Revista dos Alunos dos Programas de Pós-Graduação do Instituto de Letras – UFF www.revistaicarahy.uff.br Edição Especial/ 2012 ISSN: 2176-3798 A MUDANÇA DE ESTADO EM PORTUGUÊS E EM ESPANHOL: UMA PESQUISA DIACRÔNICA Magda Batista de Sant’Anna∗ RESUMO: Este trabalho tem como objetivo apresentar o uso das construções de mudança de estado entre os séculos XV e XIX no espanhol e no português. O trabalho analisa a representação dessas construções e visa a explicar o percurso das construções de mudança de estado em ambas as línguas. PALAVRAS-CHAVE: mudança de estado; construções predicativas; construções verbais. ABSTRACT: This research work presents the change of state verbs between the fifteenth and nineteenth centuries in Spanish and Portuguese. This study examines the representation and the use of these constructions and explains the course of the change of state verbs in these languages. KEYWORDS: change of state; predicative constructions; verbal constructions. 1 – A mudança de estado Porroche (1998:127) relata que as mudanças podem ocorrer para expressar duas aquisições: do estado ou da propriedade. Em relação à mudança de propriedade em língua espanhola, esta se manifesta quando o ser que aparece no enunciado é modificado na sua essência. Este acontecimento se dá através de um verbo derivado de substantivo ou de adjetivo, ou ainda, de uma construção predicativa composta pelos verbos: volverse, hacerse (usados em maior proporção) convertirse en, tornarse e trocarse en (usados em menor proporção) acrescidos de um adjetivo ou substantivo, no espanhol. As construções de mudança de propriedade e de estado diferem porque os estados se desenvolvem em um período transitório, enquanto as propriedades Mestranda da Pós-Graduação em Estudos de Linguagem da Universidade Federal Fluminense e bolsista da agência CAPES. 27 Revista dos Alunos dos Programas de Pós-Graduação do Instituto de Letras – UFF www.revistaicarahy.uff.br Edição Especial/ 2012 ISSN: 2176-3798 demonstram uma alteração da essência do ser, diferenciando-o dos outros seres da sua mesma espécie devido a essa característica. Na língua portuguesa, contamos com o verbo “virar” para denotar a ideia de mudança de propriedade, assim como os verbos “tornar-se” acrescido de substantivo e “converter-se” acrescido de substantivo. Estes últimos são usados em situações mais específicas com o uso marcado. Dessa forma, em português tendemos a utilizar um único verbo (“virar”) para representar o que em espanhol se estabelece por dois verbos: hacerse e volverse. Para especificar melhor o uso dos verbos que expressam mudança de propriedade em espanhol, preparamos a tabela a seguir: Tabela 1: Propriedades semânticas dos verbos copulativos em espanhol (mudança de propriedade) (Baseada em Porroche, 1998: 127-142) Verbos Mudança e Propriedad Voluntarie Situações propriedade e e mudança dade e esforço marcadas volverse hacerse convertirse Sim Não Sim gradual não sim sim não sim não não não sim en tornarse trocarse en Sim Sim não não não não sim sim No entanto, nosso estudo não se prenderá às explicações referentes à mudança de propriedade. Este trabalho pretende abordar as inúmeras questões que concernem apenas às mudanças de estado em português e espanhol que inclui não só os verbos léxicos de mudança de estado (ME), como também as construções predicativas. 