Contrário é verdade

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Lógica
O contrário é verdade?1
Lógicos não-clássicos, como Newton da Costa, revêem teoria aristotélica considerando
as contradições simultâneas do dia-a-dia
Por Josy Anne Neves Panão
Josy Anne Neves Panão é graduanda em Filosofia no Centro Universitário São Camilo
(SP). Contato: [email protected].
Desde sua criação por Aristóteles, a lógica passa por revisões, não só no sentido
de desenvolver a inteligência dos autômatos o mais semelhante possível à humana, mas
também para entender a natureza dos seus conceitos, principalmente o de negação.
A partir de preocupações tais como desenvolver inteligências mecânicas o mais
próximo possível da racionalidade humana, o princípio da não-contradição e a
bivalência estabelecidos por Aristóteles na fundamentação de sua lógica, denominada
lógica clássica, vêm à baila.
Pensar num cosmos inteiramente belo e organizado, como era pensado no
mundo antigo de Aristóteles, e pensar num mundo caótico, a partir da
contemporaneidade, exige, obviamente, uma reformulação que vá ao encontro da
ferramenta principal no modo de ver o mundo, que sirva de instrumento ao pensamento
e ao entendimento, ou seja, a lógica.
A lógica que fora pensada primeiramente por Aristóteles, lógica clássica, versa
principalmente sobre os princípios ditos acima. Mas como pensar numa lógica racionalhumana para um robô? Imagine que é preciso executar a limpeza de um local e para
tanto recebemos uma ordem contraditória como, por exemplo: é preciso jogar fora todos
os papéis desta sala e conservar todos os documentos aqui encontrados.
Ora, temos na ordem acima, claramente, duas proposições contraditórias: todos
os papéis devem ser jogados fora, pois são lixo. Assim, podemos dizer que a esta
primeira proposição temos: Todo papel é lixo. Sobre a segunda proposição podemos
dizer que temos então, algum papel que não é lixo, pois, entende-se que documentos são
feitos de papel e, portanto, também são papéis.
Podemos dizer ainda que, as duas proposições são verdadeiras simultaneamente
e ainda assim contraditórias. Como reagiríamos diante de tal complexidade?
Parece que a um ser humano, rapidamente se daria a resolução de tal problema,
pois nossa racionalidade está habituada a resolver problemas contraditórios cotidianos.
Agora como pensar em desenvolver uma máquina – um robô - para desempenhar essa
mesma tarefa? É pensando nessa problemática que são confrontadas as duas lógicas, as
clássicas e as não-clássicas.
1
Artigo publicado na Revista Filosofia, Ciência & Vida.
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Para falar de lógica não-clássica é necessário pesquisar a lógica paraconsistente,
cuja aplicação é justamente voltada para tal problematização. Foi entre 1910 e 1913,
com o lógico polonês Jean Lukasiewicz e o russo Nicolai Vasiliev, que a lógica
aristotélica começou a ser revisada, a partir da observação de ambos para o que
aconteceu com os axiomas da geometria euclidiana - ao se questionar o quinto
postulado de Euclides, Postulados das paralelas, mostrou-se que ele era independente
dos demais axiomas desta geometria, portanto poderia ser substituído por alguma forma
de negação. O que originou as chamadas “geometria não-euclidianas”.
Mas, foi um discípulo de Lukasiewicz, Jaskowski, que apresentou pela primeira
vez, em 1948, um tipo de lógica que poderia ser aplicada a sistemas que envolvessem
contradições. Seu sistema ficou conhecido como lógica discursiva, limitando-se
somente ao cálculo proposicional, não se envolvendo na elaboração da lógica
paraconsistente, como o fez o brasileiro Newton da Costa.
