A família: o trabalho e a festa Proposta de uma tríade temática para a pregação homilética no Tríduo Pascal de 2012 Introdução 1. “A família: o trabalho e a festa” é o tema do VII Encontro Mundial de Famílias, que terá lugar brevemente em Milão, de 30 de maio a 3 de junho. Esta mesma tríade temática pareceu-nos oportuna, para uma pregação unitária, durante o tríduo pascal, deste ano de 2012, tendo em conta o lema do presente ano pastoral, na Diocese do Porto, centrado na “Família e Juventude”. Assim, e sem pôr em causa as múltiplas e riquíssimas inspirações e sugestões que a liturgia própria de cada uma das celebrações do Tríduo Pascal nos oferece, ousamos propor a articulação da pregação, segundo este esquema temático: Família e Eucaristia: Missa da Ceia do Senhor Trabalho e desemprego, à luz do mistério da Cruz: Celebração da Paixão do Senhor A Festa: Domingo de Páscoa da Ressurreição do Senhor (vigília pascal e dia de Páscoa) 2. Eis os pontos principais de reflexão, em que articulamos a nossa proposta homilética: Missa da Ceia do Senhor: A Eucaristia faz a família. A família faz a Eucaristia! É em família, que o Povo de Deus começa por celebrar a sua Páscoa! E é também, para nós, um sinal cheio de significado, que o Senhor Jesus queira ter instituído o sacramento da Eucaristia, por ocasião de um importante encontro familiar: a Ceia pascal! Naquela ocasião, a sua família, a nova família gerada pelos vínculos da fé, foram os Doze, que com Ele viviam há três anos. Dessa família, ainda em gérmen, reunida à volta da mesa sagrada do cordeiro pascal, nascerá a Igreja, essa grande e nova família, reunida e alimentada à volta da mesa da Eucaristia! Aqui encontramos uma possível pista de reflexão: não é só a Igreja, que cresce, como «grande família», à volta da mesa da Eucaristia, mas é também a família, que cresce como «pequena igreja» (ou igreja doméstica), à volta da mesa da Eucaristia! A ligação entre a «mesa familiar» e a «mesa do altar» pode ajudar a aprofundar, de maneira simbólica, o papel da Eucaristia na edificação da grande família da Igreja e da «pequena» igreja doméstica. Celebração da Paixão do Senhor: A luz da Cruz inscrita no trabalho humano! A celebração da Paixão do Senhor, que nos põe diante do Cristo condenado à morte e morte de Cruz, é feita, obviamente, de muitíssimos olhares. Mas na Celebração da Paixão do Senhor, neste tão difícil ano de 2012, e no espaço concreto da terra que pisamos, propomo-nos fazer incidir a luz dos trabalhos de Cristo na cruz sobre a pesada cruz dos nossos trabalhos ou da falta dele! É este o fio condutor da reflexão, para chegarmos à conclusão de que também o mundo do trabalho e do desemprego, com o seu suor, sangue e lágrimas, clama hoje por redenção, por justiça e libertação! Como disse o Beato João Paulo II, «a luz da Cruz está inscrita no trabalho humano» (Laborem Exercens, 27). As consequências, para a unidade da família, da organização laboral, do excesso ou da falta de trabalho, foram ainda recordadas na última mensagem de Bento XVI para o Dia Mundial da Paz, a que nos referimos no texto proposto, para a Homilia. Domingo de Páscoa da Ressurreição do Senhor: Cristo Ressuscitado, a razão e o coração da nossa Festa! Na noite da mãe de todas as vigílias e no dia da celebração anual da Páscoa, em que a Eucaristia deve ser celebrada com grande solenidade, necessariamente a “pregação” não deverá gozar de excessivo “tempo de antena”. Todavia não será razoável aligeirar a explicitação do anúncio claro e feliz da «Ressurreição» e deixar de refletir sobre alguma das consequências que este acontecimento traz à nossa vida cristã. Nomeadamente, é uma oportunidade singular para apreender, em todos os sentidos, a dimensão festiva da vida, que é própria da condição de gente ressuscitada, bem “consciente da libertação trazida por Cristo” (Bento XVI, Sac. Carit. 