Cluster Florestal na Amazônia * Ecio Rodrigues A compreensão de que o modelo de ocupação, social e econômica, da Amazônia, ancorado na expansão da fronteira agropecuária estaria sujeito ao fracasso parece ganhar, a cada dia, mais adeptos. Evolui no mundo a idéia força de que qualquer tipo de conversão da cobertura florestal em plantios, sejam esses para produção de alimentos ou de biocombustíveis, não pode ser admitida, tendo em vista a perda da capacidade de fornecimento de serviços ambientais, que somente o ecossistema florestal possui. Ao ser convertido, ou desmatado em linguagem mais compreensível, o ecossistema florestal expele quantidades elevadas de carbono, que somadas às queimadas, colocam o país na difícil posição de quarto maior poluidor mundial. Ou seja, além da produção de carbono ocorrida na hora em que a conversão é realizada, os serviços de seqüestro e estocagem que o ecossistema florestal realiza cessam. Assumindo essa premissa, de que a expansão agropecuária não encontraria guarida, junto aos agentes financeiros e consumidores internacionais, nem mesmo quando realizada em áreas já desmatadas como pretendem alguns, a opção que surge é o estabelecimento de uma economia baseada no ecossistema florestal, corrente em toda a Amazônia. Todavia, a estruturação de um modelo de desenvolvimento regional que tenha no ecossistema florestal sua maior referência, depende de três condições precípuas: existência de recursos naturais, no caso florestas, em quantidades e qualidades suficientes para hospedagem de atividades produtivas variadas; existência de recursos humanos, no caso extrativistas, com experiência e qualificação para atuar com atividades florestais; e, por fim, uma base tecnológica local em condições de conceber inovações tecnológicas adequadas à realidade do setor florestal na Amazônia. O atendimento à primeira exigência é visível. Em que pese a ocorrência de elevadas e persistentes taxas de desmatamentos, observadas nos últimos 20 anos, a Amazônia ainda possui mais que 70% de seus recursos florestais em condições de serem manejados. Apesar de encontrarem-se localizados em condições geográficas um tanto complicada, os canais fluviais permitem planejar uma logística de escoamento da produção factível com a realidade do manejo florestal. Com relação à existência de uma população em condições de operar atividades produtivas florestais, é importante uma volta aos primórdios da ocupação da região à época do famoso e robusto ciclo florestal da borracha. Sob a era da economia gomífera erigiu-se um intenso sistema de suporte produtivo que envolvia a importação de bens e insumos e a exportação de borracha. Com mais que 80% de sua capacidade de carga sendo transportada pelos rios, os navios e as gaiolas operacionalizaram também uma intensa migração de mão-de-obra oriunda da Região Nordeste, em magnitude tal que o célebre Celso Furtado chamou de “Transumância Amazônica”. Apesar das características de expansão e declínio pelo qual passaram os ciclos econômicos florestais amazônicos, iniciados com as drogas do sertão no século XIX, prolongados com o cacau, com a borracha, com a castanha-do-Brasil e, mais recentemente com a madeira, a ocupação produtiva da região se consolidou. Os denominados extrativistas, ocupados na produção de borracha, transformaram-se em castanheiros, cacaueiros e madeireiros. Já com relação à geração de inovações tecnológicas, a Amazônia, sem embargo do imenso diferencial observado entre a região norte e as demais regiões do país no que se refere à infra-estrutura existente para ciência e tecnologia, possui um aparato voltado à geração de tecnologia em condições de atender a demanda oriunda do setor florestal. Para citar alguns exemplos o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, que completou seus quase 60 anos, transformou-se em um dos maiores centros mundiais de excelência em pesquisas florestais. Além disso, estruturou-se unidades estaduais de pesquisas, com fundos de apoio igualmente estaduais e formação de profissionais. A Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado do Amazonas, Fapeam, tem sido comparada à Fapesp no que se refere ao montante de investimentos direcionados ao financiamento de projetos. Um dado ainda mais interessante com relação ao desenvolvimento de tecnologias para o setor florestal, diz respeito à concepção da tecnologia do manejo florestal de uso múltiplo. Um processo tecnológico elaborado no Acre, em meados da década de 1990, com intuito de resolver o entrave produtivo das recém criadas Reservas Extrativistas, reivindicadas por líderes como Chico Mendes. Ou se encontrava uma inovação tecnológica para elevar o extrativismo ao manejo florestal de uso múltiplo ou essas Unidades de Conservação estariam fadadas ao fracasso. Atendidas essas três exigências, restaria ainda, uma discussão acurada de qual modelo de concentração industrial seria o mais indicado para o ecossistema florestal da região. Depois dos fracassos dos distritos industriais instalados na década de 1970, e dos modelos Zona Franca, da década de 1980, surge novos conceitos como os de pólos industriais, dos Arranjos Produtivos Locais, APL, e do Cluster. Para se ter uma idéia da dimensão que esses novos conceitos atingiram, diversos institutos de pesquisa e órgãos de fomento produtivo, atuantes na Amazônia iniciaram, nos últimos dez anos, programas voltados à estruturação de determinados sistemas. Importante citar dois exemplos. Primeiro o da Superintendência da Zona Franca de Manaus, Suframa, que se associou ao Instituto Superior de Administração e Economia do Amazonas, Isae, vinculado à Fundação Getulio Vargas, FGV, para estudar as Potencialidades Regionais e a estruturação de Arranjos Produtivos Locais. O segundo do Banco da Amazônia, Basa, que, por sua vez, se associou ao Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Ipea, e à Associação Nacional dos Centros de Pós-graduação em Economia, Anpec, para execução do que chamou de Iniciativa pela Amazônia, um programa para estruturação de Cluster produtivos. Uma análise desses dois programas permite concluir que, para o caso do setor florestal, o estabelecimento de um Cluster Florestal seria o mais indicado para a Amazônia. Cluster é um aglomerado econômico de altíssimo nível. Se existe uma escala evolutiva com relação à especialização regional e à conseqüente conquista de vantagem competitiva a partir dessa especialização, o Cluster estaria no nível maior de evolução, que começaria no distrito industrial, passaria pelo pólo, pelo APL, até chegar ao Cluster. Nesse nível de especialização a sociedade ali residente vive em função da oferta de um leque de bens, produtos e serviços, cuja principal referência é ser originado no ecossistema florestal. Uma possibilidade de segmentação produtiva do tamanho da biodiversidade da Amazônia. Com o Cluster Florestal a Amazônia poderia adquirir diferencial de mercado no mundo potencializando o ecossistema florestal a população amazônida que sabe maneja-lo, suas, sem dúvida, maiores vantagens competitivas. * Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).