1 Anatomia e Fisiologia da Circulação Sanguínea Sangue O sangue pode ser considerado um tecido líquido, o qual circula pelo corpo impulsionado por uma bomba, o coração. Nosso sangue é responsável por 7 a 8% do peso do corpo, o que, em uma pessoa com 70 kg, equivale a aproximadamente 4,5 a 6 L de sangue. O sangue é constituído por plasma sanguíneo e células sanguíneas (eritrócitos, leucócitos e trombócitos) (Fig. 1.1). Os glóbulos vermelhos (eritrócitos) desenvolvem-se – como todas as outras células sanguíneas – a partir de células-tronco pluripotentes na medula óssea (Fig. 1.2). Os eritrócitos contêm hemoglobina, a qual transporta oxigênio. Eles não são capazes de movimentar-se espontaneamente; por essa razão precisam ser carregados pelo fluxo sanguíneo para oxigenar todos os tecidos do corpo. Os glóbulos brancos (leucócitos) incluem granulócitos (neutrófilos, basófilos e eosinófilos), linfócitos, plasmócitos e monócitos. Trombócitos são as chamadas plaquetas, que possuem um papel importante na coagulação do sangue. O plasma sanguíneo contém moléculas orgânicas e inorgânicas dissolvidas. As albuminas formam a maior parte das proteínas plasmáticas. Elas são sintetizadas no fígado e exercem o papel de transportadoras (p. ex., de hormônios). Como todas as proteínas plasmáticas, as albuminas são solúveis em água e, portanto, são responsáveis pela pressão coloidosmótica. Por sua vez, as imunoglobulinas (também chamadas de anticorpos) são a primeira linha de defesa molecular do sistema imune do corpo. Elas são liberadas no sangue por certos linfócitos, chamados de plasmócitos. Tanto o sangue como a linfa contêm fibrinogênios, os quais participam da coagulação. Alguns exemplos de substâncias orgânicas encontradas no sangue são: lipídeos, lipoproteínas, hormônios, vitaminas, aminoácidos e pigmentos biliares. (“Substâncias orgânicas” é o nome atribuído coletivamente a todas as moléculas que contém o átomo de carbono C, exceto o monóxido de carbono [CO] e o dióxido de carbono [CO2]). Exemplos de substâncias inorgânicas encontradas no sangue são: fosfato, iodo (I), ferro (Fe), potássio (K) e sódio (Na). A principal função do sangue é a de transporte. O oxigênio é transportado diretamente dos pulmões para todos os tecidos pelos glóbulos vermelhos (eritrócitos), enquanto o dióxido de carbono é transportado dos tecidos para os pulmões. As únicas estruturas excluídas dessa troca direta são as cartilagens das articulações, uma pequena seção da conexão entre o osso e o tendão, e as partes do disco intervertebral. Além disso, por ser um meio líquido, a corrente sanguínea transporta nutrientes dos intestinos para os tecidos, bem como carrega os resíduos metabólicos para os órgãos de excreção. Glóbulos vermelhos (eritrócitos) Os eritrócitos, que são células anucleadas, constituem 99% dos elementos do sangue. Sua função é transportar oxigênio, o qual se liga à hemoglobina, o pigmento ferroso da célula. Essas células são formadas na medula óssea e possuem um ciclo de vida de 120 dias, sendo destruídas no baço. Ao atingirem a maturidade, medem de 6 a 7 m, o que significa que possuem um diâmetro mais amplo que os capilares. Uma vez que não podem mover-se sozinhos, os eritrócitos devem ser flexíveis o suficiente para poderem ser empurrados ao longo dos capilares (Fig. 1.3). Glóbulos brancos (leucócitos) Os leucócitos não formam um grupo uniforme de células. Seus três principais grupos abrangem células distintas, tais como linfócitos, granulócitos e monócitos. Sangue 4,5 a 6 L Componentes celulares ±45% Eritrócitos Leucócitos 4,6 a 6,2 milhões/mm3 4.000– 4,2 a 5,4 milhões/mm3 9.000/mm3 Plasma ± 55% Trombócitos 18.000– 32.000/mm3 Água Proteínas 90% do plasma 8% do plasma Íons, glicose, enzimas, hormônios, creatinina, ureia 2% do plasma Figura 1.1 Componentes líquidos e sólidos do sangue. Wittlinger_Parte_A.indd 12 09/08/12 17:27 Sangue 13 Pluripotente (“capaz de fazer muitas coisas”) células-tronco da medula óssea Leucopoiese Mieloblasto Monoblasto Promielócito Monócito Linfócito Granulócito Eosinofílico Assistência na defesa imune Figura 1.2 Basofílico Trombopoiese Proeritroblasto Megacarioblasto Eritroblasto Megacariócito Reticulócito Neutrofílico Macrófago Defesa não específica Células B Células T Defesa específica Eritrócito Trombócitos Transporte de O2 Coagulação do sangue Árvore genealógica das células sanguíneas. Q 46 Fluxo de eritrócitos Plasma Diâmetro do lúmen capilar: aprox. 