72). Aqui situaremos a celebração do domingo, «o primeiro dia da semana», e o seu papel na afirmação da gloriosa liberdade dos filhos de Deus e na edificação da família (cristã ou eclesial). Escolhemos a 2ª proposta para a 2ª leitura (I Cor.5,6b-8) e optamos por proclamar o mesmo evangelho da Vigília Pascal (Ano B: Mc.16,1-7) na Missa do Domingo de Páscoa da Ressurreição do Senhor, valorizando, assim, o facto de este nos apresentar um “jovem vestido de túnica branca” como primeiro mensageiro da Boa Nova da Ressurreição de Jesus, verdadeira «sentinela da manhã» de Páscoa, para usar uma expressão tão cara ao Beato João Paulo II. 3. Duas notas finais: 1. Atrevemo-nos a apresentar uma proposta de conteúdos da Homilia, para cada uma das celebrações do Tríduo Pascal. É apenas um contributo para a reflexão pessoal que, a ser adotado, deverá necessariamente ser adaptado, em função do estilo próprio do pregador e da natureza e condições da assembleia, a quem se dirige. Desaconselha-se, de todo, o uso integral, acrítico e impessoal da mesma. 2. Por razões de comodidade, preferimos não colocar, no corpo do texto ou em rodapé, as citações dos textos do Magistério da Igreja, que consubstanciam as nossas reflexões. Entretanto e resumidamente, aqui ficam as principais fontes: BENTO XVI, A família e a transmissão da Fé, Ed. Paulinas, Prior Velho 2006; BENTO XVI, Discurso na abertura do Congresso Eclesial de Roma, 6.06.200; BENTO XVI, Exortação Apostólica Sacramentum Caritatis, Ed. Paulinas – Secretaria Geral do Episcopado, Prior Velho 2007; BENTO XVI, Homilia na Solenidade da Ascensão do Senhor, Monte Cassino, 24 de maio de 2009; BENTO XVI, Homilia na Solenidade de São José, 19.03.2006; BENTO XVI, Homilia no Dia nacional das famílias católicas croatas, 5.06.2011; BENTO XVI, Mensagem para o Dia Mundial da Paz, 1.1.2012; CONFERÊNCIA EPISCOPAL PORTUGUESA, Carta Pastoral «A família, esperança da Igreja e do Mundo», Secretaria Geral do Episcopado, Lisboa 2004; JOÃO PAULO II, Carta Apostólica Dies Domini, Ed. Paulinas – Secretaria Geral do Episcopado, Lisboa 1998; JOÃO PAULO II, Carta às Famílias, Ed. Rei dos Livros – Secretaria Geral do Episcopado, Lisboa 1994; JOÃO PAULO II, Carta Encíclica Ecclesia de Eucharistia, Ed. Paulinas – Secretaria Geral do Episcopado, Lisboa 2003; JOÃO PAULO II, Carta Encíclica Laborem Exercens, Ed.A.O. Braga, 1981; JOÃO PAULO II, Discurso aos jovens participantes no XXXV Congresso Universitário Internacional "univ 2002", 25 de março de 2002; JOÃO PAULO II, Exortação Apostólica Familiaris Consortio, Ed. A.O. Braga, 1981; JOÃO PAULO II, Homilia na Santa Missa para as Famílias, Rio de Janeiro, 1 de julho de 1980; ANTÓNIO IZQUIERDO, Sentinelas da Manhã. Exercícios espirituais para os jovens (a partir de Homilias e Discursos de João Paulo II aos jovens, Ed. Paulus, Apelação 2008; VII ENCONTRO MUNDIAL DAS FAMÍLIAS, A família: o trabalho e a festa, com Bento XVI. Catequeses preparatórias, Ed. Gráfica de Coimbra 2, Coimbra, 2011; PROPOSTA DE HOMILIA NA MISSA DA CEIA DO SENHOR 2012 “Procure cada qual um cordeiro por família. Se a família for pequena demais para comer um cordeiro, junte-se ao vizinho mais próximo” (Ex.12,3-4)! 1. É em família, que o Povo de Deus começa por celebrar a sua Páscoa! Segundo a tradição, cada família judaica, reunida à mesa, na festa da Páscoa, come o cordeiro assado, fazendo memória da libertação dos Israelitas, da escravidão do Egito! É também em família, com os seus mais íntimos, reunidos no Cenáculo, que Jesus, consciente da sua morte iminente, Se oferece a si mesmo pela nossa salvação (cf. 1 Cor 5, 7), como verdadeiro cordeiro pascal! 