Fı́sica do Estado Sólido Efeito de Hall nos metais Ag e W Trabalho prático no 3 2004-2005 Objectivos: Medir a constante de Hall na prata e no tungsténio. Material • placas de Ag e W • microvoltı́metro • 2 amperı́metros • electroı́man • teslı́metro e sonda magnética • 2 fontes de alimentação (2,5 A e 20 A) • fios de ligação 1 Introdução Em 1879, Edwin Hall, um estudante de doutoramento da Universidade de Johns Hopkins (EUA), descobriu que a aplicação de um campo magnético perpendicular a uma folha fina de ouro onde circulava uma corrente eléctrica gerava uma pequena tensão na direcção perpendicular à corrente e ao campo magnético. A tensão é proporcional à intensidade do campo magnético aplicado e à corrente eléctrica, sendo este fenómeno conhecido por efeito de Hall. Historicamente, as medidas do efeito de Hall contam-se entre as primeiros resultados experimentais que evidenciaram a incapacidade do modelo simples proposto por P. Drude em 1900 para explicar as propriedades de alguns metais comuns, como o Zn ou o Al. Este modelo do “gás de electrões livres” explicava com sucesso várias propriedades de muitos metais, mas não conseguia explicar alguns resultados “estranhos” do efeito de Hall. Em particular, a experiência mostrava que o sinal das cargas responsáveis pelo transporte da corrente eléctrica no Zn aparentava ser positivo e, no caso do Al, a tensão de Hall não dependia linearmente da intensidade do campo magnético aplicado e até mudava de sinal a partir de uma certo valor do campo. 2 TP3: Efeito de Hall nos metais Ag e W Para além do interesse histórico, o efeito de Hall é muito utilizado na medição de campos magnéticos. Minúsculos sensores de Hall, geralmente feitos de semicondutores como o GaAs, estão presentes em quase todos os instrumentos modernos para a medição ou monitorização de campos magnéticos, podendo atingir uma precisão melhor que 1% em campos magnéticos de moderada intensidade. Estes sensores também são usados numa mirı́ade de outros dispositivos tais como interruptores, actuadores e teclados. Estima-se que hoje em dia existam mais de 1 bilião de sensores de Hall instalados nos mais diversos equipamentos. O efeito de Hall voltou a ser um tema de investigação actual com a descoberta de vários efeitos quânticos. O primeiro foi o efeito de Hall quântico de carga inteira, cuja descoberta mereceu o prémio Nobel da Fı́sica a Klaus von Klitzing, da Universidade de Estugarda (Alemanha), em 1985. Klitzing mostrou que, ao contrário do efeito de Hall convencional — em que a tensão de Hall e a designada resistência de Hall são directamente proporcionais à intensidade do campo magnético aplicado — em determinados sistemas a tensão de Hall aumentava com o campo aplicado através de uma sucessão de degraus. Este efeito só se observa a temperaturas criogénicas e sob a acção de campos magnéticos muito intensos, em amostras semicondutoras onde um gás de electrões foi confinado entre dois planos (gás bidimensional). Curiosamente, os degraus não dependem das propriedades do material mas apenas da razão h/e2 , onde h é a constante de Planck e e a carga do electrão. Dois anos após a descoberta do primeiro efeito de Hall quântico, novas experiências mostraram a existência de um outro efeito, designado por efeito de Hall quântico fraccionário (Fig. 1). Por esta descoberta de que os electrões sob a acção de campos magnéticos muito intensos se podem comportar como novos tipos de partı́culas com cargas que são uma fracção da carga do electrão foi atribuı́do em 1998 o prémio Nobel da Fı́sica a Daniel C. Tsui, Horst L. Stormer e Robert B Laughlin (EUA). A fig. 2 ilustra a geometria de uma experiência de efeito de Hall. O aparecimento da tensão de Hall é facilmente explicado com base na acumulação de carga nas extremidades superior e inferior da placa, devida à força de Lorentz do campo magnético. Por sua vez, esta acumulação de carga cria um campo eléctrico transverso que balança a força de Lorentz e impede uma corrente efectiva segundo OY, após um curto transiente inicial que ocorre após se ligar o campo magnético. De acordo com o modelo de Drude, a força resultante que actua sobre as cargas móveis é mv , (1) F = q (E + v × B) − τ onde τ é o tempo de relaxação ou tempo médio entre colisões. Assim, a equação fundamental da dinâmica toma a forma, dv q v = (E + v × B) − , dt m τ (2) onde τ é o tempo de relaxação ou tempo médio entre colisões. Como o efeito de Hall é medido no regime estacionário, dv/dt = 0, pelo que as duas Fı́sica do Estado Sólido 3 Figura 1: Efeito de Hall quântico. A linha a cheio ao longo da diagonal é a curva dos resultados experimentais que mostram o efeito de Hall quantizado – notar