AS “DORES EMOCIONAIS” E O CÂNCER DE MAMA De forma geral, estudos de pacientes com câncer em populações ambulatoriais ou hospitalares relatam um acometimento de cerca de 50% de transtornos psiquiátricos. Estes variam desde os Transtornos de ajustamento (68%), seguidos por depressão maior (13%) e quadros confusionais devidos à doença orgânica e às repercussões clínicas das manifestações do câncer no organismo. Assim, parte dos casos reflete transtornos psicológicos e até mesmo psiquiátricos anteriores à doença (como a Depressão) , podendo piorar ao longo do diagnóstico e tratamento do Ca de mama, especificamente, e outra parte do adoecimento psíquico pelos tumores da mama pode ser considerada uma reação ao diagnóstico (como o Transtorno de Ajustamento ou de adaptação), reação esta ao “peso” da doença e ao impacto deste no cotidiano das pacientes, em seu dia a dia, a partir de então. Tais números de incidência de câncer de modo geral podem ser até assemelhados aos de outros pacientes com doenças comparáveis , o que pode contrariar o dito popular de que os pacientes de ca de mama poderiam/deveriam ser sentir “piores”, que outros doentes de câncer. Do ponto de vista da clínica psiquiátrica, os transtornos de ajustamento com humor deprimido, ansiedade , mistos de ansiedade e depressão e a própria doença depressiva são o maior grupo de diagnósticos encontrados nas pacientes com câncer. Os transtornos de ajustamento são aqueles em que uma resposta aguda ao estresse persiste e passa a interferir em áreas importantes da vida - como aquela que acontece quando a paciente recebe o diagnóstico de um ca da mama. É normal, portanto, um sentimento de tristeza, desânimo, desesperança, pessimismo em relação ao presente e ao futuro, dentre outros. Até vivências de morte podem acontecer. O que vai diferenciar o transtorno de ajustamento com uma reação aguda ao estresse, do Transtorno Depressivo propriamente dito é a magnitude, a persistência , a duração desses sintomas ,e sobretudo o quanto esses sintomas irão prejudicar e causar impacto na funcionalidade do dia dia da mulher, como no que concerne ao engajamento ao tratamento, desde o diagnóstico, passando pelo tratamento, até a cura se for o caso. Nem todo caso de reação de tristeza e pesar diante do impacto inicial de uma enfermidade ,como o câncer ,pode ser a doença chamada de Depressão propriamente dita. O câncer de mama é a neoplasia maligna que mais acomete o sexo feminino, sendo a maior causa de morte por este tipo de doença, segundo dados da OMS. 57960 novos casos de tumores de mama são esperados este ano no Brasil e 740 destes, no Recife. ( Fonte: INCA-Instituto Nacional do Câncer). A partir do momento em que uma mulher descobre que está com um nódulo na mama, tem início todo um processo mental de medos, dúvidas, incertezas que podem ou não ser "amenizadas" através do exame físico e exames radiológicos. Se houver a confirmação de que aquele achado é mesmo de um tumor maligno, a mulher pode passar por várias fases de conflito interno que variam desde a negação da doença propriamente dita, onde a paciente (e familiares) procuram diversos profissionais na esperança de que algum desses discorde do diagnóstico anterior, até a fase final de aceitação (ou não ) da doença. Dados de mastologistas (médicos especialistas no cuidado das mamas) corroboram esse relato de que muitas pacientes, principalmente quando do diagnóstico, negam a doença a despeito de todas as provas médicas oferecidas pela ciência em contrário. Afinal, ainda nos tempos de hoje , ter um diagnóstico de Ca de Mama é visto por inúmeras pessoas, muitas vezes, como um estigma de morte, promovendo reações de “desespero”, de “choque” na pessoa acometida, bem como olhares preconceituosos por parte da própria família e sociedade como um todo, como ver o indivíduo como “coitado”, despertando reação de pena e pesar. Ressalte-se ainda que os conflitos emocionais pelos quais passam a mulher e seus familiares vítimas do câncer de mama não param depois