QUINTA CÂMARA CÍVEL Apelação Cível nº 0362045

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QUINTA CÂMARA CÍVEL
Apelação Cível nº 0362045-42.2012.8.19.0001
Relator: DES. HENRIQUE CARLOS DE ANDRADE FIGUEIRA
ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO
ESTADO. AÇÃO DE COBRANÇA. TRATAMENTO
MÉDICO PRESTADO EM HOSPITAL PARTICULAR.
Ação de cobrança das despesas médicas despendidas pelo
Autor no tratamento de paciente considerando decisão
judicial irrecorrida que condenou os Réus a internarem o
paciente ou suportarem as despesas com internação em
hospital particular.
Os entes públicos têm o dever constitucional e legal de
prestarem assistência à saúde da população, sendo de todo
impertinente transferir esta obrigação a terceiro.
Se o tratamento médico prestado pela entidade privada
deriva de decisão judicial que imputa aos Réus o dever de
pagar as despesas médicas, subsiste a responsabilidade
destes no reembolso.
Ausência no caso dos autos de violação ao princípio da
separação dos Poderes, porque cabe ao Poder Judiciário, se
provocado, intervir diante de lesão ou ameaça ao direito à
dignidade da vida humana.
Impossível adotar os preços praticados pela tabela do SUS
porque não existe convênio celebrado pelas partes nem
prova nos autos quanto ao valor desses serviços.
A pessoa jurídica de direito público vencida na lide
responde pelas despesas processuais, inclusive taxa
judiciária, como dispõe o artigo 20 do Código de Processo
Civil.
Recursos desprovidos, confirmada a sentença em reexame
necessário.
A C Ó R D Ã O
HENRIQUE CARLOS DE ANDRADE FIGUEIRA:000009674 Assinado em 19/08/2014 17:10:09
Local: GAB. DES HENRIQUE CARLOS DE ANDRADE FIGUEIRA
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Vistos, relatados e discutidos estes autos da Apelação Cível nº
0362045-42.2012.8.19.0001, originários da 4ª Vara de Fazenda Pública da
Comarca da Capital, em que figuram como Apelantes ESTADO DO RIO DE
JANEIRO e MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO e Apelada CASA DE
SAÚDE SANTA THEREZINHA S.A.,
ACORDAM os Desembargadores da Quinta Câmara Cível do Tribunal
de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por unanimidade de votos, em negar
provimento aos recursos, nos termos do voto do Relator.
CASA DE SAÚDE SANTA THEREZINHA S.A. move ação de
cobrança contra ESTADO DO RIO DE JANEIRO e MUNICÍPIO DO RIO
DE JANEIRO porque prestou serviços médicos ao Sr. Luiz Gonzaga de Sá
Gonçalves entre os dias 20.4.11 e 23.4.12 em razão de tutela antecipada
deferida em plantão judiciário (processo nº 0161483-17.2012.8.19.0001) que
determinou aos Réus removerem o paciente em CTI móvel para hospital da
rede pública ou mantê-lo no nosocômio Autor às expensas do Poder Público
se inviável a remoção. A Autora assumiu os custos do tratamento médico ao
paciente, mas os Réus se recusam a pagar, certo que a pretensão não se
condiciona à confirmação da tutela, tendo em vista que o serviço foi prestado
conforme comando judicial. Pede a condenação dos Réus a pagarem a quantia
de R$15.340,91 (quinze mil trezentos e quarenta reais e noventa e um
centavos).
A contestação do 1º Réu nega a responsabilidade pelo pagamento e
afirma a falta de prova da prestação do serviço, o que retira a força probatória
da fatura junta aos autos. Impugna o valor do tratamento médico e afirma o
termo inicial dos juros de mora a partir da citação, na forma da Lei 9.494/97.
O 2º Réu afirma na contestação de fls. 88/96 (pasta 92) a ausência de
responsabilidade do Município pelas despesas médicas de paciente em
hospital da rede privada, pena de beneficiar um cidadão em detrimento da
coletividade. Alega violação ao princípio da isonomia, reserva do possível e
separação dos poderes. Impugna o crédito, não comprovado. Eventual
condenação deve ter como parâmetro a Tabela do SUS e não os valores
fixados unilateralmente pelo hospital particular. Os juros e a correção
monetária fluem da sentença.
A sentença de fls. 111/112 (pasta 114) julgou procedente o pedido.
Na apelação de fls. 113/121 (pasta 118) o 1º Réu reitera a ausência de
responsabilidade em arcar com as despesas médicas para tratamento do
paciente. Afirma que a Autora prestou atendimento ao doente antes mesmo da
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ordem judicial, motivo por que deve ela própria suportar o custo do
tratamento. A fatura não prova a prestação do serviço. Requer a reforma da
sentença para julgar improcedente o pedido ou excluir a condenação ao
pagamento da taxa judiciária.
