Revista de Geografia (UFPE) V. 28, No. 3, 2011 REVISTA DE GEOGRAFIA (UFPE) www.ufpe.br/revistageografia MONTEIRO, CARLOS AUGUSTO DE FIGUEIREDO; MENDONÇA, FRANCISCO (ORGS). CLIMA URBANO. SÃO PAULO: CONTEXTO, 2003. 192P Rafael de Souza Alves1; Edson Soares Fialho2 1 Graduando em Geografia da Universidade Federal de Viçosa – UFV, Campus Viçosa-MG. Bolsista de Iniciação Científica do CNPq. 2 Professor Adjunto do Departamento de Geografia da Universidade Federal de Viçosa – UFV, Campus ViçosaMG. Resenha recebida em 05/10/2011 e aceito em 20/12/2011 RESENHA O livro organizado por Carlos Augusto de climatologia urbana, nomeada Sistema Figueiredo Clima Urbano (S.C.U.). Monteiro e Francisco Mendonça possibilita ao leitor conhecer as Inicialmente Monteiro discorre sobre o diferentes abordagens que podem ser cenário político, econômico e social do dadas nas pesquisas em clima urbano. país no momento em que direciona seus Encontra-se na obra a proposta teórico- estudos de climatologia para as cidades. metodológica para estudos da atmosfera Em seu texto, o autor retoma a sua tese de urbana elaborada por Monteiro, estudos de livre docência defendida na USP em 1975, casos de 4 cidades brasileiras e uma onde propunha a teoria do S.C.U. Segundo análise reflexiva acerca dos estudos de o autor, no capítulo III de sua tese clima urbano desenvolvidos no Brasil. encontra-se O primeiro texto da obra, Teoria e Clima argumentação de apoio à sua teoria, sendo Urbano: um projeto e seus caminhos, do ele então o mais explorado no decorrer do professor Carlos Augusto de Figueiredo texto, pois seu objetivo no livro é de Monteiro, considerado pai da climatologia retomar a teoria do S.C.U. apresentada em urbana no Brasil, traz em linhas gerais uma 1975. proposta teórica e técnica de sustentação e Foi na Teoria Geral dos Sistemas, de fundamentação Ludwing von Bertalanffy, que Monteiro aos trabalhos de praticamente toda buscou direcionamento técnico e teórico Alves e Fialho, 2011 188 Revista de Geografia (UFPE) V. 28, No. 3, 2011 para elaboração do S.C.U. Esse por sua da UFBA, refere-se aos impactos gerados vez, é um sistema aberto que admite uma pela chuva no meio urbano. visão sistêmica, contando com 3 canais de A percepção do clima urbano que são inundações, exemplificados desmoronamentos, são alavancados por no texto através de autora salienta que alagamentos, deslizamentos e diagramas e comentários sucintos. questões político-estruturais históricas e No primeiro canal, denominado Conforto pela falta de planejamento adequado a Térmico, são tratados os componentes nossa realidade climática, não sendo, termodinâmicos forma portanto, unicamente provocados pela integrada. Este canal se desenvolve a partir chuva. Segundo a autora, o acelerado da e crescimento demográfico, a segregação perpassa por toda a estrutura do S.C.U., espacial, as disparidades socioeconômicas, sendo por isso de fundamental relevância. o déficit habitacional, o descaso ambiental, No segundo canal, denominado Qualidade são fatos que se repetem em muitas das do Ar, são discutidos os aspectos físico- metrópoles químicos do S.C.U. e a delicada questão da vulneráveis aos fenômenos naturais de condição do ar no ambiente urbano. Este ordem meteorológica que afetam mais canal diretamente populações de menor poder do clima co-participação envolve de natureza-homem em grande parte a brasileiras, tornado-as responsabilidade humana, pois parte das aquisitivo. atividades antrópicas desenvolvidas na De acordo com Gonçalves o grau de cidade e “penetra no sistema no sentido vulnerabilidade oposto”, como colocado pelo autor. determinado pelo número de eventos Já no terceiro e ultimo canal, denominado meteorológicos extremos e normais que Impacto lhes Meteórico, são abordados causam de uma efeitos sociedade negativos. é Tais fenômenos como tempestades, furacões, eventos se tornam de risco na medida em aguaceiros e outros, que, ao atingirem que eles superam a capacidade técnica e intensidades elevadas, são capazes de estrutural da sociedade em prevê-los, comprometer a integridade física e social principalmente aqueles que são cíclicos e da regulares. cidade, perturbando-a e desorganizando-lhe. O segundo estudo de caso apresentado, O primeiro estudo de caso tratado no livro, Clima Impactos Pluviais e Desorganização do Londrina: proposição metodológica e de Espaço Urbano em Salvador, autoria de intervenção urbana a partir do estudo do Neyde Maria Santos Gonçalves, professora