CATAVENTOS – Revista de Extensão da Universidade de Cruz Alta ISSN 2176-4867 __________________________________________________________________ ACOMPANHAMENTO PSICOLÓGICO A PACIENTES COM CÂNCER DE MAMA E ÚTERO EM HOSPITAL UNIVERSITÁRIO1 CAMARGO, Valéri Pereira2 ; DALMOLIN, Anaíse3 ; BITTENCOURT, Ana Luiza Portela4 ; QUINTANA, Alberto Manuel5. Resumo O câncer tornou-se uma doença com forte estigma social e freqüentemente associado à idéia de morte. Assim sendo, o diagnóstico do mesmo atinge estrutura daquele que o recebe e também de sua família ocasionando, com freqüência, estados depressivos. Para facilitar o entendimento, a elaboração do diagnóstico e o enfrentamento da doença, propõe-se realizar atendimentos psicológicos logo após a notícia ter sido revelada. O presente artigo expõe este trabalho, que é realizado por um projeto de extensão desenvolvido pela psicologia no ambulatório de mastologia do de um hospital público no interior do Rio Grande do Sul, local que atende mulheres com câncer de mama e útero. Busca-se proporcionar um ambiente de escuta e acolhimento para que as pacientes possam expor suas dúvidas, angústias e temores relativos à doença. O acompanhamento à paciente é individual, e quando necessário a família também recebe escuta. Tem se observado uma facilitação no enfrentamento do tratamento nas pacientes atendidas, além de uma sensação de “leveza” relatada por muitas após os atendimentos. Ainda, o apoio psicológico parece afrouxar a comunicação truncada entre paciente e equipe médica, facilitando que a paciente consiga falar do que está sentindo, suas dúvidas, angústias e perspectivas com o tratamento. Desta forma, o apoio oferecido no acolhimento e escuta atenta, com intervenções pontuais, auxilia na elaboração da doença e processo de tratamento. Palavras-chave Câncer de Mama; Diagnóstico; Acompanhamento Psicológico. __________________________________________________________________ CATAVENTOS. ANO 2, N.1, Novembro/2010 CATAVENTOS – Revista de Extensão da Universidade de Cruz Alta ISSN 2176-4867 __________________________________________________________________ Abstract The cancer became a disease with social stigma and is frequently associated with the idea of death. Thus, the diagnosis of it can be devastating who receiveth and also their family, may causing depressive states. To facilitate the establishment of diagnosis and the disease confrontation, psychological visits are disposable soon after the news has been tell for the pacient. This study show the extension project developed by psychology in the Santa Maria’s University Hospital (UFSM) that it takes care of women with breast cancer and uterus cancer. The Project provides a listening environment and shelter to these women can says yours doubts, distress and fears relatives to the illness. The accompaniment is individual, and when necessary her family also receives attendance. As academic support, weekly supervisions with the person who orientates occur. Observed a facilitation in the confrontation of the treatment in the taken care of patients, beyond a sensation of the slightness told for many after the atendimentos. The psychological support seems to loosen the truncated communication and to assist in the elaboration of the present situation, facilitating with that the patient obtains to speak of what is feeling, the least at that moment. In such a way, this support assists in the elaboration of the illness and process of treatment. Key-words Breast Cancer; Diagnosis; Psychological Accompanying. Introdução O câncer tem forte estigma social e é freqüentemente associado à idéia de morte. Dessa forma, o anúncio diagnóstico dessa doença atinge a estrutura daquele que o recebe e de sua família e amigos, podendo ocasionar estados depressivos. Para facilitar o entendimento da doença e tratamento e auxiliar no enfrentamento da situação, faz-se importante o acompanhamento psicológico logo após a notícia diagnóstica. O atendimento às demandas psíquicas dos pacientes traz incrementos ao bem-estar, fazendo