostas, no sentido de que existe todo um
grupo de topografias possíveis que têm a mesma função,
ou seja, que têm sua ocorrência influenciada pela mesma
consequência (Catania, 1998/1999; Skinner, 1953/2000).
Todas as respostas usadas para abrir um a porta formam
a classe de respostas “abrir a porta”. O u tra razão para a
adoção da noção de classe é lógica: a consequência que
segue um a determ inada resposta não pode reforçar essa
mesma resposta, porque ela ocorreu antes da consequência.
Q uando falamos que um a resposta é reforçada, portanto,
estamos, na verdade, falando do aumento da probabilidade
futura de respostas de um a mesma classe.
A mesma noção de classe se aplica quando falamos de
estímulos. Em bora falemos costum eiram ente em o estí­
3É com um esse term o ser tom ado com a conotação de que as
respostas funcionam, agem, de m odo a produzir certa consequência,
ou que sua função é produzi-la. Entretanto, o sentido mais apro­
priado para o term o “função” nesse contexto seria o usado na mate­
mática: o aumento ou a m anutenção da frequência das respostas da
classe R é fimção da apresentação contingente da consequência X.
mulo, os eventos que o organismo encontrará em diversas
ocasiões não são necessariamente os mesmos, nem são
semelhantes em todos os aspectos. Mais adiante, veremos
como diversos eventos ambientais podem vir a ser agru­
pados em um a m esm a classe de estímulos, isto é, um
conjunto de estímulos que, mesmo não sendo exatamente
idênticos entre si nem aos que o organismo encontrou
no passado, estão relacionados com um a m esm a classe
de respostas.
São m uitos os exemplos de aprendizagem operante,
envolvendo desde com portam entos mais simples, como
levar a colher até a boca durante um a refeição, a com por­
tamentos mais complexos, como a resolução de problemas
matemáticos. Todos dependem da correlação entre eventos
ambientais antecedentes, respostas e eventos consequentes.
Essa correlação entre eventos, quando produz a m odifi­
cação da probabilidade de que certos estímulos antece­
dentes e certas respostas coocorram, recebe o nom e de
condicionamento operante. Em condições artificialmente
arranjadas, como no laboratório, isso é obtido basicamente
pela disponibilização de certos eventos ambientais como
consequência para a emissão de determinadas respostas e
não de outras sob um a estimulação antecedente específica
(Catania, 1998/1999; Skinner, 1953/2000). N a natureza,
o condicionamento ocorre quando determinadas ações do
organismo consistentemente promovem o contato com
consequências ecologicamente relevantes, o que costuma
acontecer em contextos específicos. Por exemplo, se um
babuíno jovem permanece próximo de um a fêmea, igno­
rando o m acho alfa que se aproxim a com os dentes à
mostra, provavelmente será violentamente atacado. Se ele
sobreviver, é provável que não se aproxime daquela fêmea,
ou somente o faça na ausência do macho alfa e trate de se
afastar rapidamente ao avistá-lo. O analista do com por­
tam ento reconheceria aí uma contingência natural (visão
do macho alfa —>permanecer próximo à fêmea —> sofrer
agressão) promovendo a aprendizagem.
Q u a n d o falam os em “ações que consistentem ente
prom ovem contato com consequências ecologicam ente
relevantes”, pode parecer que cada resposta de um orga­
nism o precisa produzir determ inada consequência para
que seja reconhecida um a contingência. N ão é esse o
caso. A contingência operante consiste na coocorrência
reguläre.ntre respostas e consequências em dada situação,
mas não é essencial que cada ocorrência de um a classe
de resposta seja acom panhada da consequência que
define aquela classe. N a verdade, as contingências mais
com uns parecem ser aquelas em que a consequência é
Aprendizagem
produzida para algumas ocorrências de um a classe de
respostas, nao para todas. Tom em os como exemplo um
pássaro que forrageia virando pedras com seu bico em
busca de pequenos insetos. N em todas as pedras revi­
radas serão abrigo de insetos, mas seu com portam ento
de virar pedras será m an tid o se pelo m enos algum as
delas apresentarem alim ento em quantidade suficiente
para suprir a dem anda energética do animal. Em outros
casos, a disponibilidade da consequência no am biente
do organism o depende não da quantidade de respostas
efetuadas, mas da passagem de um período de tem po
antes que a resposta ocorra. Im agine um a pessoa que
recebe m ensalm ente um a correspondência im portante,
mas ainda não notou que ela chega sempre após as 14 h
do q u in to dia útil. N em todas as respostas de abrir a
caixa de correio “produzirão” a consequência prevista:
não im porta que a pessoa verifique sua caixa de correio
todo dia ou 1 vez por semana, a carta som ente estará lá
se a caixa for aberta após as 14 h do quinto dia útil de
cada mês. A literatura de Análise do C om portam ento
estuda esse tipo de contingência em que a relação entre
respostas e reforçadores é interm itente sob as rubricas
Reforçamento Interm itente e Esquemas de Reforçamento.
C atania (1998/1999) divide os esquem as de reforça­
m ento em três tipos básicos:
• Aqueles em que a produção do reforçador depende
da ocorrência de um núm ero fixo ou variável de
respostas, como no exemplo do pássaro forrageando
(conhecidos como esquemas de razão)
• Aqueles em que a produção do reforçador depende
não apenas da emissão de um a resposta, mas da
passagem de um intervalo de tem po fixo ou variável,
com o no exemplo da carta (conhecidos como
esquemas de intervalo)
• Aqueles que dependem da taxa de respostas ou do
espaçamento temporal entre respostas.
H á ainda um a variedade de esquem as com plexos
derivados da com binação de esquem as básicos. C ada
arranjo de contingências que caracteriza um esquem a
produz um padrão de respostas peculiar, com taxas de
respostas e distribuição distintas. A literatura da área
é tão rica que m esm o um tratam ento superficial extra­
polaria em m u ito o escopo deste capítulo. (Para um
tratam en to porm enorizado, ver C atan ia 1998/19 99;
Ferster, Skinner, 1957).
H á um a série de eventos “ecologicamente relevantes”,
eventos ambientais im portantes de serem considerados
27
para a sobrevivência do organismo, tais como alim ento,
água, contato sexual, eventos danosos etc. Em bora
tenham os até então enfatizado exemplos de fortaleci­
m ento de relações entre estímulos e respostas, é im por­
tante ressaltar que os processos que envolvem o enfra­
quecim ento de relações com portam entais tam bém são
processos de aprendizagem . C om o dissemos anterior­
mente, as consequências que estão correlacionadas com a
dim inuição da frequência de certa classe de respostas em
determ inado contexto são chamadas “aversivas”. Aqueles
eventos cujo valor reforçador ou aversivo decorre da
história da espécie (filogênese) são denom inados incon­
dicionados ou prim ários. U m a enorm e variedade de
estímulos, entretanto, adquire valor reforçador ou aver­
sivo ao longo da vida do organismo ao serem pareados
com eventos que já apresentam um a dessas funções.
Isso ocorre po r um processo de aprendizagem com o
qual o leitor já está fam iliarizado, o condicionam ento
respondente. Esses eventos recebem o nom e de reforçadores/aversivos condicionados ou secundários. Vejamos
o exemplo do dinheiro como reforçador condicionado.
D inheiro é um p ro d u to da cultura h u m an a e não da
história da espécie. N a verdade, não passa de pedaços de
papel ou círculos de metal. E ntretanto, é um reforçador
condicionado poderoso, pois ao longo de nossa vida ele
foi pareado a praticam ente todos os reforçadores incon­
dicionados e condicionados que existem.4 Com dinheiro,
adquirem -se alim ento, água potável, proteção (roupas,
calçados, casas etc.), diversão, entre outras coisas. N ão é
de se estranhar que m uitas pessoas façam qualquer coisa
para ter acesso a este reforçador.
Prim ários ou secundários, a questão é que qualquer
resposta que perm ita ao organism o obter os eventos
reforçadores ou evitar os eventos aversivos será forta­
lecida no seu repertório co m p o rtam en tal. Por o u tro
lado, respostas que p ro d u zam eventos aversivos ou
elim inem reforçadores serão enfraquecidas. T anto
o fo rtalecim en to com o o e n fraq u ecim en to de um a
classe de respostas em um a dada situação são casos de
aprendizagem : a relação do organism o com parcelas
do am biente se m odifica de algum a form a duradoura.
4Q uando um reforçador condicionado tem seu valor reforçador com
base em vários reforçadores primários, costuma-se chamá-lo de refor­
çador generalizado. Por essa relação com vários reforçadores primá­
rios, o reforçador condicionado generalizado pode ser efetivo quando
contingente a diversas classes de respostas (Catania, 1998/1999).
28
Temas Clássicos da Psicologia sob a Ótica da Análise do Comportamento
A lém disso, os dois processos fre q u e n te m en te estão
envolvidos em um a m esm a aprendizagem . O babuíno
do exemplo citado pode aprender a ficar longe da fêmea
na presença do m acho alfa; ao se aproxim ar, produz
consequências aversivas; e pode aprender tam bém a se
aproxim ar dela na ausência do m acho alfa; quando se
aproxim a, produz consequências reforçadoras. Temos
duas relações co m p o rtam en tais com suas p ro b ab ili­
dades de ocorrência m odificadas em função de suas
consequências: especificamente “aproximar-se da fêmea
na presença do m acho alfa” d im in u in d o a frequência
e “aproxim ar-se da fêmea na ausência do m acho alfa”
a u m e n tan d o a frequência. O s processos que levam
a essas variações n a aprendizagem o p e ra n te serão
descritos a seguir.
