vax N OV E M B RO D E 2 0 1 2 | VOLUME 10 | NÚMERO 5 Boletim Sobre a Pesquisa de Vacinas Contra a Aids [EM FOCO] Camundongos e Homens Será que os camundongos humanizados que trabalham duro nos ajudarão a descobrir uma vacina contra a AIDS? Os cientistas parecem estar mais otimistas. Por Regina McEnery É difícil imaginar como um animal que cabe na palma da mão pode ser modificado a ponto de se comportar como o tio Ricardo ou a tia Joana ou, mais precisamente, o tio Ricardo ou a tia Joana com uma fortíssima infecção viral. Mas os camundongos que foram geneticamente modificados para não possuir um sistema imunológico fazem exatamente isso, porque podem aceitar quase todos os tipos de transplantes. Isto significa que podem ser modificados para carregar genes, células, tecidos e órgãos humanos funcionais e ser utilizados para o estudo de doenças humanas de maneiras que seriam eticamente inaceitáveis ou tecnicamente impossíveis em humanos. Os primeiros camundongos humanizados foram criados há mais de duas décadas. Desde então, aprimorações substanciais foram feitas em seus sistemas imunes transplantados, melhorando sua confiabilidade como modelos animais pré-clínicos. Atualmente existem quatro tipos principais de modelos de camundongos humanizados sendo usados para estudar tudo, desde diabetes e autoimunidade até câncer e uma grande variedade de doenças infecciosas. Mas nenhum outro agente infeccioso tem sido mais extensivamente estudado em camundongos humanizados do que o HIV. Embora primatas sejam ainda considerados o melhor modelo para o estudo da infecção de HIV, os camundongos humanizados possuem a vantagem de serem muito menos dispendiosos. À medida que sua qualidade melhora, eles estão se tornando parte integrante da pesquisa do HIV. Eles têm sido utilizados, por exemplo, para testar novas drogas contra o HIV e a entrega sistêmica de anticorpos neutralizantes—proteínas altamente específicas que se ligam a vírus e os impede de infectar células hospedeiras. Nos últimos anos, os cientistas têm desenvolvido camundongos humanizados que parecem recapitular um aspecto particularmente problemático da infecção pelo HIV: a persistência do HIV em reservatórios de células CD4+ T infectadas de forma latente, mesmo após o tratamento ter suprimido o vírus para níveis praticamente indetectáveis no sangue. Esses camundongos provavelmente serão valiosos para os esforços cada vez maiores para encontrar uma cura para o HIV, que ultimamente têm se concentrado em reativar estes reservatórios latentes para que possam ser identificados como alvos e destruídos. Modelos de camundongos humanizados também têm sido procurados para auxiliar no desenvolvimento de uma vacina contra a Aids. No entanto, limitações na capacidade destes modelos no desenvolvimento de respostas de células T funcionais contra o vírus que imitam as encontradas em seres humanos—um braço crítico de uma resposta ao HIV induzida por vacina—têm limitado o entusiasmo em relação a estes pequenos modelos animais. Além disso, as dificuldades para infectar camundongos humanizados pela sua mucosa devido à insuficiência de células humanas no trato vaginal, retal e gastrointestinal têm igualmente impedido os esforços para utilizar os camundongos para estudar a transmissão e a patogênese do HIV. Mas uma série de artigos publicados este ano sugere que os pesquisadores descobriram uma maneira de contornar esses obstáculos, sobretudo com a criação do camundongo humanizado com tecidos da medula óssea, fígado, ou timo humanos (BLT). Estes camundongos foram o destaque em um simpósio de um dia realizado em 5 de novembro na Facul- w w w. IAV Ir e p o rt. ORG | VAX N OV E M B RO D E 2 0 1 2 dade de Medicina de Harvard, em Boston, dedicado à aplicação de modelos de camundongos humanizados no desenvolvimento de vacinas contra a Aids. “As respostas imunes nestes modelos são muito semelhantes ao que vemos na infecção humana”, disse Todd Allen, co-presidente do