2. É para nós um sinal cheio de significado, que o Senhor Jesus queira ter instituído este grande sacramento da Eucaristia, por ocasião de um importante encontro familiar: a Ceia pascal! E naquela ocasião, a sua família, a nova família gerada pelos vínculos da fé, foram os Doze, que com Ele viviam há três anos. Dessa família, ainda em gérmen, reunida à volta da mesa sagrada do cordeiro pascal, nascerá a Igreja, essa grande e nova família, reunida e nutrida à volta da mesa da Eucaristia! 3. Neste ano pastoral, dedicado, na Diocese do Porto, à Família e à Juventude, é oportuno que nos concentremos neste aspeto significativo: a Eucaristia é uma reunião de família, da grande família dos cristãos! E, assim como uma família, que se reúne em casa, à volta de uma mesma mesa, manifesta desse modo, e reforça por esse meio, os seus laços de comunhão, também a Igreja, enquanto família dos filhos de Deus, encontra na mesa da Eucaristia, o mais eficaz sinal da sua unidade e o mais perfeito vínculo da sua caridade! Na verdade, a Eucaristia, ao mesmo tempo que reúne a grande família dos cristãos, manifesta-a aos olhos de todos e estreita os laços de fé, de esperança e de amor, que unem todos os seus membros a Cristo e os une entre si! A Eucaristia, celebrada à volta da mesa da Palavra e do altar do sacrifício de Cristo, edifica, nutre e faz a Igreja ser, crescer e aparecer, como “grande família de Deus”. Não por acaso, e por muito tempo, nos inícios da Igreja, era em casas de família que outras famílias se reuniam para a “fração do pão”. Doravante, cada altar será sempre uma mesa sagrada, em torno da qual se congrega, mais ou menos numerosa, uma nova família de irmãos! 4. Todavia, não é só a Igreja, que cresce como grande família, à volta da mesa da Eucaristia. É também a família de cada um de vós, que cresce como pequena igreja (igreja doméstica), sempre que participa na Eucaristia! Vejamos, em que sentido: 1º Cada vez que sai de casa, para participar na Eucaristia, a família cristã toma consciência de que não se basta a si própria, não se constrói pelas suas próprias mãos e habilidades, e que, sozinha, não é capaz de dar resposta à sede de amor e de sentido para a vida, que está no coração de cada um! Ao participar na Eucaristia, a família lança as suas raízes no amor de Cristo, alimentando-se na mesa da Palavra e do Pão! É esta nova e larga mesa que dará novo sabor e sentido pleno ao sentimento do amor, às palavras e ao alimento, compartilhado em casa e à mesa! 2º Mais ainda: participando na Eucaristia, a família dedica espaço e tempo, oferece energias e recursos, e aprende que a vida não é feita unicamente de necessidades básicas a atender, mas sobretudo de relações de intimidade, de gratuidade e de amor, a construir! Na Eucaristia, a família encontra o segredo da sua unidade e do seu amor! Quanto mais a família se aproxima desta poderosa fonte de amor, mais ela protegerá a sua estabilidade! Na medida em que a Eucaristia introduz a família no coração de Deus, ela faz a família! E a família, no seio da comunidade cristã, de certo modo, faz a Eucaristia! 3º Digamo-lo ainda mais claramente: Na Eucaristia, pela qual Cristo Se nos oferece, com o Seu Corpo dado e o seu Sangue derramado, a família descobre e assimila a lógica desconcertante da cruz e do serviço, e é desafiada a fazer o mesmo que Jesus fez e nos mandou fazer: testemunhar a disponibilidade de cada um, para amar, servir e se sacrificar pelos outros! Desse gesto abissal de Jesus, «que tendo amado os seus, os amou até ao fim» (Jo.13,1), é que vem para a família o exemplo e a força de testemunhar todos os dias o amor fiel e fecundo, até ao dom total de Si mesmo! 