Q u a n d o um c o m p o rtam e n to é m a n tid o p o r suas
consequências, dizem os que ele foi reforçado (fortale­
cido) e que a consequência é, p o rta n to , reforçadora.
Q u a n d o , ao co n trário , um co m p o rtam en to dim in u i
de frequência (ocorre menos) ou deixa de ocorrer em
decorrência de suas consequências, dizemos que ele foi
pu n id o (enfraquecido) e que a consequência é, então,
p u n itiv a ou p u n id o ra (B aum , 1 9 9 4 /1 9 9 9 ; C atania,
1998/1999; Skinner, 1953/2000). O s term os “p u n i­
tivo” e “refo rçad o r” não se referem a características
intrínsecas dos estím ulos, mas sim à função que exer­
ceram sobre dada classe de respostas. N ote que o que
define se a consequência é reforçadora ou punidora não
é o estím ulo em si, mas o seu efeito sobre a frequência
da resposta. N ão se pode, po rtan to , definir a priori se
um a consequência será punitiva ou reforçadora. Essa
regra se aplica ta n to aos reforçadores condicionados
q u a n to aos in co n d icio n ad o s. U m m esm o estím ulo
pode ser reforçador para um indivíduo e punitivo para
outro. N a verdade, um m esm o estím ulo pode desem ­
penhar as duas funções para um m esm o indivíduo, a
depender do contexto. Por exem plo, quando estamos
com fome, o alim ento torna-se altam ente reforçador. Se
com em os demais, entretanto, a m era visão da com ida
pode nos causar náuseas. N o prim eiro caso, a com ida
é p o ten c ialm en te reforçadora, pois é provável que
em itam os respostas para obtê-la; no segundo caso, é
um estím ulo potencialm ente aversivo, pois é provável
que respondam os de m odo a evitá-la. A lém disso,
respostas podem tanto produzir a apresentação de um
evento quanto produzir a sua remoção. Em certos casos,
a in tro d u ção de um estím ulo pode ser reforçadora e
sua elim inação pu n itiv a (um sorvete, p o r exem plo).
Em outros casos, a introdução de um estím ulo pode
ser p u n itiv a e sua elim inação reforçadora (digam os,
um choque elétrico).5
O
processo de condicionam ento pelo qual um orga­
nismo aprende a responder diferencialmente na presença
ou ausência de um estímulo antecedente é chamado de
discriminação. A discriminação ocorre quando o com por­
tam ento do organismo é controlado6 pela presença ou
ausência de determ inado padrão de estimulação antece­
dente. Ao analisar o com portam ento, o pesquisador iden­
tifica aquelas propriedades do ambiente que se relacionam
de maneira significativa com o comportamento sob análise.
As propriedades que consistentemente participam juntas
do controle do com portam ento são identificadas pelo
experim entador como um “estímulo”. Os casos em que
um a resposta somente é evocada por um mesmo agrupa­
m ento de propriedades, ou seja, de um mesmo estímulo,
costumam ser denominados “discriminação simples”. Um
exemplo é um cão fazer festa quando seu dono chega a casa,
mas não o fazer quando a empregada chega. Entretanto, há
casos em que o organismo responde de maneiras distintas
a diferentes combinações de dois ou mais agrupamentos
de propriedades. Suponhamos que, de m anhã cedo, o cão
busque a atenção do dono e ignore a empregada, mas,
ao m eio-dia, busca a atenção da em pregada e ignore o
dono. Casos desse tipo costumam ser identificados como
“discriminação condicional”, pois se entende que a função
dos estímulos (“dono” e “empregada”, no nosso exemplo)
5Uma maneira de se referir à função dos estímulos que o leitor encon­
trará com frequência na literatura é que certos estímulos são “reforça­
dores positivos” (se reforçam quando acrescentados, somados ao ambiente)
e “punidores negativos" (se punem quando eliminados, subtraídos);
enquanto outros estímulos são “reforçadores negativos” (se sua subtração
do ambiente é reforçadora) e “punidores positivos’ (se sua adição é puni­
tiva). Âs vezes, no entanto, pode parecer confuso dizer que um estímulo
aversivo (geralmente danoso) tem função reforçadora. U m a maneira de
evitar a confusão seria considerar não que um evento - choque elétrico,
por exemplo - está sendo introduzido ou retirado do ambiente, mas que
a “introdução do choque” é um evento ambiental e a “eliminação do
choque” é outro. O primeiro é um evento potencialmente punitivo, pois
respostas que produzem a “introdução do choque” geralmente diminuem
de frequência, ao passo que o segundo é potencialmente reforçador, pois
respostas que produzem “a eliminação do choque” tendem a se tornar
mais frequentes (ver, p. ex., Michael, 1975; Baron, Galizio, 2005; 2006).
6Quando dizemos que o estímulo antecedente controla a ocorrência de
determinado comportamento, queremos dizer que, por ter sido reforçada
na sua presença, a classe de respostas tem maior probabilidade de ocorrer
novamente diante deste estímulo. E equivalente a dizer que o estímulo
antecedente “evoca” a resposta que produz determinada consequência. Vale
lembrar que controlar dicriminativamente determinada resposta, entre­
tanto, é diferente de eliciar (como ocorre com o comportamento reflexo).
A prendizagem
é modificada dependendo de outros estímulos (“m anhã
cedo” ou “meio dia”), os estímulos condicionais. Cada um
desses casos é tratado de uma maneira específica na Análise
do Comportamento, mas ambos são exemplos do processo
mais amplo de discriminação.7 Vejamos um exemplo de
como o responder discriminado se estabelece.
Digamos que você se m ude para um apartam ento novo
e não conheça seus vizinhos. Você aprendeu, ao longo de
sua vida, a cum prim entar as pessoas (ao menos aquelas
que estão sempre presentes no seu am biente). Todas as
m anhãs você encontra dois m oradores do prédio, que
vão trabalhar no mesmo horário que você. Inicialmente,
a presença de ambos evoca a resposta de cum prim entálos com um “bom-dia”, porque essa classe de respostas foi
am plam ente reforçada na sua história. Acontece, entre­
tanto, que apenas um dos moradores responde ao cum pri­
m ento, enquanto o outro se lim ita a continuar o que está
fazendo sem sequer olhar na sua direção. Por alguns dias
você ainda insiste em cum prim entar a ambos, afinal de
contas, essa classe de respostas está m uito bem estabe­
lecida no seu repertório com portam ental, mas a reação
de ambos os moradores permanecem as mesmas. Com o
passar do tempo, você vai deixando de cum prim entar o
m orador que nunca responde ao cum prim ento, porque
essa resposta nunca é reforçada na sua presença. Já o outro
morador, que devolve o “bom-dia”, é cumprimentado por
ocê diariamente, porque você aprendeu que, na presença
dele, o cum prim ento será seguido de reforço.
Q uando falamos do procedim ento de discriminação,
portanto, estamos falando que um a determ inada classe
de respostas é mais frequentemente seguida de uma conse­
quência específica na presença de um estímulo do que
de outro (ver Figura 2.4). Isso faz com que esta classe
de respostas torne-se mais provável diante do prim eiro
estímulo, chamado de SD, e praticam ente não ocorra na
presença do outro estím ulo, condição cham ada de SA
(Catania, 1998/1999). N o exemplo dado, o m orador que
responde ao seu cumprimento seria o SDpara a resposta de
dizer “bom-dia”, enquanto o outro morador seria o SApara
i mesma resposta. O reforçam ento diferencial (contato
"De fato, alguns autores defendem que os exemplos de controle de estímulos
tradicionalmente estudados sob a rubrica discriminação condicional pode­
riam ser vistos como controle antecedente por combinações de estímulos,
mas sem um caráter condicional, hierárquico (p. ex., Thomas, Schmidt,
1989). Nessa visão, as respostas de “buscar atenção” do cão seriam contro-adas pelos estímulos compostos “dono + manhã” e “empregada + tarde”,
mas não pelos estímulos compostos “dono + tarde” e “empregada + manhã”.
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FIGURA 2 .4 E squem a do p ro ced im en to de discrim inação. SD é o
estím ulo discrim inativo, R a resposta, SR o estím ulo reforçador e SA
(S-delta) representa a ausência.
com o reforço em certas situações e não em outras) é essen­
cial para o estabelecimento de controle discriminativo. Se
o com portam ento for reforçado com frequência similar
em qualquer situação, não há razão para que o indivíduo
atente para o contexto (estímulo antecedente).
N ão custa realçar que parar de dizer “bom -dia” para
o vizinho que nunca responde tam bém é um caso de
aprendizagem , po rq u e respostas que não produzem
modificações no am biente não têm função adaptativa
e ten d em a reduzir em frequência. D e certo m odo,
você aprende a não dizer “bom -dia” para aquela pessoa.
