UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALFENAS INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS UMA DISCUSSÃO SOBRE OS RUMOS DA INDUSTRIALIZAÇÃO BRASILEIRA: A FLEXIBILIZAÇÃO DO PROTECIONISMO NO DEBATE ENTRE ROBERTO SIMONSEN E EUGÊNIO GUDIN (1944-1945) MATHEUS CASAGRANDE PETRIM Varginha – MG 2014 MATHEUS CASAGRANDE PETRIM UMA DISCUSSÃO SOBRE OS RUMOS DA INDUSTRIALIZAÇÃO BRASILEIRA: A FLEXIBILIZAÇÃO DO PROTECIONISMO NO DEBATE ENTRE ROBERTO SIMONSEN E EUGÊNIO GUDIN (1944-1945) Trabalho de conclusão de curso – em História Econômica do curso de Ciências Econômicas com Ênfase em Controladoria da Universidade Federal de Alfenas – Campus Varginha. Orientador: Prof. Dr. Thiago Fontelas Rosado Gambi. Varginha - MG 2014 MATHEUS CASAGRANDE PETRIM UMA DISCUSSÃO SOBRE OS RUMOS DA INDUSTRIALIZAÇÃO BRASILEIRA: A FLEXIBILIZAÇÃO DO PROTECIONISMO NO DEBATE ENTRE ROBERTO SIMONSEN E EUGÊNIO GUDIN (1944-1945) Aprovado em: Prof°.: Michel Deliberali Marson Instituição: Universidade Federal de Alfenas Assinatura: Prof°.: Bruno Aidar Costa Instituição: Universidade Federal de Alfenas Assinatura: Resumo A finalidade do trabalho é analisar a influência das teorias econômicas protecionistas no debate econômico brasileiro em um período em que estava sendo pensada a industrialização do país. Essas ideias são discutidas especificamente no contexto de um debate ocorrido entre os anos de 1944 e 1945 envolvendo dois economistas de diferentes vertentes, Roberto Simonsen, nacionalista e representante dos interesses industriais, e Eugenio Gudin, adepto do liberalismo e defensor da economia agrário-exportadora. A partir dessa apresentação redutora, o pensamento de Simonsen e Gudin é geralmente considerado dicotômico. Este trabalho mostra que suas contribuições influenciaram o rumo do processo de transformação estrutural da economia brasileira e indica uma flexibilidade em seu pensamento econômico. Palavras-chave: Industrialização. Protecionismo. Liberalismo. Sumário Introdução....................................................................................................................... 5 1. Teorias Econômicas Protecionistas................................................................... 6 2. Contexto dos autores........................................................................................ 10 2.1 Roberto Cochrane Simonsen..................................................................... 10 2.2 Eugênio Gudin Filho................................................................................... 12 3. Contexto do debate........................................................................................... 16 4. O protecionismo no debate.............................................................................. 23 5. A flexibilização dos pensamentos.................................................................... 28 Considerações finais..................................................................................................... 30 Referências Bibliográficas........................................................................................... 31 5 Introdução O debate entre Roberto Simonsen e Eugênio Gudin ocorreu em um momento de transição tanto da economia brasileira, quanto da economia mundial. A economia brasileira se industrializava e a mundial se recuperava da guerra. A controvérsia vivenciada no Brasil entre a defesa da industrialização para países ainda não desenvolvidos, sustentada em uma política comercial protecionista, e o apoio à economia agroexportadora, explorando as vantagens da especialização dentro da divisão internacional do trabalho, típico do liberalismo, também ocorreu na Europa, nos Estados Unidos e em outros países da América Latina. Retornando para o âmbito nacional, Roberto Simonsen era um industrialista, já Eugenio Gudin um representante das ideias liberais. Enquanto Simonsen alegava criticamente que o Brasil era um país voltado para a monocultura, sustentado no café, e extremamente dependente da exportação, e que por isso era necessário desenvolver a indústria, Gudin, apoiado na teoria das vantagens comparativas de Adam Smith (A Riqueza das Nações, 1776) e David Ricardo (Princípios de Economia Política e Tributação, 1817), defendia a manutenção da vocação agrária do Brasil. Um dos aspectos mais destacados nessa discussão é a questão do protecionismo à indústria nacional. Baseado nas ideias de economistas estrangeiros como o alemão Friedrich List (Sistema Nacional de Economia Política, 1983) e o romeno Mihail Manoilesco (Teoria do Protecionismo e da Permuta Internacional, 1931), Roberto Simonsen alegava que era necessário defender a indústria nascente da concorrência de produtos importados (sempre com menores preços) com políticas cambiais e aduaneiras. Já Gudin criticava a visão de Simonsen e defendia a livre circulação de mercadorias e capitais estrangeiros, inclusive o fim das restrições às remessas de lucros ao exterior por parte de empresas estrangeiras localizadas no país. Nessa linha, opunhase também a qualquer tipo de política de proteção industrial. É possível perceber desde logo as duas posições distintas que farão parte de uma discussão sobre a industrialização brasileira. Simonsen favorável à industrialização, baseada no protecionismo estatal, e Gudin, seguidor do laissez-faire, defensor da agricultura como principal fonte de renda do país, pois é neste setor que 6 obteria vantagens comparativas. Porém será que com o decorrer do estudo podemos confirmar essa impressão? Será que eles mantém suas posições a todo o momento? Seria possível afirmar uma dicotomia entre Simonsen e Gudin? Este trabalho tem como objetivo destacar o protecionismo no debate e responder a questão proposta. Acreditamos que, embora Simonsen e Gudin estejam em campos distintos, seria simplista afirmar uma visão dicotômica entre eles. Para isso, o trabalho está estruturado da seguinte maneira: inicialmente, serão apresentadas as teorias econômicas protecionistas que basearam esse estudo; depois o contexto em que os autores estavam inseridos, detalhando suas atuações política e econômica; logo após, é demonstrado o contexto em que se deu o debate, incluindo onde ele aconteceu, os motivos pelos quais ocorreu, as principais ideias de cada representante; posteriormente, esclareceremos o papel do protecionismo dentro do debate de uma maneira mais específica; em seguida serão apresentados algumas passagens do debate em que os autores amenizam seus pontos de vista, aceitando o oposto em certas situações; e, por fim, chegaremos à conclusão do estudo. 1. Teorias Econômicas Protecionistas No debate sobre a industrialização brasileira fica clara a presença das ideias de históricos defensores do protecionismo, como o alemão Georg Friedrich List (17891846) e o romeno Mihail Manoilesco (1891-1950). 1 Cabe aqui então fazermos uma revisão dos principais traços desses autores. List era um defensor da industrialização e considerado um grande teórico do protecionismo, conhecido por alguns até como o pai da indústria nascente (CHANG, 2004, p. 14). Seu trabalho foi formulado a partir de uma análise histórica do processo de desenvolvimento dos países ricos, no qual constatou a forte presença do protecionismo principalmente para fomentarem suas indústrias infantes. Mesmo que estes, após progredirem, passassem a pregar a adoção do livre mercado como a fórmula para o crescimento. Uma clara tática para atrapalhar o desenvolvimento dos demais países. 