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Realidade: Complexidade e Contemporaneidade
Marcello Chamusca
A realidade é algo tão natural para a maioria das pessoas, que raramente se pára pra pensar nela
como algo complexo e que mereça atenção enquanto objeto de estudo científico. Contudo, existem
muitas teorias desenvolvidas e em desenvolvimento sobre a realidade, ou quem sabe seria mais
correto falar: sobre realidades (no plural).
No senso comum, a palavra realidade tem o mesmo significado de verdade. Quando queremos
dizer que algo é verdade dizemos: “Na realidade, o que aconteceu foi ...” ou “Na verdade, o que
aconteceu foi ...”. Já a ciência, tenta se apoderar da verdade através da realidade. A realidade
científica é tida por muitos como a verdade absoluta, apesar da característica de transitoriedade, ou
seja, nenhuma verdade científica pode ser considerada definitiva. Quando Isac Newton através da
sua teoria cartesiana, foi praticamente endeusado, acreditava-se que enfim teria se chegado a
verdade definitiva sobre a realidade do mundo. Afinal, através dela podia se explicar cada
movimento, cada detalhe, cada objeto do mundo em que vivemos com equações matemáticas
precisas. Hoje, ainda respeita-se Newton como um grande gênio para sua época, mas quando os
físicos tiveram acesso a estrutura de um átomo, que Newton acreditava ser a menor partícula solida
da matéria, ficaram surpresos com o que viram: existiam dentro do átomo um núcleo muito menor e
dentro do núcleo elétrons muito menores ainda. Ou seja, aquilo que por tanto tempo se acreditou
como sendo a verdade absoluta do mundo físico, não era realidade.
Quando no primeiro parágrafo foi colocado que talvez seria mais correto falar realidades em
vez de realidade é que, ao se levar em conta as perspectivas da realidade humana sob o ponto de
vista sociocultural, contextualizando os indivíduos nos aspectos históricos das sociedades e
civilizações, ter-se-ia uma complexidade muito grande das noções de realidade. Contudo, ao tratar
sobre o tema, deve-se procurar buscar os consensos. Relativizar é importante, para que não
percamos a clareza da diversidade e subjetividade humana, mas deve-se sobretudo, através dos
pontos consensuais, tentar elucidar e esclarecer aos interlocutores da discussão o que afinal é essa
tal realidade.
Quando no século XIX, foram fundadas as Ciências Humanas, já estavam consolidadas, há dois
séculos, as metodologias e procedimentos das Ciências Naturais. Deste processo histórico,
desenvolveu-se o modelo epistemológico positivista, que importou os métodos e procedimentos
experimentais das Ciências Naturais para as Ciências Humanas. A professora e psicóloga Cristiane
Oliveira costuma dizer que “as ciências humanas comprou o kit pronto das ciências naturais”.
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Porém, muitas questões foram levantadas a respeito da complexidade e subjetividade do
comportamento humano. Desta inquietação que havia na comunidade científica, sobre o modelo
ideal para estudar o homem com todas as suas nuances psicológicas, surgem os modelos filosóficos
da Fenomenologia e Dialética, que procuram dar conta também dos aspectos históricos e culturais
que envolvem o homem e a sua realidade.
A realidade quando vista através de um modelo epistemológico mais abrangente, passa a ser
notada de um modo muito mais complexo. Notamos isso mais claramente no filme Ponto de
mutação, quando uma das personagens principais, a Dra. Sonia, propõe um novo modelo filosófico
para a percepção da realidade. Diz que quando Descartes fundou a Teoria Mecanicista no século
XVII - criando uma ruptura com o pensamento religioso predominante na época, comparando
metaforicamente o mundo a uma máquina, mais precisamente um relógio – ela era uma dádiva, pois
fez a ciência avançar independente da Igreja e por muito tempo foi válida. Contudo, os tempos
mudaram e nem mesmo a máquina de relógio da qual construiu a sua metáfora existe mais. Hoje
temos no lugar do pêndulo e do mecanismo de madeira, cristais de quartzo e microchips. A nova
teoria proposta é a dos Sistemas. Nesta teoria ao invés de pegar cada peça da “maquina” para
estudar separadamente para então tentar entender o todo, como fazem os mecanicistas, estuda-se o
sistema como um todo. Por exemplo, ao pegar um animal da silvestre como objeto de estudo, um
mecanicista o dissecaria para estudar os seus membros separadamente, já um pesquisador adepto da
Teoria dos Sistemas, procuraria analisar o ecossistema que esse animal está envolvido, as conexões
que mantém com outros animais e vegetais da floresta e suas relações de interdependência com
esses seres.
Percebe-se com isso, que a realidade depende da perspectiva de quem a encara. Num diálogo de
uma cientista, um político e um artista, pode-se notar claramente como a perspectiva de cada um
muda o conceito de realidade. Uma cientista terá sempre uma visão investigativa e conceitual das
coisas, já o político sempre buscará de forma objetiva conseguir tirar proveito eleitoral ao inserir
aquilo nas discussões políticas, enquanto o artista procurará poesia naquilo e metaforicamente
sempre o encontrará.
Ao falar de realidade, cai-se sempre no lugar comum de que ela é relativa e complexa, mas
numa realidade pelo menos, devemos buscar consenso: na realidade moral e ética das instituições.
Cada cidadão tem que ser responsável pelas conseqüências do conhecimento que produz e além
disso ter noção da proporção da posição que ocupa na sociedade em que vive, para que assim possa
contribuir para uma realidade melhor, ou se preferir, realidades melhores.
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