com que eles tenham mais facilidade em perceberem seu __________________________________________________________________ CATAVENTOS. ANO 2, N.1, Novembro/2010 CATAVENTOS – Revista de Extensão da Universidade de Cruz Alta ISSN 2176-4867 __________________________________________________________________ estado de saúde e participem de modo efetivo no tratamento (CAMPOS, 1995). Assim, por meio do acompanhamento psicológico, tenta-se evitar uma cristalização dos mecanismos que dificultam elaboração do momento diagnóstico e do tratamento. O presente artigo busca apresentar as atividades exercidas em um Projeto de Extensão na Universidade Federal de Santa Maria, realizado no Ambulatório de Ginecologia e Mastologia de um hospital público no interior do Rio Grande do Sul. No projeto, propõe-se realizar um trabalho psicológico com mulheres que recebam diagnóstico de câncer de mama ou de útero. Assim, visa-se criar um espaço onde as pacientes possam tirar suas dúvidas em relação ao tratamento como também possibilitar um ambiente propício para a fala e expressão de suas angústias e temores frente à doença. Para tanto, são realizados acompanhamentos psicológicos individuais a pacientes que apresentam demanda. Esta é percebida pela equipe médica e encaminhada e analisada por uma acadêmica de psicologia, que realiza o projeto no local, no momento da primeira entrevista com a paciente. Também há a participação em um grupo interdisciplinar de apoio a mulheres em tratamento do câncer de mama ou pós tratamento, denominado Renascer. Este grupo existe há dezoito anos nas dependências do mesmo hospital, e conta com a participação da psicologia desde o princípio. Tem-se como objetivo a criação de um espaço onde as mulheres com diagnóstico de câncer possam ser ouvidas nas suas angústias e fantasias e, desta forma, possibilitar a criação de narrativas que venham a produzir novas significações em suas vidas. Através de uma intervenção oportuna, tenta-se evitar a cristalização de mecanismo que venham a dificultar a elaboração do diagnóstico de câncer facilitando assim o tratamento e as vivências trazidas por ele, a fim de torná-lo o menos traumático possível. No grupo Renascer, objetiva-se, também, dar apoio psicológico às participantes, participando da equipe técnica, composta por enfermeiros, assistente social, nutricionista e acadêmicos na sua especificidade. Revisão da Literatura __________________________________________________________________ CATAVENTOS. ANO 2, N.1, Novembro/2010 CATAVENTOS – Revista de Extensão da Universidade de Cruz Alta ISSN 2176-4867 __________________________________________________________________ Câncer é o termo utilizado para se referir a doenças nas quais células que sofreram alterações genéticas, chamadas então de neoplásicas ou cancerígenas, se dividem sem controle, podendo invadir tecidos do organismo por meio da circulação sangüínea e do sistema linfático. A maioria dos cânceres é nomeada de acordo com o órgão atingido ou tipo de célula onde se inicia (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE CÂNCER, 2008). A palavra tem sua origem no termo grego karcinos que significa caranguejo. A semelhança entre os dois está nas dores causadas pela doença, que são semelhantes às ferroadas de um caranguejo, e no desenho das dilatações dos vasos sanguíneos que irrigam o tumor e lembram as patas de um caranguejo (ZECCHIN, 2004). De acordo com os estudos realizados pelo Instituto Nacional de Câncer (INCA), dentre os diversos tipos de câncer, o de mama é a segunda neoplasia mais comumente diagnosticada entre as mulheres brasileiras. Tais estudos apontam, ainda, que os tumores de pulmão e próstata seriam os mais freqüentes no sexo masculino, enquanto que no sexo feminino as maiores ocorrências seriam os tumores de mama e de colo do útero (INCA, 2008). Muitas pessoas relutam em procurar atendimento médico por medo de descobrir um problema grave, e, inativas, negam o sintoma (STRAUB, 2005). Quanto ao câncer de mama mais especificamente, o período diagnóstico, e mesmo a etapa