Pós-Modernidade - Antroposmoderno

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Pós-Modernidade
Ciro Marcondes Filho
Fonte: http://www.eca.usp.br/
O termo “pós-moderno” tem suas limitações.
Apresentado às ciências humanas como uma inovação
interessante no sentido de substituir velhos e
ultrapassados paradigmas, a nova visão da sociedade
introduzida por ele teve a vantagem de nos fazer sair
definitivamente da modernidade e considerá-la,
efetivamente, página virada da cultura ocidental.
O paradigma pós-moderno ocupou o lugar de um marxismo
desgastado e desacreditado, transcendeu os limites do
estruturalismo e da semiologia, deu uma resposta
interessante às novas formas de organização da
política, da estética, da ciência e da literatura.
Foi o arejamento necessário para que se pudesse
pensar o final do século 20 sem os vícios iluministas
de sujeitos históricos, visões de totalidade,
programas e projetos, compromissos de arte, da
literatura e do agir. Ao mesmo tempo, integrou as
novas tecnologias no discurso do presente, avaliandoa ora crítica ora entusiasticamente. Assim optaram
por ele ex ou neomarxistas (D.Harvey), pósestruturalistas (J. Derrida, J.-F. Lyotard), críticos
de tradição nietzscheana dos mais diversos (G.
Vattimo, J. Baudrillard), além de uma gama de
sociólogos de modelo clássico (M. Maffesoli, G.
Lipovetsky) e pensadores ditos “de direita”.
Não obstante, o pós-moderno tem um defeito congênito:
nasceu com uma herança genética traiçoeira, oriunda
de sua própria ascendência moderna. O conceito não
conseguiu livrar-se da sombra da modernidade que
sempre o ofuscou. Apesar de se propor a refutá-la, o
pós-moderno jamais deixou de ser seu filho temporão e
rebelde, rechaçando a mãe mas reapresentando
invertidamente, em sua repulsa, as mesmas questões da
modernidade. Em suma, estávamos ainda em torno dos
mesmos e desgastados temas. Por isso estamos saindo
em busca de um novo procedimento metodológico. Ludwig
Wittgenstein, citado por Teixeira Coelho, acredita
que seja preciso a constante mudança das formas de
pensar e que a dificuldade está no fato de jamais
conseguirmos ver o que está diante de nossos olhos.
Propõe-se assim uma nova leitura do termo
“hermenêutica”, não mais como atingimento de uma
verdade, de um sentido, de uma razão escondida por
trás da aparência dos fenômenos, como pressupunha a
filosofia idealista. É preciso abordar o fenômeno,
tentar compreendê-lo não da forma analítica,
dissecando-o em partes, implodindo sua organização
interna.
Jean Baudrillard, em notável proposição de seu
teorema da parte maldita, sugere a forma de nos
aproximarmos dos objetos: eles estão aí,
imprevisíveis; a nós restaria simplesmente assestar o
projetor, manter a abertura telescópica e esperar que
alguns desses acontecimentos façam a gentileza de se
deixar apanhar. Diz ele que para captar esses
acontecimentos estranhos é preciso refazer da própria
teoria uma coisa estranha: a teoria do crime perfeito
ou um atrator estranho.
Dar autonomia ao objeto, subtraí-lo de nossa obsessão
de dominá-lo, deixá-lo simplesmente “ser” podem ser
um ponto de partida para uma nova ciência. Aquela que
reconhece o objeto como inatingível, inseparável de
si, inacessível à análise; mas também versátil,
reversível, irônico, como diz o pensador francês.
Isso implica uma mudança do papel do intelectual, do
explicador. Deixa-se as coisas serem o que elas são e
livra-se de um monopólio do saber, da tirania do
possuidor da verdade, da supremacia de um código. Por
que afinal precisamos de alguém que nos conduza pela
mão ao reino do conhecimento? Nosso convidado disse
que nas décadas anteriores teríamos sido “adestrados”
no sentido de nossa consciência ter sido como que
pavlovianamente formada numa certa direção e não em
outra. A lavagem cerebral teria se dado de maneira
“esclarecida” e criado pessoas que olhavam e não
viam, pensavam por oposições sistemáticas, dentro de
esquemas e modelos prontos e fáceis, buscando sempre
conteúdos encobertos, jamais considerando puras
formas.
Talvez esteja aí a questão. A pós-modernidade nos
alertou para o morto que disfarçadamente habitava
nossos ambientes, declarando publicamente sua farsa.
Ela não queria ter nada a ver com a modernidade e
voltava seus olhos para uma nova maneira de ver o
mundo. Mas essa proposta decretou, de igual forma,
também seu próprio desaparecimento.
Com o fim da pós-modernidade podemos enfim acordar do
sonho secular e refazer tudo aquilo que o pensamento
dominador em nós embutido deturpou, mistificou,
estrangulou.
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