princpios e critrios para o cooperativismo pesqueiro

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PRINCÍPIOS E CRITÉRIOS PARA O COOPERATIVISMO PESQUEIRO AUTOSUSTENTÁVEL1
TEXTO-BASE PARA O WORKSHOP 4
Coordenadores: Farid Eid (UFSCar/Unitrabalho) e Sidney Lianza (SOLTEC/UFRJ)
Colaborador: Weber Pimenta (SOLTEC/UFRJ)
1. Dinâmica recente do cooperativismo no Brasil
A questão da organização empresarial cooperativista enquanto alternativa à empresa capitalista não é
recente, surge no início do século XIX na Europa com características ideológicas e filosóficas de
autogestão, democracia interna e autonomia. No entanto, muitas perderam esses valores essenciais ao
longo do tempo tornando-se semelhantes às empresas capitalistas onde a subordinação das relações de
trabalho é uma característica marcante e a cultura é fortemente enraizada na relação de subalternidade. A
partir da década de 80 verifica-se no Brasil a retomada do cooperativismo com uma nova conotação, dentro
do conceito de Empreendimento Econômico Solidário e da Economia Solidária.
Se em 1990 constatou-se a existência de 4.666 cooperativas registradas no Departamento Nacional de
Registro Comercial (DNCR), em 2001 este número atingiu a marca de 20.579 cooperativas. Isso equivale a
um crescimento de 311% no número de cooperativas no Brasil em uma década, sendo que a partir de 1996,
contabilizou-se uma média de 2.193 novas cooperativas por ano. Em passado recente, a grande maioria
passava por enormes dificuldades financeiras em função das dívidas e deficiências de gestão. Todavia,
nestes últimos cinco anos assiste-se a um movimento de concentração de capitais, traduzido pela
reestruturação produtiva e mudanças organizacionais com elevação de investimentos em capital fixo
(máquinas, equipamentos e instalações) e capital circulante (insumos e materiais auxiliares) e, por outro
lado, uma centralização de capitais, na mão de sócios cooperativados em número cada vez menor. Neste
recente processo, o governo federal através do Programa de Revitalização das Cooperativas de Produção
Agropecuária (RECOOP), do final dos anos 90, incentiva e promove o saneamento de dívidas, o
fechamento de linhas de produção deficitárias, o enxugamento no número de associados, a fusão e a
aquisição de cooperativas. Assim, consolidaram-se grandes cooperativas, as quais vem crescendo e se
integrando à nova dinâmica de acumulação de capitais orientados para o mercado internacional fortemente
concentrado por grupos econômicos oligopolistas. Observa-se também um movimento de centralização de
poder econômico e político no interior dessas cooperativas, muito comum, através da compra de quotaspartes de sócios que saem da cooperativa.
Quanto ao cooperativismo pesqueiro, no final dos anos 90 a Organização das Cooperativas Brasileiras
(OCB) tinha em seus registros 14 cooperativas no Brasil nas áreas de pesca, aquicultura, psicultura e
ranicultura, A Cooperativa Mista de Pesca Nipo-Brasileira, uma delas, chegou a ser considerado o maior
complexo pesqueiro nacional com 300 barcos, cerca de 1000 empregados e exportações anuais de 20
milhões de dólares, no início desta década suas instalações encontravam-se em fase de sucateamento por
falta de operação. A Associação Nacional das Cooperativas de Pesca (ANACOOP) informa que no final dos
anos 90, encontravam-se em funcionamento 53 cooperativas pesqueiras associadas, enquanto que o
Ministério da Agricultura e do Abastecimento tinha o registro formal de 90 cooperativas, muitas em situações
de precariedade ou desativadas.