H á, no cotidiano, diversas situações que exigem que
com portam entos dim inuam de frequência no repertório
do indivíduo. Para enfraquecer um a relação com por­
tam ental operante, é preciso, inicialm ente, saber quais
as consequências que a m antém . Vejamos o exemplo
de um a criança que co n stan tem en te em ite respostas
de “fazer birra” no superm ercado sempre que a mãe diz
que não vai com prar o doce que ela pediu. A criança se
joga no chão, bate pés e mãos, grita, chora etc. Esse é
um padrão de com portam ento inaceitável socialm ente
e, p o rta n to , precisa ser elim inado do rep ertó rio da
criança. C om o essas não são respostas inatas de um ser
hum ano, é m uito provável que estejam sendo m antidas
por suas consequências. No caso, quase sempre a criança
obtém da mãe o que quer ao em itir um a resposta que
se insere na classe “fazer birra”. Então, com o elim inar
esse com portam ento? O m elhor é fazer com que a classe
de respostas “fazer birra” deixe de produzir as conse­
quências que pro d u z n o rm alm ente. A m ãe poderia
deixar de atender ao pedido da criança quando ela faz
birra. O que se observa com esse procedim ento é que,
de início, a birra aum enta, com o que para cham ar mais
a atenção da m ãe, mas, com o o reforçam ento nu n ca
ocorre, essa classe de respostas vai ficando m enos
frequente até praticam en te deixar de ocorrer. A este
procedim ento de quebra da relação entre um a classe de
30
Temas Clássicos da Psicologia sob a Ótica da Análise do Comportamento
respostas e a consequência que a m antém dá-se o nom e
de extinção operante (C atania, 1998/1999; M illenson
1967/1975; Skinner, 1953/2000).
O padrão de resposta descrito no exemplo é típico
do processo de extinção operante. C om o a classe de
respostas em processo de extinção foi m uito reforçada
na história do indivíduo, é esperado que nao seja tão
fácil eliminá-la de seu repertório. E em decorrência dessa
questão do reforçam ento que há um aum ento abrupto
na frequência de um a classe de respostas subm etida a
um a condição de extinção antes que possamos observar
a redução de sua ocorrência. Esse fenôm eno tem sido
am plam ente observado com os mais diversos tipos de
com portam ento operante em diversas espécies (Catania,
1998/1999). Acontece ainda que dificilm ente a resposta
que passou pelo processo de extinção deixa de ocorrer
indefinidam ente. O casionalm ente, essa resposta pode
voltar a ser emitida e, se pensarmos bem, é adaptativo que
assim seja. Para que um organismo tenha m aior chance
de sobrevivência, é preciso que tenha um a variabilidade
com portam ental a partir da qual novas respostas possam
ser reforçadas, a depender das exigências do ambiente. Se
a cada processo de extinção classes de respostas deixassem
de existir, teríam os um organismo com um repertório
com portam ental m uito restrito e, consequentem ente,
com m enor capacidade de se adaptar às m udanças no
am biente. O fenôm eno do ressurgim ento de respostas
que foram reforçadas na história do organismo (Reed,
M organ, 2006), observado durante a aplicação do proce­
d im ento de extinção a um a dada classe, sustenta essa
hipótese.
O princípio unificado do reforço
E m b o ra tenham os descrito os co n d icionam entos
resp o n d en te e o p erante em separado, atu alm en te é
bastante difu n d id a na Análise do C o m p o rtam en to a
noção de que essa separação é m eram en te didática.
C om o o leitor deve ter percebido quando falamos dos
eventos reforçadores/aversivos condicionados, há na
natureza um a sobreposição, ou entrelaçam ento, de
contingências operantes e respondentes. Os estímulos
que funcionam como reforçadores são necessariamente
estím ulos eliciadores de um a resposta reflexa. Em um a
contingência operante (SD — R — SR), em que o estí­
m ulo “eliciador” (reforçador) é consistentem ente corre­
lacionado com o estím ulo discrim inativo, tem os um a
contingência respondente “em butida” na contingência
operante. C om o consequência disso, o estím ulo discri­
m inativo tam bém pode assum ir função eliciadora (da
resposta eliciada pelo reforçador) e pode inclusive servir
com o reforçador condicionado para outras respostas
operantes. Além disso, as relações reflexas podem servir
de p o n to de partid a para o desenvolvim ento de rela­
ções operantes. Tom e-se com o exem plo o reflexo de
sucção dos bebês hum anos. Já nos prim eiros m om entos
de vida qu alq u er estim ulação tátil dos lábios de um
bebê elicia um padrão de sucção, im p o rtan tíssim o
para o seu contato inicial com alim ento. E n tretan to ,
apenas um a parcela restrita do am biente disponibiliza
alim ento. C o m o passar do tem po, o contato com as
consequências diferenciais faz com que as respostas de
sugar sejam evocadas apenas pelos estímulos relevantes.
O mesmo ocorre com o choro. As crianças rapidam ente
aprendem a chorar com m aior frequência em dadas
ocasiões em função das consequências do chorar, isto é,
das m udanças produzidas no am biente por interm édio
do com portam ento dos cuidadores.8
Ambos os tipos de condicionamentos têm em comum
o estabelecimento de um a nova relação entre estímulos
e respostas. N o condicionam ento respondente, a corre­
lação entre um estímulo neutro e um estímulo eliciador faz
com que o estímulo inicialmente neutro passe a eliciar a
resposta reflexa. No condicionamento operante, estímulos
e respostas que coocorrem em correlação com um estímulo
“eliciador” (o reforçador) passam a ocorrer juntos com mais
frequência. Nos dois casos, uma relação S-R é fortalecida
pela correlação com um estímulo eliciador. A diferença
está nos arranjos ambientais que produzem essas relações
e no controle do estímulo sobre a resposta. Reconhecendo
essa afinidade, os pesquisadores Donahoe e Palmer (1994)
propuseram o Princípio Unificado do Refiorço. A ideia, basi­
camente, é que em ambos os condicionamentos ocorre o
mesmo processo de fortalecimento. Em linhas gerais, o
sistema nervoso dos organismos capazes de aprender está
configurado de modo que os estímulos e as respostas que
consistentemente ocorrem contiguamente a um estímulo
eliciador terão maior probabilidade de ocorrer juntos no
“U m a parcela considerável dos eventos ambientais que influenciam o
comportamento humano é composta por produtos do comportamento
de outrem. Em Análise do Comportamento, os comportamentos que são
estabelecidos e mantidos por consequências mediadas por outros indivíduos
são estudados sob a rubrica de “Comportamento Verbal”, cuja formulação
original pode ser encontrada em Skinner (1957) e descrita no Capítulo 7.
Aprendizagem
Contingência respondente
31
Contingência operante
Estímulo
Resposta
operante
FIGURA 2 .5 D iagram a ilustrando a apren­
dizagem sob a perspectiva do P rincípio
U nificado do Reforço. T an to co n tin g ên ­
cias respondentes com o operantes correla­
cionam estím ulos, respostas e reforçadores
(eliciadores). A espessura das linhas ligando
estím ulo e respostas representa a força da
relação. O efeito de m últiplas correlações,
em ambos os casos, é o fortalecim ento de
um a relação entre estím ulos antecedentes e
respostas. (As aspas na palavra eliciador são
inclusões dos organizadores d a obra).
futuro,9 independente de como tais eventos se correla­
cionem em primeiro lugar. Dessa perspectiva, os qualifi­
cativos “respondente” e “operante” caracterizam os proce­
dimentos que o experimentador usa no laboratório para
“O princípio unificado do reforço é parte da proposta “biocomportamental” de D onahoe e Palmer (1994), que busca suplementar a explicacão do comportamento com dados acerca da fisiologia dos organismos.
Os autores defendem que a base fisiológica do reforço é o fortalecimento
íináptico produzido em certas regiões do cérebro quando o organismo
entra em contato com os eventos reforçadores. Em resumo, os reforça­
dores são estímulos que atuam sobre uma área do sistema límbico chamada
=rea tegum entar ventral (VTA). A VTA interage com um conjunto de
regiões do cérebro onde há sinapses entre neurônios que participam do
contato com eventos ambientais e neurônios que participam da produção
de respostas. Quando o organismo entra em contato com um reforçador,
is sinapses provenientes da VTA lançam o neurotransmissor dopamina
naquelas regiões. U m efeito da dopam ina é promover o aum ento da
eficácia das sinapses que estão ativas no m om ento em que entram em
contato com ela. Se o organismo for exposto recorrentemente a arranjos
ambientais em que o contato com certos estímulos e a emissão de certas
respostas são consistentemente acompanhados do contato com um refor­
çador (eliciador), o efeito cumulativo do fortalecimento das sinapses ativas
no contato com o reforço será o favorecimento de uma rede neural que,
grosso modo, subsidia a relação entre estímulos e respostas. Diversas invesngações acerca da neurobiologia da aprendizagem têm corroborado e esten­
dido esse modelo (para um a revisão desses estudos, ver Guerra, 2006;
para mais detalhes sobre a proposta biocomportamental, ver Donahoe,
?ilmer, 1994; para uma discussão acerca da participação de eventos neurais
na contingência de reforço, ver Silva, Gonçalves, Garcia-Mijares, 2007).
fortalecer relações entre estímulos e respostas, não tipos
diferentes de comportam ento.