5 m Células endoteliais Figura 1.3 Deformação dos glóbulos vermelhos ao passarem pelos capilares. Os granulócitos, que são células de defesa não específicas, constituem 60% dos leucócitos e são divididos em três grupos (Fig. 1.4): • Granulócitos neutrofílicos (95%) • Granulócitos eosinofílicos (3%) • Granulócitos basofílicos (2%) Com um diâmetro de 10 a 17 m, os granulócitos são consideravelmente maiores que os eritrócitos. Eles permanecem no sangue apenas por um curto período de tempo, Wittlinger_Parte_A.indd 13 Eritropoiese movendo-se para os tecidos, especialmente para as membranas mucosas, onde cumprem sua função protetora, destruindo as bactérias por meio da fagocitose. Aproximadamente 30% dos glóbulos brancos são linfócitos. Eles possuem entre 7 a 12 m de diâmetro, o que os coloca entre os eritrócitos e os granulócitos em tamanho. Apenas 4% dos linfócitos circulam no sangue, uma vez que a maioria encontra-se nos órgãos linfáticos: baço, timo, tecido linfático intestinal e linfonodos. Os linfócitos são divididos em dois grupos: linfócitos T, que são formados no timo, e linfócitos B, formados na medula óssea. Esses dois grupos possuem efeitos recíprocos. As células T auxiliares, ao serem sensibilizadas por um antígeno, podem estimular linfócitos B. Esses linfócitos B desenvolvem-se em plasmócitos, os quais se especializam na produção de anticorpos. Por sua vez, as células T supressoras inibem a resposta imune dos linfócitos B e de outras células T. Linfócitos B especializados são responsáveis pela memória antigênica do corpo. Q 39 Os linfócitos entram em contato com um antígeno no linfonodo. Esse contato os sensibiliza, fazendo com que se multipliquem. Após isso, eles deixam o linfonodo por meio dos vasos linfáticos eferentes, entram no sangue, ingressam nos tecidos e, então, retornam aos linfonodos. Os linfócitos passam a maior parte de seu tempo de vida nos linfonodos ou em outros tecidos linfáticos, e apenas horas (no máximo 24) no sangue. Q 11 09/08/12 17:27 14 1 Anatomia e Fisiologia da Circulação Sanguínea Figura 1.4 Granulócitos: neutrofílicos (a); eosinofílicos (b); basofílicos (c). Retículo endoplasmático Grânulos Núcleo manecem no sangue. Sua tarefa é controlar a coagulação do sangue e estancar lesões. Se o endotélio da parede vascular interna é danificado, as plaquetas formam um trombo no local da lesão. Os trombócitos contêm serotonina, que causa vasoconstrição, inibindo a perda de sangue dos vasos danificados e promovendo a hemostasia. Sistema cardiovascular Complexo de Golgi Mitocôndria Figura 1.5 Monócito. Os monócitos permanecem no sangue por alguns dias e partem de lá para os tecidos, onde residem como macrófagos por meses, ou mesmo anos. Por essa razão, são também chamados de histiócitos (do grego histion, rede, tecido). Eles possuem um papel não específico no sistema imune: realizam a fagocitose de resíduos celulares e de antígenos. São consideravelmente largos, de 12 a 20 m, e possuem uma intensa motilidade ameboide. (Fig. 1.5). Q 47 Plaquetas (trombócitos) Os trombócitos são células pequenas, chatas, arredondadas e anucleadas que possuem de 1 a 4 m de diâmetro. Seu tempo de vida varia entre 9 e 12 dias, durante os quais per- Wittlinger_Parte_A.indd 14 O sistema cardiovascular é formado pelo coração e pelos vasos sanguíneos. Esse sistema fornece oxigênio e nutrientes para todas as células do corpo, ao mesmo tempo em que remove os resíduos metabólicos, incluindo o dióxido de carbono e as substâncias excretadas por meio do sistema urinário. Na grande circulação ou circulação sistêmica, o sangue rico em oxigênio advindo dos pulmões é bombeado do ventrículo cardíaco esquerdo para aorta, artérias, arteríolas e, finalmente, capilares e periferia. Ao passar pelo sistema capilar, o sangue move-se do sistema arterial para o venoso. Da parte venosa dos capilares, passa para as vênulas e veias e, propelido por diversos mecanismos complementares, chega ao átrio direito do coração, ingressa no ventrículo direito e, finalmente, volta aos pulmões (Fig. 1.6). O bombeamento muscular, ativado por qualquer movimento do corpo, exerce pressão sobre as veias, particularmente nas extremidades inferiores. As valvas venosas conduzem o sangue na direção desejada. Além disso, a inspiração cria uma