1 Mihail Manoilesco, nascido em 1891, foi jornalista, engenheiro, economista e político romeno. Exerceu o Ministério das Relações Exteriores da Romênia durante o ano de 1940. No âmbito econômico foi conhecido como um grande defensor do protecionismo, sua principal obra foi “A Teoria do Protecionismo e da Permuta Internacional”, de 1929. Faleceu em 1950 na prisão de Sighet, Romênia, após a invasão soviética no país. 7 Os principais exemplos dessa política são Grã-Bretanha e Estados Unidos, supostos berços do liberalismo. List afirma que o país europeu foi o pioneiro na prática de proteger sua indústria nascente, através de um sistema de restrições, privilégios e incentivos, e só depois de estabelecida que se abriu para o livre comercio. Já os americanos adotaram tal técnica a partir de 1816, contrariando os conselhos de grandes economistas da época como Adam Smith e Jean Baptiste Say, que recomendavam o investimento na agricultura. Um século após o Estados Unidos se tornaram não só o maior praticante do protecionismo, como o líder mundial da indústria. Após a Segunda Guerra Mundial, quando sua supremacia já estava constituída, passaram a defender o livre comércio. List era um opositor da teoria das vantagens comparativas. Argumentava que o livre comércio só seria benéfico entre nações de mesmo nível de desenvolvimento e que o protecionismo seria a única maneira de colocar na mesma situação de competividade aquelas que estivessem abaixo. Assim, a indústria infante das nações menos desenvolvidas deveria ser protegida até que tivesse condições de competir com indústrias de países avançados, caracterizando um caráter temporário das medidas protecionistas à indústria nascente. Só depois disso que poderiam abrir seu mercado para o livre comércio internacional. Portanto o protecionismo seria um passo essencial para se alcançar a plena liberdade comercial. Ele afirma que o livre comércio beneficia o agroexportador (um argumento que legitima a posição adotada posteriormente por Gudin), mas o protecionismo, com o seu efeito de desenvolvimento da indústria manufatureira também beneficia a agricultura, pois: Na proporção em que a capacidade manufatureira for assim desenvolvida, também se desenvolverão a divisão das operações comerciais e a cooperação das forças produtivas na agricultura, atingindo o mais alto estagio de perfeição (LIST, 1983, p. 109). Segundo ele, não há um limite para o grau de protecionismo, tudo depende da especificidade de cada nação, o que importa é coibir a concorrência estrangeira em proveito da indústria nacional. A proteção pregada para a manufatura não é defendida para a matéria-prima, pois segundo as afirmações dos ministros do Rei Jorge I, usada por List: 8 (...) as nações são tanto mais ricas e poderosas, quanto mais exportarem bens manufaturados, e quanto mais importarem meios de subsistência e matériasprimas (LIST, 1983, p. 149). Outro ponto enfatizado pelo alemão é o fortalecimento do mercado interno, pois assim o país não ficaria dependente da incerteza do comércio internacional, no qual os países estrangeiros podem cessar a compra de produtos agrícolas ou dificultar o abastecimento de produtos manufaturados para países produtores de bens primários. Essa medida seria benéfica também para a redução da inflação, pois a competição interna proporcionada pelo protecionismo reduziria os preços a um nível menor do que quando a importação era liberada. Alguns pontos do pensamento de List aparecem com maior ênfase no trabalho de Simonsen, como a defesa da manufatura como um bem superior ao agrícola e, portanto com maior capacidade para elevar o nível de renda da população; e a defesa do intervencionismo estatal como protetor também da iniciativa privada, dando mais segurança para os empresários nacionais, e não como seu opositor. Mihail Manoilesco critica as ideias de List por pensar que elas dão um espaço para a interpretação dos liberais, ao afirmar que existe um tempo limite de proteção à indústria nascente, brecha que foi aproveitada por Gudin no debate contra Simonsen. E também por recomendar o livre cambismo como primeiro passo para a educação econômica de países muito pobres e atrasados. Para o romeno, o protecionismo sempre é o melhor caminho, pois pode desenvolver indústrias que elevam a produtividade média daqueles países. Para resolver essa insuficiência das teorias protecionistas, e tornar a prática mais recorrente e duradoura, Manoilesco tenta construir uma teoria científica do protecionismo, em suas palavras: A nossa intenção e a nossa concepção são justamente de romper com a atual tradição protecionista e demonstrar com argumentos econômicos, visando exclusivamente os pontos de vista econômicos, o valor do protecionismo em determinadas condições. A nossa teoria se propõe, pois, pesquisar as vantagens econômicas, diretas e imediatas, de um protecionismo bem concebido e oportuno (MANOILESCO, 1931, p. 86-87). Ele também se opõe às vantagens comparativas de David Ricardo por comparar dois produtos distintos em dois países diferentes, como no exemplo do Tratado de Methuen, no qual Portugal importava panos ingleses e a Inglaterra, vinhos portugueses. Em sua concepção a comparação deveria ser feita entre os produtos dentro 9 do mesmo país, a partir da qual seria escolhida aquela mercadoria que apresentasse maior produtividade absoluta. Para o autor, a escolha recairia sobre as mercadorias industrializadas, pois para ele, os produtos industriais são, em média, duas vezes mais produtivos do que os agrícolas. Por isso o investimento e a proteção do setor manufatureiro se faz necessário para o progresso. A definição entre importar ou produzir se dará justamente pela avaliação da produtividade da mercadoria, em comparação com a produtividade média do país. Se ele escolher cessar a produção de um bem para passar a importá-lo, é necessário que se encontre outro artigo para substituí-lo, que seja mais eficiente. Senão é melhor que continue produzindo aquele bem. Manoilesco afirma que o protecionismo é um instrumento indispensável no desenvolvimento de uma nação, pois é o único capaz de elevar a sua produtividade, e então diminuir a sua distância para os demais países no mercado internacional (RODRIGUES, 2005, p. 66, 67). O autor alega que o protecionismo aos países menos favorecidos seria benéfico inclusive para os mais ricos. Pois o desenvolvimento do polo industrial nessas nações aumentariam suas rendas, dando-lhes uma maior capacidade de importação de outros bens industrializados no mercado internacional, aumentando o mercado consumidor dos países mais poderosos. Manoilesco enxerga uma visão social também por detrás da escolha do protecionismo. Segundo ele, um dos mais fortes mecanismos de proteção eram as tarifas aduaneiras e o livre cambismo prejudicou, sobretudo, a população operária. Recomendava então tarifas sobre produtos manufaturados para induzir a migração de trabalhadores da agricultura para a indústria, dado o alto retorno social deste último setor (CURI, CUNHA, 2011, p. 9). Sua obra foi muito utilizada pelos pensadores da corrente intervencionista no Brasil, inclusive foi publicado no país pela CIESP, a pedido de Simonsen. Porém sua forte ligação com o fascismo e o terceiro Reich fizeram suas citações sumirem dos trabalhos brasileiros. Estas são as principais teorias protecionistas presentes no debate em que estudaremos. 10 2. O Contexto dos autores 2.1. Roberto Cochrane Simonsen Roberto Cochrane Simonsen nasceu no Rio de Janeiro em 18 de fevereiro de 1889, filho de Sidnei Martin Simonsen e Robertina da Gama Cochrane. Ingressou na Escola Politécnica de São Paulo com apenas 14 anos de idade, concluindo em 1909 o curso de engenharia civil. Ingressou no mercado de trabalho ainda nesse mesmo ano, na empresa Southern Brazil Railway, relevante ferrovia paulista, e lá permaneceu até o ano seguinte. Em 1910 assumiu a chefia da Diretoria Geral da Prefeitura de Santos, trabalhando também como engenheiro-chefe da Comissão de Melhoramentos do Município. Em 1912 fundou junto com seus irmãos a Companhia Construtora de Santos, pioneira em planejamentos urbanísticos da cidade do litoral paulista. Adepto do taylorismo, Simonsen racionalizou os métodos de gestão da empresa. Com o êxito obtido foi possível o investimentos em novos empreendimentos, como a Companhia Santista de Habitações Econômicas, destinada à habitação para operários, e a Companhia Brasileira de Calçamento. O prolongamento da Primeira Guerra Mundial provocou a necessidade de investimentos na indústria baseado no processo de substituição de importações. Nesse contexto, em 1916, Simonsen fundou e presidiu o Centro dos Construtores e Industriais de Santos, voltado para o cunho social, que oferecia serviço de assistência e seguro para os trabalhadores e ensino profissional. Após a Primeira Guerra Mundial, Roberto Simonsen começou a projetar-se na vida pública nacional. Em 1918, ele faz um discurso para o então ministro da Agricultura, Antônio de Pádua Sales, destacando a necessidade de substituir o sistema empírico de produção pelo método científico de organização do trabalho. Como resultado de suas palavras, foi convidado pelo próprio Pádua Sales para integrar a missão comercial brasileira que seria enviada à Inglaterra em 1919. Ainda nesse ano, Simonsen foi enviado para participar da Conferência Internacional do Trabalho, realizada em Washington. Também em 1919, Simonsen ingressa no setor alimentício, presidindo a Companhia Frigorífica de Santos e a Companhia Frigorífica e Pastoril de Barretos (SP). 