2 – As construções de mudança de estado predicativas e verbais no espanhol 28 Revista dos Alunos dos Programas de Pós-Graduação do Instituto de Letras – UFF www.revistaicarahy.uff.br Edição Especial/ 2012 ISSN: 2176-3798 Para expressar a ME em espanhol, contamos com as construções predicativas que são formadas por um verbo classificado como de cópula ou pseudo-cópula e um sintagma adjetival. Porroche (1998:128) apresenta os verbos de ME como copulativos e por isso os engloba em uma categoria mais ampla, já que, para a gramática tradicional, os verbos copulativos típicos são ser, estar e parecer que se caracterizam por fazerem a ligação entre o sujeito (sintagma nominal) ao seu predicativo (sintagma adjetival). Vemos a categorização de Demonte & Masullo (1999: 2461-2524) como a mais apropriada para designar os verbos que expressam ME. Estes teóricos atribuem aos verbos quedar(se) e ponerse a nomenclatura de pseudo-cópulas, pois entendem que não se comportam como os verbos copulativos autênticos (ser, estar e permanecer), visto que o particípio destes verbos pode ser substituído por “lo” sem alterar o sentido do enunciado: (1a) Permanece cerrada. (1b) Lo permanece. Diferentemente dos verbos copulativos, as pseudo-cópulas não podem substituir o seu predicativo (sintagma adjetival) pelo pronome “lo”. Tal fato tornaria o enunciado agramatical, como em (2b): (2a) Se quedó triste por tres días. (2b) * Se lo quedó por tres días. 29 Revista dos Alunos dos Programas de Pós-Graduação do Instituto de Letras – UFF www.revistaicarahy.uff.br Edição Especial/ 2012 ISSN: 2176-3798 Além disso, o conteúdo semântico das pseudo-cópulas possui valor aspectual que denota a ME e podem ser substituídas por um verbo léxico que denote ME sem perder a noção de mudança. Outra observação importante, esta de Porroche (1998:127), é que em espanhol não há um verbo que seja equivalente ao verbo devenir do francês e ao diventare do italiano para expressar a mudança. A mesma autora acrescenta que o espanhol dispõe de diferentes procedimentos, sejam eles: léxicos, morfológicos ou sintáticos, para determinar a noção de mudança. Bermejo Calleja (1990:48) salienta que, quando não se utiliza o pronome “se”, o predicativo (sintagma adjetival ao qual a pseudo-cópula está interligada) se referirá ao complemento direto, conforme encontramos nos exemplos a seguir retirados da autora citada acima: (3a) Ellos se pusieron muy contentos de vernos. (3b) Nuestra visita los puso muy contentos. Como já mencionamos anteriormente, nosso trabalho se restringe às construções de mudança de estado (CME), mais especificamente, à construção predicativa com a pseudo-cópula quedar(se) no caso do espanhol. Entretanto, achamos necessário explicitar os aspectos gramaticais que opõem as construções com quedar(se) e ponerse. Ambas as construções possuem valor incoativo, ou seja, retratam o início da ME, porém as construções com ponerse são pontuais e carecem de caráter durativo, ao contrário de quedar(se), que detém o caráter de permanência na ME (permansivo). A seguir, apresentamos uma tabela para melhor expor esses dados: 30 Revista dos Alunos dos Programas de Pós-Graduação do Instituto de Letras – UFF www.revistaicarahy.uff.br Edição Especial/ 2012 ISSN: 2176-3798 Tabela 2: Propriedades semânticas dos verbos copulativos em espanhol (mudança de estado) (Porroche, 1998 e Correa, 2007). Pseudo-có Mud pulas Valor ança e incoativo estado Sim Sim Ponerse quedar(se Cará sim sim ter Caráte r pontual permansivo não sim sim não ) Quanto às CME verbais, estas são mais frequentes no espanhol e a diferença entre estas e as construções predicativas (ou passivas adjetivais) não se dão somente por questões estilísticas ou sintáticas. Correa (2009: 125) ressalta que a preferência pelas construções verbais de ME que podem ser lidas como um tipo de construção média (este termo remete-se à voz média latina) ocorre devido a “implicaturas semântico-aspectuais” que são compreendidas através da tabela a seguir: Tabela 3: Mudança de estado e aspecto (Correa, 2009: 126). Construções de Mudança de Estado quedar(se) + adjetivo ponerse + adjetivo construção média Valor exclusivamente incoativo não sim sim Valor incoativo e