A partir da década de 1950, o então professor da Universidade Federal do
Paraná, Newton da Costa, foi o primeiro, independentemente de Jaskowski, a iniciar
estudos mais profundos no sentido de desenvolver uma lógica que envolvesse a
contradição, estendendo-se muito além dos estudos de cálculo proposicional de
Jaskowski. Seus estudos propiciaram o desenvolvimento de cálculos proposicionais de
predicados com ou sem igualdade, cálculos com descrições e teorias de conjuntos; com
isso, Newton da Costa ficou internacionalmente conhecido como o principal criador das
lógicas paraconsistentes. O termo ‘paraconsistente’ significa ‘ao lado da consistência’ e
foi atribuído pelo filósofo peruano Francisco Miró Quesada em uma troca de
correspondência com o lógico brasileiro.
Uma das motivações de Newton da Costa para desenvolver seus estudos sobre
lógica paraconsistente é a crítica da lógica de Aristóteles feita por Lukasiewicz2, na qual
- da análise de Lukasiewicz sobre a não-contradição em Aristóteles - ele tira sua
primeira justificativa para a lógica paraconsistente, ou seja, pesquisar uma lógica que
admita a presença da contradição sem cair na trivialidade.
Porém, ao contrário da ênfase da fragilidade, não tanto para o princípio da nãocontradição, mas do princípio da bivalência, feita por Lukasiewicz, o que vemos em
Newton da Costa e sua lógica paraconsistente é a rejeição do princípio da nãocontradição e a conservação, fundamental, da bivalência, ou seja, da verdade ou da
falsidade de uma proposição.
Pois bem, contrariando as expectativas do filósofo Immanuel Kant, que chegou a
dizer que em matéria de lógica nada mais poderia ser acrescido às formulações de
Aristóteles, alguns lógicos não-clássicos, digamos assim, chegaram até a propor a
substituição da lógica clássica de Aristóteles, por outras novas, tais como as que
admitem a possibilidade, como a lógica paraconsistente, da contradição.
Entretanto, é válido lembrar que Newton da Costa não participa desta opinião,
assim como outros lógicos brasileiros. Segundo o mesmo, a lógica clássica afigura-se
como a origem de todas as lógicas, portanto não deve ser substituída. Para ele, a lógica
paraconsistente, outros tipos de lógicas não-clássicas e a lógica clássica devem ser
2
Crítica que se refere à distinção e a ligação dos três princípios de não-contradição, do terceiro excluído e da bivalência baseados em textos de
.
Aristóteles, Metafísica e Analíticos
2
usadas quando se mostrarem convenientes, possibilitando assim, um maior
esclarecimento e um melhor tratamento acerca de determinados fenômenos e áreas do
saber.
Nos anos 1950, Newton da Costa era o único lógico brasileiro a publicar seus
estudos acerca da lógica paraconsistente em revistas internacionais; hoje, essa lógica
teve seu campo de pesquisa bastante difundido por vários estudiosos e pensadores com
interesse em se aprofundar numa nova maneira de pensar a contradição. São muitos que
já não vêem nisso um erro de raciocínio ou um indício de irracionalidade, pois é
perfeitamente possível nos depararmos com situações contraditórias em nosso dia-a-dia
e nem por isso tal situação é mais ou menos verdadeira.
É importante salientar que estudos de lógica paraconsistente interessam também
a estudantes de Física e Engenharia, ultrapassando, portanto, os limites filosóficos não
só no cotidiano.
Feita essa exposição retomemos a pergunta que dá título a este artigo: O
contrário é verdade? A princípio, parece um questionamento descabido, pois somos
levados a responder, imediatamente, que não, jamais algo contraditório
simultaneamente pode ser verdade. Ao dar essa resposta, seguimos a sistematização
aristotélica, na qual “todo X é Y” e sua contraditória, “algum X não é Y”, não recebem
valores de verdade simultâneas, portanto um argumento que receba essas duas
proposições não será válido na lógica clássica.
Então, por que será que constatamos que o conceito de verdade para validar um
argumento ainda preocupa? Será que o conceito que temos de verdade continua o
mesmo? Ainda que não tenha mudado, algo foi inserido, como vimos, a lógica que
estuda a possibilidade de uma contradição.
E por que será que isso aconteceu? Seria por que podemos ver o mundo agora
como o caos, onde nada é organizado e estabelecido e somos nós que fazemos um
recorte disso de acordo com a nossa necessidade?