11 Em 1920, com um contrato assinado com o ministro da Guerra, Simonsen abandona a construção civil para erguer estabelecimentos militares em todo o país, obedecendo a um projeto oficial de expansão e melhoria das instalações do Exército. Durante toda década de 1920, ele se destaca como líder empresarial, assumindo a presidência do Sindicato Nacional dos Combustíveis Líquidos, organizando a Companhia Nacional da Borracha e a Companhia Nacional de Artefatos de Cobre, proporcionando a substituição das importações nesses setores. Após uma cisão na Associação Comercial de São Paulo, foi-se criado o Centro de Indústrias do Estado de São Paulo (CIESP), tendo Roberto Simonsen como vice-presidente. Nessa função, segundo Sônia Dias, ele “pediu ao governo medidas protecionistas mais abrangentes, ressaltando o papel da indústria como elemento propulsor da independência política e econômica de um país e definidor do padrão de adiantamento de um povo”. Além de defender a indústria de acusações como contribuir diretamente para a alta das tarifas protecionistas. Com a Revolução Constitucionalista de 1932, instalada no estado de São Paulo, Simonsen tornou-se responsável pelo ajustamento do parque industrial paulista à economia de guerra. Com os méritos de seu trabalho, o CIESP e a Associação Comercial de São Paulo conseguiram manter o abastecimento da capital, atacada pelo Governo Provisório. No mesmo ano, foi eleito presidente do Instituto de Engenharia de São Paulo e fundou a Escola Livre de Sociologia e Política do estado, pioneira no país. Posteriormente tornou-se professor da cadeira de história econômica do Brasil. Em 1933 foi escolhido como um dos representantes da classe empregadora na Assembleia Nacional Constituinte, responsável por elaborar a nova Constituição e eleger o presidente da República. Na qual se preocuparam, sobretudo em sugerir medidas para estimular o desenvolvimento industrial e comercial do país, considerado vital para promover o crescimento do conjunto da economia, modernizar as atividades agrícolas e contribuir para o potencial estratégico de defesa armada da nação. Em 1935, Simonsen assumiu a presidência da CIB (futuramente transformada na Confederação Nacional da Indústria – CNI). Dois anos depois foi eleito presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), além de tornarse membro do Conselho Federal de Comércio Exterior (CFCE), órgão diretamente ligado ao então presidente Getúlio Vargas, e com grande influência na definição da 12 política econômica do governo. Nesse cargo, apresentou um parecer sobre as decisões a serem tomadas para a expansão industrial brasileira. Em 1939 entra para a Academia Paulista de Letras e torna-se sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB). E ainda publica A revolução industrial do Brasil, encomendado pelo CFCE para ser apresentado à visita da Missão Universitária Norte-Americana ao Brasil. Simonsen prevê uma forte redução da oferta mundial de produtos essenciais como consequência da Segunda Guerra Mundial e então sugere ás indústrias nacionais uma maior agilidade na substituição de produtos importados. Durante a Conferência de Rye, em 1945, nos Estados Unidos, na qual Simonsen foi membro da delegação brasileira, ele apresenta uma tese sobre a renda nacional, chamando a atenção dos presentes para a situação dos países subdesenvolvidos e requisitando uma maior ajuda para esses. Um mês depois, gerenciou o I Congresso Brasileiro da Indústria, organizado em São Paulo pela CNI e FIESP, e com Getúlio Vargas como presidente de honra. Entre 1943 e 1945, Roberto Simonsen participou como membro do Conselho Nacional de Política Industrial e Comercial (CNPIC), período no qual se desenvolveu o debate com Eugênio Gudin, mas disso trataremos depois. Em 1946, Simonsen tornou-se o primeiro economista a conquistar uma cadeira na Academia Brasileira de Letras (ABL). Em janeiro de 1947 foi eleito senador por São Paulo pelo PSD (Partido Social Democrático). Faleceu em 25 de maio de 1948, na sede da ABL, no Rio de Janeiro, quando discursava para o primeiro-ministro da Bélgica, Paul van Zuland. Nesse mesmo ano foi criada a Cepal, que para Bielschowsky (2000, p. 78) foi o principal órgão a dar seguimento nas obras feitas por Simonsen frente a FIESP e CNI. Em sua homenagem, a FIESP criou o Instituto Roberto Simonsen. 2.2 Eugênio Gudin Filho Eugênio Gudin Filho nasceu no Rio de Janeiro em 12 de julho de 1886, filho de Manuel Eugênio Gudin e Carola Fontes Gudin. Cursou engenharia civil na Escola Politécnica do Rio de Janeiro entre 1901 a 1905, tendo posição de destaque entre os alunos. 13 Começou a exercer a profissão no ano seguinte a sua formatura, quando foi contratado pela Light para trabalhar na construção de uma represa para fornecimento de energia elétrica ao Rio de Janeiro. Em 1907, trabalhou na empresa Dodsworth & Cia., na qual se tornou sócio pouco depois. Quando assumiu a direção-geral da Great Western of Brazil Railway Co., em 1922, Gudin transformou-se em um defensor do investimento em transporte ferroviário e cabotagem no Brasil, por ser um país muito extensivo. Nesse período passou a interessar-se mais por economia, principalmente nas obras de autores clássicos como Adam Smith, David Ricardo e Alfred Marshall. Em 1924, tornou-se dirigente do diário carioca O Jornal, publicando seus primeiros artigos econômicos, focados em orçamentos, conversibilidade e estabilização monetária. No ano seguinte, passou a escrever no Correio da Manhã, continuando até 1954. Após a Revolução de 1930, começou a ganhar relevância política nos mais importantes órgãos técnicos e consultivos de coordenação econômica do país. Contribuindo na formulação de pareceres, sugestões e anteprojetos a serem encaminhados para decisões superiores. A princípio participou da Comissão de Estudos Financeiros e Econômicos dos Estados e Municípios, criada pelo Ministério da Fazenda, em 1931. Apesar de não ter participado diretamente, Gudin apoiou a Revolução Constituinte de São Paulo em 1932, defendendo a regularização da situação política do Brasil. Em 1937, ele participa da formação da Sociedade Brasileira de Economia Política, que se dava pela união de vários estudiosos empenhados na criação de uma escola de economia no Rio de Janeiro. Um ano depois seria fundada a Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas, primeira instituição de ensino da matéria no país. Ainda em 1937, passou a ser membro do Conselho Técnico de Economia e Finanças (CTEF), criado pelo Ministério da Fazenda após a instituição do Estado Novo. Com a criação da Coordenação de Mobilização Econômica, em 1942, a intervenção estatal na economia se tornou ampla, desde o controle dos preços até o controle da produção e da comercialização dos produtos. No I Congresso Brasileiro de Economia, em 1943 no Rio de Janeiro, indicou-se a necessidade de políticas intervencionistas com relação à indústria, comércio e finanças. Porém Gudin, contrário a essas ideias, liderou a oposição liberal do encontro. 