A Figura 2.5 ilustra essa noção. Tanto contingências
respondentes como contingências operantes correlacionam
eventos ambientais inicialmente “neutros” com respostas
e estímulos eliciadores. Com o você deve lembrar, os dois
tipos de contingências diferem no m om ento de apresen­
tação do estím ulo eliciador. No condicionamento respon­
dente, o estímulo eliciador é apresentado contiguamente a
um estímulo neutro, ao passo que no condicionam ento
operante o eliciador é apresentado contiguamente a uma
resposta. Apesar dessas diferenças formais, o efeito da
coocorrência recorrente desses eventos é a mesma nos dois
casos: o fortalecimento da relação entre todos os estímulos
e respostas que coincidiram com a apresentação do estí­
mulo eliciador. Após múltiplas exposições à contingência,
o estímulo originalmente neutro eventualm ente passa a
ser seguido daquelas respostas mesmo na ausência do estí­
m ulo “eliciador”. Repare que, na contingência operante,
o estímulo que se tornará discriminativo para a resposta
em questão tam bém passa a eliciar as respostas reflexas
produzidas pelo reforçador.
Gedac - 2º Encontro: 22/06/2013
Texto 02 (Leitura Básica)
O que é comportamento?1
Júlio César Coelho de Rose
UFSCar
De modo genérico, o termo comportamento refere-se à atividade dos organismos
(animais, incluindo o homem), que mantêm intercâmbio com o ambiente. Essa atividade
inclui os movimentos dos músculos estriados e dos músculos lisos, e a secreção das
glândulas. Na linguagem cotidiana, frequentemente nos referimos aos comportamentos
que envolvem a musculatura estriada como comportamentos voluntários, enquanto
denominamos involuntários aqueles que envolvem a musculatura lisa e as glândulas.
Numa linguagem mais rigorosa, esses termos são evitados, e falamos de comportamentos
operantes e respondentes (ou reflexos). Nos comportamentos respondentes, uma
resposta é eliciada, provocada, por um estímulo antecedente: a comida na boca (estímulo
antecedente) elicia salivação (resposta), um toque na pálpebra (estímulo antecedente)
elicia fechamento da pálpebra (resposta), um barulho forte e súbito (estímulo
antecedente) elicia um conjunto de respostas, incluindo aceleração da taxa cardíaca,
aumento de pressão arterial, queda da resistência elétrica da pele provocada pela
atividade das glândulas sudoríparas, etc. A eliciação desse conjunto de respostas está
envolvida na emoção que denominamos medo. A ocorrência dessas respostas em
presença desses estímulos é importante para o funcionamento e sobrevivência do
organismo, e constitui parte de suas capacidades “inatas”: quando a propensão para um
estímulo eliciar uma resposta é inata, denominamos a relação entre estímulo e resposta
como um reflexo incondicionado, e denominamos tanto o estímulo quanto a resposta
como incondicionados. Essas respostas podem ser condicionadas, passando a ocorrer em
presença de estímulos associados com os estímulos incondicionados. Assim, o cheiro do
limão, ou a palavra limão, pela sua associação com o suco de limão, passam a eliciar a
resposta de salivação. Um grito de um adulto é, para um bebê, um estímulo
incondicionado para respostas de medo; a simples presença de uma pessoa que grita
frequentemente com ele se torna capaz de eliciar as respostas de medo. O processo de
condicionamento é muito importante na determinação de nossas emoções.
Uma parte significativa do comportamento humano (e de outros animais) não é
eliciada por estímulos antecedentes. Esses comportamentos, como diz B. F. Skinner,
modificam o ambiente e essas modificações no ambiente levam, por sua vez, a
modificações no comportamento subsequente. Denominamos esses comportamentos de
operantes, para enfatizar que eles operam sobre o ambiente. Dirigir um carro, pregar um
prego, falar, fazer contas, são exemplos de comportamentos operantes. Comportamentos
operantes constituem a maior parte das atitudes visíveis dos seres humanos, mas até
mesmo aquela atividade frequentemente invisível que nós denominamos pensamento
1
Texto extraído do livro Sobre Comportamento e Cognição – aspectos teóricos, metodológicos e de
formação em Análise do Comportamento e Terapia Cognitivista. Org. Roberto Alves Banaco. Santo André,
SP: ESETec Editores Associados, 2001.
1
Gedac - 2º Encontro: 22/06/2013
Texto 02 (Leitura Básica)
envolve comportamentos operantes, reduzidos em sua magnitude ao ponto de tornaremse invisíveis para os demais, como quando uma pessoa “fala para si própria”. Nesse caso,
o comportamento operante de falar está ocorrendo, mas tão reduzido em sua escala que
não é visível para os demais. A capacidade de comportamentos encobertos é resultado de
aprendizagem: um músico aprende a ler uma partitura, tocando as notas em um
instrumento ou cantando. Com a prática, ele torna-se capaz de cantar as notas de um
modo inaudível para os demais, mas audível para ele mesmo. O mesmo ocorre quando
uma criança aprende a ler em silêncio. Esses comportamentos invisíveis são denominados
de comportamentos encobertos. Infelizmente, em nossa cultura, inventou-se, para
explicar a ocorrência de comportamentos encobertos, uma entidade imaterial denominada
mente. Essa noção nos levou a perder de vista o fato de que comportamentos encobertos
são operantes, do mesmo modo que os comportamentos visíveis. Pior, essa entidade
inventada, que denominamos mente, passou a ser tomada como explicação dos
comportamentos visíveis e, deste modo, as causas reais desses comportamentos têm
passado despercebidas.
***
O comportamento de qualquer organismo é contínuo, um fluxo de atividade que
nunca cessa. Nesse “comportamento”, tomado em sentido genérico, distinguimos
“comportamentos” específicos, isto é, procuramos encontrar unidades que se repetem.
Assim, falamos dos comportamentos de acender a luz, contar uma piada, dirigir um carro,
etc. Mas, como dissemos anteriormente, a atividade de um indivíduo é contínua e somos
nós que arbitrariamente a dividimos em unidades. Estamos supondo que esses
“comportamentos” específicos podem ocorrer repetidas vezes ao longo da vida de um
indivíduo. Mas, se fizermos uma observação rigorosa, veremos que não há nada na
atividade de um organismo que se repita de modo rigorosamente igual. Tomemos como
exemplo o comportamento operante de contar uma piada, desempenhado por um
humorista. Ele conta muitas piadas ao longo de sua vida, e nunca conta a mesma piada de
modo rigorosamente igual. Podemos dizer que o operante de “contar piada” é na verdade
uma classe que engloba muitas respostas2 diferentes: contar diferentes piadas, e contar
cada piada particular de muitos modos diferentes. Por que consideramos que todas essas
respostas pertencem à mesma classe? Porque todas elas têm, tipicamente, uma
consequência importante em comum: a consequência é produzir risos na audiência (note
que a consequência não precisa ocorrer todas as vezes que o comportamento ocorre: às
vezes, a pessoa conta uma piada e ninguém ri). Quando a resposta de contar uma piada
tem, como consequência, risos da audiência, a ocorrência de respostas da mesma classe
no futuro torna-se mais provável. Dizemos que as risadas da audiência reforçam o
2
A expressão resposta designa aqui uma ocorrência específica de um comportamento operante. Trata-se,
na verdade, de um termo tomado de empréstimo do comportamento respondente. Lembre-se que uma
ocorrência específica de um comportamento respondente é eliciada por um estímulo, ou seja, é uma
resposta a um estímulo. O empréstimo desse termo para designar uma ocorrência de um operante é, na
verdade, muito inapropriado, porque o operante não é uma resposta a um estímulo. Infelizmente, este
empréstimo consolidou-se no uso dos pesquisadores, e causa bastante confusão.
2
Gedac - 2º Encontro: 22/06/2013
Texto 02 (Leitura Básica)
operante de contar piadas. Se nós observamos que as risadas que ocorrem como
consequência de uma resposta de contar uma piada tornam mais provável a repetição da
mesma piada, nós poderemos considerar que as respostas de contar aquela determinada
piada constituem uma classe de respostas que são reforçadas por uma consequência
comum, risadas da audiência. No entanto, para a maioria das pessoas, nós podemos
observar que as risadas da audiência após uma piada aumentam a probabilidade
subsequente de contar não apenas a mesma piada, mas várias outras piadas. Por esse
motivo, consideramos que a classe de respostas engloba contar piadas, em geral, e não
apenas contar a mesma piada. De modo semelhante, acender a luz é uma classe de
respostas. Esta classe inclui várias formas de resposta: com a mão direita, com a mão
esquerda, com o indicador, com o dedo médio, com o braço completamente esticado ou
com ele parcialmente flexionado, etc. Todas essas respostas têm, como consequência,
iluminar o ambiente, e esta consequência torna mais provável, no futuro, a ocorrência de
respostas desta classe. É essa relação de uma classe de respostas com uma consequência
comum, e o fato de esta consequência levar, no futuro, a um aumento na probabilidade de
respostas dessa classe, que nos permite identificar o que constitui uma unidade de
comportamento, um operante. Unidades de comportamento respondente também são
identificadas em termos de classes de resposta, mas as classes são relacionadas com os
estímulos antecedentes, e não com a consequência.