durativo sim não não (verbal) Ao analisar a tabela, podemos observar que tanto a construção copulativa com ponerse como a construção verbal possuem as mesmas características: representam o início da mudança de estado, mas somente quedar(se) possui o caráter durativo. Este 31 Revista dos Alunos dos Programas de Pós-Graduação do Instituto de Letras – UFF www.revistaicarahy.uff.br Edição Especial/ 2012 ISSN: 2176-3798 motivo explica a preferência da pseudo-cópula com quedar(se) para expressar a ME, como afirma Porroche (1998:132), essa construção copulativa é muito frequente no espanhol e seu uso só não é maior que o dos verbos copulativos ser e estar. Dessa maneira, entendemos que a construção predicativa quedar(se) + adjetivo tem um uso particular, pois marca o valor incoativo e também denota o aspecto durativo. As características aspectuais desta pseudo-cópula diferem tanto da construção verbal quanto da outra construção predicativa (ponerse + adjetivo). Por outro lado, sabemos que o uso das construções verbais para expressar ME em espanhol é imensamente superior ao uso da construção com quedar(se), de acordo com a quantificação relatada em Correa (2007: 66). No próximo tópico, trataremos das CME na língua portuguesa e apresentaremos algumas comparações com o espanhol. 3 – As construções de mudança de estado predicativas e verbais no português No português, assim como na língua espanhola, são encontrados dois tipos de construções para expressar ME: a predicativa e a verbal. A construção predicativa típica do português brasileiro contemporâneo é a pseudo-cópula “ficar” acrescida de um sintagma adjetival (particípio ou adjetivo) que exerce a função de núcleo do predicado. O português conta com algumas construções que expressam ME, mas a construção com o verbo “ficar” é preponderante, diferentemente do espanhol, que conta com duas construções para denotar ME : ponerse e quedar(se). Correa (2007: 40) destaca que são poucas as construções predicativas (“ficar” + particípio) no português brasileiro (doravante PB) que apresentam o valor incoativo. 32 Revista dos Alunos dos Programas de Pós-Graduação do Instituto de Letras – UFF www.revistaicarahy.uff.br Edição Especial/ 2012 ISSN: 2176-3798 Segundo o autor, as construções desse tipo no PB detêm um caráter permansivo e demonstram uma grande permanência em determinado estado físico. Nos exemplos (4a) e (4b), ambos retirados de Correa (2007: 40), comprovamos o valor permansivo de “ficar” acompanhado de particípio: (4a) *Ela ficou caída quando escorregou. (4b) Ela ficou caída esperando socorro. No entanto, ainda que em pequena quantidade, existem construções predicativas com o verbo “ficar” que possuem o valor incoativo. Em contraposição ao espanhol, as construções predicativas no PB apresentam dois aspectos gramaticais diferentes: incoativo e permansivo. Correa (2007: 41) explica que o aspecto permansivo não denota mudança, porém é possível obter na mesma construção uma mudança de estado (valor incoativo) e uma permanência no estado3. Dessa forma, concordamos com Garcia (2000: 6) que identifica dois verbos “ficar”: Os verbos ficar também satisfazem todos os critérios de classificação dos verbos designativos: não aceitam passiva, podem ter inúmeros tipos de sujeito, têm colocação ampla, aceitam duas ou mais predicações, não admitem sinônimos e têm um caráter aspectual marcado. A diferença entre eles reside justamente no seu caráter aspectual, pois enquanto o verbo ficar1 tem caráter aspectual imperfectivo (juntamente com as fases retrospectiva e prospectiva), o verbo ficar2 tem caráter aspectual ingressivo (indica que uma situação que não existia passa a existir). (grifos do autor) Garcia (2000: 6) apresenta “ficar” como dois verbos diferentes, devido às características já evidenciadas em Correa (2007: 38-45), ou seja, “ficar” não só denota mudança de estado, mas também se destaca pelo seu valor continuativo. O primeiro 3 O uso do verbo “ficar” contendo estes dois valores (incoativo e permansivo) em português é habitual, mas no espanhol este uso somente pode ser marcado com o verbo quedar(se) que não possui o valor continuativo na mesma proporção do verbo da língua portuguesa. 