14 Em 1944, foi o comissário brasileiro na Conferência Monetária Internacional de Bretton Woods, EUA, na qual foram retomados os princípios liberais sobre o comércio internacional. Depois disso as teses de Gudin voltaram a ganhar destaque. Chegando inclusive a exercer o cargo de governador brasileiro junto ao FMI (Fundo Monetário Internacional) e o BIRD (Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento). Durante o Estado Novo participou também da Comissão de Planejamento Econômico (CPE). Nela teve papel relevante na discussão sobre a industrialização do país, travando uma polêmica com Roberto Simonsen. Ainda em 1945 Gudin se envolveu em outra polêmica, agora com Aluísio de Lima Campos, relator da proposta de mudança da Lei das Sociedades Anônimas, apresentada por um grupo de empresários industriais ao Conselho Técnico de Economia e Finanças (CTEF). Nela eles visavam a fundação de um banco Crédito Financeiro Industrial S.A. para o financiamento das indústrias de base, além de solicitar uma garantia oficial de mercado interno e de preços. Gudin, porém foi, mais uma vez, contrário a proteção às indústrias de base sob a forma de garantia de mercado, indicando-a como lesiva ao consumidor. Ele compôs o projeto, que aprovado em 1945, consolidava o currículo e a duração dos cursos superiores de economia no país. Assim em janeiro de 1946, a Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas do Rio de Janeiro foi agregada à Universidade do Brasil, surgindo a Faculdade Nacional de Ciências Econômicas, onde Gudin permaneceu como professor de teoria monetária até 1957. Também em 1946 iniciou a introdução de um centro de estudos econômicos na Fundação Getúlio Vargas (FGV), o que se tornou um Núcleo de Economia no ano seguinte. Nele se desenvolveu trabalhos pioneiros como a concepção do sistema de contas nacionais, a elaboração de índices econômicos e o estudo do balanço de pagamentos do país. Então o Núcleo passou a editar as publicações da Conjuntura Econômica e da Revista Brasileira de Economia. Com o crescimento do trabalho desenvolvido foi criado, em 1951, o Instituto Brasileiro de Economia (IBRE) da FGV, sob a presidência de Eugênio Gudin. Também sob sua supervisão foi estabelecida, em 1966, a Escola de Pós-Graduação em Economia (EPGE). Exerceu a vice-presidência da FGV de 1960 a 1976. Em 1947 o Conselho Nacional do Petróleo (CNP) compôs uma Comissão de Anteprojeto da Legislação do Petróleo, a fim de rever a legislação petrolífera de cunho 15 nacionalista. Para constituí-la, o então presidente Dutra estabeleceu uma Comissão de Investimentos, composta por Eugênio Gudin. No anteprojeto continha disposições que limitavam a participação do capital estrangeiro na comercialização de petróleo no país, o que gerou discórdia com o seu pensamento. Cedendo a uma grande pressão pública, conhecida como Campanha do Petróleo, o presidente Vargas sancionou em outubro de 1953 a Lei n° 2.004, instituindo o monopólio estatal do petróleo através da geração da Petrobras, severamente criticada por Gudin, por discordar das restrições impostas ao capital privado nacional e estrangeiro no setor de petróleo e derivados (ABREU, 1984, p. 630). Em 1954 o governo Vargas sofria com a forte pressão dos empresários e das forças armadas por suas medidas nacionalistas, como a própria Petrobras e o aumento considerado abusivo do salário mínimo. Dentre esses aparecia Eugênio Gudin. Após o suicídio de Vargas, João Café Filho foi empossado na presidência, e o nomeou para o Ministério da Fazenda. A situação não era favorável, o balanço de pagamentos estava deficitário e a inflação agravava-se. Nesse contexto ele implementou uma política ortodoxa de estabilização, com o intuito de combater o processo inflacionário, organizar as contas externas e buscar financiamento internacional, era baseada na austeridade pública e na restrição da moeda e do crédito. Em seu conceito era inadmissível o conceito de inflação estrutural. Segundo Vilma Keller (2001), uma das medidas mais importantes durante sua gestão na Fazenda foi tentar, através da Instrução n° 113 da Sumoc, atrair o investimento externo para o Brasil, por meio de licenças sem cobertura cambial para a importação de máquinas por parte de empresas estrangeiras associadas à nacionais. Por meio de um arranjo político entre Café Filho e Jânio Quadros (então governador de São Paulo) foi acordado a entrega da pasta da Fazenda e o Banco do Brasil à gestão paulista, gerando uma desavença com Gudin, que acreditava que isso ocasionaria em um afrouxamento de sua política restritiva de estabilização. Sendo assim, em 3 de abril de 1955 pediu exoneração de seu cargo. Durante o governo de Kubitschek, ele continuou a integrar o Conselho Técnico de Economia e Finanças (CTEF), no qual cuidava da política fiscal e orçamentária. Em 1956 foi eleito para a diretoria da Associação Econômica Internacional, e passou a presidente em 1959. 16 Quanto ao golpe militar de 1964, Gudin o apoiou, entendendo-o como uma “reação do povo brasileiro e de suas forças armadas contra a tentativa perpetrada por um conjunto comuno-anarquista que visava levar o país ao caos e atrelá-lo ao grupo de países comandados pelo marxismo” (Gudin apud KELLER, 2001). Ele vê no regime militar pós-64 a construção do capitalismo naturalista policiado e o remédio eficaz no combate ao caudilhismo antiliberal (BORGES, 2000, p. 110). A partir de 1964 passou a escrever suas matérias no jornal O Globo, abordando principalmente questões sobre inflação e a estatização da economia nacional. Faleceu no Rio de Janeiro, em 24 de outubro de 1986, pouco após completar seu centenário. 3. O Contexto do debate O debate se inicia com a criação do CNPIC, em 1943, pelo então Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio, Alexandre Marcondes Filho, como uma manobra política para agradar a burguesia industrial, que pleiteava um órgão para preparar a transição da economia brasileira, então Roberto Simonsen foi nomeado como um de seus membros, além de ficar a cargo de realizar o primeiro trabalho. Foi então formulado e entregue ao CNPIC, em agosto de 1944, um parecer que propõe um aumento da planificação da economia brasileira, centralizada no próprio Conselho ou no Ministério do Trabalho, a fim de desenvolver o parque industrial brasileiro. Após a apreciação no próprio, o relatório seguiu para a análise da CPE, implementada por Vargas e subalterna ao Conselho de Segurança Nacional e que tinha amplas funções como relata Monteiro e Cunha (1974, p.11): O Planejamento Econômico, além dos problemas referentes à agricultura, à indústria, aos comércios exterior e interior, aos transportes, à moeda, ao crédito, à tributação, procurando estimular e amparar a iniciativa e o esforço da economia particular. Em algumas ocasiões foi até cogitada como órgão central de planejamento e coordenação, excluindo a necessidade da criação de outro. A Comissão elegeu então Eugênio Gudin para tal análise. Em sua avaliação, apresentou-se com uma postura contrária à intervenção estatal na economia, batendo de frente com a CNPIC. 17 Sobre a criação da CPE, Gudin disse em uma entrevista a Jorge Viana Monteiro e Luís Roberto Azevedo Cunha: (...) ele [Vargas] queria que os problemas brasileiros fossem estudados. Acho que sentiu que aquela comissão criada pelo Marcondes Filho [CNPIC] era 100% controlada pelo Roberto Simonsen e quis outra comissão para anular aquela (...). Alguém deve ter informado a ele que aquilo era uma coisa dominada pelo Simonsen para a defesa dos interesses da Federação das Indústrias de São Paulo (GUDIN, depoimento 1979). Com a derrubada do Estado Novo em outubro de 1945, a CPE foi extinta e a idealização de um planejamento global para a economia brasileira foi temporariamente afastada. Pelo menos até meados dos anos 50, quando Juscelino Kubitschek retoma seus princípios no Plano de Metas. Monteiro e Cunha (1974, p. 23) afirmam que o período de 1934-1945 foi o mais relevante quanto ao pensamento do planejamento econômico no país, pois era a sua forma permanente que se discutia, além do que certos órgãos de decisão de política econômica, incluindo o CNPIC e a CPE, tiveram atuação destacada. Há também uma questão social por trás desses órgãos, demonstrando a modificação pela qual o capitalismo brasileiro estava passando. De um modo geral, de um lado estava clara a ascensão política e econômica da burguesia industrial, que com Simonsen se organizava para fortalecer-se ainda mais, do outro se encontrava a oligarquia agrária, tentando recuperar seu prestígio e poder através da figura de Gudin. No início do século XX, o Brasil ainda era estruturalmente ligado à economia agroexportadora, principalmente o café. Somente o excedente gerado pelo setor cafeeiro, conduzido pelo estado de São Paulo, maior centro produtor, possibilitaria a industrialização brasileira (MARINGONI, 2010, p. 43). Que se fazia necessária, segundo a visão de Simonsen, pois a monocultura trazia insuficiência e insegurança econômica para o país. Não era possível comparar a estrutura econômica de países de produção diversificada, tanto agrícola quanto industrial, com aquela que se encontrava naqueles que exploravam poucos produtos, e ainda assim primários. A desarticulação da economia mundial, causada pela Grande Depressão de 1930 e o surgimento da Segunda Guerra Mundial, abriu as portas da industrialização para os países da periferia, através de projetos nacionais de desenvolvimento (CORSI, 2008, p. 67). 