www.panoramadaaquicultura.com.br Panorama da AQÜICULTURA, setembro/outubro, 2000 Uma Publicação Sobre Cultivos Aquáticos Vol. 10 Nº 61 setembro/outubro 2000 1 Panorama da AQÜICULTURA, setembro/outubro, 2000 O pesadelo dos virus asiáticos ainda ronda a carcinicultura brasileira Alexandre Alter Wainberg PRIMAR [email protected] A carcinicultura brasileira tem exibido um ritmo quase exponencial de crescimento, com sua produção quase dobrando a cada ano. De pouco mais de 3.600 toneladas em 1996, projeta-se para 2000 a produção de 24.000 toneladas. Até agosto do ano corrente já foram exportados 48 milhões de dólares de camarão cultivado, prevendo-se chegar a mais de 70 milhões até o fim do ano. A Associação Brasileira de Criadores de Camarão prevê para 2001 a produção de 50.000 toneladas e exportação de mais de 200 milhões de dólares. As recentes quebras na produção do Equador e países da América Central devido às epidemias de doenças e desastres naturais, jogaram os preços internacionais a patamares nunca vistos. Em todos os estados litorâneos do país, principalmente entre a Bahia e o Maranhão existem novas fazendas sendo projetadas, construídas ou já em operação. Além dos investidores nacionais, existem investidores da Argentina, Portugal, Chile e Equador se estabelecendo em nosso país. A produtividade média nacional é a maior da América do Sul devido à intensidade do sistema de cultivo. Muitas fazendas sem aeração suplementar produzem mais de 3.000 kg/ha/ano e as fazendas equipadas com aeradores chegam a produzir até 10.000 kg/ha/ano. É grande o otimismo no setor. Quando se instala a euforia, é muito comum que os riscos sejam colocados em segundo plano. Atualmente, o maior risco que incide sobre o setor é o risco sanitário. Ao contrário da febre aftosa, que somente impede a exportação da carne de gado brasileiro, sem no entanto inviabilizar a continuidade da produção, as doenças de camarão podem causar uma quebra significativa da produção, inviabilizando a indústria em curto prazo. No caso dos vírus de origem asiática, os vírus da mancha branca e da cabeça amarela, a recuperação, se houver, pode levar anos, dependendo principalmente das características de funcionamento da indústria na região atingida. Na Tailândia, onde as fazendas são pequenas, os viveiros são pequenos e o cultivo intensivo, a recuperação foi rápida, com as fazendas se adaptando física e metodologicamente à presença da patogenia, que hoje é endêmica. No ano 2000, a Tailândia irá produzir mais de 300 mil toneladas de camarão cultivado. No Equador e demais países costa do Pacífico da América Latina, a incidência destes vírus é recente, mas não existe perspectivas de recuperação em curto prazo. Nestes países, as fazendas são grandes, os viveiros também, o sistema de cultivo é semi-extensivo ou semi-intensivo, e é baixo o nível tecnológico do manejo zootécnico. O Brasil fechou, no ano passado, suas fronteiras com barreiras sanitárias para tentar evitar a introdução dos vírus asiáticos pelos seus principais vetores de transmissão: camarões congelados para consumo ou reprodutores e formas jovens para cultivo. Entretanto, novamente tomando como exemplo a febre aftosa, erradicada e novamente incidente nas regiões ditas “livres”, a eficiência das medidas governamentais de exclusão é discutível. Além do mais, estudos patológicos efetuados em amostras de lâminas estocadas no Equador demonstraram que, provavelmente, os vírus já estavam presentes naquele país há alguns anos, e tenham sido ativados por algum gatilho ambiental, tais como o El Niño no Equador ou o furacão Mitch na América Central. Até há pouco mais de 3 anos o Brasil estava importando reprodutores e pós-larvas das mais variadas origens. O avanço da epidemia de white spot tem derrubado a indústria de camarão cultivado em vários países como pedras de dominó. Após devastar um país atrás do outro na Ásia, chegou ao continente americano, provavelmente a partir de camarões congelados contaminados importados pelos EUA. A partir daí, toda a costa do Pacífico tropical americano foi atingida. México, Honduras, Nicarágua, Panamá, Colômbia, Equador e Peru foram seriamente afetados. No último ano e meio a indústria equatoriana de criação de camarões já perdeu US$ 600 milhões de dólares. Independentemente da diversidade entre os países citados, não existe dúvida que a sua indústria tem a sustentabilidade seriamente afetada por fatores ambientais, seja nos impactos negativos sobre o meio 51 Panorama da AQÜICULTURA, setembro/outubro, 2000 ambiente circundante quanto a autopoluição dos ambientes de cultivo. Qual a possibilidade de sermos vítimas destes vírus? Não há dúvida que ela existe e, na minha opinião, a questão não é se os vírus vêm ou não, mas quando? Estaremos preparados para eles? Digo que não, vamos ver: - Nossas fazendas estão se engarrafando nos estuários sem a mínima ordenação; - Nosso estoque cultivado, póslarvas e reprodutores, viaja sem nenhum controle sanitário; - Estamos povoando cada vez mais intensivamente em viveiros grandes e com baixa renovação de água; - Não é feito nenhum