33 Revista dos Alunos dos Programas de Pós-Graduação do Instituto de Letras – UFF www.revistaicarahy.uff.br Edição Especial/ 2012 ISSN: 2176-3798 autor também o considera um verbo designativo para não denominá-lo verbo de ligação, visto que apresenta características que destoam dos demais verbos copulativos. Garcia (2000: 6) acrescenta que os verbos “ficar” podem possuir um valor incoativo ou ingressivo, mas também um valor imperfectivo, dependendo da situação estabelecida. A pseudo-cópula “ficar” pode vir acompanhada de um sintagma preposicional que seria o núcleo do predicado como em (5a). Nesse tipo de construção, elementos podem ser acrescidos ao sintagma preposicional que serão analisados como mudança de estado, no exemplo (5b), ou receberão o aspecto gramatical permansivo, na sentença (5c). Há ainda um tipo de construção que retém os valores: incoativo e permansivo simultaneamente, tal situação ocorre em (6a). Observemos os exemplos: (5a) Ele ficou com sono. (5b) Ele ficou com sono, ao ouvir a canção de ninar. (5c) Ele ficou com sono, mas teve que estudar a noite toda. (6a) Ao ver o assalto, a menina ficou com medo por cinco horas. Assim como no espanhol, a expressão da ME no português brasileiro pode ser representada por meio de construções verbais. Segundo Correa (2007: 45-48), estas construções podem apresentar um pronome clítico, mais comum nas CME psicológico, ou ainda não utilizá-lo, o que acontece com a maioria das CME físico, o que pode ser observado, respectivamente, nos exemplos (7a) e (7b), abaixo: (7a) Ela se esqueceu de fazer a tarefa. (7b) Ela esqueceu de fazer a tarefa. 34 Revista dos Alunos dos Programas de Pós-Graduação do Instituto de Letras – UFF www.revistaicarahy.uff.br Edição Especial/ 2012 ISSN: 2176-3798 Ao analisar as características gramaticais relacionadas ao aspecto das construções verbais no PB, vemos que elas se diferenciam da construção com o verbo “ficar”, que em alguns casos denota permanência, pois sempre possuem o caráter incoativo. As construções verbais no PB mostram um evento pontual, assim como a construção predicativa com ponerse em espanhol. Assim, complementos que atribuem um caráter durativo ao enunciado só serão aceitos se a leitura do evento for iterativa, ou seja, o evento será composto por vários eventos repetidos que expressam início de ME, o que não quer dizer que há duração: (8a) A criança se apavorou quando começou o tiroteio. (8b) A criança se apavorou com os disparos durante toda a noite. Com objetivo de conhecer melhor as diferenças entre as CME em português e em espanhol, produzimos um quadro comparativo que abrange todas as considerações que fizemos sobre o assunto anteriormente. A tabela mostra que a pseudo-cópula “ficar” abrange todas as possibilidades aspectuais e se assemelha à construção com quedar(se) porque são as únicas que podem manifestar início de mudança e duração. Por esse motivo há tantas complicações no uso da pseudo-cópula quedar(se) por aprendizes brasileiros, pois esta é a que mais se aproxima da construção mais frequente no PB contemporâneo: Tabela 4: Construções de mudança de estado e aspecto veiculado (Correa 2009:126) Construções de mudança de estado “Ficar” + adjetivo (PB) Construção verbal (PB) Valor incoativo sim sim Valores incoativo e permansivo sim não 35 Revista dos Alunos dos Programas de Pós-Graduação do Instituto