18 Unindo esses dois fatores, Simonsen, representante da burguesia industrial, passa a defender a interdependência entre agricultura e indústria, sendo a primeira financiadora da segunda, como forma de independência econômica e política em relação a outros países. Essa junção seria feita através de um planejamento econômico, que abrangeria, por igual, a solução dos problemas industriais, agrícolas e comerciais, assim como os sociais e econômicos, de ordem geral. Além de concorrer para a conservação das instituições públicas, das médias e pequenas empresas, facilitar o controle e combate aos trusts, bem como beneficiar o desenvolvimento da propriedade privada em benefício da coletividade. Como referência para o seu argumento, ele utiliza-se de exemplos estrangeiros de planejamentos que deram certo, como a União Soviética e a Turquia, que progrediram através da técnica, além dos países que estavam no programa de guerra, no qual o planejamento se faz necessário em sua forma total. Nessa época o planejamento econômico encantava os países em desenvolvimento, pois significava a expectativa de promover o crescimento, a elevação da taxa de poupança, etc. (MONTEIRO, CUNHA, 1974, p. 21). Em sua proposta, as maiores verbas seriam destinadas para a indústria de base, como energia e transportes, além de uma modernização da agricultura de alimentação a fim de intensificar a produção agrícola em geral. Seriam criadas ainda indústrias-chave, como metalúrgicas e químicas, capazes de garantir a autossuficiência de nosso parque industrial. O financiamento do plano seria buscado fora do país, em negociações “de governo a governo”, principalmente com os Estados Unidos. Em carta ao presidente Dutra, em 1943, Oswaldo Aranha, então Ministro das Relações Exteriores, apontou que a industrialização era essencial para a nação, pois considerava ser a “primeira defesa contra o perigo exterior e interior na vida de qualquer país” (Aranha apud HILTON, 1994, p. 411). Porém como já dizia Silva (2000, p. 13): Como a sociedade é feita de conflitos, projeto nacional não é entendido como projeto de toda nação, mas claramente como projeto para uma nação; e vinculado à ação de determinadas frações das elites políticas dirigentes e à dominação de classe. Assim Gudin, partidário da classe agroexportadora, baseado na teoria das vantagens comparativas de Smith e Ricardo, defendia que o Brasil deveria seguir sua vocação agrária, não precisava da industrialização. Ele acreditava que não existia 19 desigualdade nas relações de troca entre centro e periferia, países industrializados e agrários, havia apenas limitações naturais, como clima, recursos naturais, relevo do solo. Sobre esse determinismo geográfico preponderante em sua tese e sobre os rumos que o país deveria tomar, Furtado (1985, p. 160) diz o seguinte: Sem dúvida vivíamos uma fase de grandes transformações na economia do país, quiçá sem precedentes. Já me referi ao fato de que o Brasil acumulara um considerável atraso dentro da própria América Latina. O pensamento dominante, como o do Prof. Gudin, não se surpreendia com isso, pois estava imbuído do determinismo geográfico que estivera em moda no século XIX. A Argentina, dizia-se, tinha melhor clima e melhores solos que nós. Ora, não se necessitava de muita ciência, aquela altura do século XX, para perceber que as causas de nosso atraso tinham raízes históricas, podendo ser removidas pela sociedade. Certo: as circunstâncias em que se dão as mudanças que conduzem ao desenvolvimento no curso da Historia, nem sempre são fáceis de perceber, menos ainda pelos contemporâneos. Mas era evidente que a Grande Depressão obrigara o Brasil a mudar de rumo aos trancos e barrancos, descobrindo as potencialidades do mercado interno. A respeito do atraso econômico brasileiro, Gudin acreditava ser normal, está dentro do contexto da evolução natural do sistema, pois o país ainda era jovem e tinha mais chances de alcançar o desenvolvimento, oportunidades essas que devem ser subordinadas à lógica natural do sistema. Para ele, o papel da economia brasileira no mercado internacional deveria ser como aquele que tínhamos em relação à Inglaterra no século XIX, no qual exerceríamos uma posição secundária, de país satélite. O mundo do equilíbrio perfeito, segundo ele, é aquele onde realizávamos a nossa vocação agrária. E ainda usava exemplos internacionais para sustentar sua tese: “Dos 7 países de renda nacional mais alta do mundo, três (Nova Zelândia, Argentina e Austrália) são de economia preponderantemente agrícola” (GUDIN, 1978, p. 116). Seu ponto de vista foi outra vez duramente criticado por Celso Furtado, que discordou da sua fala de que a civilização ocidental se desenvolvera unicamente fora da zona tropical: “era como se nos estivesse lembrando, delicadamente, que somos um povo de segunda classe” (FURTADO, 1985, p. 157). Gudin, no seu modo de ver, enxergava a indústria mais como um modo de modernização do campo do que um despertar de um setor autônomo e dinâmico. Para ele, o progresso só seria válido para aquela indústria que pudesse contribuir para a melhora do setor agrícola. 20 A indústria enfrentava a oposição da classe dominante também por causa do receio desta de que a intervenção estatal na economia trouxesse um aumento dos impostos para financiá-la. Diante desses seus argumentos, Gudin foi taxado de anti-industrial e antinacionalista, quanto a isso ele se defendia assim: Isso não quer dizer que eu seja contrário á industrialização e favorável a um Brasil predominantemente agrícola. Nem o Brasil é um país talhado por Deus para a Agricultura. Pobre de férteis planícies agrícolas e dotado de alguns elementos para a Indústria, não pode ser um país de vocação unicamente agrícola. (...) Eu sou contrário é a essa indústria preguiçosa, que amassa fortunas para uma minoria de privilegiados, à custa do consumidor, num regime de preços altos e produtividade muito baixa. Meio século após termos entrado (com a Light e Jorge Street) no caminho da industrialização, não exportamos sequer um produto industrial. Só se exporta o que se produz bem. (GUDIN, 1954, p. 22). Simonsen rebate taxando-o de pouco informado á respeito do parque industrial brasileiro e da receptividade dos produtos que exportamos. Ele o acusava de atacar a indústria nacional apenas por querer ver nosso país sempre dependente dos outros. Na verdade, Gudin não era contrário à industrialização em si, sustentava apenas que o setor a ser estimulado em determinada economia deveria ser o mais eficiente. Essa eficiência seria função das condições geográficas e naturais. Portanto, dadas as condições naturais brasileiras, a agricultura seria a vocação agrícola do país, o setor em que se poderia obter o mais alto nível de eficiência. Outro ponto em que debatem é quanto ao nível de renda do país, para Simonsen ele é baixo e poderia ser solucionado através da planificação econômica, que traria uma maior satisfação da demanda social, já que a iniciativa privada é incapaz de cumprir essa função: (...) a renda nacional está praticamente estacionária, não existindo possibilidade, com a simples iniciativa privada, de fazê-la crescer, com rapidez, ao nível indispensável para assegurar um justo equilíbrio econômico e social. (...) impõe-se, assim, a planificação da economia brasileira em moldes capazes de proporcionar os meios adequados para satisfazer as necessidades essenciais de nossas populações e prover o país de uma estruturação econômica e social, forte e estável, fornecendo à nação os recursos indispensáveis a sua segurança e a sua colocação em lugar condigno, na esfera internacional. (...) (...) a elevação da renda a um nível suficiente para atender aos imperativos da nacionalidade, tem que ser constituída pela industrialização. (...) (SIMONSEN, 1978, p. 33, 34, 36). 