5. Por isso, nesta tarde de quinta-feira santa, queremos, em intimidade familiar com Cristo, lembrar e propor às famílias: “Sede um Cenáculo em miniatura, como o de Maria e dos discípulos, com Jesus no meio, onde se vive a unidade, a gratuidade, a comunhão, a oração. E vós, os mais jovens, deixai que a Eucaristia plasme, no dom e na alegria da comunhão, a vossa vida e a vida das famílias, que haveis de formar”! Peçamos ao Senhor que, a partir da celebração fiel da Eucaristia, cada vez mais a família, de cada um, se torne uma pequena e verdadeira “Igreja doméstica”, e a Igreja de Jesus cresça e apareça no mundo como uma “grande família”. Deste modo, também a nossa Paróquia, nutrida e reunida à volta desta mesa da Eucaristia, se tornará sempre, e cada vez mais, uma família de famílias! PROPOSTA DE HOMILIA NA CELEBRAÇÃO DA PAIXÃO DO SENHOR 2012 “Tudo está consumado” (Jo.19,30)! 1. Acabaram-se “os trabalhos” da cruz e da paixão de Jesus! Jesus morre na cruz, o instrumento de suplício reservado, segundo os judeus, aos grandes blasfemos, ou segundo os romanos, aos escravos! Pregado ao madeiro, o crucificado não ficava, nem no céu, nem já sobre a terra; na sua nudez, era a representação cruel da ignomínia, da vergonha, o sinal da maldição extrema: um homem, que nem o céu nem a terra queriam para nada! Cabe, portanto, a Jesus, na morte de cruz, partilhar a sorte de todos os malditos da terra! 2. Todavia, através daquela morte, não se revela apenas a força destruidora e desumana do pecado! Ali também se revela a força inerme do amor e da fidelidade de Deus, até ao extremo! Solidário com os injustiçados deste mundo, identificado com todas as vítimas do mal, o Filho de Deus não se retrai às consequências da injustiça e do pecado, mas assume-as e padece-as, por inteiro, no seu Corpo dado, no seu Sangue derramado! Na Cruz, Deus assume assim o lugar da vítima, “carrega sobre si as nossas dores” (Is.53,4), “é provado em tudo, à nossa semelhança” (Hb.4,15), experimentando a impotência humana, face à liberdade desumanizada. Desse modo, Jesus pôde salvar a humanidade inteira, porque, sendo Ele o Deus, feito homem, humilhou-Se até à morte de Cruz e assim mesmo entrou em comunhão com todos aqueles que morrem na ignomínia e na vergonha! Esta é a surpresa comovente, que o Deus crucificado nos faz: pode estar crucificado, não apenas no Gólgota, mas em todas as cruzes do espaço e do tempo, sejam quem forem as vítimas e os crucificados! Todas as vítimas e todas as cruzes deste mundo são afinal um historial e um memorial da cruz de Cristo! 3. Nesta celebração da Paixão, do difícil ano de 2012, e no espaço concreto da terra que pisamos, «os trabalhos de Jesus na Cruz» podem contemplar-se, em carne viva, em muitos âmbitos de sofrimento, de dor, de desespero, de fome, de pobreza súbita ou envergonhada. Mas de modo especial, façamos incidir a luz dos trabalhos de Cristo na cruz sobre a pesada cruz dos nossos trabalhos ou da falta dele! 1º Na verdade, a lei da cruz está inscrita no trabalho humano, esse bem árduo, útil e digno, realizado à custa do «suor do nosso rosto» (Gn.3,19)! Quando é feito, no amor e por amor, na fadiga e mediante a fadiga, silenciosamente oferecido a Deus, o trabalho torna-se uma pequena parcela da cruz de Cristo, e pode ser vivido, com o mesmo espírito de entrega, serviço e redenção, com que Cristo aceitou por nós a Cruz! 2º Mas o trabalho pode tornar-se aquilo que talvez a palavra sugira na sua raiz mais rude: um «tripalium», o antigo instrumento de tortura, usado pelos romanos! Assim acontece, quando o mundo do trabalho se torna o lugar onde se cristalizam a maior parte das injustiças e das violências da sociedade! Ou quando, em excesso ou em exclusivo, o trabalho toma conta da vida toda! O excesso de trabalho, ou o trabalho em condições desumanas, depressa imprime em nós o rosto desfigurado do servo “castigado, ferido e humilhado” (Is.53,4-5)! Pensemos, por exemplo, nas condições de trabalho pouco compatíveis com as responsabilidades familiares, nos ritmos frenéticos de vida, na emigração à procura de um adequado sustento, se não mesmo da pura sobrevivência que acabam, por separar casais, pais e filhos! 