simpósio e principal investigador do Instituto Ragon do Hospital Geral de Massachusetts (MGH), Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e Harvard. “Mas não sabemos ainda que resultados esperar após a vacinação desses camundongos. A maior limitação é que isto continua a ser um modelo de um sistema imune humano em um ambiente de camundongo.” Um turbilhão de descobertas Allen liderou um estudo recente que causou um pequeno alvoroço nos círculos de pesquisa de vacinas contra a Aids. Ele e seus colegas descobriram que os camundongos BLT infectados com HIV geraram respostas imunes celulares muito semelhantes às observadas em seres humanos infectados pelo HIV, e além disso, que o HIV também escapou dessas respostas de uma maneira muito semelhante a uma infecção natu- NOTA PARA ASSINANTES A partir do ano que vem, o VAX deixará de ser publicado na versão impressa. Mas a cobertura e o diálogo continuarão on-line em nosso novo website, www.vaxreport.org, onde iremos fornecer uma cobertura mais ampla e oportuna das notícias relacionadas com vacinas contra a Aids. Por favor, diga-nos o que acha, e Boas Festas. ral. Por fim, Allen e sua equipe descobriram que os camundongos BLT que transportam um gene relacionado ao sistema imune humano associado a um maior controle da replicação viral suprimiram o vírus de uma maneira praticamente idêntica à forma como os seres humanos que expressam o mesmo gene controlam o vírus. Allen disse que seu laboratório está agora examinando o potencial para induzir respostas imunes humanas específicas ao HIV nos camundongos humanizados através de vacinação. Embora os camundongos sejam muito menores do que as pessoas, eles podem esclarecer como o HIV se instala no corpo, algo que foi vividamente ilustrado por Thorsten Memel, colega de Allen em Harvard. Ele e sua equipe rastrearam recentemente células T humanas infectadas pelo HIV no linfonodo de um camundongo humanizado utilizando uma ferramenta de vigilância de alta tecnologia chamada microscopia intravital. Esta foi a primeira vez que os cientistas visualizaram o comportamento de tais células em um animal vivo. O estudo descobriu que as células T infectadas pelo HIV migram em grande número nos gânglios linfáticos. Um pequeno subconjunto destas células infectadas é derivado de fusões celulares múltiplas ou por meio de aderências múltiplas a outras células T CD4+ no nódulo linfático. Estas interações resultaram na formação de longas superfícies de membrana contínua que aumentaram cerca de dez vezes o comprimento das células infectadas. Os pesquisadores sugerem que tudo isto pode facilitar a transmissão célula-a-célula do vírus e promover a disseminação generalizada do HIV. Em outro estudo, os cientistas injetaram em células musculares de camundongos humanizados um vetor viral modificado otimizado para a produção de vários anticorpos amplamente neutralizantes (bNAbs), que têm como alvo uma vasta gama de muitas variantes genéticas do HIV. Eles descobriram que os anticorpos impediram a infecção mesmo quando os animais foram desafiados com doses elevadas de HIV. Alex Balazs, pesquisador do laboratório de David Baltimore, no Instituto de Tecnologia da Califórnia, onde os experimentos foram conduzidos, disse que resta saber se os resultados observados em camundongos BLT podem ser replicados em humanos. “A história tem nos Gerente editorial Kristen Jill Kresge Redator de ciência sênior Andreas von Bubnoff, PhD Redatora de ciência Regina McEnery Gerente de produção sênior Nicole Sender Supervisão da Edição em Português Alexandre Menezes Colaboração e Distribuição no Brasil Grupo de Incentivo à Vida 2 mostrado que os seres humanos não se comportam como camundongos”, disse Balazs. “Temos que estar preparados para surpresas.” Camundongos humanizados também estão contribuindo para a pesquisa sobre novas terapias. Michel Nussenzweig, cientista da Universidade de Rockefeller, tem testado potentes coquetéis de bNAbs como terapia