de Letras – UFF www.revistaicarahy.uff.br Edição Especial/ 2012 ISSN: 2176-3798 Quedar(se) + adjetivo (E) Ponerse + adjetivo (E) Construção verbal (E) não sim sim sim não não Fanjul (2002 apud CORREA, 2009: 117), sob a perspectiva da Análise do Discurso, ao trabalhar com o conceito foulcautiano de formações discursivas, afirma que a discursividade brasileira apresenta uma tendência em considerar eventos no presente como resultados já alcançados e que isso é demarcado na discursividade do PB. Na comparação efetuada pelo autor, os argentinos, por sua vez, interpretam os mesmos fatos como processos. Esta análise de Fanjul (2002 apud CORREA, 2009: 117) justificaria a preferência no espanhol pelas construções médias devido ao fato de que, em espanhol, há uma tendência a considerar tais eventos no seu aspecto processual que é marcada sintaticamente pela construção verbal. Nesse primeiro momento, procuramos explicar brevemente os fatores que diferenciam as CME no espanhol e no português para, a partir disso, começar a traçar os possíveis caminhos que estas construções percorreram durante todo o período histórico que nos dispusemos a comentar. Portanto, no próximo tópico, iremos expor algumas considerações importantes a respeito das CME nas duas línguas pesquisadas durante os séculos XV e XIX. 4 – A análise diacrônica da mudança de estado Ao analisar os verbos “ficar” e quedar(se) que muitas vezes servem de tradução um para o outro no português e espanhol, vemos que possuem em sua semântica um desenvolvimento completamente diferente. Entretanto, ambos os 36 Revista dos Alunos dos Programas de Pós-Graduação do Instituto de Letras – UFF www.revistaicarahy.uff.br Edição Especial/ 2012 ISSN: 2176-3798 verbos têm a sua primeira entrada nos dicionários com o sentido de “permanecer”, como mostra Andrade (2002: 11-18). Provavelmente, essa falsa tradução seja um dos motivos para tantos problemas nos estudos dos verbos de mudança de estado em espanhol, mesmo porque o verbo “ficar” é o que possui uma variedade maior de definições. Além disso, as CME em espanhol podem ser realizadas por duas pseudo-cópulas de mudança de estado (ponerse e quedar(se)), quando em português a construção predicativa com “ficar” é a única existente. As construções predicativas em espanhol são utilizadas minoritariamente: a quantificação efetuada em Correa (2007: 88) acusou somente 11% das CME nessa língua como copulativas, ou seja, as construções verbais predominam (88%) e observamos que o espanhol moderno manteve essa característica já proveniente do espanhol arcaico (século XV) e moderno (séculos XVI – XIX). Lathrop (2009: 281-282) indica que a situação da sintaxe medieval era muito complexa e que havia uma preferência pelo uso da passiva (que devemos entender como a passiva analítica), na Idade Média, de frequência superior à dos tempos modernos: “suele señalarse que la Edad Media es más propensa a la utilización de la pasiva que el español moderno”. Correa (2009: 123-124) nos mostra uma profunda ligação entre o uso das passivas e as CME, ao descrever que, com relação à mudança de estado, o PB prefere as passivas adjetivais, enquanto o espanhol elege os verbos lexicais. O mesmo ocorre com as passivas, onde, em termos de frequência, o PB opta pelas passivas sintáticas e o espanhol prefere as passivas pronominais. 