3º Mas, no presente contexto social, como não entrever, na ferida aberta do lado de Cristo, a chaga social do desemprego, em que tantos se sentem na pele da “pessoa desprezível e sem valor” (Is.53,3), arrumada da vida, encostada ou esmagada na berma da estrada do progresso, como “um objeto abandonado”? É um problema que diz sobretudo respeito aos jovens, que sem trabalho ou emprego estável, têm dificuldade em formar uma família e em contribuir, com os seus valores e competências, para a construção duma sociedade nova! 4. Podemos agora compreender como este mundo do trabalho e do desemprego, com o seu suor, sangue e lágrimas, clama hoje por redenção, por justiça e libertação! Por isso, na mais universal oração dos fiéis, que rezaremos já a seguir, não deixemos de fazer da última prece «pelos atribulados», a nossa oração primeira, por todas as vítimas do trabalho e do desemprego! 5. E queira Deus que, da árvore da Cruz de Cristo, onde enxertamos todas as nossas penas e trabalhos, se vislumbre já, como fruto do trabalho humano, uma pequena parcela dos «novos céus e da nova terra» (Ap.21,1), o jardim da nova criação (Jo.19,41;Gn.2,8), onde habita a justiça e a paz para sempre (II Pe.3,13)! Ámen. PROPOSTA DE HOMILIA NA CELEBRAÇÃO DA VIGÍLIA PASCAL - ANO B 2012 «Ressuscitou. Não está aqui» (Mc.16,6)! 1. Um jovem faz de “sentinela da manhã de Páscoa” e vem dizer-nos, nesta noite, «mais clara que o dia»: «Ressuscitou. Não está aqui. Vai adiante de nós! Ressuscitado, Ele é o verdadeiro Sol nascente, a erguer-se, por sobre nós mortais! Ele é o pascal cordeiro, que nesta manhã da nova criação, nos reconduz ao Paraíso! Ressuscitou”. E cada um de nós, que percorreu, de noite, o longo caminho da aliança e da esperança, pode exclamar: Esta, sim, é “a madrugada, que eu esperava, o dia inicial inteiro e limpo, onde emergimos da noite e do silêncio e livres habitamos a substância do tempo” (Sophia). A Cristo pertence o tempo e a eternidade. Aleluia! 2. Cristo ressuscitado vive, agora, infundindo em nós toda a sua energia vital. De maneira oculta, mas real, vai impelindo a nossa vida para a plenitude final. Ele é a lei secreta que dirige a marcha de toda a vida. Ele é o coração do mundo. Por isso a Páscoa é a festa para os que se sentem sós e perdidos, ou mortos por dentro. A festa para os que se sentem angustiados pelo peso da vida. A festa de todos os que se sabem mortais e que descobriram em Cristo ressuscitado, a esperança de uma vida de qualidade, de uma vida em cheio, que nunca mais acaba! Aleluia! 3. Conscientes desta libertação trazida por Cristo, celebremos, em festa, e na gloriosa liberdade dos filhos de Deus, a alegria da Páscoa, que faz de nós criaturas novas, gente ressuscitada! É uma festa, que se renova em cada domingo, «o primeiro dia da semana», no mistério da Eucaristia! Se guardarmos «o Domingo», a páscoa semanal, maravilhados no repouso em Deus, com o tempo livre e liberto, para os outros, também o Domingo nos guardará! E iremos e viremos desta festa da Eucaristia, cada vez mais vivos e ressuscitados, repletos daquela paz e daquela alegria da Páscoa, que só Cristo nos dá! Cristo Ressuscitou! E está aqui! Aleluia! PROPOSTA DE HOMILIA NA EUCARISTIA DO DOMINGO DE PÁSCOA – ANO B 2012 «Cristo, nosso Cordeiro Pascal, foi imolado. Celebremos, pois, a Festa» (I Cor.5,7-8)! 