campo termo-higrométrico, autoria de Alves e Fialho, 2011 e Planejamento 189 Urbano em Revista de Geografia (UFPE) V. 28, No. 3, 2011 Francisco Mendonça, doutor em clima e utilização de equipamentos simples, planejamento urbano pela USP e professor constatou-se que os locais mais elevados Titular do Departamento de Geografia da do relevo e de orientação de vertentes UFPR, destaca que a maioria dos trabalhos voltadas, sobretudo para norte, tendem a de clima urbano existentes remetem às ser os mais aquecidos. cidades de grande porte e metropolitanas, “A vegetação, enquanto fator climático”, havendo assim uma carência de estudos de como dito pelo autor, é destacada na obra casos voltados às pequenas e médias por desempenhar fundamental importância cidades. dentro do espaço urbano. A vegetação advoga auxilia na qualidade do ar por fixar sobre a relevância de tais estudos, uma vez poluentes e microrganismos nocivos à que muitas dessas cidades já apresentam saúde, recicla os problemas ambientais alarmantes, frutos através da fotossíntese e aumenta a do crescimento desordenado e da ausência permeabilidade do solo por meio das raízes de planejamento. das plantas. Devido a essas e outras Analisando o clima como elemento do funções, diz Mendonça, os espaços verdes planejamento como parques, jardins e alamedas são Nessa perspectiva, Mendonça urbano e como fator adjuvante no tratamento de problemas admitidos ambientais, Mendonça discorre sobre a projetos importância da análise minuciosa do sítio planejamento. Essas por sua vez, no urbano para estudos do clima nas pequenas âmbito da prática, encontram menos e médias cidades, pois, quanto menor a obstáculos nas cidades pequenas e médias cidade, maior influência o sítio urbano para serem efetivadas do que nas cidades exerce sobre seu clima. grandes e metropolitanas, em virtude da Na cidade de Londrina, Mendonça afirma urbanização ainda não consolidada. que os locais de fluxo intenso de veículos e O terceiro estudo de caso apresentado no pessoas, edificações livro, O Clima Urbano na Cidade do Rio verticais, aliados a poucos espaços verdes de Janeiro, autoria de Ana Maria de Paiva são propícios à formação de ilhas de calor Macedo e desconforto térmico. Ressalta ainda que Departamento de Geografia da UFRJ, a variação hipsométrica e a orientação das aborda as diferentes possibilidades de vertentes exercem influência considerável formação de ilhas de calor. no campo-térmico da cidade, pois, a partir Para o desenvolvimento do trabalho a da análise minuciosa do sítio e da autora contou com o apoio de uma equipe Alves e Fialho, 2011 concentração de como gases atmosféricos indispensáveis arquitetônicos Brandão, e obras professora 190 nos de do Revista de Geografia (UFPE) V. 28, No. 3, 2011 de utilizados por Brandão, sintetizam o mensuração. Os pontos amostrais foram comportamento dos elementos do clima na selecionados de modo a abarcar diferentes capital carioca em função dos diferentes tipos de uso da terra dentro da cidade, com ambientes intra-urbanos, permitindo uma medições feitas em horário padrão (9h, representação conjunta e têmporo-espacial 15h e 21h) no outono de 1994, 1995, 1996 da atmosfera na cidade. e inverno de 1994 e 1995. Segundo Por enfatizar a localização espacial das Brandão, ilhas de calor, a temperatura do ar veio a e de instrumentos todo especiais trabalho teve sua sustentação teórica e metodológica na ser o principal elemento climático proposta de estudo de clima urbano explorado no trabalho, mostrando que seu desenvolvida por Monteiro. comportamento encontra-se vinculado as fatores alterações proporcionadas no balanço de condicionantes à sua vigência o uso da energia e ao complexo sítio urbano da terra, a morfologia das cidades, as cidade do Rio de Janeiro, guardando ainda edificações, os materiais utilizados nas estreita relação com o tipo de uso e construções, o desmatamento e outros ocupação da terra. agravantes desencadeados pelas atividades O quarto estudo de caso presente no livro, antrópicas. Os fenômenos das ilhas de A Cidade de Curitiba e a Poluição do ar: calor quando identificados são indícios de implicações de seus atributos urbanos e que a cidade em estudo possui clima geoecológicos na dispersão de poluentes peculiar em relação a seu entorno, em em período de inverno, autoria da geógrafa outras palavras, possui um clima urbano, Inês Moresco Danni-Oliveira, enfoca a por serem elas sua manifestação mais qualidade do ar no