pré-diagnóstica, geralmente, são percebidas e vivenciadas como um momento de intensas mudanças, perdas e adaptações e onde a morte, até então não lembrada, passa a aterrorizar como uma possibilidade real (NASCIMENTO et al, 2005). A morte vira fantasma constante para essas pacientes, afinal, a própria denominação da patologia já está historicamente associada a finitude da vida no imaginário popular, mesmo tendo diminuído significantemente a incidência de casos letais devido ao avanço dos recursos médicos. Em pesquisa realizada por Quintana et al (2004) com mulheres em tratamento de câncer de mama, a concepção de câncer chega a ser pior do que a de morte. Segundo os autores, esta idéia fica evidente nos pensamentos suicidas que aparecem no diagnóstico ou após ele. Também contribui o fato de a pessoa ser remetida a uma situação de desamparo absoluto quando defronta-se com a doença em seu corpo. O diferencial e assustador desta doença é a visão de que ela não é contraída, mas de que um ser estranho é inserido em seu corpo. __________________________________________________________________ CATAVENTOS. ANO 2, N.1, Novembro/2010 CATAVENTOS – Revista de Extensão da Universidade de Cruz Alta ISSN 2176-4867 __________________________________________________________________ É importante, ainda, ter em mente que ao se falar em morte estamos falando não apenas da morte física. Esta é vivida também pelo ego, como ameaça de perda dos seus objetos, o que implica em luto de experiências e fantasias que possam a ele estar associadas como representante simbólico (ZECCHIN, 2004). Quando se trata do câncer de mama, tem-se ainda a peculiaridade de, ao atingir um órgão culturalmente e biologicamente ligado a feminilidade, interferir também em vários sentimentos da mulher relacionados ao seu corpo nos quesitos eróticos e maternos. Se durante nossas vidas lidamos com uma falta ilusória, com uma castração simbólica, nestas mulheres esta falta se faz real no seu corpo, e, justamente, num órgão cuja supressão traz consigo o temor de novas perdas, seja a maternidade, a feminidade ou a beleza, e com isso também surge o temor da possibilidade de perda do seu parceiro (QUINTANA et al, 1999). A atenção aos familiares também é importante num contexto como este. Tal atendimento se faz relevante na medida em que a família acaba por sofrer os efeitos do diagnóstico e da doença junto com a paciente, a qual enfrenta uma série de tensões que interfere nas relações familiares ultrapassando a simples necessidade de atender a demandas cotidianas e de cuidado à saúde da mulher (ALMEIDA, 2006). A família acaba se tornando a maior fonte de apoio da paciente, como ressaltam Bergamasco e Ângelo (2001), cujo estudo mostra que a mulher considera a família como apoio para não desistir quando esta emite palavras de encorajamento, ajuda física e emocional, e quando os membros da família realmente participam das decisões e questões relacionadas ao tratamento. Porém muitas vezes a família fica de tal forma abalada com a vivência da doença que se desequilibra. Tal desequilíbrio incapacita o oferecimento de apoio de que a mulher necessita podendo prejudicar sua recuperação (DA SILVA; MELO E RODRIGUES, 1999). Por isso faz-se necessário um acompanhamento também com os familiares, para que possam ser continência necessária a paciente. Quanto às origens dessa doença tão temida, encontramos diversos fatores como aqueles considerados hereditários e os relacionados ao meio ambiente (INCA, 2008). Dentre estes fatores encontramos também referência a existência de um fundo psicossomático. Em um estudo de Bandeira e Barbieri (2007) encontrou-se em um grupo com a doença muitas semelhanças em relação à história de vida das __________________________________________________________________ CATAVENTOS. ANO 2, N.1, Novembro/2010 CATAVENTOS – Revista de Extensão da Universidade de Cruz Alta ISSN 2176-4867 __________________________________________________________________ mulheres afetadas, com a presença de um histórico de perdas, frustrações e