a igreja católica, as décadas de 50 e 60 e a perspectiva

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A IGREJA CATÓLICA, AS DÉCADAS DE 50 E 60 E A PERSPECTIVA POLÍTICOEDUCACIONAL DE ANÍSIO TEIXEIRA
Mauro Castilho Gonçalves
Unitau
6. Intelectuais, pensamento social e educação
Em setembro de 1958, a Conferência dos Religiosos do Brasil (C.R.B.), órgão ligado à
Igreja católica, lançou uma separata em sua revista periódica intitulada Educação segundo
Anísio Teixeira, a Filosofia e a Igreja. A iniciativa transformou-se num apelo público aos
católicos no sentido de alertá-los quanto às concepções filosófico-educacionais de Anísio
Teixeira.
Inspirada em algumas encíclicas papais, tais como a Rerum Novarum, de Leão XII, e
na Divini Illius Magistri, de Pio XI, a C.R.B. atacou algumas das principais obras de Anísio
Teixeira, dentre elas Educação não é privilégio, Educação para a democracia e Educação
progressiva. O documento apresentou a defesa da liberdade de ensino, o direito da família na
educação dos filhos e teceu violentas críticas ao “monopólio estatal do ensino”.
A pesquisa analisou as relações entre os posicionamentos de membros da hierarquia
católica brasileira, representados na C.R.B., e a propagação, nos Estados Unidos, durante a
década de 50, de idéias contrárias ao legado da educação pragmática consolidado na produção
bibliográfica de John Dewey e de outros autores.
Partindo dos pressupostos da chamada história intelectual e suas relações com as
transformações sócio-históricas, a presente investigação elegeu com objeto de estudo a Igreja
católica no Brasil, representada por um órgão específico (C.R.B.) e seu projeto de inserção
social e política, por intermédio da educação, especificamente durante a década de 50, período
em que a Igreja buscou novas estratégias de reatualização.
A história intelectual como campo teórico
parece visar dois pólos de análise: de um lado, o conjunto de funcionamento de
um sociedade intelectual (o “campo”, na versão de Pierre Bourdieu), isto é,
suas práticas, seu modo de ser, suas regras de legitimação, suas estratégias,
seus habitus; e de outro, as características de um momento histórico e
conjuntural que impõe formas de percepção e de apreciação, ou seja,
modalidades específicas de pensar e agir de uma comunidade intelectual
(SILVA, 1950, p. 16).
A Igreja católica, tomada como sociedade intelectual (“campo”, segundo a percepção
de Bourdieu), buscou estratégias de legitimação a partir da nova configuração política que
emergiu com a proclamação da república, no ano de 1889. Não foi diferente nas décadas
posteriores. No nosso caso, a década de 50 do século XX apresentou novas condições
objetivas, obrigando a intelectualidade e a hierarquia católicas buscarem formas de pensar e
agir que garantissem a influência daquela instituição, especialmente nos campos da educação e
da cultura.
Após a proclamação da República, a Igreja, desamparada das rédeas do Estado, partiu
em busca de um novo posicionamento político-social. No campo da educação, apoiou a vinda
de congregações religiosas estrangeiras que passaram atuar na formação intelectual e moral
dos herdeiros das elites econômicas, especialmente aquelas concentradas na região sudeste.
Tal projeto recebeu apoio incondicional das oligarquias estaduais preocupadas em consolidar
sua hegemonia.
No foi diferente no decorrer da década de 1920, quando promoveu um novo processo
aggiornamento, investindo na formação de novos quadros e lançando um periódico que obteve
grandes repercussões no mundo católico: a revista A Ordem. Intelectuais proeminentes, como
Gustavo Corção, Alceu de Amoroso Lima, Everardo Adolpho Backeuser, dentre outros,
lideraram, nos campos da cultura e da educação, uma grande investida da Igreja católica em
torno de um novo projeto de inserção política, religiosa e cultural.
Para tanto, foram viabilizados acordos com as novas forças emergentes lideradas por
Getulio Vargas, a partir de 1930. A questão da inclusão do ensino religioso nas escolas
públicas tornou-se pauta prioritária. Por outro lado, a revista A Ordem publicou, no decorrer
da década de 30, vários artigos de intelectuais católicos, embasados, principalmente, nos
ensinamentos da recém lançada encíclica de Pio XI, a Divini Illius Magistri.. O referido
periódico assumiu uma posição contrária à perspectiva escolanovista, defendida pelos
educadores liberais brasileiros no Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, lançado em
1932.
Em defesa de um projeto de racionalização da cultura, católicos proeminentes
disputaram espaços na arena político-ideológica, especialmente durantes as décadas de 30, 40
e 50 do século passado, como vimos. Para os católicos atuantes, a consolidação desse processo
deu-se, em certos aspectos, com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, aprovada em 1961.
Nesse sentido, apesar das críticas contundentes a Anísio Teixeira e suas idéias, a
C.R.B. não mediu esforços em anunciar a vocação da Igreja para o debate em torno das
questões científicas e filosóficas, defendendo sua inserção nesse novo universo de rápidas
transformações. Em outras palavras, além do conteúdo doutrinário, o documento Educação
segundo Anísio Teixeira, a Filosofia e a Igreja, lançado por aquele órgão, defendeu posições
racionalizadoras para operar no sentido oposto àquele atribuído a Anísio Teixeira.