Como você pode ver, explicar o que é comportamento não é tão simples como
parece. Se você quiser saber mais a respeito, estude os livros de B. F. Skinner,
principalmente Ciência e Comportamento Humano e Contingências de Reforço (este
último disponível em tradução parcial na coleção Os Pensadores, da Editora Abril
Cultural.
3
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Texto 02 (Leitura Básica)
DEFINIÇÃO DE COMPORTAMENTO1
MARIA AMALIA ANDERY E TEREZA MARIA SÉRIO2
PUC-SP
Ao definir comportamento, os seguintes aspectos devem ser destacados:
a. o objeto de estudo da análise do comportamento - o comportamento - é sempre
uma relação ou interação entre eventos ambientais (estímulos) e atividades de
um organismo (respostas);
b. nenhum dos dois termos da relação (ou seja, estímulo e resposta) pode sofrer
qualquer tipo de restrição metodológica.
1. O termo ambiente envolve estímulos públicos (isto é, estímulos
acessíveis de forma independente a mais de um observador; por
exemplo, os diversos objetos ao nosso redor) e privados (estímulos
acessíveis diretamente apenas ao organismo afetado por eles; por
exemplo, formigamentos nos pés ), físicos (estímulos cujas propriedades
e dimensões fundamentais têm sido descritas pelas ciências ditas
naturais; por exemplo, os diversos objetos ao nosso redor ) e sociais
(estímulos cujas propriedades e dimensões básicas são derivadas do fato
de serem produzidas por outro organismo; no caso de seres humanos, são
produtos culturais).
2. O termos ambiente (estímulos) se aplica à situação na qual o responder
acontece e à situação que passa a existir após o responder. No primeiro
caso, falamos em estímulos que antecedem a resposta e, no segundo, de
estímulos que seguem a resposta.
3. A atividade do organismo envolve respostas manifestas (respostas que
podem ser observadas de forma independente por mais de um
observador) e encobertas (respostas que podem ser observadas apenas
pelo organismo que a apresenta).
c. A relação organismo-ambiente pode envolver uma situação aparentemente
simples (por exemplo, lacrimejar ao descascar cebolas, abrir uma porta ao ouvir
uma campainha) ou obviamente complexa (por exemplo, solucionar um
problema, abstrair, conhecer a si mesmo). Em ambos os casos:
1. os comportamentos podem ser constituídos por relações que envolvem
apenas os estímulos antecedentes e a resposta, ou por relações que
envolvem os estímulos antecedentes, a resposta e os estímulos que
seguem a resposta.
d. para descrever e explicar qualquer comportamento devemos então descrever as
interações que o constituem e a história que produziu estas interações.
Os conceitos que abordaremos em Psicologia Comportamental – isto é, os conceitos que
compõem o sistema explicativo da análise do comportamento - descrevem exatamente
as relações entre eventos ambientais e atividades do organismo.
1
Texto publicado neste site com autorização das autoras, para uso exclusivo dos alunos do Curso de
Especialização do Instituto de Terapia por Contingências de Reforçamento (Campinas, SP)
2
A ordem dos nomes é meramente alfabética.
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Texto 03 (Leitura Complementar)
1
Behaviorismo Radical como uma Filosofia da Ciência1
Sinopse do Capítulo 1: Esse livro é sobre o behaviorismo radical como a filosofia da ciência que
fundamenta a análise do comportamento, a ciência do comportamento e sua aplicação. O Capítulo
1 considera algumas implicações da perspectiva behaviorista radical para a ciência do
comportamento, contrastando-a com perspectivas tradicionais. Um importante objetivo do
behaviorismo radical é favorecer explicações efetivas do comportamento, para que outros possam
agir produtivamente com base nessa explicação. Para o behaviorismo radical, explicar
comportamento é especificar as relações funcionais entre comportamento e as circunstâncias
ambientais na qual ele ocorre. Os elementos dessas explicações são todos parte de uma dimensão
na qual o comportamento ocorre. O behaviorismo radical tipicamente rejeita explicações do
comportamento que apelam para forças causais e forças em outras dimensões, tais como a mental
porque elas vão de encontro às explicações em termos de relações ambientais. Em última análise, o
behaviorismo radical está preocupado em prover afirmações explanatórias abrangentes sobre as
causas do comportamento de alguém, e especialmente em ocasiões em que é dito que os indivíduos
“conhecem” alguma coisa. O interesse inclui ocasiões nas quais é dito que os cientistas conhecem
alguma coisa de uma maneira que os permite explicar um evento. Então, o behaviorismo radical é
enfim uma declaração epistemológica.
Análise do Comportamento é a ciência do comportamento e sua aplicação. Como uma ciência, ela
tem um duplo objetivo: (a) aumentar a compreensão científica do comportamento como um objeto
de estudo em si mesmo, e (b) promover a aplicação dos princípios comportamentais baseados na
ciência para melhorar a qualidade da vida humana. A Análise do Comportamento é baseada em
idéias desenvolvidas por B. F. Skinner (1904–1990) no início de sua carreira profissional, e então
estendidas por Skinner durante o restante de sua carreira profissional, tanto quanto por muitos
outros. Indivíduos que trabalham na análise do comportamento são conhecidos como “analistas do
comportamento” e, devido à sua associação com as idéias de Skinner, algumas vezes por outros
nomes como “Skinnerianos” ou "condicionadores operantes”.
QUAIS SÃO OS DOMÍNIOS DA ANÁLISE DO COMPORTAMENTO?
Há quatro domínios da análise do comportamento: (1) a análise experimental do comportamento,
(2) análise do comportamento aplicada, (3) prestação de serviço analítico comportamental, e (4)
behaviorismo radical. Muitos analistas do comportamento trabalham em mais de um domínio
durantes suas carreiras, e uns poucos trabalham em todas as quatro (Hawkins & Anderson, 2002).
Analistas do comportamento que trabalham na análise experimental do comportamento conduzem
pesquisa básica. Nos primeiros anos do campo, a análise experimental do comportamento estava
interessada principalmente em pesquisa básica de laboratório examinando o comportamento de
animais não-humanos relativamente simples, tais como ratos brancos e pombos. Nos últimos anos,
a análise experimental do comportamento tem se tornado progressivamente interessada em questões
complexas, como aquelas que envolvem o comportamento humano e o papel da linguagem. Em
todos os casos, a análise experimental do comportamento está interessada em uma ampla e
concentrada análise, baseada no laboratório, de processos básicos e fundamentais (por exemplo,
reforçamento, punição, esquiva, fuga, discriminação, generalização, aquisição, extinção)
influenciando o comportamento de organismos individuais. Questões de generalidade e
confiabilidade são destacadas pela demonstração cuidadosa do controle do comportamento, tal
como por meio de séries de exposições repetidas às circunstâncias experimentais que replicam
dados. A pesquisa geralmente não envolve dados agregados através dos grupos de sujeitos e a
condução de testes de inferência estatística nos dados agregados. Além disso, a pesquisa está
1 Traduzido por Luiz Alexandre Barbosa de Freitas para uso pessoal.
2
tipicamente interessada na compreensão dos efeitos de várias relações ambientais no
comportamento, ao invés de catalogar os efeitos derivados, atuariais daquelas relações dentro de
uma população.
Analistas do comportamento que trabalham em análise do comportamento aplicada conduzem
pesquisa aplicada. Esta pesquisa desenvolve e avalia práticas direcionadas a solucionar problemas
associados com comportamento socialmente significativo. No processo, novos princípios para
aplicações são às vezes descobertos. Consequentemente, a análise do comportamento aplicada é
algumas vezes próxima da análise experimental do comportamento em virtude do seu envolvimento
com pesquisa e descoberta de novas idéias, e às vezes próxima da prestação de serviço em virtude
de seu envolvimento com o fortalecimento de comportamento socialmente significativo. Todavia, a
ênfase primária na análise do comportamento aplicada permanece no desenvolvimento e avaliação
de tecnologia que busca resolver problemas relacionados a problemas socialmente significativos,
mais do que em derivar novos princípios do comportamento. A tecnologia pode se concentrar em
muitos tipos diferentes de problemas comportamentais, desde: (a) aqueles que ocorrem em
ambientes particulares, tais como instituições e salas de aula; a (b) aqueles associados com
populações particulares, tais como crianças com autismo ou transtornos alimentares; a (c) aqueles
incorporados em contextos sociais mais amplos, tais como programas comunitários de reciclagem
ou um programa de conservação de energia. A tecnologia pode também tomar a forma de análise do
comportamento clínica e avaliar maneiras de aliviar transtornos de ansiedade, transtornos de humor,
ou uma das outras classificações padronizadas da psicopatologia.
Analistas do comportamento que trabalham com prestação de serviço ganham suas vidas na prática
profissional. Eles implementam tecnologias comportamentais para efetuar mudanças em
comportamento socialmente significativo no mundo fora do laboratório. Tipicamente, as mudanças
envolvem aumento da taxa de algum comportamento benéfico ou redução da taxa de algum
comportamento não-adaptativo. Muitas das áreas nas quais os prestadores de serviço trabalham
partem daquelas da análise aplicada do comportamento. No entanto, na prestação de serviço, a
ênfase está na solução de problemas na sociedade como um todo para os clientes. Embora a tomada
de decisão baseada em dados claramente tenha um papel importante na prestação de serviço, a
atividade permanece focada na prestação de serviços analítico comportamentais para os clientes,
mais do que nas atividades de pesquisa direcionadas para o desenvolvimento de novas tecnologias,
identificação de melhores práticas, ou comunicação de resultados para uma audiência pelo processo
de revisão de pares.