decepções, que não foram elaboradas ou integradas à personalidade. As autoras explicam tais achados por meio do entendimento de que, quando a vivência de adversidades ultrapassa as condições psiquícas do sujeito, de modo que as defesas usualmente empregadas não são suficientes para tal enfrentamento, é possível que os indivíduos, no caso as mulheres estudadas, recorram a mecanismos de defesa primitivos como a regressão psicossomática. Tavares (2005) também concorda com tal compreensão de uma espécie de origem psicossomática desta patologia. A autora afirma que algumas pessoas podem ser consideradas candidatas ideais ao câncer. Estas apresentariam certas características de personalidade como depressão, passividade, regularidade dos hábitos, baixa agressividade ou negação da hostilidade, pouca emotividade, depressão e dificuldade na formação de vínculos. Assim sendo, a crença de que pessoas frágeis é que desenvolvem a doença acaba sendo parte da escuta do diagnóstico. As perguntas mais freqüentes feitas por elas a elas mesmas são o “por que eu?” e “o que fiz de errado?”. Dessa forma, a responsabilidade da doença recai principalmente (embora não totalmente) sobre o próprio paciente. Essa crença é comum em especial no mundo Ocidental, sendo estimulada por programas do governo de educação para a saúde, onde os problemas de saúde são atribuídos, cada vez mais, à "negligência" com relação à alimentação, ao vestuário, à higiene, ao estilo de vida, a relacionamentos, exercício físico e aos vícios. A doença passa a ser vista como uma evidência dessa negligência e a vítima acaba por sentir-se culpada por tê-la provocado (TAVARES, 2005). Quanto ao tratamento, o mais associado e ainda em maior uso médico é a cirurgia. Quintana et al (2004) perceberam que não há muita esperança das mulheres em relação a este tipo de tratamento, pois é visto como um acelerador do processo cancerígeno. Isto aparece devido a crença de que o câncer é uma doença incurável e qualquer estímulo em relação a ele o faz aumentar. Também pensa-se que a internação e intervenção cirúrgica farão com que a paciente não mais retornará para sua casa, e que a estadia no hospital resultaria em longa agonia findada em morte. __________________________________________________________________ CATAVENTOS. ANO 2, N.1, Novembro/2010 CATAVENTOS – Revista de Extensão da Universidade de Cruz Alta ISSN 2176-4867 __________________________________________________________________ Por tudo isso, um ambiente que não julgue nem culpe a paciente acaba por fazê-la expor suas angústias e compartilhá-las, deixando-a mais leve e forte para combater a doença que a aflige. O desejo de fuga se faz presente, e, neste ponto, a importância da escuta e do investimento que possa vir do outro que ampara, que dá continência para a vivência de fragmentação, redobra-se, até que a própria paciente se reencontre com o desejo de reinvestir em si e nos objetos (ZECCHIN, 2004). Metodologia Em 1999, vinculado ao Projeto Renascer para mulheres mastectomizadas, foi criado o projeto de extensão: “Acompanhamento Psicológico a Pacientes com Câncer de Mama e Útero do Hospital Universitário de Santa Maria” do curso de Psicologia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) cujo propósito é acompanhar pacientes que acabam de receber diagnóstico de câncer de mama ou útero atendidos no ambulatório de ginecologia do referido hospital. Nos dias do ambulatório dirigido de mastologia e oncologia, uma acadêmica de psicologia fica presente a fim de atender pacientes que recebem o anúncio diagnóstico. Estas chegam encaminhadas pela equipe médica que identifica a possível demanda psicológica. Uma consulta é feita nos moldes da terapia de apoio (Cordioli, 1998), a qual busca auxiliar o sujeito a superar crises vitais e acidentais. Assim, procura-se apoiar e incentivar as atividades do ego onde são utilizadas defesas adaptativas e desencorajar defesas desadaptativas. Após a consulta inicial, se identificada demanda de acompanhamento em um maior espaço de tempo, mais consultas são