Quanto às estratégias organizacionais, dirigentes do setor defendiam a necessidade de se trabalhar com
um número reduzido de grandes empresas do que ter milhares de pequenos produtores. Incorpora-se a
idéia de que um número elevado de cooperativas de pesca é contraproducente, porque geraria uma
concorrência acirrada e anularia os efeitos positivos que o cooperativismo poderia trazer, aumentando a
fragmentação entre as organizações dos pescadores. No entanto, conforme veremos a seguir, um novo
cooperativismo encontra-se em crescimento no país, cujos princípios básicos são a solidariedade e ajuda
mútua, cooperação espontânea, justiça social e econômica, fraternidade, democracia interna como
princípios e valores fundamentais.
Se o país pretende ampliar a oferta para o mercado internacional, o cooperativismo integrado às grandes
empresas tradicionais pode contribuir fortemente para geração de saldos positivos crescentes na balança
comercial do Brasil. Para contornar a crise das cooperativas tradicionais, uma prática muito comum tem sido
o uso do modelo de integração entre agroindústria e agricultor, base do desenvolvimento da produção de
grupos econômicos tradicionais tais como Sadia e Perdigão, está servindo de exemplo para as empresas
que estão ingressando no mercado de processamento de pescado. Por exemplo, no Oeste de Santa
Catarina, em Cunhataí, o Frigorífico de Peixes Lenoar Pescados, trabalha em parceria com agricultores da
1
I Seminário de Gestão Sócio-Ambiental para o Desenvolvimento da Aqüicultura e da Pesca no Brasil, UFRJ, agosto
de 2004.
região. Pelo sistema de integração, os produtores têm acesso facilitado às rações e os alevinos necessários
para continuidade da atividade. O frigorífico pode gerar 200 empregos diretos e indiretos e possui
capacidade instalada para industrializar 3 mil quilos de carpa e tilápia por dia. A empresa pretende produzir
a farinha de peixe, base para a ração animal. Inicialmente devem ser produzidas cerca de 15 toneladas de
farinha de peixe por mês.
Em 2000, já havia preocupação em se desenvolver uma síntese de experiências de programas de fomento
do cooperativismo pesqueiro em alguns estados no Brasil, apresentado no Programa Plurianual para o
Desenvolvimento do Cooperativismo Pesqueiro (PRODECOOPES, Brasília, 2000): a) em Goiás
encontravam-se 70 associações de piscicultores e uma cooperativa central prestadora de serviços às
associações, proporcionando economia de escala, agregação de valor e qualidade ao pescado cultivado
pelos associados; b) no Rio de Janeiro, a Federação das Colônias de Pescadores liderava o processo de
integração das colônias com as associações e cooperativas de pesca e de aqüicultura, com vistas à
organização de uma cooperativa central análoga à experiência de Goiás. Neste processo, ocorria uma
articulação com outros agentes do desenvolvimento, notadamente as Prefeituras Municipais, Universidades,
Ministérios do Trabalho e da Agricultura; c) em São Paulo e Santa Catarina buscava-se priorizar a
integração entre cooperativas de aqüicultores (peixes e moluscos) com empresas de beneficiamento de
pescado localizadas no litoral e com capacidade ociosa nos frigoríficos e detentoras de SIF para
exportação. Os pescadores e aqüícolas, autônomos ou organizados em associações ou cooperativas,
sempre enfrentaram desafios peculiares a esta atividade econômica: a) o pescado é um produto altamente
perecível, exige manejo especializado e câmara frigorífica ou infra-estrutura similar para conservação e
comercialização; b) na atividade de captura ou cultivo em pequena escala, exige-se dedicação exclusiva do
profissional associado ou cooperado; c) o pescado pode ser entregue a outra associação ou cooperativa
responsável pelo beneficiamento e comercialização, evitando-se intermediários ou terceiros em uma relação
de rede solidária.
