O perigo do crescimento eterno

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O perigo do crescimento eterno
Com o lançamento de Ecoeconomia - Uma Nova Abordagem, Hugo Penteado deu à
discussão ambiental no Brasil um novo patamar ao basear toda sua argumentação
na crítica do modelo de desenvolvimento dos grandes países: Não há crescimento
econômico sem total desfiguração dos ecossistemas e sem estar colocando toda a
vida na Terra, inclusive a dos homens, em total perigo.
Com o lançamento de Ecoeconomia - Uma Nova Abordagem, Hugo Penteado deu à
discussão ambiental no Brasil um novo patamar ao basear toda sua argumentação
não nas costumeiras bandeiras desfraldadas pelos verdes, mas sim ao dirigir sua
crítica ao modelo de desenvolvimento dos grandes países: Não há crescimento
econômico sem total desfiguração dos ecossistemas e sem estar colocando toda a
vida na Terra, inclusive a dos homens, em total perigo.
O autor, economista-chefe do ABN AMRO Real, afirma que o grande problema se
encontra na obsessão do sistema em buscar crescer sem parar - mesmo que o
combustível venha de fontes finitas de abastecimento, como a água. Ele alerta: O
risco econômico está na necessidade de crescer quantitativamente a qualquer custo
para garantir a saúde financeira de três sistemas principais: o mercado financeiro,
o previdenciário e o fiscal. Dado que o crescimento econômico é impossível do
ponto de vista do espaço físico e ambiental, esses sistemas estão fadados à
falência. O que vamos ver nos próximos anos é uma enorme crise econômica que
pode acontecer muito antes da crise ecológica.
Desde o lançamento do livro, Penteado tem dado palestras em todo o País,
aceitando convites vindos de entidades de classe e universidades. A seguir os
principais trechos de sua entrevista exclusiva.
Gazeta Mercantil - Qual a explicação do surgimento da Ecoeconomia ou Economia
Ecológica?
Hugo Penteado - Ao contrário do que muitos pensam, os principais motivos de ela
ter surgido não foi o buraco da camada de ozônio e sim os fracassos nas áreas
social e ambiental, apesar da enorme expansão econômica e do desenvolvimento
dos últimos anos. Hoje, os níveis de uso dos recursos finitos da Terra são
alarmantes. Recursos finitos leiam-se recursos naturais como água e solo ou o
equilíbrio climático-ecológico entre as espécies vivas, sem o qual não
sobreviveremos na Terra. Lester Brown batizou esse fenômeno de aceleração
histórica: em um ano somos capazes de produzir mais bens e serviços que desde o
início da humanidade até a Segunda Guerra Mundial.
O Clube de Roma já alertava para esse fenômeno: o sistema econômico está sendo
submetido a um crescimento exponencial. Alguém ainda vai ganhar um Prêmio
Nobel ao provar que o território americano tem um tamanho constante de 9,3
milhões de km², sobre o qual é impossível adicionar um fluxo de PIB de milhões de
carros, casas e coisas de forma crescente.
Gazeta Mercantil - O crescimento é impossível por causa do tamanho do território?
Hugo Penteado - A escola neoclássica resolveu o problema do crescimento infinito
pelos ganhos de eficiência e da substituição infinita dos materiais da natureza pelo
capital, mas Nicholas Georgescu-Roegen avisa que não há outros fatores materiais
que não os da natureza. Além dessa enorme crítica, a escola neoclássica nunca
resolveu o problema do espaço físico finito em superfície. Isso mostra um profundo
desconhecimento da Física. Mas não importa. Para se ter uma idéia, se os Estados
Unidos crescerem o que Wall Street demanda que ele cresça, em 10 anos ele irá
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adicionar 9 economias iguais ao Brasil de hoje e a distância entre os ricos e pobres
será maior do que nunca. Crescer 9 Brasis num território constante de 9,3 milhões
de km² é impossível.
Por isso, estamos vivendo uma crise de crescimento nos países ricos, com a qual
todos irão sofrer. Além desse crescimento não gerar empregos compatíveis com o
crescimento populacional absoluto, ele não gera empregos permanentes nem fluxos
permanentes. Esse erro teórico de ignorar o espaço físico finito e manter um
crescimento suicida colocou as espécies animais e vegetais desse planeta na maior
rota de extinção em 65 milhões de anos, de forma totalmente antropogênica.
