AQUECIMENTO DO OCEANO AUSTRAL – TENDÊNCIAS

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AQUECIMENTO DO OCEANO AUSTRAL – TENDÊNCIAS
DE TEMPERATURA DO MAR DE WEDDELL NO SÉCULO XX
Marcos Tonelli 1 , Bruno Ferrero1, Ilana Wainer1, Janini Pereira1
RESUMO
Os oceanos apresentam grande importância no balanço energético do planeta,
principalmente devido à existência da Circulação Termohalina Global (CTG), que é responsável
pela manutenção do clima, uma vez que distribui uma porção considerável da energia recebida nos
trópicos para as regiões polares. Os pólos fazem a ligação dos ramos superior e inferior da CTG,
pois são regiões onde as águas ganham densidade e afundam formando as massas de água que
ventilam o fundo dos oceanos. O aquecimento das águas do Mar de Weddell (MW) no Continente
Antártico apresenta importantes implicações nos processos de formação das massas de águas
profundas, no derretimento do gelo superficial e no fluxo de calor oceano-atmosfera. Para avaliar as
tendências de temperatura no MW foram analisados dados de temperatura de 25 anos (1975-1999)
gerados pelo modelo acoplado de circulação geral Community Climate System Model (CCSM3)
para o cenário apresentado pelo Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC) para o século
XX. De um modo geral a ultima década (1990-1999) apresentou temperaturas superiores às médias
dos 25 anos analisados em todas as profundidades, alcançando até 0,14°C. Durante os 25 anos a
maior parte do MW apresentou uma tendência de aquecimento, com taxas de até 0,018°C/ano.
ABSTRACT
The oceans play an important role in the global energy budget, mainly, due to the existence
of the Global Thermohaline Circulation (THC), which controls global climate by distributing a
large amount of heat from the tropics to the poles. The poles connect the upper and lower branches
of the THC, where water loses buoyancy and gains density producing deep water masses that
ventilate the deep layers of the ocean. Warming of water in the Weddell Sea (WS) has important
implications for deep water formation, surface ice melting and ocean-atmosphere heat exchange. To
evaluate temperature trends in the WS, a 25-years data set has been analyzed, from 1975 to1999.
The data set was generated by the coupled general circulation model CCSM3 for the 20th century
scenery presented by IPCC. For the last decade (1990-1999), mean temperatures were up to 0,14°C
higher than the 25 year’s means, when the WS waters warmed at rates that reached 0,018°C/yr.
Palavras-Chave – Aquecimento; Oceano Austral; Mar de Weddell
1
Laboratório de Meteorologia Marinha, Instituto Oceanográfico – Universidade de São Paulo.
Praça do Oceanográfico, 191. Cidade Universitária. São Paulo SP - Cep: 05508-900 – Brasil – (11) 3091-6581.
[email protected]
INTRODUÇÃO
Existem diversos fatores que controlam o clima terrestre e regulam as suas variações a curto,
médio e longo prazo. Neste contexto, os oceanos se apresentam como uma componente
extremamente importante, no que se refere à manutenção das características climáticas globais, uma
vez que realizam um intenso intercâmbio de energia e momento com a camada inferior da
atmosfera (Summerhayes & Thorpe, 1996). Segundo Sulman (1982), cerca de 50% da radiação
solar absorvida pelo sistema atmosférico terrestre é incorporada pelos oceanos tropicais, sendo que
parte desta energia é devolvida para a atmosfera e parte é transportada ao redor do globo por
correntes oceânicas. Summerhayes & Thorpe (1996) afirmam que em 30°N o transporte de calor é
de aproximadamente 5 PW, dos quais 2 PW são transportados pelo oceanos em 24°N.
Segundo Broecker (1987) o fluxo de calor ao redor do globo associado às correntes
oceânicas pode ser analisado como um “cinturão condutor oceânico” que percorre todos os oceanos,
transportando calor dos trópicos para regiões polares. Schmitz (1996) atualizou o esquema proposto
por Broecker (1987) incluindo de forma mais detalhada a interação entre diversas as massas d’água
e correntes oceânicas que compõem a Circulação Termohalina Global (CTG), bem como os sítios
de formação dessas massas d’água (figura 1).
Figura 1: Representação esquemática da participação de diversas
correntes oceânicas na formação de massas d’água e na configuração
da Circulação Termohalina Global. (Adaptada de Schmitz, 1996).
O afundamento de águas mais densas no Oceano Austral contribui significativamente para a
formação do ramo inferior da Circulação Termohalina Global (Gordon, 1986; Broecker, 1987). O
Mar de Weddell (MW) é considerado o principal sítio de formação da Água de Fundo Antártica
(AFA), e assim, a fonte predominante de águas de alta densidade que ventilam os fundos do oceano
global. Com isso, mudanças nas águas profundas do MW podem afetar diretamente a formação da
AFA e, conseqüentemente, a quantidade de calor transportado pela CTG e o balanço energético da
Terra (Pereira, 2001; Robertson et al., 2002; Broecker & Peng, 1982).
O Mar de Weddell
O Mar de Weddell (figura 2) está localizado entre 60º e 78° de latitudes sul e entre 20° e 60°
de longitudes oeste, englobando a maior parte do giro de Weddell; um giro ciclônico que favorece a
formação da AFA, importante para ventilação dos fundos dos oceanos (Carmack & Foster, 1975;
Fahrbach et al., 1995; Pereira, 2006). O MW é limitado ao sul pelo Continente Antártico e a oeste
pela Península Antártica. As Cordilheiras Scotia do Sul, América-Antártica e Sudoeste Indiana
marcam os limites norte e nordeste do MW. É importante ressaltar que essas barreiras topográficas
são extrapoladas pelo giro de Weddell (Orsi et al. 1993).