Analistas do comportamento que trabalham com behaviorismo radical procuram esclarecer as
implicações filosóficas da abordagem behaviorista para a pesquisa experimental, a pesquisa
aplicada e a prestação de serviços. Quando tratando de assuntos científicos, o behaviorismo radical
está preocupado com a natureza e propósito de uma análise científica do comportamento e o exame
crítico de abordagens tradicionais do objeto de estudo e métodos de uma ciência do comportamento
(Skinner, 1974/college edition, p. xiii). Portanto, o behaviorismo radical está particularmente
interessado no comportamento verbal, a relação entre comportamento verbal e conhecimento, e a
natureza da atividade intelectual que fundamenta a ciência e sua aplicação.
A Figura 1 apresenta uma visão geral dos quatro domínios e mostra a continuidade da atividade
analítica comportamental ao longo da análise experimental do comportamento, análise do
comportamento aplicada e da prática profissional.
3
Figure 1.1 Os domínios do behaviorismo radical: análise experimental do comportamento, análise
do comportamento aplicada, prestação de serviço e behaviorismo radical.
A análise experimental do comportamento se concentra nos princípios fundamentais do
comportamento, a pesquisa que ela conduz é pesquisa básica. A análise do comportamento aplicada
se concentra em comportamento socialmente significativo; a pesquisa que ela conduz é pesquisa
aplicada. A prestação de serviço também se concentra em comportamento socialmente significativo.
Entretanto, ela provê serviços para clientes com relação a comportamento socialmente significativo,
não realiza pesquisa acerca desse comportamento. O behaviorismo radical guia os analistas do
comportamento em como realizar análises experimentais e aplicadas de comportamento, ou como
prestar serviços profissionais aos clientes.
O BEHAVIORISMO RADICAL COMO A FILOSOFIA DA CIÊNCIA
FUNDAMENTANDO A ANÁLISE DO COMPORTAMENTO
Este livro é sobre behaviorismo radical como a filosofia que fundamenta a análise do
comportamento, a ciência do comportamento e sua aplicação. Skinner (1989) explicitamente
enfatizou a relação entre suas idéias e a filosofia da ciência quando definiu behaviorismo radical da
seguinte maneira:
Eu não acredito que criei o termo behaviorismo radical, mas quando perguntado o que quero dizer com
isso eu sempre digo “a filosofia de uma ciência do comportamento tratado como um objeto de estudo em
si mesmo desconsiderando explicações internas, mentais ou fisiológicas.” (p. 122)
Algumas frases dentro dessa definição devem agora ser mais rigorosamente examinadas.
O Comportamento como Objeto de Estudo em Si Mesmo
Uma importante frase na definição de Skinner é “comportamento tratado como objeto de estudo em
si mesmo.” Todavia, as bases para essa posição precisam ser claramente compreendidas, como a
posição difere em grande medida de uma visão mais tradicional. Em uma visão tradicional, o
objeto de estudo da psicologia é admitido como sendo a vida mental. De acordo com essa visão
tradicional, uma compreensão da vida mental, tal como uma compreensão de como a mente
4
trabalha, provê a base para compreensão da condição humana em todas as suas complexidades,
onde essas complexidades abrangem desde pensamentos e crenças a idéias, sentimentos e emoções.
Significativamente, as respostas a quaisquer perguntas em relação às causas do comportamento são
também encontradas na vida mental. Antigas versões da psicologia buscaram investigar a vida
mental através da introspecção, ou olhando para dentro para “observar” o que alguém estava
sentindo ou pensando. Finalmente, no entanto, essa abordagem foi considerada insatisfatória.
Muitas pessoas não poderiam concordar com essas supostas constatações e as aplicações práticas
eram no mínimo limitadas. Além disso, os críticos argumentaram que a ciência só pode lidar com
um objeto de estudo publicamente observável. A vida mental não é publicamente observável. Como
pode a psicologia se tornar uma verdadeira ciência se ela se concentrar em declarações
introspectivas sobre a vida mental? O interessante é que a resposta não foi reexaminar as suposições
fundamentais de que a psicologia era a ciência da vida mental, mas subestimar a introspecção e
desenvolver novos métodos de investigar a vida mental. Como, então, a vida mental pode ser
respeitavelmente empregada? Tradicionalmente, a resposta foi que a vida mental poderia ser
empregada inferencialmente, com base na “evidencia” provida pelo comportamento. Em resumo, a
suposição permaneceu de que a vida mental era o que realmente importava. Fenômenos mentais
causavam comportamento, tal que esse comportamento foi considerado como a única expressão ou
manifestação da vida mental, necessário para validar inferências ao seu respeito.
Para o behaviorismo radical, essa questão é extraordinariamente complexa. Um princípio
importante para o behaviorismo é que o comportamento é um objeto de estudo em si mesmo. O que
está questão é o que conta como comportamento. O behaviorismo radical aceita que os indivíduos
tenham experiências importantes que são pessoais e privadas e às quais somente eles têm acesso.
Então, o behaviorismo radical reconhece a relevância de uma compreensão do comportamento de
ambas as variáveis dependentes e independentes “dentro da pele de um organismo” e não acessível
a ninguém mais do que a pessoa que está se comportando. Entretanto, a maneira como essas
variáveis são relevantes, ainda que elas não sejam publicamente observáveis, distingue o
behaviorismo radical de outras abordagens. Ele vê essas variáveis e as relações nas quais elas
participam como parte da dimensão comportamental, ao invés de parte de uma dimensão
supostamente mental. A importância delas resulta da maneira como estão ligadas com o ambiente.
Consequentemente, o behaviorismo radical não aceita a visão tradicional de que eventos ocorrendo
dentro da pele são de uma dimensão que supostamente difere qualitativamente de uma dimensão
fora da pele. A rede resultante para o behaviorismo radicar é que o comportamento, seja dentro ou
fora da pele, pode ser considerado de maneira útil como um fenômeno diretamente relacionado às
circunstâncias na qual ocorre, ao invés de meramente uma expressão ou manifestação de uma vida
mental interna.
Em resumo, o behaviorismo radical enfatiza o estudo do comportamento porque é um objeto de
estudo legítimo em si mesmo, independente de quantas pessoas têm contato com ele ou com as
variáveis que o influenciam. O estudo do comportamento não é enfatizado porque é evidência de
eventos em algum outro lugar, em alguma outra dimensão, e para o qual o comportamento é
meramente evidência para justificar inferências sobre esses eventos. Esse ponto é abordado
amplamente ao longo desse livro.
Explicações Internas, Causas e Dimensões
Uma segunda frase importante na definição de behaviorismo radical de Skinner é “desconsiderando
explicações internas, mentais ou fisiológicas”. Novamente, o tópico de explicação é complexo.
Diferentes formas de psicologia tomam diferentes caminhos para a natureza da explicação. Para
alguns, um evento é explicado quando é proposto algum mecanismo interno ou entidade com algum
tipo de força causal inferida. O mecanismo interno ou entidade e suas forças inferidas poderiam ser
mentais, conceituais ou ao nível da fisiologia. Para outros, um evento é explicado quando suas
características podem ser descritas como uma ocorrência específica de uma expressão matemática.
Para outros ainda, um evento é explicado quando é deduzido de uma lei ou teoria existente. Para o
5
behaviorismo radical, explicação significa especificar relações funcionais entre o comportamento e
as circunstâncias ambientais na qual ele ocorreu. Entretanto, é preciso dizer mais sobre as
implicações da abordagem behaviorista radical da explicação.
Por exemplo, em relação ao tópico da causação. O behaviorismo radical está explicitamente
interessado em identificar as causas do comportamento. Para o behaviorismo radical, então, um
sentido importante das causas do comportamento é a totalidade das variáveis e relações das quais o
comportamento é função. Um sentido de causa que o behaviorismo radical contrapõe é a causação
empurra-e-puxa, na qual a postulação de uma entidade causal antecedente presumida, com um
conjunto de forças causais mecânicas presumidas, é tomada como explicação suficiente para o
evento em questão.
Relacionada por sua vez à causação, está a dimensão na qual se diz que as causas estão. O
behaviorismo radical está preocupado em relação à dimensão de uma explicação quando a
explicação inclui elementos que não estão expressos nos mesmos termos e não podem ser
confirmados com os mesmos métodos de observação e análise que os fatos a que se diz que está
relacionado (e.g., Catania & Hamad, 1988, p. 88). Em particular, a definição de Skinner levanta
preocupações sobre explicações que apelam para causas e dimensões “internas” ou “interiores”.
Como discutido na sessão anterior, na qual o comportamento é considerado um objeto de estudo em
si mesmo, um sentido de “interno” é mental, ou psíquico, ou espiritual. O behaviorismo radical está
interessado em falar sobre causas ou dimensões mentais porque é fantasioso pensar que há essa
dimensão qualitativamente diferente com causas qualitativamente diferentes. Para declarar o
problema de uma maneira mais incisiva, essa dimensão não existe e essas causas não existem. Elas
são ficções, falar delas é um produto de influências não-científicas. As propriedades com as quais as
causas mentais estão supostamente dotadas, no final das contas, desviam análises mais efetivas em
termos de relações causais na dimensão na qual o comportamento está localizado.