Na apelação de fls. 122/132 (pasta 127) o 2º Réu nega a
responsabilidade em reembolsar as despesas da Autora e reitera a violação aos
princípios da isonomia, reserva do possível e separação dos poderes. No caso
de condenação, sustenta a aplicação da tabela do SUS, nos termos do artigo
22 da Lei 8.080/90. Impugna a condenação ao pagamento da taxa judiciária e
dos honorários de advogado. Requer a reforma da sentença para julgar
improcedentes os pedidos.
Contrarrazões da Autora a fls. 140/144 (pasta 145) pela manutenção da
sentença.
Manifestação do Ministério Público a fls. 156/158 (pasta 156).
É o relatório.
A Apelada persegue o valor despendido com o tratamento médico do
Sr. Luiz Gonzaga de Sá Gonçalves em vista da decisão judicial proferida nos
autos da ação de obrigação de fazer nº 0161483-17.2012.8.19.0001 proposta
contra os Apelantes que determinou a remoção do paciente para a rede
pública e acompanhamento médico ou a sua permanência no estabelecimento
da Apelada a expensas dos Apelantes (pastas 34/44 e 54/56).
Ao contrário do que sustentam os Apelantes, os documentos de fls.
24/31 (pastas 25/32) comprovam que a Apelada cumpriu regularmente a
obrigação imposta na decisão proferida na ação de obrigação de fazer, tendo
prestado serviço médico ao paciente entre 20.4.12 e 22.04.12, quando o
mesmo veio a óbito.
A questão posta nos autos diz respeito à obrigação de o Poder Público
ressarcir as despesas do particular em razão de decisão judicial, e não de
relação contratual como pretende o 1º Apelante. Portanto, sem razão o 1º
Apelante quanto à ausência de força probante das faturas apresentadas pela
Apelada por não se tratar de contrato de prestação de serviço com a
Administração Pública para o qual se aplicaria a Lei nº 8.666/93. A prova
documental demonstra a prestação dos serviços e em consequência legitima a
cobrança.
Nos termos dos artigos 23, 196 e 198 da Constituição Federal todos os
entes da Federação ostentam competência comum de zelar pela saúde pública
e em sede infraconstitucional a Lei nº 8.080/90 renova a obrigação em mais
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de um dispositivo quanto ao dever de as pessoas jurídicas de direito público
cuidarem da saúde da população.
O direito à saúde e o dever de o Estado prestá-la devem ser analisados à
luz do princípio da reserva do possível, a exigir que os pleitos deduzidos
contra os entes federativos sejam revestidos de razoabilidade e que existam
condições financeiras para serem atendidos.
A obrigação de o ente público prestar assistência à saúde da população
permite a participação complementar de instituições privadas através de
contratos e convênios, a fim de se estabelecer vínculo capaz de viabilizar a
cobrança do serviço pelo hospital particular.
Em tese, sem a formalização do contrato ou convênio não há a
obrigação do Poder Público em suportar despesas com tratamento médico fora
da rede pública de saúde.
Todavia, se a obrigação imposta aos Apelantes deriva de comando
judicial irrecorrido, impossível onerar a Apelada com o custeio do tratamento,
por isso tem esta direito ao reembolso das despesas médicas ainda que não
conveniada ao Sistema Único de Saúde, por ser daqueles a obrigação
constitucional de prestar assistência médica a todos os cidadãos.
O fato de a Apelada receber o paciente antes de determinada a remoção
ou assunção das despesas não exime os Apelantes da obrigação de pagar
porque deriva do comando judicial que impôs a eles suportarem as despesas
médicas se não receberem o paciente.
Não há violação ao princípio da separação dos Poderes porque cabe ao
Poder Judiciário se provocado, intervir diante de lesão ou ameaça ao direito à
dignidade da vida humana.
O tratamento médico fornecido pela Apelada a expensas dos Apelantes
por decisão judicial também não consubstancia invasão de competência do
Poder Judiciário na esfera privativa de atuação do Poder Executivo, pois em
sede judicial somente se reconhece o direito pela aplicação das normas ao
caso concreto.
O 2º Apelante sustenta excessivo o valor cobrado, porque supera em
muito os preços constantes na tabela do SUS. Não tem razão por dois
motivos. Primeiro pela impossibilidade de praticar os preços do convênio se
as partes não são conveniadas; segundo pela absoluta ausência de prova
quanto aos valores praticados com lastro na referida tabela.
Quanto à taxa judiciária, e neste ponto examinam-se ambos os recursos,
correta a sentença ao condenar os Apelantes. A pessoa jurídica de direito
público goza de isenção, de modo que a condenação somente é pertinente no
caso de reembolso ao vencedor. Como a Apelada recolheu o tributo, correta a
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condenação dos Apelantes ao reembolso porque ficaram vencidos na lide, nos
termos do artigo 20, do Código de Processo Civil.
Os honorários advocatícios foram corretamente fixados, considerando
os parâmetros do artigo 20, § 4º do Código de Processo Civil.
Nestes termos, nega-se provimento aos recursos, confirmada a sentença
em reexame necessário.
Rio de Janeiro, 19 de agosto de 2014.
Desembargador Henrique Carlos de Andrade Figueira
Relator
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