pressão negativa na cavidade torácica em relação à cavidade abdominal, produzindo uma sucção que atrai o sangue para o coração. A ação de bombeamento do lado direito do coração também exerce sucção na veia cava, atraindo o sangue nesse vaso para o coração. Nesse ponto, a circulação pulmonar, ou pequena circulação, inicia-se, e o ventrículo cardíaco direito bombeia o sangue para os pulmões. A troca de oxigênio ocorre nos al- 09/08/12 17:27 Sistema cardiovascular 15 Capilares Leito capilar pulmonar Veias pulmonares Artérias Artérias pulmonares Abertura do ducto linfático central Átrio esquerdo Veias Sistema de baixa pressão Sistema de alta pressão Grandes veias Veia cava superior Grandes artérias Lado Lado direito do esquerdo coração do coração Átrio direito Veia cava inferior Leito capilar hepático Pequenas artérias e arteríolas Ventrículo Ventrículo direito esquerdo Linfonodos Sistema de vasos linfáticos Vaso linfático inicial Leito capilar da grande circulação Figura 1.6 O sistema circulatório. véolos pulmonares, de forma análoga à troca observada no sistema capilar. Nesse caso, contudo, o dióxido de carbono (CO2) é liberado e o oxigênio (O2) é coletado. O oxigênio difunde-se nos eritrócitos, onde forma um composto com a hemoglobina, transformando-se em oxiemoglobina. O sangue move-se, então, dos pulmões de volta para o ventrículo cardíaco esquerdo, completando seu ciclo. Desse modo, as artérias providenciam o fluxo de sangue para os tecidos, enquanto as veias propiciam a volta do sangue em direção à veia cava (Fig. 1.7). A pressão sanguínea é relativamente alta nas artérias e diminui gradualmente nas ramificações do sistema (p. ex., a pressão na artéria braquial, onde geralmente é medida, varia em torno de 120-140/80-90 mmHg em um adulto saudável). Nos capilares, a pressão diminui para 30 mmHg pelos esfíncteres pré-capilares. Já no sistema venoso, a pressão varia entre 10-25 mmHg. Por fim, nas veias próximas ao coração, a pressão diminui para 2-4 mmHg. Mecanismos complexos regulam a pressão sanguínea, incluindo o sistema nervoso autônomo, os hormônios e até mesmo os íons. Entre as substâncias vasoativas encontram-se a histamina, a prostaglandina, a serotonina e a adrenalina. A troca de nutrientes celulares ocorre através das paredes dos capilares, onde o fluxo sanguíneo é mais lento. A Wittlinger_Parte_A.indd 15 Pequenas veias e vênulas Figura 1.7 culatório. Capilares Distribuição do volume de sangue no sistema cir- taxa de fluxo sanguíneo, a pressão sanguínea e o diâmetro (calibre) dos vasos possuem um papel importante nos processos metabólicos. O fluxo sanguíneo é regulado por mudanças no raio vascular. No caso das áreas capilares, o fluxo também é regulado, porém em momento algum todos os capilares encontram-se simultaneamente abertos. Grande parte do sangue encontra-se no sistema venoso, no baço e no fígado. A constrição vascular aumenta a resistência ao fluxo sanguíneo, diminuindo a perfusão. Sistema arterial A parede arterial é constituída por três camadas: o endotélio vascular interior, com uma membrana elástica (túnica interna ou íntima); a camada intermediária, com fibras elásticas e células musculares lisas (túnica média); e a camada externa de tecido conjuntivo, a qual também contém fibras elásticas (túnica externa ou adventícia) (Fig. 1.8). Essa estrutura com três camadas é crucial para manter o fluxo sanguíneo estável. O volume de sangue expelido em cada sístole dilata brevemente a aorta e as artérias próximas ao coração. Durante a fase diastólica, quando o músculo do coração relaxa, os vasos dilatados recuam, empurrando o sangue para frente. Caso a aorta fosse rígida como um cano, o fluxo sanguíneo pararia após a sístole. Esse mecanismo é chamado de efeito de Windkessel, e ocorre devido à percentagem relativamente alta de fibras elásticas na parede vascular. Na periferia do corpo, por outro lado, a camada muscular é mais dominante nas paredes arteriais. Essas artérias podem contrair-se ativamente e, dessa forma, aumentar de modo considerável a resistência ao fluxo do sistema inteiro. Por essa razão, são chamados de vasos de resistência, uma vez que ajudam a regular a distribuição do sangue e a pressão sanguínea. 