O documento, logo na introdução, conclamou os leitores a refletirem os aspectos
positivos e negativos da filosofia educacional de Anísio Teixeira, a partir dos princípios
pedagógicos defendidos pela herança católica, especialmente aquela sistematizada nas
encíclicas papais e em outros documentos eclesiásticos:
É para proporcionar aos educadores cristãos e bem intencionados uma
fonte segura de informação a respeito da questão em torno de Anísio
Teixeira que foi elaborado o presente estudo. Encerra ele, além duma
análise das idéias de Anísio Teixeira, uma exposição clara e positiva
dos princípios educacionais cristãos. Do confronto entre os dois
sistemas pedagógicos se concluirá para os elementos aceitáveis e
condenáveis em Anísio Teixeira (C.R.B., 1958, p. 1).
A C.R.B., de forma didática, orientou quanto a maneira de utilizar o material,
aconselhando os leitores a encarar aquele conjunto de orientações de forma a privilegiar a
comparação entre as filosofias católica e aquela defendida por Anísio Teixeira, evitando “a
simples leitura ou a declamação perante auditórios” (C.R.B., 1958, p. 2). A idéia era divulgar
ao material entre os formadores de opinião, especialmente professores e outras lideranças
educacionais. Era a estratégia da Igreja no sentido de divulgar seu modo de ser, suas regras de
legitimação.
Cada um dos capítulos do documento foi organizado a partir da seguinte sistemática:
a) os princípios pedagógicos de Anísio Teixeira; b) os princípios da filosofia tradicional em
matéria de educação e c) a orientação educacional da Igreja.
No primeiro capítulo, a C.R.B. analisou o conceito de educação em Anísio Teixeira em
comparação à posição do magistério da Igreja. Para o órgão católico, a posição teórica de
Teixeira em relação à educação, esbarra na essencialidade transcendental da educação. Ela não
seria preparação para vida, mas um fim em si mesmo. Nesse sentido, a C.R.B. acusou o
pensador baiano de evolucionista, afirmando que a educação leva o homem a uma dupla vida,
a terrestre e a eterna, pois
educação é preparação para vida, tomada neste sentido completo. Só a
educação que leva o homem a atingir o fim supremo de sua existência.
Corresponde à verdadeira natureza e às aspirações mais profundas do
homem (C.R.B., 1958, p. 4).
A partir daí, o documento operou no sentido de apresentar os limites da teoria
educacional de Anísio Teixeira, acusando-a de ateísta, materialista, naturalista, cientificista,
positivista, relativista e evolucionista, limites filosóficos e teológicos, segundo a concepção
católica.
(...) Anísio Teixeira, sem negar a existência de Deus explicitamente,
exclui-o claramente de seu sistema educacional (...) Anísio Teixeira é
materialista manifesto. Não admite um destino ultra-terreno do homem
(...) Anísio Teixeira incide em declarado naturalismo (...) exige uma
moral experimental em substituição a princípios morais eternos (...)
Anísio
Teixeira
apregoa
a
validez
exclusiva
do
método
experimentação científica, tanto na ciência como na moral e na religião
(...) Pra ele não há verdades definitivas (C.R.B., 1958, p. 6; 8; 11; 13
e 15).
No último capítulo, a C.R.B. posicionou-se a favor da “liberdade de ensino”,
opondo-se ao controle estatal e apresentando a família como célula privilegiada da educação
das crianças e jovens. Teceu críticas ao modelo de escola integral e obrigatória, sistematizando
argumentações de natureza bíblico-teológicas, articuladas com a reflexão filosófica. Essa
dimensão foi tratada de maneira especial pelo documento em tela. Todas as argumentações
contrárias ao pensamento de Teixeira foram embasadas na filosofia clássica e medieval,
apresentadas à luz das principais encíclicas católicas.
Por fim, vale ressaltar que as conclusões expostas pelo documento partem
daquilo que a imprensa americana, à época, veiculava sobre a teoria de Dewey e as suas
repercussões no sistema de ensino dos Estados Unidos.
Parte da imprensa americana, em especial os periódicos Life e Times foram utilizados
pela C.R.B. para construir argumentações filosóficas e cientificas contra o legado pragmatista,
interpretado pelos editoriais e matérias das referidas revistas como superficial e generalista.
Segundo essa orientação, os resultados obtidos pelas escolas públicas americanas que
adotaram o esquema teórico-metodológico de Dewey fracassaram. O poder público federal, o
Congresso e parte da imprensa americana, no final da década de 50, manifestaram sua
“consternação, ao verificarem as deficiências clamorosas do método empregado nas escolas
públicas” e, ainda, “os fatos da crise escolar nos Estados Unidos estão todos plenamente à
vista”.
Esse era o debate educacional americano apresentado pela separata da revista da
C.R.B., lançada no Rio de Janeiro, no ano de 1958. A lógica que direcionou o discurso
católico evidenciado nesse documento baseou-se em argumentos clássicos atribuídos ao
escolanovismo incorporados por algumas lideranças educacionais do espectro liberal,
especialmente Anísio Teixeira.
Convidando uma equipe de intelectuais ligados à Filosofia e atenta às críticas ao
modelo escolanovista divulgadas nos EUA, a Igreja, no sentido de consolidar-se como
“campo”, por intermédio da C.R.B., não mediu esforços em inserir-se na disputa pelo seu
lugar, assumindo um discurso moderno, articulado com sua tradição filosófica e teológica,
cuja repercussão foi evidenciada pela sua inserção no debate em torno da LDB/61, legislação
que acabou por absorver, em alguns aspectos, as intenções programáticas da Igreja católica.
Referências bibliográficas
CONFERÊNCIA DOS RELIGIOSOS DO BRASIL (C.R.B.). Educação segundo Anísio
Teixeira, a Filosofia e a Igreja. Por uma equipe de professores e licenciados em Filosofia.
Separata da Revista da C.R.B., nº 39, set. de 1958.
SILVA, Helenice Rodrigues. A História Intelectual em questão. In: LOPES, Marcos Antonio
(Org.). Grandes nomes da história intelectual. São Paulo: Contexto, 2003.
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