Novamente, as bases para a preocupação com explicações que apelam para entidades causais de
dimensões supostamente diferentes precisam ser claramente compreendidas. O behaviorismo
radical defende que essas explicações são atribuíveis a tradições culturais e práticas lingüísticas
nocivas e ilusórias. Consequentemente, o behaviorismo radical rejeita esses tipos de explicação
porque eles não são primariamente baseados em nada factual e por fim não leva à predição e
controle efetivos. À luz de sua origem, tais explicações deveriam incluir apenas certas
características (por exemplo, aquelas que são publicamente observáveis) e não outras (por exemplo,
aquelas que são mentais e inobserváveis) para ser respeitável. Particularmente, a rejeição às causas
mentais está diretamente relacionada à visão de que o objeto de estudo apropriado da psicologia é o
comportamento, em oposição à vida mental. Não há vida mental no sentido subentendido pela
psicologia tradicional porque não há dimensão mental que difere de uma dimensão comportamental.
Naturalmente, outro sentido de “interno” é fisiológico, como a definição de Skinner sugere.
Consequentemente, o behaviorismo radical também está interessado na maneira com que algumas
explicações do comportamento apelam para variáveis fisiológicas. Como antes, as bases para essa
preocupação precisam ser claramente compreendidas. Da perspectiva do behaviorismo radical, um
conhecimento de fisiologia básica é claramente relevante na ciência do comportamento. Afinal, a
fisiologia de um organismo participa em todos os eventos comportamentais, e a natureza da
participação por essa fisiologia no evento é algo que pode ser conhecido. Desse modo, pode-se
predizer o comportamento de um organismo conhecendo tanto (a) a história de interação do
organismo com características do ambiente, ou (b) o estado fisiológico que essas interações
produziram. Além disso, um conhecimento da fisiologia básica pode fornecer novas possibilidades
para intervenções que controlarão o comportamento. Todavia, a perspectiva behaviorista radical
difere enormemente de uma visão tradicional, na qual variáveis fisiológicas são dotadas de algum
tipo de poder intrínseco ou força para causar o comportamento em questão. O behaviorismo radical
rejeita esse sentido tradicional de variáveis fisiológicas como exercendo algum tipo de poder ou
força interna, embora as variáveis pareçam ser legítimas porque são fisiológicas. Um exemplo
comum da linguagem diária é quando alguém cita o cérebro como causando um determinado tipo
de comportamento. O cérebro está obviamente bastante envolvido no comportamento. Entretanto, o
6
behaviorismo radical se preocupa quando estruturas fisiológicas são invocadas em explicações
porque se assume que têm algum poder interno que causa comportamento. Esse ponto de vista
distorce o papel legítimo das variáveis fisiológicas na explicação. Isso também desvia a atenção de
outras variáveis, tais como o ambiente, que participa no evento.
Além disso, o behaviorismo radical está preocupado com o apelo às variáveis fisiológicas na
explicação porque essas variáveis são algumas vezes tomadas como evidência para legitimar
inferências sobre causas mentais. Consequentemente, o fato de uma explicação apelar para a
fisiologia de alguma maneira não significa automaticamente que a explicação será útil ou efetiva.
Um apelo à fisiologia poderia ser apenas um substituto a um apelo à causa mental, e seria, por essa
razão, problemático da mesma forma.
Por fim, o behaviorismo radical está preocupado com o apelo às variáveis fisiológicas em algumas
explicações devido ao reducionismo. Reducionismo é grosseiramente a posição em que alguma
coisa é colocada para ser explicada quando é reduzida ao objeto de estudo de uma ciência de nível
inferior. Em relação à ciência do comportamento, reducionismo é a posição de que um evento
comportamental pode apenas ser considerado genuinamente explicado quando algum mecanismo
fisiológico básico, estrutura ou cadeia com algum tipo de força ou poder efetivo de maneira causal
foi identificado. O behaviorismo radical rejeita essa interpretação de reducionismo porque ela viola
a preocupação com a questão dimensional, além de levantar questões sobre a natureza da causação.
Suponha que alguém aceite a proposição de que o comportamento só pode ser apropriadamente
explicado em termos da fisiologia. Não seria necessário então explicar a fisiologia em termos da
biologia, química em termos da física, e assim por diante? Na pior das hipóteses, o reducionismo
cria uma regressão infinita de explicações. Novamente, a maneira como a fisiologia é relevante em
uma ciência do comportamento é um tópico importante e é tratada mais adiante nesse livro, como
será o tópico da explicação. Claramente, conhecimento de fisiologia é importante em uma ciência
do comportamento, mas abordagens tradicionais têm se enganado na contribuição da fisiologia para
o conhecimento e explicações causais, com o resultado de que pesquisadores e teóricos têm
negligenciado uma visão mais ampla em relação à análise causal do comportamento.
A ênfase que o behaviorismo radical dá em explicações que identifiquem causas em níveis
consistentes de observação e análises não é simplesmente um problema de estilo ou preferência.
Mesmo a avaliação mais breve da cultura ocidental, revela que ela geralmente favorece explicações
do fenômeno psicológico humano que apelam para causas de uma dimensão que supostamente
difere daquela em que a observação e a análise ocorrem. Por exemplo, quando a psicologia
começou a se diferenciar como uma ciência relativamente independente no final do século XIX,
seus adeptos aceitaram a premissa fundamental de que o objeto de estudo apropriado para a
psicologia estava em outra dimensão: o conteúdo e estrutura da vida mental. Porque se presumia
que a vida mental estava em outra dimensão, ela tinha que ser estudada de acordo com métodos
introspectivos, e pesquisadores então tinham que fazer inferências sobre a vida mental.
Muitos questionamentos foram levantados na época sobre a confiabilidade e validade da
introspecção e inferências sobre a vida mental, com ou sem correlatos fisiológicos presumidos
dessa vida, e de diversas formas esses questionamentos contribuíram para o desenvolvimento do
behaviorismo. Versões iniciais do behaviorismo procuraram clarear e refinar ambos, o objeto de
estudo e os métodos da psicologia, de forma que uma ciência do comportamento genuína pudesse
ser concretizada e contribuísse para melhorar a condição humana. Uma preocupação fundamental
dessas versões iniciais foi prática: O que poderia ser manipulado no tempo e no espaço para
predizer e controlar comportamento como um objeto de estudo? Por esta razão, versões iniciais do
behaviorismo passaram a ser vistas como um afastamento significativo de abordagens
introspectivas, e de maneira correta. O behaviorismo radical seguiu essa tendência.
Nesse esforço, o behaviorismo radical, então, busca responder a questões sobre as causas do
comportamento em termos de processos comportamentais na dimensão comportamental, e não em
termos de supostos processos mentais em uma suposta dimensão mental. Como apontado no início
desse capítulo, entretanto, o behaviorismo radical pode incluir variáveis dentro da pele. Desse
modo, em certas circunstâncias o behaviorismo radical não está restrito à consideração de eventos
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publicamente observáveis. Apesar disso, quando o behaviorismo radical considera variáveis dentro
da pele, ele compreende a sua origem, natureza e função em eventos comportamentais
completamente diferente da psicologia tradicional, e mesmo de versões da psicologia nominalmente
identificadas como comportamentais. Elas são variáveis comportamentais, não mentais.
Consequentemente, o behaviorismo radical não concede a elas poder mecânico iniciador ou
originador para causar eventos comportamentais. Ao invés disso, ele as considera como funções de
eventos no mundo fora da pele, mas na sua forma atual acessível apenas ao indivíduo que se
comporta. Outros precisam lidar com isso inferencialmente, mas para o indivíduo que se comporta,
elas não são inferência.
Behaviorismo Radical como Epistemologia
Um comentário final se refere à frase inicial da definição de Skinner, ou seja, que o behaviorismo
radical é “uma filosofia de uma ciência do comportamento”. A filosofia da ciência é um ramo da
filosofia que examina criticamente os fundamentos filosóficos, suposições e implicações da
atividade e resultados ambos, nas ciências naturais, como física, química e biologia e nas ciências
sociais, como psicologia, sociologia e economia. Ela discute tópicos como: (a) a natureza, origem e
validade da linguagem científica (por exemplo, termos científicos, conceitos, afirmações, leis,
teorias e outros tipos de declarações de conhecimento); (b) a natureza da explicação e predição
científica; (c) os meios pelos quais a ciência medeia o aproveitamento da natureza; (d) os meios
pelos quais a validade da informação científica é determinada; (e) os tipos de raciocínio usados para
chegar às conclusões científicas; e (f) as implicações dos métodos científicos e modelos para as
ciências, tanto quanto para a sociedade em geral. A filosofia da ciência está estreitamente ligada à
epistemologia, ou o estudo na natureza e dos limites do conhecimento, assim como com a ontologia
ou o exame crítico da natureza e o que existe, embora alguns filósofos da ciência menosprezem este
último como especulação metafísica infundada.