Stephen Jay Gould dizia que não se trata de um processo de extinção natural de
milhões de anos e sim de uma larga destruição de habitats e de alterações no
equilíbrio ecológico, além da caça desenfreada. Hoje é aterrador perceber o que a
espécie humana está fazendo contra seus pares e essa é a maior prova que não há
ambiente para essa obsessão maníaca.
Gazeta Mercantil - A extinção da biodiversidade na Terra é um problema
econômico?
Hugo Penteado - Sim, está ligado ao nosso sistema econômico, que pretende
ampliar suas estruturas exponencialmente dentro de um espaço finito como a
Terra. O ser humano aparentemente menospreza todas as formas de vida que não
o seu próprio umbigo. Nós não nos vemos mais como uma espécie animal imortal e
sim como indivíduos. Foi com essa visão individualista que Keynes proferiu a sua
famosa frase: No longo prazo estaremos todos mortos. Mas como uma espécie
animal jamais estará morta, o que vamos deixar então para as gerações futuras?
Ora, o crescimento econômico é um crime num espaço finito cujo equilíbrio
ecológico garante que a energia solar faça nossos corações baterem e garante que
o oxigênio seja produzido nos mares e oceanos para todos respirarem. Veja o que
está acontecendo nos oceanos: 90% das populações dos grandes predadores foram
extintas; os corais, lares de grande parte das espécies oceânicas, estão
agonizando; as costas dos mares onde vivem e se reproduzem peixes estão
devastadas; 75% dos rios foram alterados; os manguezais destruídos a uma alta
velocidade.
Não há crescimento econômico sem total desfiguração dos ecossistemas e sem
estar colocando toda a vida na Terra, inclusive a dos homens, em total perigo. Falase da destruição da Amazônia, mas ninguém comenta que 99% das florestas dos
Estados Unidos e da Europa foram derrubadas e que para atender à demanda
desses países ricos, 75% das florestas tropicais já se foram. Apesar disso, antes do
perigo ecológico, há o perigo econômico.
Gazeta Mercantil - Como assim? Essa não é uma preocupação meramente
ecológica?
Hugo Penteado - De jeito nenhum. É impossível separar a economia da ecologia e
isso só foi possível através de uma série de mitos e esses mitos impregnaram
fortemente as teorias econômicas que influenciam as decisões dos governos até
hoje. O risco econômico está na necessidade de crescer quantitativamente a
qualquer custo para garantir a saúde financeira de três sistemas principais: o
mercado financeiro, o previdenciário e o fiscal. Dado que o crescimento econômico
é impossível do ponto de vista do espaço físico e ambiental, esses sistemas estão
fadados à falência.
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O que vamos ver nos próximos anos é uma enorme crise econômica que pode
acontecer muito antes da crise ecológica. Os atrasos ecológicos, principalmente na
agricultura, são muito grandes, mas isso pode ser uma chance para realinharmos
nosso sistema para uma rota de equilíbrio, onde valores humanos, sociais e
ambientais passem a fazer parte da equação.
Gazeta Mercantil - O crescimento populacional é um problema ecológico ou
econômico?
Hugo Penteado - Ambos. Eu não acredito que o crescimento populacional possa ser
ignorado para a questão do crescimento. Na equação de Solow ele é menosprezado
dando espaço ao avanço tecnológico, mas não acredito nisso, é mais um erro
teórico. Os países ricos estão preocupadíssimos com o baixo crescimento
populacional, pois as populações no mundo todo estão envelhecendo e os custos
com a previdência estão explodindo. As enormes populações da China e da Índia
mostram erradamente que podemos ter enormes populações sem o menor
problema, mas essa é uma análise superficial, pois grande parte dessas populações
vive na miséria.
De qualquer forma, o mito de espaço infinito para tudo e todos fez com que a gente
não se preocupasse com o crescimento absoluto e olhasse apenas para o
crescimento percentual da população, que despencou nos últimos 30 anos. Os
demógrafos falam que a população vai estabilizar algum dia e ao mesmo tempo
toda a mídia e o governo estimulam um baby boom. Sem crescimento populacional,
o sistema de previdência de repartição simples vai falir; jamais deveria ter sido
implementado um sistema no mundo que não fosse o de capitalização.