os degraus. O primeiro degrau fraccionário descoberto por Störmer and Tsui corresponde à carga fraccionária 1/3. Os resultados foram obtidos em amostras de GaAs extremamente puras. y z x w + + + B VH d − − − I Figura 2: Efeito de Hall numa placa metálica fina. A figura ilustra a deflexão dos portadores de carga. O campo magnético aplicado é perpendicular às placas. No caso dos portadores de carga serem electrões, acumula-se carga negativa na placa de baixo e o campo de Hall aponta no sentido negativo de OY. 4 TP3: Efeito de Hall nos metais Ag e W componentes da velocidade (estacionária) das cargas são dadas pelas equações vx = qτ qBτ Ex + vy m m (3) e qBτ qτ Ey − vx (4) m m Na geometria da experiência de Hall é evidente que, no regime estacionário, não flui corrente na direcção y, pelo que vy = 0, o que permite obter de imediato vy = vx = qτ Ex m (5) e a seguinte relação entre as componentes transversa e longitudinal do campo eléctrico: Ey qBτ = . Ex m (6) A eq. 5 mostra que, no modelo de Drude, a resistividade do metal medida na direcção longitudinal não é alterada pela aplicação do campo magnético: Jx = qnvx = σ= nq 2 τ Ex = σEx , m 1 nq 2 τ = ρ m (7) (8) Combinando as equações 8 e 6, podemos escrever ainda Ey = qBτ qBτ Jx Jx B Ex = = . m m σ qn (9) Define-se a constante de Hall como RHall = Ey . Jx B (10) Para electrões, q = −e, pelo que a tensão de Hall é VH = E y d = IB −IBd = RHall , endw w (11) onde w é a espessura da placa. A constante de Hall é negativa e inversamente proporcional à concentração do gás de electrões livres no metal: RHall = − 1 ne (12) É ainda habitual definir-se a designada resistência de Hall, que é a (aparente) resistência transversa: VH B B RHall = = = RHall (13) I new w Fı́sica do Estado Sólido 5 É interessante verificar que, neste modelo, o produto da condutividade e da constante de Hall é independente da concentração electrónica e coincide com a mobilidade dos portadores de carga: eτ . (14) µ = |RHall σ| = m Assim, a medição simultânea da condutividade σ da amostra e da constante de Hall permite determinar a mobilidade dos portadores de carga (ou seja, medir o tempo de relaxação). 2 Precauções • A corrente máxima nas bobinas é de 2,5 A. • A corrente máxima na placa é de 15 A. Correntes superiores a 10 A não deverão circular durante mais de 10 s! • Tome todos os cuidados para não confundir a corrente na bobina com a corrente na placa. Uma distracção ou confusão na leitura dos dois amperı́metros poderá destruir o equipamento e causar um acidente grave no laboratório. • A tensão de Hall é da ordem de grandeza de alguns µV, pelo que a sua medição é delicada. Evite a introdução de ruı́do proveniente de maus contactos e interferências com outros aparelhos eléctricos isolando o microvoltı́metro. Durante as medições, verifique periodicamente a estabilidade do microvoltı́metro e se não houve deriva do zero da escala. • Desligue imediatamente as fontes de alimentação se suspeitar de sobreaquecimento dos fios de ligação ou da bobina (cheiro a queimado). 3 Execução • Efectue as ligações.Verifique com cuidado o circuito, em particular assegure-se que as duas bobinas estão ligadas em série com os enrolamentos na polaridade certa! • Em campo nulo, injecte na placa uma corrente eléctrica de 15 A. Utilize o potenciómetro embutido nas placas para compensar o erro de “offset” na tensão de Hall. Ajuste o microvoltı́metro por forma a que na escala de maior sensibilidade se obtenha um valor próximo de zero em campo nulo. A anulação de uma pequena tensão residual pode ser efectuada premindo o botão de compensação do microvoltı́metro. • Meça a tensão de Hall em função do campo magnético. Tenha em atenção que intensidades superiores a 2,5 A só poderão circular nas bobinas em intervalos de tempo não superiores a 10 s! 6 TP3: Efeito de Hall nos metais Ag e W • Obtenha agora um conjunto de valores a campo magnético constante (corrente nas bobinas de 2,5 A) em função da corrente que percorre a placa. Não exceder 15 A! 4 Análise dos dados Nota: a espessura das placas de Ag e W é w = 0, 05 mm. • Represente os gráficos VHall vs. I para B constante e VHall vs. B para I constante para os dois metais. As relações são lineares como previsto pelo modelo de Drude? • Determine a constante de Hall para a prata e para o tungsténio e estima a sua incerteza. Compare os seus resultados com valores experimentais recentes da literatura e comente a precisão e exactidão dos seus resultados. Como se comparam estes valores com os resultados previstos pelo modelo de Drude? • Utilize os seus resultados e medidas da condutividade eléctrica dos metais (da literatura) para calcular a mobilidade dos portadores de carga.