Segundo Robertson (2002) e Orsi et al. (1993), em aproximadamente 30°E, águas
relativamente quentes e salinas da Corrente Circumpolar Antártica (CCA) são capturadas pelo giro
de Weddell e transportadas para oeste para regiões polares mais frias, onde a interação oceanoatmosfera-gelo promove o resfriamento dessas águas, que formam a Água Profunda Cálida (APC;
Foster & Carmack, 1976; Fahrbach et al., 1994; Pereira, 2006). Devido aos processos de mistura
sobre a plataforma continental e talude e as interações da APC com a Água Circumpolar Profunda
(ACP) ocorre a formação da Água Profunda do Mar de Weddell (APMW) e da Água de Fundo do
Mar de Weddell (AFMW). As duas massas d’água formadas fluem sobre o talude, sendo que a
AFMW fica represada em 3000-3500 metros de profundidade pela Cordilheira América-Antártica,
por apresentar salinidade superior a APMW. Esta última, por sua vez, se movimenta em
profundidades menores e pode transpor as barreiras topográficas, adentrando ao Mar de Scotia,
onde se transforma em AFA por processos de mistura e flui para o oceano profundo global
tornando-se parte da CTG (Robertson, 2002; Gordon, 1998; Fahrbach et al., 1998).
TENDÊNCIAS DE TEMPERATURA NO MAR DE WEDDELL
Foram analisados dados de temperatura gerados pelo modelo de circulação geral acoplado
Community Climate System Model (CCSM3) desenvolvido no National Center for Atmospheric
Research (NCAR) para o cenário apresentado pelo Intergovernmental Panel on Climate Change
(IPCC) para o século XX. Os dados se referem a uma radial que cruza o Mar de Weddell (figura 2),
compreendendo as regiões de entrada e saída - leste e oeste da radial, respectivamente - das águas
da CCA capturadas pelo giro de Weddell.
Figura 2: Oceano Austral, evidenciando a porção oeste do Continente Antártico e o Mar
de Weddell. A linha amarela mostra o giro de Weddell e as setas indicam as regiões de
inflow (leste) e outflow (oeste). A linha vermelha indica a seção transversal analisada.
Os dados compreendem o quarto final do século XX, mais precisamente do ano de 1975 ao
ano de 1999. Foram produzidas seções verticais contendo a média da temperatura nos 25 anos; a
média da temperatura na última década (1990-1999); a diferença entre a média dos 25 anos e a
última década (figura 3) e a tendência de variação anual de temperatura(figura 4).
Observa-se na figura 3 que a porção superior é caracterizada por uma água mais fria, devido
à interação oceano-gelo-atmosfera; logo abaixo, na porção leste da radial existe um núcleo de águas
mais quentes que representam a região de entrada das águas provenientes da CCA. A maior parte da
seção apresentou temperaturas mais elevadas entre os anos de 1990 e 1999 em até 0,14 °C (a
aproximadamente 1800 m de profundidade) na região correspondente a entrada.
Figura 3: diferença entre a temperatura média (°C) da última década (19901999) e a média dos 25 anos (1975-1999)
Para analisar o padrão no comportamento da temperatura ao longo do período analisado foi
construída uma seção vertical contendo a tendência de temperatura da região durante os 25 anos.
Novamente, a maior parte da seção apresentou uma tendência de aquecimento positiva, sendo que a
região correspondente à entrada das águas da CCA apresentou as maiores taxas de variação,
chegando a um incremento de 0,018 °C/ano (figura 5).
Figura 4: tendência de temperatura (°C/ano) no Mar de Weddell entre os anos de 1975 e 1999
DISCUSSÃO
Estudos como o de Fahrbach et al (2004), têm mostrado que a maior parte do Oceano
Austral apresentou um aquecimento nas últimas décadas e que alguns pontos específicos exibem
águas menos salinas, possivelmente como resultado do derretimento do gelo na superfície do
oceano. A importância do balanço de água doce reside no fato que um aporte acelerado dessa água
sobre o os sítios de formação das massas de águas profundas poderia diminuir a taxa de
afundamento dessas águas salinas e densas afetando a CTG, assim como ocorreu no passado.
O modo de variabilidade predominante no Oceano Austral é denominado Modo Anular do
Atlântico Sul (SAM). Esse modo é composto por uma estrutura zonalmente simétrica envolvendo
alternância de massas atmosféricas entre as médias e altas latitudes do Hemisfério Sul. Nos últimos
30 anos o SAM apresentou uma tendência positiva direcionada para o pólo, aumentando a força dos
ventos de oeste sobre o oceano, possivelmente como conseqüência da diminuição do ozônio
estratosférico e do aumento do efeito estufa. Assim, o SAM pode afetar tanto a posição do giro de
Weddell, quanto os processos de derretimento do gelo superficial.
O aquecimento das camadas superiores do Mar de Weddell pode ocorrer por dois processos;
aumento no aporte de águas quentes ou pela alteração dos processos de mistura no interior do MW.
Robertson et al. (2002) realizaram estudos com dados observacionais do Mar de Weddell e
encontraram uma tendência de aquecimento de 0,012+0,007 °C/ano para a Água Profunda Cálida,
que sofre maior influência da entrada de águas da CCA. Neste sentido, a tendência de aquecimento
encontrada para o MW no presente estudo corrobora os estudos pretéritos, especialmente para o
núcleo referente à entrada de águas quentes que apresentou uma taxa de 0,018 °C/ano.
As evidências mostram que o Oceano Austral está aquecendo nas últimas décadas e que esse
aquecimento pode afetar a intensidade da CTG e, conseqüentemente, o clima do planeta. Se essas
mudanças são naturais ou devido à ação antrópica, ainda não é possível afirmar, o que mantém este
questionamento para estudos e discussões futuras.
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