ambiente urbano. representativa. A autora demonstra que mesmo as cidades Sobre a escolha dos pontos de medição, a rotuladas como ecológica dificilmente autora o estão isentas de problemas ambientais, conhecimento geográfico da cidade, das uma vez que o ar atmosférico relaciona-se funções de cada área e sua dinâmica. com as atividades desenvolvidas junto ao Afinal, nível solo e com os atributos urbanos. Sendo microclimático, os valores registrados em assim, voltada para análise da qualidade do cada enquanto ar respirado em Curitiba, Danni-Oliveira persistirem as mesmas características do discute sobre a dispersão dos poluentes local tomado como referência. Sendo emitidos assim, indústrias e demais componentes do meio O clima urbano considera embora ponto a Alves e Fialho, 2011 são tem como indispensável inserido válidos elaboração dos no transetos por veículos 191 automotores, Revista de Geografia (UFPE) V. 28, No. 3, 2011 urbano frente a uma estrutura habitacional veículos, contribui para que haja maior altamente verticalizada. ocorrência de chuvas nas cidades do que É colocado que os “paredões de concreto” no campo. e os “canyons urbanos” inibem a dispersão No ultimo texto do livro, O Estudo do de compostos como o NO2 (emitido nas Clima descargas dos veículos) e o SO4 (mais tendência e alguns desafios, autoria de abundante em locais próximo a indústrias) Francisco Mendonça, é feito um panorama por formarem verdadeiras barreiras à a cerca dos estudos de clima urbano circulação do ar. Sendo a concentração dos realizados no Brasil. mesmos agravada em condições sinóticas É colocado pelo autor que os primeiros de alta pressão, como em episódios de estudos de casos do clima urbano das atuação do Sistema Polar Atlântico que cidades brasileiras datam a partir da vigora no sul do Brasil por praticamente década de 1970. A porção do território todo o decorrer do ano. nacional Com êxito, a autora mostra que locais climatólogos urbanos até então tem sido a relativamente centros do centro-sul, certamente pelo fato de urbanos e de áreas industriais também nessa área haver maior quantidade de podem vir a ter a qualidade do ar afetada, instituições de ensino superior. devido agentes Da década de 1970 até os dias atuais o poluidores feito pelas correntes de vento. campo Termo-higrométrico das cidades Quanto à precipitação, observou-se que a veio a ser o mais pesquisado, assim como mesma tem função “purificadora”, pois, nos estudos de clima urbano desenvolvidos nas medições feitas em dias com chuva o nos países do norte. ar encontrava-se menos poluído do que em A implantação de empresas no perímetro comparação as medições realizadas em urbano leva a despertar o interesse tanto da dias sem chuva. população quanto dos pesquisadores sobre Nas cidades as chuvas concentradas a qualidade do ar respirado. Em virtude de ocorrem mais intensamente do que nas um processo de industrialização tardio, áreas rurais, devido aos núcleos de concentrado, aliado ao elevado custo dos condensação gerados pelas ações humanas equipamentos e da escassa rede nacional e a maior atividade convectiva. Além de amostragem das condições do ar, os disso, a grande existência de partículas estudos sobre poluição atmosférica são os sólidas suspensa no ar, associado ao vapor menos desenvolvidos no Brasil. Assim de água emitido na combustão dos como os trabalhos sobre o campo Termo- ao Alves e Fialho, 2011 afastados transporte dos dos Urbano no mais Brasil: explorada 192 evolução, pelos Revista de Geografia (UFPE) V. 28, No. 3, 2011 higrométrico e Hidrometeórico, faz-se livre docência. Pode-se dizer que livro necessário a ampliação de pesquisas sobre preenche o campo Físico-químico das cidades climatologia, pois amplia a discussão brasileiras, daquelas sobre o planejamento urbano à luz da situadas na porção norte e nordeste do questão climática urbana. Por isso, a país, leitura principalmente ainda pouco explorada pelos uma do lacuna mesmo é área de recomendada, climatólogos urbanos. principalmente Em suma, a presente obra busca publicizar interessados pelos estudos do clima das os resultados das teses de doutorado dos cidades, como graduandos em Geografia, respectivos autores, que se basearam nos Arquitetura, preceitos outras áreas de interface. do Sistema Clima Urbano aos na Engenharia acadêmicos Civil, dentre teorizado por Monteiro em sua tese de ________________________________________________________________________ Alves e Fialho, 2011 193