2. Um novo cooperativismo é possível?
No Brasil, desde meados dos anos 80, vem se desenvolvendo em diversas regiões do país experiências de
geração de trabalho e renda de forma solidária e associativa. Esse processo ocorre a partir da estruturação
de empreendimentos econômicos solidários, de forma a colocar novos desafios, dentre esses, a
necessidade da formação continuada e integrada no plano técnico, administrativo e político, como
elementos fundamentais para buscar o equilíbrio entre as dimensões social e econômica.Trata-se de um
conjunto de organizações coletivas de trabalhadores rurais e urbanos, espalhado por diversas regiões do
país e que aparece sob diversas formas: cooperativas e associações de produtores, empresas
autogestionárias, bancos comunitários, ‘clubes de trocas’, ‘bancos do povo’ e diversas organizações
populares. Tem como objetivo fundamental a geração de trabalho e renda com melhoria na qualidade de
vida. Muitas se organizam em redes de cooperação orientadas por princípios de autogestão, igualitarismo,
cooperação no trabalho e na comunidade, auto-sustentação, desenvolvimento humano e responsabilidade
social. Conforma-se assim o campo denominado por Economia Solidária colocado como uma alternativa
possível ao processo de exclusão social, econômico, político e educacional, inclusive no combate à
precarização das relações de trabalho, das condições de trabalho e de vida.
A principal diferença entre empreendimentos autogeridos e empresas capitalistas reside de que nos
primeiros, a preservação dos postos de trabalho é prioridade em relação à busca do excedente econômico
crescente. Entende-se que se a maximização do excedente não é o motor do empreendimento, este deve
servir à sobrevivência e ao desenvolvimento do empreendimento coletivo dos que nela trabalham. Os
trabalhadores-gestores se dispõem a fazer sacrifícios, eventualmente, abrindo mão de rendimentos mais
elevados, para que todos possam continuar trabalhando. O primeiro passo para o desenvolvimento de uma
experiência autogestionária, é distinguir entre o engajamento efetivo do coletivo e um envolvimento formal e
aparente, pois não existe autogestão sem um engajamento efetivo, apenas a vontade sincera do grupo não
garante nada.
Ao se analisar cooperativas com um elevado número de sócios, conclui-se que a fragilidade da democracia
interna na gestão dos empreendimentos da economia solidária normalmente aumenta na medida em que
novos associados são aceitos, recomendando-se a formação inicial de pequenas associações com 10 a 20
trabalhadores em pequenas localidades. Desta forma, na lógica da economia solidária, a possibilidade de
existirem centenas de cooperativas de profissionais da pesca e da aqüicultura organizadas nestas novas
bases pode resultar não em uma perda de eficiência na proposta cooperativista, mas sim em um
crescimento da intercooperação e das redes de cooperação, princípio e critério que pode nortear também o
cooperativismo pesqueiro auto-sustentável.
3. Políticas públicas para o pescado e aquicultura: desenvolvimento local e
associativismo
Para pensar o desenvolvimento auto-sustentável das comunidades pesqueiras pode-se buscar planejar a
integração da cadeia produtiva para aumentar seu impacto no desenvolvimento local, endógeno e
comunitário com ampliação do capital social. Para isso, é estratégico que ocorra um processo de
mobilização dos recursos, das potencialidades e dos agentes dos arranjos produtivos locais, criando
oportunidades de trabalho e renda, superando gradativamente as dificuldades para melhoria nas condições
e relações de trabalho de toda uma população local. A elaboração, implementação e gestão das ações de
desenvolvimento deveria contar com a participação dos organismos governamentais, mas também dos
representantes dos atores da sociedade civil circunscrita ao território.
O Estado pode ser um agente de desenvolvimento eficaz através de políticas como a recuperação dos
estoques costeiros para aumentar a produtividade, o controle da ocupação desordenada do litoral pela
indústria imobiliária e a destruição dos mangues e a poluição dos mananciais e o incentivo ao uso de
barragens das hidrelétricas para a produção de peixes em cativeiro. No entanto sua atuação pode ser ainda
mais específica, atingindo diretamente comunidades pesqueiras. Através da abertura de linhas de crédito
para a atividade pesqueira como o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar - PRONAF
permitindo que pescadores artesanais e aqüicultores de pequena escala tenham acesso a tecnologias e
infra-estrutura, possibilitando-lhes melhor posição no mercado. Além disso, programas de integração social
como o da Caixa Econômica Federal, a qual financia habitações populares para pescadores associados
(fomentando o cooperativismo habitacional), estimulem pescadores a se associarem e manterem um
vínculo importante para o sucesso da comunidade como um todo.