em camundongos humanizados infectados com HIV. Ele e sua equipe descobriram que a utilização de um único bNAb ou de até mesmo três não produziu resultados duradouros; o vírus se recuperou semanas após a conclusão do tratamento com o anticorpo. Mas quando aumentaram o número de bNAbs utilizados, o vírus não se recuperou em sete dos oito camundongos depois de dois meses. Os pesquisadores suspeitam que o arsenal em expansão de anticorpos mais potentes pode melhorar as chances de essa estratégia funcionar e, se for o caso, poderá ser uma alternativa para a rotina diária de terapia antirretroviral. As origens do BLT O camundongo BLT foi inicialmente desenvolvido pelo virologista Victor Garcia-Martinez, que atualmente trabalha na Universidade da Carolina do Norte, em conjunto com uma equipe da Universidade de Minnesota. Cientistas produzem os camundongos através da implantação cirúrgica de organóides humanos, que são o tecido hepático fetal e o tecido tímico que imitam os órgãos—neste caso os órgãos que são essenciais para o desenvolvimento das células do sistema imunológico. Os camundongos são então irradiados e recebem transplantes de células-tronco retiradas de fígados fetais humanos. Estas células fixam residência na medula óssea, estabelecendo uma origem para o sistema imunológico humano produzido pelos camundongos BLT. Os camundongos alterados desta maneira apresentam uma grande variedade de células imunes humanas no sangue periférico; as células também infiltraram tecidos e órgãos nos pulmões, trato gastrointestinal e fígado, tal como fariam no corpo humano. Garcia-Martinez e sua equipe demonstraram que estes camundongos desenvolveram células T humanas em um ritmo frenético após serem injetados com a toxina bacteriana que provoca a síndrome do choque tóxico, ou Tóxico-1, um sinal de que os seus sistemas imu- nes eram semelhantes ao dos seres humanos. Os pesquisadores também mediram a quantidade de tempo levado para os camundongos produzirem citocinas e descobriram que correspondeu ao tempo necessário para induzir respostas inflamatórias humanas. Mas o sistema imune BLT transplantado não é idêntico ao de um ser humano. Um desafio, por exemplo, é que células produtoras de anticorpos, conhecidas como linfócitos B, não amadurecem adequadamente nos corpos dos camundongos. Dale Greiner, um cientista da Universidade de Massachusetts autor de duas revisões sobre o impacto dos modelos de camundongos humanizados no estudo de doenças humanas, disse que isso pode acontecer porque os órgãos linfóides nesses camundongos são desorganizados. É nesses órgãos que as respostas imunes são amplificadas e refinadas, especialmente as que envolvem a produção de anticorpos neutralizantes, que são no momento um foco central da pesquisa de vacinas contra o HIV. Nos seres humanos, disse ele, todos os componentes estão “onde precisam estar.” Em camundongos humanizados “é como entrar em um armazém, onde tudo está espalhado.” Greiner diz que a engenharia genética necessária para remover o sistema imune destes camundongos, de modo que este possa ser substituído por um humano, pode inadvertidamente perturbar os genes necessários para “organizar” seu sistema linfático de uma forma imunologicamente funcional. Ainda assim, os pesquisadores estão otimistas sobre o futuro dos camundongos humanizados na pesquisa de vacinas contra a Aids e parecem acreditar que o modelo BLT, em particular, pode ser ajustado e melhorado para esse fim. “O que eu acho que realmente catalisaria o campo”, disse Andrew Tager, um cientista da Faculdade de Medicina de Harvard que colaborou com Allen em seu recente estudo, “é se pudesse haver financiamento para permitir que um consórcio se concentrasse em aperfeiçoar este modelo visando responder a mais perguntas sobre o HIV. Como podemos melhorar ainda mais as respostas imunes do modelo? Precisamos colocar mais genes humanos nos camundongos? Temos demonstrado que estamos no caminho certo. Este é