A dependência financeira de uma geração de pessoas em relação a outra conta com
o mito de crescer sempre e cada vez mais, tanto do ponto de vista populacional
quanto material. Lógico que isso não vai acontecer; lembre-se que a água e o solo
são recursos renováveis, porém finitos, que estão sendo duramente degradados. Só
10% da água doce no mundo não está poluída hoje. Sem esse crescimento, o
sistema de repartição simples na previdência não tem equilíbrio atuarial e já está
sendo submetido a déficits financeiros crescentes.
Gazeta Mercantil - Mas as taxas de fertilidade e de natalidade estão despencando
em todos os lugares; mesmo assim devemos nos preocupar com população?
Hugo Penteado - Primeiro, essa queda nas taxas é uma restrição econômica e
financeira, quando olhamos o sistema previdenciário, e nenhum governo quer isso.
Segundo, Malthus não errou porque relativizou a oferta de alimentos ao número de
bocas; seu maior erro foi não enxergar nenhum problema no crescimento
populacional, desde que a população crescesse lentamente. Na verdade, hoje
estamos adicionando quase 80 milhões de pessoas por ano na Terra, o mesmo
ritmo de crescimento absoluto de 30 anos atrás.
Um mito fez os demógrafos darem ênfase aos números relativos e não aos
absolutos. Esses mitos fizeram os economistas olharem também para o
crescimento relativo dos fluxos e não os absolutos. Ninguém se importa com o
aumento gigantesco de casas e veículos em termos absolutos, apenas com a taxa
de crescimento. Focamos em fluxos e em crescimento relativo, as variáveis
econômicas principais são fluxos. Isso é fruto do mito que está colocando a
humanidade numa rota suicida, tanto do ponto de vista ecológico quanto
econômico.
Gazeta Mercantil - Mas isso tudo é muito óbvio. Então o que estamos fazendo para
mudar as atuais tendências econômicas?
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Hugo Penteado - Se olharmos a corrente política tradicional, nada; e os problemas
estão se amontoando. O modelo de crescer a qualquer custo nunca esteve tão forte
e é uma pregação messiânica diária. A frase preferida de todos é temos que
crescer, embora isso não gere empregos de forma permanente, não seja
sustentável para as pessoas e com as condições do meio ambiente e da biosfera.
Essa obsessão maníaca por crescimento está disseminada, é tratada de forma
totalmente acrítica por todos.
Quando abrimos fronteiras agrícolas aqui no Brasil, deixamos de lembrar que
somos o único país com fronteira em expansão no mundo hoje. Os economistas
tradicionais comemoram, mas os economistas ecológicos enxergam nisso uma
atividade que está importando para dentro do Brasil a insustentabilidade ambiental
de países ricos e de países populosos como a China, cujo déficit de alimentos não
só já existe, como vai aumentar. O USDA, departamento agrícola americano, prevê
déficit de produção de alimentos nos Estados Unidos com a exaustão do aqüífero
fóssil Ogallala e na China com a perda de solo fértil. Isso tudo para alimentar uma
enorme população que ainda cresce 14 milhões por ano.
Esse déficit vai transformar a Amazônia numa enorme monocultura, cujo déficit de
empregos da última década no setor agrícola brasileiro alcança milhões de
trabalhadores. São atividades insustentáveis e que expulsam o ser humano, para
dizer o mínimo.
Mas não importa: há uma máxima em filosofia pela qual quando nossos interesses
estão em jogo ficamos completamente cegos. Não estamos na verdade vivendo
uma crise ambiental e econômica e sim uma enorme crise de valores. Não há
tempo para discutir mais essa crise, nem há mais tempo para fazer coisas erradas,
mas infelizmente, apesar da falta de tempo, continuamos presos na obsessão pelo
crescimento. Basta ver que as únicas políticas econômicas que importam e que
regem o mundo são as de demanda – monetária e fiscal.
Para as teorias econômicas tradicionais podemos dizer que a produção de bens e
serviços - mesmo que finito - não sofre nenhuma restrição e praticamente brota do
nada. É com essa visão distorcida do mundo que estão sendo tomadas decisões que
influenciam a vida de todos, decisões que estão nos levando em primeiro lugar para
uma falência econômica e em segundo lugar para um risco ecológico do qual ainda
não sabemos o tamanho.
Fonte
BURATO, Eduardo. O perigo do crescimento eterno. Gazeta Mercantil, [S.l.], 05
mar. 2004. Disponível em: <http://www.consciencia.net/2004/mes/03/penteadoperigo.html>. Acesso em: 01 dez. 2005.
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