37 Revista dos Alunos dos Programas de Pós-Graduação do Instituto de Letras – UFF www.revistaicarahy.uff.br Edição Especial/ 2012 ISSN: 2176-3798 O uso da passiva e também das construções predicativas para expressar ME aumentaram durante o período renascentista na Espanha e em Portugal (durante os séculos XV, XVI até meados do século XVII). As construções passivas com os núcleos nominais passaram a ser usadas com mais frequência e também podemos ver um aumento considerável no uso das CME no espanhol durante esse período através da figura 1, feita a partir da nossa pesquisa com base nos dados do Corpus del Español: Figura 1: Frequência de construções [quedar(se) +adjetivo] no espanhol entre os séculos XV e XIX. A figura 1 apresenta o comportamento linguístico da pseudo-cópula com o verbo quedar(se) entre os séculos XV e XIX, período analisado na nossa pesquisa. Observamos um abrupto aumento no uso desta construção nos séculos XV e XVI, muito possivelmente devido ao escasso número de obras do século XV no corpus utilizado, no século XV, foram encontradas 14 entradas e, no século XVI, 377 entradas. O gráfico mostra o maior número de ocorrências no período que compõe o Século de Ouro espanhol, entre os séculos XVI e XVII. Este último apresentou 200 ocorrências, mais especificamente entre os anos 1580 e 1640. Nos séculos 38 Revista dos Alunos dos Programas de Pós-Graduação do Instituto de Letras – UFF www.revistaicarahy.uff.br Edição Especial/ 2012 ISSN: 2176-3798 seguintes, vemos uma grande diminuição no uso da pseudo-cópula, principalmente no século XVIII que apresentou um número de 77 ocorrências, inferior ao século XIX que obteve 191 ocorrências, este aumento se deve, muito provavelmente, ao extenso número de obras publicadas no corpus no último século de análise. Tessyer (2004: 88) aponta que durante dois séculos e meio (metade do século XV ao fim do século XVII) o espanhol influenciou muito a língua portuguesa. Todos os portugueses cultos tinham o espanhol como segunda língua e os nobres portugueses sempre procuravam casar-se com as princesas espanholas, o que levou a influência castelhana até os altos postos da nobreza. Foi entre os anos de 1580 e 1640, o chamado Século de Ouro da literatura espanhola, que o português se assemelhou mais ao espanhol. O Século de Ouro foi o auge da literatura espanhola na Idade Média, muitos escritores espanhóis ficaram conhecidos em todo o mundo devido às obras teatrais, à poesia e aos primeiros esboços do romance moderno. Além disso, as conquistas da Espanha nesse período marcado pelo fim do Renascimento e início do Barroco (são elas: os novos territórios da América, a expulsão dos árabes e unificação das terras espanholas e de sua coroa) popularizaram a cultura espanhola por toda a Europa. Este período perdurou até o fim do Barroco. Dessa forma, o aumento do número das passivas analíticas comentado anteriormente e, em consequência, nas CME, ocorreu também na língua portuguesa. Para poder analisar as CME durante o período medieval e clássico, tanto em português como em espanhol, efetuamos uma pesquisa em dois corpora disponíveis 39 Revista dos Alunos dos Programas de Pós-Graduação do Instituto de Letras – UFF www.revistaicarahy.uff.br Edição Especial/ 2012 ISSN: 2176-3798 pela internet. Os dados em espanhol provêm do Corpus del Español e os dados do português foram retirados do Corpus do Português, ambos elaborados pelo professor Mark Davies (Bigham Youg University, Utah, EUA). Procuramos observar as CME tanto com construções verbais com a formação semelhante às construções médias latinas, como com os verbos “ficar” e quedar(se) que aparecem em construções de cópula. Tabela 5: Construções de mudança de estado no português e no espanhol Construções predicativas em espanhol Construções médias em espanhol Construções predicativas em Admirarse Alegrarse Aterrarse Calmarse Hartarse Entristecerse Espantarse português Ficar admirado Ficar alegre Ficar aflito Ficar calmo Ficar farto Ficar triste Ficar espantado espantado Quedar(se) Maravillarse Ficar maravillado Quedar(se) Satisfacerse satisfecho Quedar(se)tranquilo Tranquilizarse Quedar(se) admirado Quedar(se) alegre Quedar(se) aterrado Quedar(se) calmo Quedar(se) harto