o momento.” g ASSINATURAS GRATUITAS: Para obter uma assinatura GRÁTIS do VAX por e-mail, para alterar as informações de sua assinatura ou receber cópias impressas do VAX para distribuir e/ou usar em seus programas, visite o site www.iavireport.org e clique no link Subscribe (Assinar). vax O VAX é um boletim bimensal do IAVI Report, um periódico sobre a pesquisa de vacinas contra a Aids publicado pela Iniciativa Internacional de Vacinas contra a Aids (IAVI). O boletim está atualmente disponível nos idiomas inglês, espanhol e português na forma de um arquivo PDF, que pode ser baixado pela Internet ou recebido por meio de um boletim eletrônico. A Iniciativa Internacional de Vacinas contra a Aids (IAVI) é uma organização mundial sem fins lucrativos cuja missão é assegurar o desenvolvimento de vacinas preventivas para o HIV seguras, eficazes e acessíveis para uso em todo o mundo. Fundada em 1996, a IAVI trabalha com parceiros em 25 países para pesquisar, conceber e desenvolver vacinas candidatas contra a Aids. Além disso, a IAVI faz análises de políticas e atua em prol do campo de pesquisa de vacinas contra a Aids. Para obter mais informações, acesse www.iavi.org. Copyright 2012. VAX NOVEMBRO DE 2012 | w w w. IAV Ir epo rt. o r g NOTÍCIAS MUNDIAIS ENTREVISTA COM MITCHELL WARREN por Regina McEnery Vacina candidata contra a malária é menos eficaz em bebês Novas conclusões de um estudo sobre vacina contra a malária de Fase III em andamento na África sugere que a candidata RTS,S reduz a incidência de malária clínica e malária grave em apenas 31,3% e 36,6%, respectivamente, entre crianças de 6 a 12 semanas de idade. Publicado em 9 de novembro no New England Journal of Medicine, os resultados indicam que a eficácia da RTS,S foi menor que a relatada no ano passado na população de crianças mais velhas que participaram do mesmo estudo (ver o artigo Com a mira na malária na seção Em foco do VAX de novembro de 2011). Também parece ser inferior aos números previamente registrados em um ensaio de Fase II menor. Mary Hamel, médica epidemiologista dos Centros para Controle e Prevenção de Doenças dos EUA e principal investigadora em um dos centros de pesquisa clínica do estudo em Kisumu, no Quênia, disse que os pesquisadores deverão ter números mais precisos quando os dados de todos os locais onde o estudo foi realizado forem divulgados no próximo ano ou daqui a dois anos. “Podemos descobrir que, reunindo os dados dos 11 locais de ensaio, as diferenças na eficácia da vacina por intensidade de transmissão da malária estavam mascaradas”, diz Hamel. “A maioria dos casos de malária nesta análise estava em áreas de transmissão muito elevada. A eficácia em zonas de transmissão de malária baixa ou moderada pode ser mais elevada, em linha com o ensaio de Fase II.” Desenvolvida e fabricada pela Glaxo SmithKline (GSK) Biologicals, a RTS,S contém uma proteína encontrada na superfície do esporozoíto P. falciparum, a forma do parasita transmitida a partir de mosquitos para as pessoas, ligada ao antígeno da vacina da hepatite B. É formulada com AS01, um adjuvante fabricado pela GSK. A candidata RTS,S foi co-administrada com duas vacinas licenciadas: uma vacina pentavalente contra a difteria, tétano, coqueluche, hepatite B e Haemophilus influenzae tipo B, e uma vacina contra a poliomielite. Os cientistas sugerem que a co-administração das vacinas licenciadas, incluindo o antígeno da hepatite B, que foi efetivamente aplicado duas vezes, pode ter prejudicado a resposta imune à vacina RTS,S candidata. Hamel acrescenta que os bebês têm sistemas imunológicos imaturos que respondem menos vigorosamente à vacinação, e que suas respostas poderiam ter sido ainda mais comprometidas por anticorpos contra os esporozoítos transmitidos por suas mães. A menor eficácia da vacina também pode estar associada com regiões de maior transmissão, mas isso só será conhecido quando a análise específica do local for concluída. O destino da RTS,S