Se tal fato acontece, a relatividade parece plausível; e se há uma relatividade fica
fácil dizer que um contrário, seja do que for, possa certamente ser verdade. Mas, ainda
admitindo isto, existe uma outra preocupação na aplicação de um terceiro conceito, que
não seja nem o de verdade e nem o de falsidade, o que os lógicos chamariam de
conceito de terceiro excluído, que, fugindo do discurso cotidiano, se aplica ao
desenvolvimento da tecnologia.
Pensar, por exemplo, no desenvolvimento de um mecanismo para uma máquina,
neste caso, um robô, que não trabalhe apenas com dois princípios, 0 e 1, ou, falso e
verdadeiro. Fazer isso talvez equivalha a transportar para o mecanismo desse robô, algo
próximo da inteligência humana, pois já admitimos acima, que diante de situações
contraditórias o ser humano tem a capacidade de discernir e agir de maneira satisfatória,
diferentemente de um robô, concebido apenas de dois princípios para o discernimento.
Seguindo esse raciocínio, poderíamos nos desviar da questão proposta e nos
perguntarmos: Para que desenvolver uma máquina igual ao ser humano? Mas isso não
vem ao caso neste momento. Usa-se tal exemplo apenas para confrontar duas realidades
que verificamos possíveis no mundo atual.
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Será que ainda assim, afastada a leitura de um mundo caótico, a concepção de
um robô mantém a relatividade? Parece que não, pois lidar com a informação: “Limpe
esta área eliminando todo papel e poupe os documentos”, mostra-se algo concreto e
verdadeiro. Contraditório, porém, verdadeiro.
Já vimos acima o conceito de contradição segundo Aristóteles, entretanto, nos
falta amarrar a questão proposta com um conceito, ainda que não o único, que nos leve
definir o que é Verdade. Com efeito, o conceito de verdade é uma das categorias
centrais e fundamentais que assenta todas as vertentes da lógica.
Como é sabido temos algumas teorias sobre a verdade, como: a teoria da
correspondência, a teoria da coerência e a teoria pragmática. Se tentarmos traçar
rapidamente a definição de cada teoria, verificaremos que a contradição não é algo tão
descabido, pois de acordo com a teoria de correspondência, algo é verdade quando há
uma correspondência entre esse algo e a realidade. Ora, verifica-se muito corrente a
presença de situações contraditórias na realidade.
A partir da teoria da coerência, algo é verdadeiro quando há uma adequação do
intelecto a esse algo, analisando o raciocínio humano, verificamos que muitas vezes
pensamos de maneira contraditória; queremos e não queremos algo, por exemplo. A
contradição está presente no intelecto humano. Por fim, tomemos a teoria pragmática de
verdade, onde algo é verdadeiro se há uma utilidade nele, se tem conseqüências
satisfatórias para nós, ou seja, se há uma funcionalidade. Vimos, então, que a
possibilidade de contradição é de utilidade no cotidiano.
Por essas razões podemos dizer que o contrário é verdade e pareceria fácil essa
conclusão, mas não podemos nos esquecer que para a Filosofia não interessa encerrar
uma discussão e, sim, possibilitar sempre uma nova resposta, assim como uma nova
pergunta.
Referências
COSTA, N. C. A. da. Ensaios sobre os fundamentos da lógica. São Paulo: Hucitec,
1980.
GRANGER, G.G. O irracional. Trad. Álvaro Lorencini. São Paulo: Unesp, 2002.
LÓGICA PARACONSISTENTE. Disponível em:
<http://www.cfh.ufsc.br/~nel/paraconsistente.html>. Acesso em:9 mai 2006.
KRAUSE, D. Lógica paraconsistente. Disponível em:
<http://www.criticanarede.com/log_paraconsistente.html>. Acesso em: 9 mai 2006.
HAACK, S. Filosofia das lógicas. Trad. Cezar Augusto Mortari, Luiz Henrique de
Araújo Dutra. São Paulo: Unesp, 2002.
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