A frase de Skinner destaca que como uma filosofia da ciência, o behaviorismo radical é também
uma declaração epistemológica. Como discutido no decorrer desse livro, o behaviorismo radical
está interessado em prover declarações explicativas abrangentes sobre as causas do comportamento
de qualquer pessoa, e especialmente ocasiões nas quais é dito que o organismo “conhece” algo.
Esse interesse inclui ocasiões em que é dito que os cientistas conhecem algo de forma que os torna
aptos a explicar um evento. Como uma declaração epistemológica, o behaviorismo radical está
então, intimamente interessado em explicar o comportamento dos indivíduos que observam – os
próprios cientistas. Por isso, o behaviorismo radical está intimamente preocupado com como os
cientistas falam sobre eventos comportamentais, e porque eles falam da maneira que falam. Em
razão de sua preocupação fundamental com o comportamento verbal e declaração de conhecimento,
o behaviorismo radical está em uma posição singular: está baseado na ciência para a qual
permanece como um fundamento. Significativamente, então, o behaviorismo radical não admite
descontinuidade entre o comportamento sendo explicado e o comportamento de explicá-lo. Nem é
causado por estados mentais ou outras formas de entidades internas de outra dimensão.
Na verdade, o behaviorismo radical está preocupado em como compreender uma enorme variedade
de declarações de conhecimento separadas dos cientistas que observam. Todavia, apelos a tais
fenômenos como estados mentais na declaração de conhecimentos não são considerados como
identificação de nada que seja literalmente mental, pois literalmente não há dimensão mental. Como
sugerido anteriormente nesse capítulo, falar de uma dimensão mental é considerado como uma
função de práticas sociais, e não algo que tenha a ver com uma dimensão real que é percebida
separada da dimensão comportamental. Consequentemente, uma ênfase particular para o
behaviorismo radical é a análise do comportamento verbal, a relação entre comportamento verbal e
conhecimento, a natureza da atividade intelectual que fundamenta a ciência, e a aplicação dos
princípios baseados na ciência para fenômenos fora do laboratório para o benefício da humanidade.
Skinner (1957) destacou esse ponto importantíssimo da seguinte maneira:
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Os processos verbais do pensamento lógico e científico merecem e requerem uma análise mais precisa do
que têm recebido até agora. Uma das últimas realizações de uma ciência do comportamento verbal pode
ser uma lógica empírica, ou uma epistemologia descritiva e analítico-científica, os termos e práticas dela
serão adaptadas ao comportamento humano como um objeto de estudo. (p.431)
Claramente, então, assim como o behaviorismo radical concebe as causas do comportamento “a ser
explicado” separado da observação individual em termos comportamentais, então também o
concebe nas causas do comportamento “explicativo” separado do indivíduo que observa em termos
comparáveis e compatíveis, em um nível comparável e compatível. Em última análise, não apenas
as variáveis mentais são rejeitadas como causas para o comportamento do sujeito ou participante,
elas também não são readmitidas em uma formulação do comportamento científico do cientista,
como os cientistas buscam explicar as bases de seu conhecimento. Zuriff (1985) descreve bem essa
relação na seguinte passagem, quando ele fala do behaviorismo como uma “filosofia da mente”
(para usar uma descrição atual) assim como uma filosofia da ciência:
[B]ehaviorismo é também uma filosofia da mente com certas suposições sobre a natureza humana... .
Essa filosofia da mente é interdependente com a filosofia da ciência behaviorista; um justifica o outro.
Dadas as suposições da filosofia da mente behaviorista, os tipos de métodos, teorias e explicações
favorecidas pela filosofia da ciência behaviorista parecem mais apropriados. Reciprocamente, a filosofia
da ciência behaviorista sustenta sua filosofia da mente. (p. 2).
O SENTIDO DE “RADICAL” NO BEHAVIORISMO RADICAL
Qual, então, é o sentido do termo "radical" em behaviorismo radical? Algumas vezes o
behaviorismo radical é tomado como uma forma “extremista” ou mesmo “fanática” de
behaviorismo, no qual somente estímulos e respostas publicamente observados são permitidos e a
consideração direta de um fenômeno interno proposto é rejeitada porque é inobservável e não pode
haver acordo sobre ele entre duas ou mais pessoas. Algumas versões iniciais da psicologia
comportamental de fato adotaram essa perspectiva, mas o behaviorismo radical não é extremista no
sentido limitador ou restritivo da palavra radical. Particularmente, um sinônimo mais apropriado
para radical é “profundo”. O behaviorismo radical argumenta em favor de uma explicação do
comportamento profunda e abrangente no nível descritivamente consistente do comportamento.
O comportamento e as variáveis das quais ele é função podem estar dentro ou fora da pele dos
organismos que se comportam, mas elas estão todas na dimensão comportamental. Em resumo, o
behaviorismo radical rejeita toda a distinção excessivamente comum entre mental e
comportamental, dentro ou através do comportamento tanto do sujeito, do cientista da pesquisa, do
prestador de serviço ou do cliente. Ele formula respostas para questões sobre comportamento em
termos profundamente comportamentais. Abordagens analítico-comportamentais trabalham
decididamente contrárias às bem estabelecidas tradições intelectuais na cultura ocidental e são
frequentemente menosprezadas como meramente descritivas ou mesmo como perigosamente
bizarras. Analistas do comportamento, naturalmente, discordam fortemente dos tratamentos
depreciativos dos outros e destacam a efetividade dessa abordagem. Se abordagens analíticocomportamentais trabalham tão bem, e abordagens tradicionais baseadas na suposição da vida
mental não, os analistas do comportamento perguntam com base em que as abordagens analíticocomportamentais são tão desonestamente repudiadas e abordagens mentalistas tradicionais tão
fortemente aceitas? Este livro explora respostas a esta pergunta também.
RESUMO
Em resumo, a função principal do behaviorismo radical é monitorar e analisar a natureza das
declarações de conhecimento em uma ciência do comportamento e suas implicações tecnológicas.
O behaviorismo radical é o domínio que fundamenta os outros domínios da análise do
comportamento e que torna a análise do comportamento um todo coerente. Este livro também toma
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a posição de que, embora a análise do comportamento e o behaviorismo radical sejam
frequentemente classificados como variantes do behaviorismo tradicional, um exame dos
fundamentos conceituais do behaviorismo radical revela que ele difere o bastante de outras formas
de psicologia, incluindo muitos daqueles tradicionalmente identificados como comportamentais,
que é proveitosamente considerado como uma perspectiva única e independente. Esse livro explora
esses fundamentos. A primeira sessão desse livro consiste em seis capítulos esboçando as
características básicas do behaviorismo radical. Os capítulos 2 e 3 apresentam algumas influências
históricas.
TABELA 1–1
Behaviorismo Radical
1. Exame crítico do objeto de estudo, métodos e declaração de conhecimentos da ciência
comportamental, assim como da aplicação de seus resultados.
2. Questões teóricas, filosóficas ou conceituais perguntadas aos behavioristas radicais:
a. Porque os cientistas examinam e exploram um dado assunto?
b. Que taxa de descobertas manterá seu comportamento de fazê-lo?
c. Que comportamentos precorrentes poderão melhorar suas chances de sucesso e
estender a adequação e o escopo de suas descrições?
d. Que passos eles percorrem para sair de um protocolo para uma afirmação geral?
e. Que aspectos do comportamento são significativos?
f. De que variáveis as mudanças nesses aspectos são função?
g. Como as relações entre comportamento e suas variáveis controladoras são
encontradas na caracterização do organismo como um sistema?
h. Que métodos são apropriados para estudar esse sistema experimentalmente?
i. Sob quais condições tais análises provêem uma tecnologia do comportamento, e
que tópicos surgem em sua aplicação para comportamento socialmente
significativo? (por exemplo, Skinner, 1969, pp. x, xii)
REFERÊNCIAS
Catania, A. C., & Hamad, S. (Eds.). (1988). The selection of behavior: The operant behaviorism of
B.F. Skinner: Comments and controversies. Cambridge: Cambridge University Press.
Hawkins, R. P., & Anderson, C. M. (2002). In response: On the distinction between science and
practice: A reply to Thyer and Adkins. The Behavior Analyst, 25, 115-119.
Skinner, B. F. (1957). Verbal behavior. New York: Appleton-Century-Crofts.
Skinner, B. F. (1969). Contingencies of reinforcement. New York: Appleton-Century-Crofts.
Skinner, B. F. (1974). About behaviorism (college edition). New York: Knopf.
Skinner, B. F. (1989). Recent issues in the analysis of behavior. Columbus, OH: Merrill.
Zuriff, G. E. (1985). Behaviorism: A conceptual reconstruction. New York: Columbia University
Press.
QUESTÕES DE ESTUDO
Em uma sentença, defina análise do comportamento.
Em uma ou duas sentenças cada, descreva os quatro domínios do behaviorismo radical.
Em uma ou duas sentenças, explique ou parafraseie a definição de Skinner de behaviorismo radical.
Em três ou quatro sentenças, descreva a natureza das preocupações do behaviorismo radical com
explicações que apelam para causas do comportamento da dimensão mental.
Em três ou quatro sentenças, descreva a natureza das preocupações do behaviorismo radical com
explicações que apelam às causas fisiológicas do comportamento.
Descreva o sentido de “radical” no behaviorismo radica radical.
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