21 O papel do planejamento seria então de provocar uma “verdadeira revolução econômica”, elevando a renda nacional á um nível suficiente, tamanha a disparidade com os países economicamente bem sucedidos. Porém para Gudin, o cálculo feito pelo Ministério do Trabalho, a pedido de Simonsen, era errôneo. Portanto não poderia ser considerado como argumento favorável ao planejamento. O maior erro (...) do cálculo feito pelo Ministério do Trabalho está em que ele inclui na renda nacional o valor das mercadorias importadas do estrangeiro (que são renda nacional dos países que as exportaram e não nossa) e subtrai o valor das mercadorias que exportamos (!) (que são legitimamente renda nacional brasileira) (GUDIN, 1978, p. 59). Além disso, ele acreditava que o meio mais rápido de enriquecer a nação era dar aos indivíduos plena liberdade econômica, baseado no pensamento de Smith, que o bem individual levava ao bem comum, favorecendo o equilíbrio das forças de mercado. É justamente na escola clássica que Gudin buscava embasar seus conhecimentos, quando adota o conceito de capitalismo como regime natural, equilibrado e racional de produção. Já para Simonsen, no cenário moderno do século XX, o egoísta homo economicus é substituído pelo moderno “homem social” que prioriza os interesses coletivos ao invés dos seus interesses particulares, contribuindo para o surgimento do intervencionismo (LOPES, 2011, p. 41). Historicamente, segundo Lopes (2011, p. 31), o primeiro indício de planejamento no Brasil se dá pela associação do país aos Aliados na Segunda Guerra Mundial, onde os Estados Unidos tentam formar um bloco hegemônico. Com a Missão Cooke, os americanos tentam implantar o controle estatal como forma de moldar a economia brasileira de acordo com a lógica da guerra. Como “forma de recompensa”, o governo Vargas obteve o financiamento externo e a tecnologia para a construção da Usina de Volta Redonda, que era considerada estratégica para o progresso econômico nacional. Contudo o projeto de desenvolvimento mais autônomo ficara mais distante. Com o findar da guerra, o governo Roosevelt adota o emprego do livre comércio e da livre circulação de capitais para a América Latina, a fim de proteger seus investimentos externos contra ações nacionalistas destes países. Portanto a industrialização só era aprovada se fosse capaz de perdurar sem proteção alfandegária, aspecto que foi acatado 22 pelo governo brasileiro como forma de se mostrar um aliado confiável dos norteamericanos. Comparando o processo de planejamento da economia no centro e na periferia, Lopes (2011, p. 23) conclui que nos países desenvolvidos é a base assalariada que clama por mudanças nesse sentido, enquanto que nos países não industrializados é a burguesia “desenvolvimentista” que assume esse papel. No Brasil, por exemplo, “o conflito gira entre frações da classe dominante e apenas indiretamente envolve a base, visto que a classe trabalhadora não está completamente formada como assalariada sob a maquinaria”. A disputa brasileira entre Simonsen e Gudin é ideologicamente invertida em contraposição com a vivida na Inglaterra em meados do século XIX. Enquanto lá os protecionistas eram representados pelos proprietários de terra e os liberais pelos burgueses manufatureiros, aqui ocorre o contrário, os adeptos do livre mercado eram os exportadores de produto primários e os aderentes da intervenção estatal eram os proprietários de capital na indústria. À medida que o Brasil se transforma de agroexportador para industrializado, as relações de produção também sofrem mutações. A classe trabalhadora passa a se desenvolver como assalariados dentro da grande indústria. A partir daí a massa passa a defender politicamente a industrialização do país. Como na época o processo industrializante era pregado via ação direta do Estado, a corrente intervencionista era uma forte ameaça para o ideal liberal. Por esse motivo, na visão de Loureiro (1992, p. 18), o que realmente incomodava Gudin, era que os estruturalistas (incluindo Simonsen e os cepalinos) poderiam ameaçar a sua hegemonia na divulgação dos pensamentos econômicos neoclássicos. Por isso Simonsen o acusa de usar seu relatório como uma forma de atrair popularidade em pleno surgimento da campanha democrática no país. Percebendo esse movimento, e também como forma de manter o apoio da burguesia industrial, Vargas aproximava-se das ideias de Simonsen. Pois buscava manter a transição do regime sob seu controle com a defesa de uma política industrializante (CORSI, 2008, p. Apesar de todos os esforços para o desenvolvimento industrial, Vargas não conseguiu garantir um crescimento qualitativo deste setor. 23 4. O protecionismo no debate De acordo com Lopes (2011, p. 24), durante a República Velha, na virada do século XIX para o XX, já havia um crescimento da influência estatal sobre o funcionamento do mercado, por exemplo, nas constituições nacionais. Porém as primeiras iniciativas do Estado como coordenador das atividades produtivas no Brasil se dá nos anos 1940. Neste cenário, Simonsen propõe um projeto industrializante de cunho nacional e o protecionismo como uma maneira de defender a nação (pois para ele, os mecanismos de mercado eram insuficientes e nocivos ao projeto), principalmente a indústria nascente, que poderia ser devorada por uma forte concorrência de produtos importados, com preços menores. Desta maneira, teria de haver uma reforma nas normas de política comercial. Já Gudin, baseado na teoria das vantagens comparativas critica a ideia de Simonsen de que a industrialização é essencial para o processo de desenvolvimento e, portanto é necessário protegê-la, pois o país deveria potencializar sua agricultura que é a atividade econômica que ele produz vantajosamente. Precisamos é de aumentar nossa produtividade agrícola, em vez de menosprezar a única atividade econômica em que demonstramos capacidade para produzir vantajosamente, isto é, capacidade para exportar. E se continuarmos a expandir indústrias que só podem viver sob a proteção das “pesadas” tarifas aduaneiras e do cambio cadente, continuaremos a ser um país de pobreza (GUDIN, 1978, p. 116). E ainda aponta que não há no país capacidade técnica qualificada para desenvolver nosso polo industrial, então não podemos seguir os exemplos de Estados Unidos e Inglaterra, que progrediram suas fábricas por suas próprias mãos. Por outro lado o industrialista propõe a importação de técnicos estrangeiros para potencializar o seu projeto. Segundo Curi (2012, p. 14), Simonsen alegava que as importações deveriam ser controladas por meio de uma política consciente do governo, de modo a garantir o fornecimento dos insumos necessários à indústria nacional. Ele apoiava um impulso à indústria que se instalava, por meio de uma política deliberada de substituição de importações. Atendendo a essa reivindicação da burguesia industrial a procura de mais apoio, Vargas aprova, em janeiro de 1945, uma portaria que estabelecia um rígido 24 controle de importações, que seriam autorizadas apenas via licenciamento, baseado em critérios de essencialidade. O objetivo seria de salvar as reservas acumuladas durante a guerra e empregá-las no reaparelhamento da indústria. Medida essa que gera o descontentamento dos Estados Unidos, contrario a proteção da indústria nacional. Segundo Corsi (2008, p. 81): “a política aduaneira evoluiu de uma política de caráter eminentemente fiscal para uma política claramente industrializante”. Para Gudin, o Estado não deveria intervir, porque desviaria a economia do equilíbrio alocativo eficiente. Não cabe a economia elevar um país à posição de grande nação industrializada, como queria Simonsen por meio da planificação. A inserção e o grau de desenvolvimento de um país dependeriam de sua dotação de fatores e da possibilidade de alocá-los com grau elevado de produtividade. O papel do governo seria apenas criar medidas legislativas e administrativas para proporcionar e facilitar o progresso do país. Utiliza-se de um provérbio inglês para explicitar que a função do Estado é: “a de estabelecer as regras do jogo, mas não a de jogar” (GUDIN, 1978, p. 84). Gudin era contra esse regime de licenças prévias, acusando-o de servir apenas de mecanismo para inibir a concorrência com as indústrias já instaladas, e não como forma de prevenir contra o dumping, como divulgado oficialmente. Criticava ainda o “espírito mercantilista” adotado no Brasil, no qual acreditava-se erroneamente que se deveria exportar muito e importar pouco, quanto que na realidade ocorreria o contrário, só exporta muito quem importa muito. O que deveria ser levado em consideração no Comércio Internacional era a “relação de trocas” (RODRIGUES, 2012, p. 14). Segundo Gudin, o protecionismo aduaneiro