Uma estratégia importante para que uma comunidade insira-se no mercado (brecha) é a sinergia de
conhecimentos entre dois atores principais: membros das comunidades e agentes técnicos. Os primeiros
contribuiriam com suas competências tácitas, ou seja, o conhecimento popular. Já os agentes técnicos
(Universidades, Confederações, Associações e Federações de Pescadores, Ministérios do Governo,
Bancos e etc) contribuiriam com suas competências técnicas. A articulação dessas competências em
mercado e organização do trabalho, poderia inferir importante incremento ao potencial econômico existente
na comunidade em questão.
Para que as potencialidades de uma comunidade possam alavancar o desenvolvimento coletivo, os atores
deverão estar unidos na ajuda mútua e no controle social de meios essenciais de produção ou distribuição.
Neste sentido, o desenvolvimento da cooperação, da democracia, do controle social e da autonomia são
princípios fundamentais e devem estar presentes em todos os elos da cadeia produtiva: a) pesca e
aquicultura; b) desembarque, entrepostagem, processamento, beneficiamento e estocagem; c) distribuição
via cooperativa central para formação de estoque regulador; d) comercialização através de Centrais de
Abastecimento, Mercado Institucional, Comércio eletrônico, etc.
4. Bibliografia e “Sites”
EID, Farid – 2003 – “Descentralização do Estado, Economia Solidária e Políticas Públicas: construção da
cidadania ou reprodução histórica do assistencialismo?”, XI FIEALC 2003, Osaka, Japão
MAGALHÃES, Reginaldo S. - 2000.A nova economia do desenvolvimento local. Agencia de
Desenvolvimento Solidário – ADS (CUT, UNITRABALHO, DIEESE)
SINGER, Paul – 2004 – É Possível Levar o Desenvolvimento a Comunidades Pobres? Texto para discussão
publicado pela Secretaria de Economia Solidária/MTE em maio de 2004. Brasília.
TIMM, José Ubirajara – 2000 – Documento Básico para Discussão no Seminário “Novos Rumos para o
Cooperativismo Pesqueiro”. Seminário realizado nos dias 4 e 5 de dezembro no Rio de Janeiro como um
dos eventos do RIO COOPERATIVO 2000. Brasília.
VALLE, Rogério – 2003 – “O debate Atual sobre Cooperativismo e Autogestão no Brasil”, in VALLE,
Rogério (et al.) – Autogestão - O Que Fazer Quando as Fábricas Fecham? Relume Dumará. Rio de Janeiro.
LIANZA, Sidney (et al.) –2004 – “A Autogestão e o Desenvolvimento Sócio-econômico Sustentável”, in
OLIVEIRA, Vanderli Fava de (et al.) - Redes Produtivas para o Desenvolvimento Regional. ABEPRO. Ouro
Preto.
DAGNINO, Renato – 2004 – Em Direção a uma Estratégia para a Redução da Pobreza: A Economia
Solidária e a Adequação Sócio-Técnica. Artigo apresentado pelo Instituto de Geociências/UNICAMP,
divulgado também pela Sala de Leitura da Organização dos Estados Ibero-americanos. Campinas.
“SITES”
www.ocb.org.br (Organização das Cooperativas Brasileiras);
www.presidencia.gov.br/seap (Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca);
www.fiperj.rj.gov.br (Fundação Instituto da Pesca do Estado do Rio de Janeiro);
www.seaapi.rj.gov.br (Secretaria de Agricultura, Abastecimento, Pesca e Desenvolvimento do Interior do
Estado do Rio de Janeiro);
www.pesca.sp.gov.br (Instituto da Pesca do Estado de São Paulo);
www.setorpesqueiro.com.br
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