realizadas, preferencialmente nos dias marcados para retornos da paciente ao ambulatório médico. Esta rotina foi assim estabelecida pensando no bem estar das pacientes que, em sua maioria, são de outras localidades, precisando enfrentar viagens a fim de prosseguir o tratamento no hospital. Sendo assim, marcar atendimentos que coincidam com a necessidade já especificada pelo tratamento traz uma dimensão humanizadora ao serviço. Assim, facilita-se o acesso destas pacientes e evita-se que elas sofram ainda mais com deslocamentos contínuos que podem aumentar o nível de estresse pela quebra da rotina diária destas mulheres e exigir adequações constantes quanto a fatores __________________________________________________________________ CATAVENTOS. ANO 2, N.1, Novembro/2010 CATAVENTOS – Revista de Extensão da Universidade de Cruz Alta ISSN 2176-4867 __________________________________________________________________ práticos como os cuidados com a casa e a família. Quando necessário, os familiares também são atendidos, na maioria das vezes sendo solicitado por eles mesmos ou pela própria paciente. Estes atendimentos também seguem moldes da terapia de apoio anteriormente comentada. Quanto ao grupo Renascer, que é aberto e quinzenal, a participação da psicologia se dá através deste projeto em conjunto com a equipe técnica formada também por uma acadêmica de serviço social, uma acadêmica de fisioterapia, quatro acadêmicas de enfermagem e duas enfermeiras do próprio hospital e uma fisioterapeuta e uma nutricionista que participam esporadicamente e auxiliam nos eventos externos. O número de participantes é variável, sendo em torno de dez por encontro. Os encontros são organizados pela equipe técnica, mas com temas e seqüências escolhidos pelas integrantes. Pela psicologia são feitas intervenções sempre que necessário, principalmente quando há mobilização emocional do grupo. Também são dadas orientações às demandas trazidas pelas participantes, além falas sobre assuntos pedidos por elas durante os grupos, principalmente de temas relacionados à doença e tratamento. Em cada encontro é feito uma programação para o próximo dia, sempre que possível trazendo algum convidado. A atuação da equipe técnica é revezada, de acordo com a temática do dia, sendo que a maior participação desta é nos aspectos burocráticos do funcionamento do grupo. Ao final de cada encontro é feita uma confraternização com lanches que as próprias participantes levam quase sempre feito por elas mesmas, como bolos e doces e um chá cedido pelo hospital. Reuniões temáticas são feitas nas datas comemorativas, como festa junina e dia das mães. Alguns desses encontros são feitos fora das dependências do hospital. A data e local são escolhidos em comum acordo, sempre se levando em conta as disponibilidades financeiras de todas para tal plano. Resultados No imaginário popular, o câncer é freqüentemente ligado à idéia de doença incurável e morte. Assim sendo, os números crescentes de casos assustam e dão a sensação de que ninguém está imune a ele. Dicas de prevenção, estudos e exames __________________________________________________________________ CATAVENTOS. ANO 2, N.1, Novembro/2010 CATAVENTOS – Revista de Extensão da Universidade de Cruz Alta ISSN 2176-4867 __________________________________________________________________ para diagnóstico cada vez mais precoce tentam acalmar a população, porém, para quem acaba de se descobrir com a doença, as angústias e medos são inevitáveis. Em função disso, a criação de um ambiente de escuta psicológica se torna interessante para aliviar as angústias iniciais, fazendo uso de um espaço propício para que as mesmas venham a tona e sejam trabalhadas. Nos atendimentos, percebe-se, inicialmente, uma forte negação da paciente em relação à doença, muitas justificando que “ainda não caiu a ficha do que está acontecendo”. Segundo Zecchin (2004), a negação é necessária para que o sujeito possa dar conta da vivência da realidade uma vez que manter-se consciente durante todo o tempo torna-se impossível e