permanece incerto. A Malaria Vaccine Initiative da PATH, que financiou a maior parte da pesquisa com uma doação de US$ 200 milhões da Fundação Bill & Melinda Gates, ainda não anunciou qualquer decisão. “A eficácia foi menor do que esperávamos, mas o desenvolvimento de uma vacina contra um parasita é algo muito difícil de se obter”, disse Bill Gates em um comunicado no site da PATH. “O estudo continua, e estamos ansiosos para obter mais dados para ajudar a determinar se e como esta vacina será implementada.” Dybul vai liderar o Fundo Global Mark Dybul, médico e imunologista que ajudou a criar e, em seguida, liderou o Plano Emergencial de Assistência à Aids do Presidente Americano (PEPFAR) por três anos, irá liderar o Fundo Global de Combate à Aids, Tuberculose e Malária, em Genebra. A nomeação de Dybul surge em um período especialmente turbulento para o Fundo Global, uma organização prolífica na angariação de fundos que tem enfrentado problemas de financiamento e gestão nos últimos anos (ver The Global Fund’s Uncertain Future (O futuro incerto do Fundo Global), IAVI Report, janeiro-fevereiro de 2012). Dybul substitui Michel Kazatchkine, que deixou a organização no início de 2012, pouco depois de a diretoria do Fundo Global nomear o banqueiro internacional Gabriel Jaramillo para o recém-criado cargo de gerente geral e colocá-lo no comando das operações do dia-a-dia. Dybul era médico da equipe do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos Estados Unidos quando juntou-se a uma forçatarefa que levou à criação do PEPFAR em 2003. Desde 2009, ele co-dirigiu o Programa Mundial de Legislação de Saúde no Instituto O’Neill de Legislação Nacional e Mundial de Saúde da Universidade de Georgetown. O VAX perguntou recentemente ao diretor executivo da AVAC, grupo que defende a prevenção do HIV em âmbito mundial, qual a sua opinião a respeito de o que o segundo mandato do presidente dos EUA, Barack Obama, provavelmente significa para a agenda global de Aids. O resultado da eleição nos EUA mudou a dinâmica das contenciosas negociações orçamentais em Washington? Espero que mude alguma coisa. Tudo depende [da possibilidade] de o governo dos EUA encontrar uma solução para o abismo fiscal até janeiro. Trata-se de uma questão extremamente importante. Se o governo dos EUA instaurar cortes de gastos automáticos em todas as áreas isso terá um efeito incrivelmente ruim tanto na saúde mundial quanto na pesquisa e desenvolvimento. No caso do PEPFAR [Plano Emergencial de Assistência à Aids do Presidente Americano], muitos países já ultrapassaram os limites das reservas para tratamento porque os recursos são menores. Se ocorrerem cortes significativos em termos de ajuda externa, haverá ainda menos pessoas em tratamento. Você acha que esta crise pode ser evitada? Minha esperança, e eu tendo a ser otimista, é que todos parecem entender o problema. Obviamente, a abordagem atual de fazer as coisas como sempre foram feitas tem que mudar. Mas embora sejam necessários cortes rígidos, a retenção de fundos é a pior maneira de lidar com o problema. Empregos seriam perdidos e o progresso seria revertido. Que papel desempenham os ativistas do combate à Aids durante essas negociações orçamentárias? Muito esforço está concentrado em fazer com que as pessoas vejam qual será o impacto da retenção de fundos. E acho que também precisamos ter certeza de manter o foco no longo alcance do que estamos tentando fazer, mostrando os investimentos conquistados com suor que foram feitos. Levamos muito tempo para criar esses programas. Depois de fechar a torneira, e ter de demitir pessoas e cancelar programas, reiniciar [os programas], mesmo um ano depois, é muito mais complicado. Parece que o Affordable Care Act [ACA] (Lei de Proteção ao Paciente e Serviço de Saúde Acessível) veio para ficar. Qual será seu impacto sobre os serviços relacionados ao HIV? Uma das melhores coisas [na lei] é que a prevenção agora faz parte do sistema