reduzia o estímulo à produtividade, as tarifas exageradamente elevadas geram lucros excessivos e situações monopolitas desincentivando o empresário a investir em bens de capital, em maior especialização técnica, em pesquisas para alcançar novos produtos. E o prejuízo acaba recaindo em cima do consumidor brasileiro, que se vê obrigado a pagar caro por um produto de qualidade inferior ao estrangeiro. Para basear sua ideia, utiliza-se de uma frase de Taussig (1929, p. 548): “O protecionismo tende a restringir a divisão geográfica do trabalho e a dirigir as atividades industriais para aplicações menos vantajosas. Em regra, ele faz baixar a produtividade, a prosperidade e os salários”. Concluindo assim que o intervencionismo subdesenvolvimento. era o real culpado do nosso 25 Dessa forma ele se defende afirmando que não é contra a indústria em si, mas sim contra o excesso de protecionismo disponibilizado para ela. Portanto o que o Brasil precisa não é investir em planificação, mas sim em produtividade, e não somente na indústria, mas em todas as atividades econômicas. Para ilustrar seu pensamento, cita o exemplo dos Estados Unidos, afirmando que o que realmente o fez desenvolver-se foi sua alta produtividade técnica, e não seu protecionismo aduaneiro (GUDIN, 1978, p. 128). O que falta no país é capital, um elemento essencial para potencializar a riqueza da nação. E a única maneira de formá-lo é poupando o lucro para investir em modernização do maquinário. Pois a produtividade nacional depende disso, quanto melhor o aparelhamento por trás do operário, melhor seu resultados. Desse modo, devemos investir na formação de capital para que possamos tornar produtivos. Então buscando a maior produtividade, ele argumenta a favor da privatização das empresas estatais ao invés de ampliar o campo industrial do governo, que já é grande, contando com empresas de estradas de ferro, navegação, siderurgia, indústria militar, sem contar nos institutos que comandam os preços e quantidades de vários ramos da nossa produção agrícola. Em vez de o Estado investir em empresas controladas por si, ele pode incentivar e impulsionar a iniciativa privada, através de redução ou até mesmo isenção de deveres aduaneiros, isenção de imposto de renda sobre os lucros reinvestidos na própria empresa, ou até mesmo a concessão de melhores taxas de juros para o empresário. Outro ponto atacado por Gudin é a participação das indústrias brasileiras no mercado internacional, considerada por ele como pífia. Portanto, de maneira alguma se justifica a necessidade de proteção a elas. Simonsen rebate alegando que a política imperialista dos países mais poderosos e o baixo custo da mão de obra asiática que reduzem a nossa parcela no mercado mundial. Simonsen intensifica sua defesa ao protecionismo a partir da crise de 1929, que afetou fortemente o Brasil e sua economia apoiada em uma quase monocultura de café e dependente da exportação desse produto. Com isso as barreiras protecionistas traria uma grande liberdade de produção dentro do país, deixando de estar voltado apenas para o setor cafeeiro, além de contribuir para o fisco e empregar boa parte da população nacional (SIMONSEN, 1932, p. 14). 26 Quanto a isso Gudin se defende afirmando que as crises no sistema liberal, inclusive a de 1929, eram de origens exógenas, por causa da Guerra de 1914, e principalmente pela inexperiência dos Estados Unidos em assumir o papel de regente da economia mundial. As melhores épocas que a humanidade experimentou em nível de liberdade e conforto foram, segundo ele, no período do liberalismo clássico, portanto não se pode descartá-lo em troca dos princípios contidos na planificação. Porém para Lopes (2011, p. 37, 38) essa fase só foi possível devido à intervenção do governo para consolidar o centro de acumulação primitiva durante o mercantilismo. Complementando que o liberalismo pleno nunca existiu na prática, de uma forma ou de outra, sempre houve uma interferência governamental sobre o mercado. Compartilhando dessa mesma ideia, Simonsen também afirma que os países desenvolvidos, que hoje pregam as práticas liberais para se beneficiarem, se utilizaram de medidas protecionistas para se desenvolverem: As tarifas protecionistas adotadas por mais de 120 anos nos Estados Unidos nada mais foram do que um instrumento de planejamento, almejando a larga intensificação da sua grandeza, transformando-o, durante o século XXI, de país agrícola em potencial industrial (...) (...) A Inglaterra, que foi campeã do liberalismo no comercio internacional, só o adotou depois de ter sua indústria montada e em condições de absoluta superioridade, precisando, além disso, viver dos seus navios e dos seus entrepostos comerciais. Nenhum país ergueu um sistema industrial sem proteção (SIMONSEN, 1978, p. 182, 193, 194). Com essa base histórica, ele conclui que o protecionismo é a melhor maneira dos países pobres se enriquecerem. Se persistirem no liberalismo vão ficar cada vez mais dependentes daqueles desenvolvidos, e não atingirão sua industrialização. Sendo assim, afirma que o intervencionismo surge com o objetivo de evitar injustiças sociais, crises e guerras, permitindo ao Estado o direito de prevenir, através do planejamento adequado, a demanda da população. Outro fator apontado por Simonsen como favorável ao protecionismo industrial é o falso enriquecimento de vários países latino americanos durante a guerra, apontado no estudo de Howard, técnico da Comissão de Fomento Interamericano. Já que os superávits da balança comercial apresentados por eles nesse período foram causados pelo aumento dos preços dos produtos exportados, e não por causa dos seus desenvolvimentos industriais. No entanto essa situação iria reverter-se ao fim da guerra. 27 Por isso Simonsen julga imprescindível que o governo brasileiro adote um planejamento e uma política protecionista para reequipar o país após a Segunda Guerra Mundial. Quanto ao capital estrangeiro, Simonsen alega que sua entrada deve ser comedida para não aumentar a concorrência interna para as empresas nativas. Em relação a isso, Vargas o considerava como essencial para o desenvolvimento, desde que ele servisse ás leis e aos interesses nacionais, que significava o fomento da industrialização e a reversão do papel brasileiro na economia mundial como um mero exportador de produtos primários. Já Gudin apoiava a sua livre circulação dentro do país, em igualdade com o nacional, além de ser a favor do fim das restrições de remessa de lucros ao exterior. Em seu ponto de vista, o investimento internacional é imprescindível para o progresso do nosso parque industrial, e o Brasil tem ótimas oportunidades para atraí-lo, desde que não haja interferência governamental nas indústrias nacionais, dificultando a concorrência das empresas alienígenas. Ele chega até a afirmar que Simonsen está utilizando de seu posto de líder de uma associação industrial para atingir interesses particulares, tentando coibir a concorrência estrangeira (mais eficiente e mais bem aparelhada), restringir a produção e manter os preços. Fazendo uso de um falso “nacionalismo mercantilista”. A solução então seria a abertura do mercado às empresas estrangeiras, para que as nacionais possam modernizar seu maquinário e aumentar sua produtividade, sendo assim, somente aquelas ineficientes irão fracassar. Em sua opinião, o intervencionismo afasta o capital privado de investimentos industriais ou públicos, pois o governo não protege a propriedade como deveria, os tribunais trabalhistas sempre são a favor dos empregados, prejudicando a ordem e a disciplina dentro da empresa, o Estado se mostra antipático ao capital. Até mesmo nas empresas de capital misto, o Estado o espanta, pois este não confia na sua capacidade e eficiência administrativa, sendo que muitas das vezes o governo irá usar de seu poder na administração da empresa e na escolha de seus dirigentes, feita sob critérios políticos. Simonsen o rebate afirmando que a intervenção estatal na economia não afasta a iniciativa privada, eles não estão em lados opostos. Pelo contrário, ele disponibiliza a segurança necessária que ajuda o empreendimento particular a ser mais eficiente, ideia compartilhada por List. 28 Gudin considera o projeto de Simonsen como uma tendência para o socialismo. Além de acreditar que a planificação levaria o país