09/08/12 17:27 16 1 Anatomia e Fisiologia da Circulação Sanguínea Sistema venoso Endotélio vascular (túnica íntima) Membrana elástica interna Camada muscular com fibras elásticas (túnica média) Membrana elástica externa Túnica adventícia Figura 1.8 Estrutura de uma parede arterial do tipo muscular. Os vasos de resistência incluem as arteríolas, cujo calibre corresponde a apenas 1% do calibre das artérias. Apenas cerca de 10% do volume de sangue encontra-se nas pequenas artérias e nas arteríolas. A principal função desses vasos é regular o fluxo sanguíneo na rede de capilares a jusante, o que realizam por meio de sua contratilidade, controlada pelo sistema nervoso simpático (vasomotricidade). Por conseguinte, possuem forte efeito sobre a função das partes do corpo que suprem. Dessa forma, o esfíncter pré-capilar possui duas funções: regular o fluxo sanguíneo capilar e a pressão sanguínea. O fluxo sanguíneo elevado causa hiperemia ativa. Conforme mencionado, os esfíncteres pré-capilares podem contrair-se caso a necessidade de energia seja baixa, e mandar o sangue diretamente para o sistema venoso por meio da anastomose arteriovenosa. Capilares Os capilares formam a transição entre os sistemas arterial e venoso. Com um diâmetro de 3 a 8 m, são extremamente estreitos. As paredes dos capilares são constituídas por uma única camada endotelial e uma membrana basal. A parede é semipermeável – isto é, devido à sua estrutura (o tamanho de suas “janelas”), certas substâncias podem atravessá-la livremente, ao passo que outras entidades maiores não o fazem. A troca de substâncias é possível pela taxa de fluxo sanguíneo nos capilares, que é muito baixa. Os métodos de troca nos capilares são a difusão, a osmose e a filtração. Wittlinger_Parte_A.indd 16 O sangue flui dos capilares para as vênulas, cujas paredes são ligeiramente mais estreitas que as dos capilares. Elas possuem poucas fibras musculares e são elásticas. Das vênulas, o sangue venoso move-se para as veias de maior calibre, as quais o carregam eventualmente até o coração direito, onde reinicia sua jornada para os pulmões para a oxigenação. As paredes das veias são estruturadas da mesma forma que as das artérias; contudo, são consideravelmente mais finas – o que é adequado devido à baixa pressão no sistema venoso. Nas veias de pequeno e médio calibre, as camadas internas das paredes formam pequenas abas ou bolsas, chamadas válvulas venosas, as quais impedem o sangue de correr no sentido contrário. Q 45,49 A atividade de bombeamento muscular tem o papel importante de manter o fluxo sanguíneo das veias até o coração. Quando os músculos ao redor das veias se contraem, o sangue é empurrado em direção ao coração, dado o bom funcionamento das válvulas venosas. Desse modo, as veias mais importantes das pernas estão localizadas profundamente no interior dos tecidos, onde o bombeamento muscular pode propelir o sangue a cada movimento da perna. Além das veias profundas, encontram-se nas pernas também as veias superficiais, que formam uma rede imediatamente abaixo da pele. As veias perfurantes conectam as veias profundas às veias superficiais. Elas agem em sentido único, permitindo fisiologicamente apenas o fluxo sanguíneo da superfície para as camadas profundas, e não na direção contrária. Se a pressão nas paredes venosas se torna inadequada, o sangue não pode mais ser movido rápido o suficiente e fica estagnado. As veias cedem sob a pressão interna e dilatam-se, pois possuem poucas fibras musculares. Como resultado, as válvulas não selam o lúmen de forma adequada, e o sangue move-se na direção contrária, aumentando ainda mais a pressão interna. Essa insuficiência das válvulas venosas leva às veias varicosas (varizes). Aproximadamente 60% de todo o volume de sangue localiza-se no sistema venoso; devido a isso, as veias também são chamadas de vasos de capacitância. O corpo pode tomar grandes quantidades de sangue desse sistema e enviar para qualquer outra região, caso seja necessário (p. ex., para o tecido muscular durante o exercício físico). O sistema linfático consiste em vasos linfáticos (também chamados simplesmente de “linfáticos”), linfonodos e alguns órgãos, como as tonsilas, o baço, o timo, o tecido da membrana mucosa linfática e o tecido do apêndice. Exemplos de estruturas sem vasos linfáticos são a epiderme, o epitélio glandular, a medula óssea, o cérebro, as cartilagens, as unhas, as lentes e o corpo vítreo do olho. Os últimos quatro também não possuem vasos sanguíneos. 09/08/12 17:27