controle sobre os efluentes e as fazendas não são projetadas para reutilização da água; - Não existem procedimentos regulares de biossegurança nas fazendas. Em algumas conversas com outros colegas do setor, alguns manifestaram a opinião de que sermos atingidos é uma questão de tempo e que devemos torcer para que os outros países atingidos encontrem a solução antes. Sinceramente, eu também gostaria muito que isto acontecesse, pois sou produtor e vivo disso. Minha fazenda foi projetada há 7 anos e não está preparada. Seria de se esperar que as novas fazendas incorporassem o conhecimento sobre biossegurança acumulado nos outros países, principalmente na Ásia. Não estão. As principais medidas que acentuam a chance de uma fazenda de camarão sobreviver e conviver com endemias virais estão relacionadas a localização geográfica, projeto de construção e procedimentos de biossegurança. No que concerne a localização, melhores condições serão encontradas nas áreas de maior renovação com o oceano pois a diluição da carga viral será maior. Quanto maior a carga viral potencial 52 do meio ambiente circundante, maior será a infra-estrutura necessária para mitiga-la. No que concerne ao projeto da fazenda, deverão ser previstos meios de isolamento do meio ambiente circundante. As tendências se inclinam para lay-outs que prevêem tratamento de efluentes, recirculação da água, renovação de água zero ou muito reduzida, desinfecção da água, filtração, aeração, viveiros pequenos, sistema de cultivo de 2 fases e isolamento em módulos de produção. No que concerne biossegurança, as medidas destinamse ao controle sobre a entrada dos mais prováveis vetores: as sementes e a água. No caso do vírus da mancha branca já foram identificados mais de 70 vetores potenciais, incluindo caranguejos, siris, outras espécies de camarão e suas formas larvais, organismos do plâncton, e até esponjas do mar. No que concerne ao controle sanitário, as tendências apontam evidentemente para o uso de estoques com certificação sanitária e selecionados geneticamente para resistência e crescimento. É obvio que todas as medidas acima descritas aumentam o valor dos investimentos necessários para construção da fazenda e também os custos fixos. As fazendas de camarão que tiverem como objetivo a biossegurança trabalharão forçosamente no sistema de cultivo intensivo. Últimas Notícias da América Central Nos dias 25 a 28 de outubro realizou-se na cidade do Panamá o 4º Congresso Latino Americano de Aqüicultura, com ênfase nos problemas enfrentados pela carcinicultura devido a epidemia dos vírus asiáticos. O evento contou com a presença de mais de 20 brasileiros. Foi uma demonstração de maturidade da nossa indústria procurar conhecer os efeitos dos tão temidos vírus antes que sejamos atingidos. No Congresso foi possível saber que o primeiro impacto do vírus da mancha branca é devastador, com sobrevivência inferior a 10%. Muitas fazendas estão fechadas, principalmente no Panamá e Equador. Em Honduras e Nicarágua a situação parece ter melhorado um pouco neste ultimo ciclo, com sobrevivência entre 25% e 45% indicando que, tal como na Ásia, a epidemia poderá seguir um padrão sazonal. No Equador várias fazendas estão fechadas e a situação macroeconômica e política agravam a questão do financiamento. Muitas fazendas estão criando tilápias. No Panamá, a fazenda mais tradicional da América Central, a Agromarina do Panamá está fechando. O grupo Deli, forte no Equador e Honduras está reduzindo suas operações. O prejuízo é de centenas de milhões de dólares. O Dr. Lightner, eminente patologista dos EUA, analisou caudas de camarões infectados artificialmente com o vírus da mancha branca e demonstrou que a carga viral é excessivamente alta, existindo o risco de introdução da doença em áreas ainda não infectadas através de caudas congeladas. Mais recentemente foi observado no Equador um surto de doenças que se suspeita ser do vírus da cabeça amarela. O Dr. Fegan, patologista da Tailândia, minimizou o risco deste vírus quando comparado com os danos causados pelo vírus da mancha branca. Estudos genéticos ainda não conclusivos, indicam que a cepa equatoriana é diferente da cepa tailandesa. Segundo Luis Augusto Farias, brasileiro diretor técnico da Farallon, o vírus da mancha branca já alcançou a costa do atlântico panamenho e já foi observado em Cartagena, Colômbia. O combate à epidemia já tem programas atuantes no México, Panamá e Equador onde, com notável interação entre os órgãos governamentais e a iniciativa privada, razoável infra-estrutura de diagnóstico já foi implantada. No México, em menos de um ano, o grupo de trabalho já analisou mais de 19.000 amostras! A larvicultura Farallon, do Panamá, está produzindo pós-larvas com alegada resistência ao vírus da mancha branca, produzidas a partir de reprodutores submetidos a infecção induzida. As tendências indicadas para a convivência com o vírus da mancha branca incluem povoamento com póslarvas livres do vírus testadas com PCR de 2 estágios e isolamento do meio ambiente circundante através de recirculação ou baixa renovação.