a um regime totalitarista, no qual o governo teria o controle da produção e do consumo, gerando um capitalismo de Estado, algo não seguido pelas potências mundiais. Sendo assim os governantes brasileiros teriam que optar por continuar nesse caminho ou mudar para o da democracia e da economia liberal, respeitando o capital e privatizando as empresas em poder do Estado, já que, segundo ele, não há um regime que seja intermediário entre essas duas vertentes. Lopes (2011, p. 36) afirma que essa manobra do liberal foi uma tentativa de quebrar o apoio que Simonsen vinha recebendo da massa popular, e consequentemente do governo, uma maneira de desfazer a sustentação democrática que o planejamento vinha obtendo. Simonsen contesta a afirmação de Gudin dizendo que o planejamento é uma técnica e não uma forma de governo, portanto seria um erro associá-lo á práticas antidemocráticas, pois ele se tornou a técnica de maior importância, a mais eficiente na resolução dos complexos problemas surgidos de ordem, social, econômica e tecnológica. Portanto, não se trata de escolher entre adotar o intervencionismo ou não, mas sim entre aplicar a sua forma boa ou ruim. O que devemos aperfeiçoar é a execução do plano, selecionando as pessoas que realmente são capazes para o cargo, melhorando o acesso às informações econômicas, geográficas, sociais e técnicas, para assim termos uma maior noção do tamanho dos problemas da nação. Sendo assim não se faz necessário escolher entre capitalismo e socialismo. Ele ainda se defende argumentando que se a planificação levar-nos para o caminho do totalitarismo, adotando regimes de trabalho forçado, anulando liberdades fundamentais e exterminando a população em guerras é melhor não progredir. Para Lopes (2011, p. 44), o que realmente esta por trás deste debate é que o industrial crê na harmonia entre liberdade econômica e livre iniciativa com planejamento, já o liberal é de opinião oposta, que o sistema livre de trocas não pode conviver com a intervenção estatal na economia. 5. A flexibilização dos pensamentos Até aqui podemos perceber a posição de cada um dos economistas do nosso estudo. Roberto Simonsen, zelador dos interesses industriais, e defendendo um maior 29 intervencionismo estatal na economia, e Eugenio Gudin, propagador da escola liberal, argumentando a favor do livre mercado e da agricultura como vantagem comparativa do país, portanto contra o protecionismo para a indústria nacional. Mas será que eles mantém suas posturas a todo o momento, caracterizando uma dicotomia entre eles? A seguir iremos apresentar alguns pontos do debate nos quais ambos os lados expressam uma flexibilização de seus pensamentos, fazendo concessões para cenários específicos. Na tentativa de explicar que seu projeto também está preocupado com a iniciativa privada, Simonsen propõe uma delimitação da interferência do governo para que esta não seja prejudicial. O grau de intervencionismo do Estado deveria ser estudado com as várias entidades de classe para que, dentro do preceito constitucional, fosse utilizada, ao máximo, a iniciativa privada e não se prejudicassem as atividades já em funcionamento no país, com a instalação de novas iniciativas concorrentes (SIMONSEN, 1978, p. 36). Gudin reconhece que em uma economia de guerra a interferência governamental se torna bem vinda, principalmente na produção de bens prioritários, porém o erro está quando este cenário permanece no pós-guerra. Em casos de grave comoção econômica, como a que atingiu o mundo ocidental em 1930 e que foi produto da primeira Guerra Mundial e dos graves erros econômicos e políticos que se seguiram, é claro que o Estado não pode ficar indiferente, como Roosevelt não ficou em 1933. O perigo está em se querer prosseguir o regime econômico de emergência, ditado por circunstâncias excepcionais, da mesma forma que em matéria política governos procuram, não raro, prorrogar o estado de sitio mesmo depois de cessadas as justas que o motivaram (GUDIN, 1978, p. 228). Também faz uso das ideias de List ao concordar com o protecionismo para a indústria nascente, porém com limites, pois se não havê-los estas nunca irão querer crescer e tornar-se independentes. O único argumento em favor do protecionismo aduaneiro é o de que ele é necessário para dar às indústrias nascentes do país o tempo indispensável para adquirirem a experiência e se familiarizarem com a técnica de uma produção nova. (...) Vinte cinco a trinta anos era o prazo que List indicava como suficiente para o amparo a qualquer indústria nacional (GUDIN, 1978, p. 107). 30 Ele até defende que o Estado ampare aquelas indústrias que merecem proteção, que incentive a formação de novas empresas concedendo favores como facilitação das taxas de juros, mas que não participe diretamente da produção. O mesmo deve ser feito com a agricultura, ou qualquer outro setor (GUDIN, 1978, p. 227, 228). A respeito das taxas cambiais, Gudin aponta que estas estão causando um efeito contrário na economia brasileira, em vez de proteger a mercadoria nacional com uma queda na taxa, o que está havendo é a elevação do câmbio acima da paridade do poder de compra e consequentemente o favorecimento ao produto estrangeiro. Porém simultaneamente acusa os excessos de protecionismo que a indústria nacional vem recebendo. O que o leva a uma contradição. Portanto podemos perceber através destas passagens que ambos os lados aparentam momentos de menor rigidez quanto ao seu ponto de vista, tanto Simonsen aceita a redução da intervenção em favor da iniciativa privada, quanto Gudin apoia o protecionismo em certas situações da economia. Considerações Finais O debate pioneiro entre Eugenio Gudin e Roberto Simonsen está constituído em torno de uma questão teórico-ideológica, e não técnica. Sobre como devem ser tratadas as esferas pública e privada no progresso da economia brasileira. Porém ambos os lados convergem para este mesmo objetivo, o desenvolvimento nacional. Segundo Lopes (2011, p. 46), conforme a evolução do modo de produção, o planejamento se torna mais presente nas economias, impossibilitando o liberalismo total, surgindo um debate político com os seus defensores. Assim se dá a controvérsia que estudamos. Cita Hobsbawn ([1987] 2008, p. 27) para concluir que: “não há como voltar ao mundo da sociedade liberal burguesa”. Numa analise histórica, posteriormente surgirá o Plano de Metas que seria uma tentativa de unir esses dois lados, no qual o eixo central é a livre iniciativa, porém o Estado não pode ser um mero expectador e deve agir em parceria com a esfera privada. Portanto o governo assume-se como um incentivador da economia e não como o seu controlador. O que podemos acrescentar com este estudo é que nenhuma das partes defende seu posicionamento radicalmente, há momentos de exceções nos quais tanto a redução do intervencionismo quanto a necessidade de protecionismo são aceitos pelos 31 seus opositores. Portanto podemos definir que Simonsen e Gudin estão sim em lados adversos, mas não a todo momento, portanto não podemos afirmar que há, simplesmente, uma dicotomia entre eles, pois em certos cenários econômicos eles são flexíveis e aceitam moderadamente o pensamento proposto pela outra parte. Quanto ao resultado do debate não podemos indicar um vencedor ou perdedor, cada um deu a sua contribuição. Eugênio Gudin estava mais bem preparado teoricamente, dominando melhor os conceitos econômicos do que seu oponente. Mas do ponto de vista histórico, Roberto Simonsen sobressaiu-se, pois o país adotou uma forte política desenvolvimentista industrializante, iniciada em 1930 e vigente até 1980, caracterizada pelo fortalecimento do mercado interno e substituição das importações. Porém Gudin também teve sua participação histórica, como diz Belluzzo (2001, p. 35): “o governo FHC recusa-se a admitir que tenha seguido, 50 anos depois, as recomendações de Eugenio Gudin, mas foi o que fez”. Portanto cada um dos nossos personagens deu sua contribuição e participaram ativamente do processo de industrialização brasileira. Referências Bibliográficas ABREU, Alzira (Org). Dicionário histórico-biográfico brasileiro pós-1930. Rio de Janeiro: Editora FGV; CPDOC, 2001. ABREU, Marcelo de Paiva. Contribuições de Eugenio Gudin ao Pensamento Econômico Brasileiro, in Literatura Econômica n. 6. 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