insuportável. Durante os atendimentos realizados com as pacientes, busca-se avaliar o uso desse mecanismo, evitando o confronto direto com esta defesa tão importante para a manutenção de um ego, neste momento bastante fragilizado. Tentativas impulsivas de quebra desta defesa podem gerar um grau de ansiedade ainda maior para estas mulheres que ainda terão muitas dificuldades pela frente, tanto de cunho prático como psíquico. Tem se observado, com a realização do trabalho, uma facilitação no enfrentamento do tratamento nas pacientes atendidas, além de uma “sensação de leveza” relatada por muitas após os atendimentos. A seguir relataremos casos exemplificadores. O primeiro caso foi de uma mulher com reincidência de câncer de mama, muito revoltada com a situação, mas que ao longo do atendimento percebeu a situação como sua chance de mudar de estilo de vida, coisa que já estava protelando há anos. Moradora do interior, desde cedo trabalhava na lida do campo e com os animais. Estava insatisfeita com essa vida, porém não tinha coragem de abandoná-la. Tinha desejos de viajar e poder passar mais de um dia fora de casa, fato impossível na rotina que levava. Estimulado este desejo pela estagiária e demonstrado as possibilidades e no momento necessidade de uma vida mais tranqüila, ela teve forças de realizar seu desejo, enfrentando com mais garra o tratamento. O segundo caso é semelhante na história de vida. A paciente trabalhara a vida toda na lida do campo junto ao marido, e agora ambos estavam apresentando problemas de saúde. Ela recusava-se ao tratamento, mas não fora ouvida em relação aos motivos. Na conversa com a estagiária ela comentou que, fazendo a __________________________________________________________________ CATAVENTOS. ANO 2, N.1, Novembro/2010 CATAVENTOS – Revista de Extensão da Universidade de Cruz Alta ISSN 2176-4867 __________________________________________________________________ cirurgia, ela não poderia mais trabalhar no campo. e em função da distância aos locais de tratamento e atenção à saúde deveria mudar-se para a cidade. Além disso, o marido estava com alguns tratamentos e cirurgias marcadas e necessitava dela para acompanhá-lo e cuidá-lo, assim como ela dependia dele para os mesmos fins. Procurando soluções junto à estagiária, ela disse ter possibilidade da mudança, pois possuía uma casa na cidade, só seria difícil o desapego às suas terras. Quanto ao trabalho, disse que poderia pagar seus ajudantes para fazê-lo em tempo integral. E quanto à situação com o marido, conseguiu-se negociar com a equipe de a cirurgia ser feita após a melhora dele, mesmo com risco de agravamento da doença. Este consenso foi encontrado quando percebeu-se que se fosse marcada cirurgia antes ela não compareceria, o que tornaria tudo ainda pior. Carvalho (1994) relaciona a doença com um truncamento da comunicação, não somente sobre a doença vigente, mas sobre tudo o que cerca o paciente como forma de proteção de um segredo, que seriam os sentimentos do doente. O apoio psicológico parece afrouxar essa comunicação truncada e auxiliar na elaboração da situação presente, fazendo com que a paciente consiga falar do que está sentindo, ao menos naquele momento. Além disso, os vínculos no decorrer do tratamento são abalados, sendo na medida do possível trabalhados e fortalecidos no apoio. Quanto aos familiares, as dúvidas geralmente são de como agir com a paciente, o que falar ou não sobre o diagnóstico da doença, o que fazer ou não fazer frente a paciente e sua doença, sendo sanadas nos atendimentos pela própria acadêmica. Desta forma, chegamos próximos à conclusão de que este acompanhamento das pacientes pela psicologia auxilia na elaboração da doença que não foi conseguida por si só e ainda faz as vezes de mediador entre os personagens envolvidos (familiares, paciente e equipe) viabilizando a comunicação entre estes quando esta não se mostra adequada. Assim, é freqüentemente realizadas conversas entre a mulher recém diagnosticada e familiares próximos, como filhos e esposo, sendo esse momento