de cuidados de saúde, o que significa mais acesso a testes de HIV e serviços preventivos. Além disso, mais pessoas também terão acesso aos cuidados. O desafio agora é: Como implementar [a ACA]? Muitos estados estão em uma situação de espera. O PEPFAR também estará sujeito à uma reautorização no ano que vem. Qual é a situação atual? Precisamos ter certeza de que o [PEPFAR] será financiado de forma robusta. Há também um conceito cada vez mais presente, chamado de “responsabilização dos países”. Os países precisarão assumir suas responsabilidades e serem donos de seus programas [de Aids]. Para ler a entrevista completa, acesse www.vaxreport.org. w w w. I AV I r e p o rt. ORG | VAX N OV E M B RO D E 2012 3 [BÁSICAS] Entendendo as vacinas de DNA Quais são os principais desafios que os pesquisadores da Aids já enfrentaram no desenvolvimento de vacinas de DNA e como os recentes avanços os estão ajudando a superá-los? Por Regina McEnery Muitas vacinas virais comuns têm sido feitas matando um vírus de interesse ou enfraquecendo-o de modo que não provoque a doença. Quando as pessoas são imunizadas com tais preparações, geram uma resposta imunológica que as protege posteriormente de cepas patogênicas do vírus alvo. Infelizmente, usar uma versão enfraquecida ou atenuada do HIV para estimular a imunidade protetora permanece fora dos limites para os desenvolvedores de vacinas contra a Aids. O HIV sofre mutações muito rapidamente, alterando a sua composição genética drasticamente até mesmo dentro de um indivíduo infectado. Os pesquisadores, portanto, preocupam-se com a possibilidade de uma versão atenuada do HIV sofrer uma mutação e recuperar sua capacidade de causar a doença. Usar uma versão inócua do HIV em uma vacina candidata também é impraticável porque é difícil provar que o vírus está completamente inativado. Além disso, estas vacinas não conseguiram proteger macacos contra o vírus da imunodeficiência símia (SIV, o equivalente do HIV em macacos). Estas preocupações levaram os cientistas a procurar métodos melhores e mais seguros para a criação de vacinas candidatas contra a Aids. Uma dessas alternativas é a vacinação com DNA, em que os genes de um patógeno de interesse são injetados em pessoas para gerar uma resposta imune protetora. Essencialmente, as vacinas de DNA contra o HIV são compostas de segmentos inofensivos de DNA do próprio HIV que foram colados em pedaços circulares de DNA conhecidos como plasmídeos, que infectam bactérias na natureza e têm sido muito utilizados para expressar genes em laboratórios. Depois de um DNA de plasmídeo modificado e purificado ser injetado em uma pessoa, geralmente com uma pistola de genes na pele e no músculo, ele é passivamente absorvido pelas células. Essas células, então, usam seu próprio mecanismo de produção de proteínas para produzir as proteínas do HIV codificadas pelo plasmídeo. Isto geralmente resulta na ativação da resposta imune celular, que tem como alvo as células infectadas por vírus. Mas as vacinas de DNA também podem ser concebidas para gerar respostas de anticorpos, que podem bloquear a invasão viral das células e, historicamente, desempenharam um papel central na imunização por vacinas (ver o artigo Entendendo o sistema imunológico, Parte 1 na seção Básicas de fevereiro de 2004 e o 4 artigo Entendendo o sistema imunológico, Parte 2, na seção Básicas de março de 2004). Quando vacinas de DNA foram propostas pela primeira vez no início da década de 90, os dados pré-clínicos pareciam promissores. Cientistas descobriram que os camundongos inoculados por via subcutânea com os genes que codificam o hormônio de crescimento humano produziram anticorpos contra essa proteína. Além disso, as vacinas de DNA candidatas eram, mesmo naquela época, relativamente fáceis de preparar e estáveis à temperatura ambiente. Os pesquisadores ficaram, portanto, atraídos por esta estratégia. Isso significava que tais vacinas candidatas poderiam ser produzidas de