Quedar(se) triste Quedar(se) maravilhado Ficar satisfeito Ficar tranquilo Construções médias em português Admirar-se Alegrar-se Afligir-se Acalmar-se Fartar-se Entristecer-se Espantar-se Maravilhar-se Satisfazer-se Tranquilizar-se Para realizar nossa pesquisa, selecionamos dez CME com o verbo quedar(se) e o verbo “ficar” que detinham a maior frequência em português e espanhol e as dez construções verbais referentes a estas construções copulativas. Nossa análise foi feita através do Corpus del Español e do Corpus do Português fazendo o uso dos mesmos gêneros em ambas as línguas. Tabela 6: CME no espanhol entre os séculos XV e XIX Quedar(se) + adjetivo Ocorrên Construções Ocorrências 40 Revista dos Alunos dos Programas de Pós-Graduação do Instituto de Letras – UFF www.revistaicarahy.uff.br Edição Especial/ 2012 ISSN: 2176-3798 Quedar(se) admirado Quedar(se) alegre Quedar(se) aterrado Quedar(se) calmo Quedar(se) harto Quedar(se) triste Quedar(se) espantado Quedar(se) maravillado Quedar(se) satisfecho Quedar(se)tranquilo cias 163 8 20 3 32 55 88 34 380 40 verbais correspondentes Admirarse Alegrarse Aterrarse Calmarse Hartarse Entristecerse Espantarse Maravillarse Satisfacerse Tranquilizarse 676 1049 33 83 292 172 665 663 445 58 O resultado obtido no Corpus del Español traz um número bem alto de ocorrências: 4939, o percentual de construções de cópula é 20% (823) e o de construções verbais chega aos 80% (4116 ocorrências). O resultado dessa pesquisa reitera que o espanhol sempre preferiu as construções médias, sejas por questões discursivas, seja por maior facilidade em produzir uma única construção verbal do que unir um sintagma verbal (quedar(se) e ponerse) a um sintagma adjetival para denominar um evento. Tabela 7: CME no português entre os séculos XV e XIX Ficar + adjetivo Ficar admirado Ficar alegre Ficar aflito Ficar calmo Ficar cansado Ficar triste Ficar espantado Ficar maravilhado Ficar satisfeito Ficar tranquilo Ocorrências 53 13 7 1 5 79 64 20 86 5 Construções verbais Admirar-se Alegrar-se Afligir-se Acalmar-se Cansar-se Entristecer-se Espantar-se Maravilhar-se Satisfazer-se Tranqüilizar-se Ocorrências 208 232 43 20 112 34 182 99 117 1 Na língua portuguesa, o número de ocorrências é muito inferior ao encontrado na língua espanhola, isto se dá porque o Corpus do Português apresenta um número 41 Revista dos Alunos dos Programas de Pós-Graduação do Instituto de Letras – UFF www.revistaicarahy.uff.br Edição Especial/ 2012 ISSN: 2176-3798 inferior de construções em 40% ao Corpus del Español. Tal episódio pode ser esclarecido também porque muitos escritores portugueses preferiam escrever em língua espanhola, língua de prestígio entre os séculos XV e XVII (cf.: Tessyer, 2004: 88). O número de ocorrências de CME encontradas é 1381, no entanto, as construções predicativas resultam em uma porcentagem superior ao espanhol em 7%, totalizando 24% (333 ocorrências), e as construções verbais são 1048 (76%). Optamos por uma pesquisa histórica para estudar as CME e observamos que o número de construções copulativas em espanhol era superior do que temos atualmente, ainda que a preferência sempre tenha sido pelas construções verbais. Também observamos, nesta análise preliminar, que o português sofreu influência do espanhol e somente a partir do século XVIII encontramos um número mais expressivo de construções copulativas para expressar mudança de estado. 5 – Bibliografia ANDRADE, Otávio Góes de. Matizes do verbo português ficar e seus equivalentes em espanhol. Londrina: Editora da UEL, 2002. BERMEJO CALLEJA, F. Verbos de cambio o devenir en español. ASELE. Actas II, 1990. p. 47-60. BOGARD, Sergio. El clítico se. Valores y evolución. In: COMPANY COMPANY, C. (directora). 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