mediado pelo acadêmico de psicologia. Considerações finais __________________________________________________________________ CATAVENTOS. ANO 2, N.1, Novembro/2010 CATAVENTOS – Revista de Extensão da Universidade de Cruz Alta ISSN 2176-4867 __________________________________________________________________ Faz-se importante também apontar as peculiaridades do funcionamento do projeto com relação à vivência em equipe. O vínculo com a equipe não foi difícil de se estabelecer, porém passa por constantes reformulações em função de a mesma ser bastante numerosa e com trocas freqüentes de estagiários, acontecendo no mínimo a cada mês. Após o projeto estar bem consolidado no espaço do ambulatório, a acadêmica virou referência para casos complexos e inusitados para a equipe, sendo eles atendidos na presença dela ou na garantia de que ela estivesse de prontidão para os mesmos. As maiores dificuldades eram encontradas na troca de equipe, onde muitos casos eram perdidos por desconhecimento ou falta de hábito da equipe com esse serviço, existente em poucos locais do hospital. Alguns casos também eram perdidos nas situações em que a acadêmica estava em atendimento e, por não ser encontrada no momento a paciente era liberada. Diante destas dificuldades podemos pensar que a Psicologia dentro de hospitais ainda está ganhando seu espaço, demonstrando sua importância, e por isso existem poucos profissionais da área atuando em comparação a outras especialidades historicamente presentes na prática hospitalar. Além disso, o trabalho em equipe na área da saúde também esta sendo construído, sendo de certa forma uma modalidade recente de relação entre os profissionais. Durante séculos os maiores responsáveis pela saúde eram os médicos, tendo eles cuidado de muitos casos sozinhos. Com o tempo foram surgindo ramificações e especialidades da saúde que vieram a colaborar com essa prática, cada qual pensando em uma parte do tratamento. Em muitos atendimentos foi usado o auxílio da equipe, principalmente médica. Isto porque as maiores dúvidas encontradas nas pacientes eram em relação a própria doença e tratamento, que no momento da consulta não foi conseguido explanar, principalmente pelo choque emocional em que se encontravam. Após a consulta, e já tendo a paciente conseguido acalmar-se com o auxilio da acadêmica, as dúvidas surgiam, e por vezes eram elas que angustiavam a paciente. Em sua maioria eram perguntas básicas, de como se cuidar a partir daquele momento, do tipo de câncer que possuíam, como adquiriram e o que podiam ou não fazer. Sempre tivemos colaboração dos médicos e estagiários nessas situações, por vezes ficando eles mais tempo nessa conversa do que na própria consulta. Verificamos que esse tipo de atuação conjunta rendeu bons resultados sempre que executada. __________________________________________________________________ CATAVENTOS. ANO 2, N.1, Novembro/2010 CATAVENTOS – Revista de Extensão da Universidade de Cruz Alta ISSN 2176-4867 __________________________________________________________________ Referências bibliográficas ALMEIDA, R. A. (2006) Impacto da mastectomia na vida da mulher. Revista SBPH, v.9, n.2. Disponível em: http://pepsic.bvspsi.org.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S151608582006000200007&lng=pt&nrm. Acesso em: 12 setembro 2009. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE CÂNCER. Definição de Câncer. Disponível em: http://www.abcancer.org.br/portal/index.php?module=conteudo_fixo&id=585. Acesso em: 12 setembro 2009. BANDEIRA, M. F.; BARBIERI, V. (2007) Personalidade e câncer de mama e do aparelho digestório. Psicologia: Teoria e Pesquisa. V.23, n.3. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_abstract&pid=S010237722007000300008&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt. Acesso em: 12 setembro 2009. BERGAMASCO, R. B.; ÂNGELO, M. 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Endereço eletrônico: [email protected] __________________________________________________________________ CATAVENTOS. ANO 2, N.1, Novembro/2010