dos momentos iniciais de impacto quando do diagnóstico, indo para além da cirurgia, passando pelos tratamentos com a quimioterapia, radioterapia e terapia hormonal, quando indicados. Entretanto, a reação psíquica do paciente ao diagnóstico de câncer de mama, e se esta passará ou não de um transtorno de adaptação (temporário) a um quadro depressivo propriamente dito (requerendo tratamento medicamento, inclusive) depende de inúmeras variáveis, como a questão dos fatores biológicos/genéticos inerentes à sua constituição física , de suas características de personalidade e de seu modo de reagir a uma situação de grande estresse, dentre outros. Este, por sua vez, tem a ver com a forma como a pessoa ver a si mesma, como se relaciona com os outros e como ver (sente) os acontecimentos em sua existência; depende também das variáveis do tratamento (o estágio da doença e os tratamentos disponíveis), de sua interação com a doença (aceitação e busca ativa do tratamento ou negação e entrega a um desfecho desfavorável), de fatores ambientais e do apoio familiar e de amigos. No que concerne a esse aspecto dos laços afetivos em si, estes são de fundamental importância durante todo o processo de tratamento, vez que a própria família não só teria a função de compreender, de amparar a pessoa acometida, mas ser ela mesma alvo de atenção por parte da equipe de tratamento; para ser fonte de apoio, de acolhimento, a família precisa primeiro aceitar a nova realidade em seu ente querido. Vale salientar que nem toda pessoa acometida por câncer (de mama ou não) necessariamente irá desenvolver um Transtorno Psiquiátrico per si, no sentido de doença catalogada na Classificação Internacional das Doenças (CID-10). Conforme citado acima, e de acordo com a gênese das doenças mentais, há uma miscelânea de fatores biológicos/genéticos, psicológicos e sócio-ambientais /laborais, que influenciam no deflagrar dos Transtornos Psiquiátricos. Na maioria dos casos, podem-se ver reações psíquicas normais/fisiológicas, diante do adoecer e da doença, o que demandaria sobretudo um bom suporte psicológico ,através das Psicoterapias, do apoio sóciofamiliar, da equipe de tratamento, de bons laços afetivos, enfim; em outros casos, entretanto, haveria o deflagrar de quadros psiquiátricos propriamente ditos desde as reações agudas ao estresse (transtornos de ajustamento) , até verdadeiros quadros Depressivos (com ideação e tentativas de suicídio) a requerer tratamento especializado com psiquiatras e uso de antidepressivos, além de Psicoterapias apropriadas, suporte da equipe multiprofissional, dentre as outras formas de apoio já citadas. Diante do exposto, tem-se como objetivo principal na abordagem ao paciente com Ca de mama promover o melhor restabelecimento da saúde do indivíduo, sempre vendo-o na integralidade como ser humano, acolhendo-o em suas diversas demandasno contexto biológico, psicológico, e sócio-ambiental. Simone Silveira Xavier de Andrade é Médica Psiquiatra efetiva do ambulatório de psiquiatria do Centro de Saúde do TJPE desde 2008; atua na área de Psiquiatria clínica e pericial (perícias psiquiátricas administrativas). Graduada em Medicina pela Universidade de Pernambuco em 1996. Tem Residência médica em Psiquiatria pelo SUS no Hospital Ulysses Pernambucano- anos 1998-2000. Tem Título de Especialista em Psiquiatria conferido pela AMB (Associação Médica Brasileira) desde 2001. É membro efetivo da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e da Sociedade Pernambucana de Psiquiatria (SPP). É Médica Psiquiatra Plantonista da Emergência Psiquiátrica do Hospital Ulysses Pernambucano desde 1998. Referências bibliográficas: Balint, Enid-Seis Minutos Para o Paciente. São Paulo: Editora Manole, 1986 Maluf, Maria Fernanda. Impactos psíquicos do Câncer de Mama- Revista Brasileira de Cancerologia, 2005 Kaplan, Harold I.-Tratado de Psiquiatria. Vol 3- Porto Alegre: Editora Artmed, 2007 Rennó Júnior/ Joel/ Mentes femininas- São Paulo: Ediouro: Editora Segmento Farma, 2008