forma relativamente rápida e barata em grandes quantidades e que, além disso, satisfariam as necessidades do mundo em desenvolvimento, onde a capacidade de refrigeração é geralmente limitada e o transporte difícil. Mas as vacinas de DNA candidatas também apresentaram alguns desafios. O aspecto mais importante era que desencadeavam respostas imunes relativamente fracas porque os plasmídeos não são absorvidos com muita eficiência pelas células. Produzir formas estáveis de DNA plasmídeo modificado também provou ser mais difícil e mais caro do que os pesquisadores esperavam. Estes contratempos diminuíram o entusiasmo pelas vacinas de DNA, não só contra o HIV, mas outros patógenos também. De fato, nenhuma vacina de DNA foi ainda licenciada para prevenir uma doença humana. Novas ferramentas melhoram as respostas No entanto, nos últimos anos, os avanços tecnológicos têm revitalizado o campo da vacinação com DNA. Uma nova ferramenta que contribuiu para seu ressurgimento é a tecnologia de aplicação de vacina chamada eletroporação (EP), que induz poros temporários nas membranas das células musculares ou da pele de modo que possam aceitar plasmídeos mais facilmente. Os pequenos dispositivos portáteis de EP atuais muitas vezes incluem uma agulha para injetar a vacina e fios finos que administram curtos pulsos elétricos durante a aplicação da vacina. Inicialmente desenvolvido na década de 1970, a EP vem sendo aperfeiçoada e testada em um número crescente de estudos em seres humanos desde o início de 1990. Nos últimos anos, os dispositivos de EP foram aperfeiçoa- VAX NOVEMBRO DE 2012 | w w w. IAV Ir epo rt. o r g dos para causar menos dor e injetar os plasmídeos de forma mais eficiente, e continuam a ser testados em ensaios de vacinas contra o HIV. Os adjuvantes que estimulam a resposta imune às vacinas, também estão sendo utilizados para melhorar as vacinas candidatas baseadas em DNA. Muitas vacinas licenciadas, como a vacina contra a gripe, são formuladas com adjuvantes químicos. Mas, à medida que o entendimento do sistema imunológico e seus fatores por parte dos pesquisadores aumenta em sofisticação, adjuvantes e métodos para a sua aplicação totalmente novos estão sendo testados em ensaios clínicos. Em vez de apenas co-formular as suas vacinas candidatas com adjuvantes, por exemplo, os responsáveis pelo desenvolvimento de vacinas contra a Aids conceberam plasmídeos de DNA para transportar os genes para as proteínas que são potentes aceleradores de respostas imunes celulares. Uma dessas proteínas, a interleucina 12, é produzida naturalmente pelas células dendríticas, que desde há muito se sabe desempenham um papel central na imunização por vacina. Os ensaios clínicos estão agora testando vacinas candidatas de DNA que são aplicadas por meio de eletroporação, juntamente com o gene para a IL-12. Os pesquisadores também “ajustaram” os plasmídeos utilizados para produzir vacinas de DNA de modo que as células humanas possam expressar mais dos antígenos de HIV que codificam, e assim desencadear respostas imunes mais fortes. Uma forma de fazer isso é incluir promotores de plasmídeos—sequências de DNA que iniciam a leitura de genes para a produção de proteínas—que são mais eficazes em incitar a expressão dos genes. Os desenvolvedores de vacinas também melhoram as respostas imunes usando candidatas de DNA como vacina principal e, depois disso, reforçando a resposta que provoca com outro agente, como a vacina candidata de vetor viral de varíola dos canários que foi utilizada no ensaio RV144 na Tailândia. Regimes desse tipo são conhecidos como primária-mais-reforço heterólogo. O DNA utilizado como primária concentra a resposta imune nas inserções da vacina candidata, eventualmente com a ajuda de um adjuvante. O impulso subsequente melhora a resposta preparada. Juntas, as novas tecnologias e as estratégias de imunização tradicionais têm contribuído para um ressurgimento no desenvolvimento de vacinas de DNA. g