1. E como não havíamos nós de celebrar a Festa? A esse Jesus de Nazaré, que passou fazendo o bem, foi entregue, imolado, morto e suspenso na Cruz, Deus ressuscitou-O, ao terceiro dia (cf. At.10,38-40)! Ressuscitou-o, «no primeiro dia da semana», nesse dia que será, para nós e para sempre, o primeiro! É Ele o novo cordeiro pascal, “imolado e de pé”, por nós sacrificado, que agora vive e vive para sempre! É Ele, Ressuscitado, a razão e o coração da nossa festa! Ele resgatou-nos com o Seu Sangue! E, por isso, só Ele é digno do nosso louvor, da festa verdadeira! 2. Este convite a celebrar a festa, traz em si o sinal daquele alvoroço, que se apoderou das mulheres, naquela primeira manhã de Páscoa! “Depois de passar o sábado, compraram aromas, para embalsamar Jesus” (Mc.16,1) como se venerassem um morto! Mas, «no primeiro dia da semana», quando tudo se apressa, é então que tudo se recria e recomeça: “partindo muito cedo, chegaram ao sepulcro, ao nascer do sol” (Mc,16,2)! E eis que, surpreendentemente, encontram o sepulcro aberto, limpo de qualquer odor da morte, donde emerge uma luz (re) criadora! Está aberto o túmulo, sem que nenhuma força humana tivesse removido a pedra! «A mão do Senhor fez prodígios. A mão do Senhor foi magnífica» (Sal.118/117,15)! 3. Caberá a um jovem, sentado do lado direito e vestido de túnica branca, anunciar e confirmar a vitória do Amor mais forte do que a morte: «Procurais a Jesus de Nazaré, o Crucificado? Ressuscitou. Não está aqui» (Mc.16,6). Às mulheres, o inesperado acontecimento da Ressurreição não lhes coubera em nenhuma previsão de fé e em nenhuma provisão de esperança! O jovem é aqui o guia e mensageiro da luz! É ele a “sentinela da manhã de Páscoa”, a dizer-nos hoje: “É Ele, Cristo Ressuscitado o verdadeiro Sol nascente, a erguer-se, por sobre nós mortais! É Ele, Cristo Ressuscitado, o rochedo novo, donde dimana a vida como um rio! É Ele, Cristo Ressuscitado, o pascal cordeiro que, nesta manhã, da nova criação, nos reconduz ao Paraíso! Ressuscitou. Não está aqui”. Esta sim “é a madrugada, que eu esperava, o dia inicial inteiro e limpo, onde emergimos da noite e do silêncio e livres habitamos a substância do tempo” (Sophia). 4. Como não havíamos então de fazer a festa, de ir, doravante e por aí adiante, anunciá-l’O, celebrá-l’O, festejá-l’O, porque Ele está connosco, tal como na manhã de Páscoa?! Desde aquela primeira manhã de Páscoa, somos todos convocados a celebrar a Festa! E, a partir da Páscoa, a fazer festa da vida e da vida uma festa. Desde aquele «primeiro dia da semana», fazemos do domingo o principal dia de festa, a nossa Páscoa semanal. Conscientes da libertação trazida por Cristo, celebramos, na gloriosa liberdade dos filhos de Deus, a alegria desta Páscoa, que faz de nós novas criaturas, gente ressuscitada, liberta de todas as amarras e escravidões, do cansaço, do trabalho, do desgaste, do desencanto, das ocupações e preocupações da vida! 5. Em cada Domingo, vivamos esta Páscoa, no mistério da Eucaristia, onde cada família de sangue e esta família de fé se fazem e se refazem, nos seus laços de comunhão. Este não é o dia para uma fuga isoladora e individualista, para uma dispersão evasiva, mas o dia livre, inteiro e limpo, para o repouso maravilhado em Deus, que nos liberta o tempo e do tempo, para o darmos, na alegria do amor, à família, aos amigos, aos doentes e aos sós! Se guardarmos assim «o Domingo», também ele nos guardará o mais belo da Vida! E iremos e viremos desta festa pascal da Eucaristia, em cada domingo, sempre mais vivos e ressuscitados, repletos daquela paz e daquela alegria da Páscoa, que só Cristo Ressuscitado nos dá a todos! Aleluia! Pe. Amaro Gonçalo Pároco de Nossa Senhora da Hora