a teoria absoluta do tempo

Propaganda
A TEORIA ABSOLUTA DO TEMPO
Francisco Martins de Sousa*
I – INTRODUÇÃO
O objetivo deste trabalho é apresentar o conceito de tempo absoluto proposto por
Newton nos Principia e retomado por Leibniz, Euler, Kant, Mach, Einstein e Weyl. A
questão central não foi a de fundamentar as relações métricas, sobre o comportamento dos
instrumentos de medição – como asseveram os empiristas lógicos –, mas a de encontrar a
origem das forças de inércia: o que deve ser a estrutura do espaço-tempo para que os efeitos
inerciais, considerados reais e não fictícios, sejam completa e adequadamente explicados?
Para uma explicação completa do problema colocado acima teríamos que fazer
um exame detalhado da mecânica clássica, do eletromagnetismo, da relatividade restrita e
da relatividade geral. Essas teorias só adquirem sua plena inteligibilidade se postulada a
existência de uma entidade francamente metafísica, o espaço-tempo absoluto, causalmente
responsável pelo aparecimento dos efeitos inerciais. A física relativista não opera a
eliminação do espaço-tempo absoluto e não satisfaz às exigências de Leibniz e de Mach,
que acreditavam que uma teoria puramente relacional do espaço-tempo, e compatível com
uma explicação da inércia fosse possível. No trabalho ora apresentado não será possível
fazer todo o desenvolvimento proposto e nos deteremos em apresentar uma teoria sobre o
tempo absoluto como uma preparação para o desenvolvimento posterior de um trabalho
aprofundado sobre o espaço-tempo que cubra as exigências teóricas propostas por aqueles
que desenvolveram as teorias físicas mencionadas.
Antes da existência da consciência não havia tempo, havia apenas a eternidade.
Não havia espaço, somente a infinidade, a divindade, apenas o mundo tinha existência. O
homem vivia além dos opostos, além do bem e do mal. A evolução em direção à
consciência arrancou o ser humano de seu estado natural e o diferenciou das outras
espécies. Nenhuma outra espécie tem consciência do tempo e nem construiu instrumentos
para a sua medida. Somente a espécie humana tem essa consciência e o tempo parece uma
exigência da qual ninguém consegue escapar. Nossa consciência do tempo é tão
interiorizada que temos dificuldade em imaginar que grupos humanos tenham sido capazes
de viver sem calendário. Temos a sensação de que “o tempo passa”, quando na realidade
essa sensação diz respeito à nossa própria vida, às transformações da natureza ou da
sociedade.
O tempo não existe em si, afirma Norbert Eliasi  não é nem um dado objetivo,
como sustentava Newton, nem uma estrutura a priori do espírito, como queria Kant. O
tempo é antes de tudo um símbolo social, resultado de um longo processo de aprendizagem.
Foram necessários milênios para que a noção de tempo fosse assim depurada.
Que unidades de referência os humanos tomaram como marcos temporais? Com
que objetivo têm eles necessidade de determinar o tempo? Como a consciência do tempo
acabou por se tornar uma segunda natureza?
Doutor em Ciências: História Social. Professor Titular de Física da Universidade Estadual do Ceará –
UECE.
*
1
II – TEORIA ABSOLUTA
Entre eventos comuns, isto é, eventos que percebemos e dos quais participamos,
existem relações de simultaneidade, anterioridade e posterioridade. Além dessas, como os
eventos comuns têm duração, são extensos no tempo, existem relações de superposição
temporal, de precedência parcial, etc. Ao formular as várias teorias do tempo, é conveniente
evitar esta multiplicação de relações temporais usando somente as três relações básicas e
reduzindo as demais a estas três. Para isto, introduzimos eventos pontuais como entidades
teóricas. Esses eventos não têm extensão, são estritamente instantâneos.
A formulação clássica da teoria absoluta do tempo encontra-se nos Principia de
Newton:
“O tempo absoluto, verdadeiro e matemático, por si mesmo e da sua própria natureza, flui
uniformemente sem relação com qualquer coisa externa e é também chamado de duração; o tempo
relativo, aparente e comum é alguma medida de duração perceptível e externa (seja ela exata ou não
uniforme) que é obtida através do movimento e que é normalmente usada no lugar do tempo
verdadeiro, tal como uma hora, um dia, um mês, um ano... Tempo absoluto, em astronomia, é
distinguido do tempo relativo, pela equação ou correção do tempo aparente. Porque os dias naturais
são de fato desiguais, apesar de serem comumente considerados como iguais e usados como uma
medida do tempo; os astrônomos corrigem essa desigualdade, para que possam medir os
movimentos celestes por um tempo mais rigoroso. Pode ser que não haja algo como movimento
uniforme, onde o tempo possa ser rigorosamente medido. Todos os movimentos podem ser
acelerados e retardados, mas o fluxo do tempo absoluto não é passível de mudanças. A duração ou
perseverança da existência das coisas permanece a mesma, sejam os movimentos rápidos ou lentos,
ou até completamente nulos. E, portanto, essa duração deve ser distinguida daquelas que são apenas
suas medidas perceptíveis, a partir das quais aquela é deduzida através da equação astronômica. A
necessidade dessa equação para determinar os tempos de um fenômeno é evidenciada tanto a partir
de experimentos com relógios de pêndulo, como pelos eclipses dos satélites de Júpiter.
Da mesma forma como a ordem das partes do tempo é imutável, assim também o é a
ordem das partes do espaço. (...). Todas as coisas são colocadas no tempo de acordo com uma
ordem de sucessão...”ii.
Esta passagem merece exame minucioso, pois caracteriza um conceito que foi
central para a Física por mais de dois séculos. Segundo Hugh M. laceyiii, ela contém pelo
menos os seguintes elementos:
(1)
(2)
(3)
Um contraste entre dois tipos de tempo: absoluto, verdadeiro e matemático
de um lado; relativo (ou o que hoje em dia chamamos “relacional”),
aparente e comum de outro.
O tempo absoluto é independente do outro tempo; ele existe quer o outro
exista quer não. Assim, o tempo é independente de qualquer dos eventos
que se dão no tempo. Além disso, ele é objetivo; não depende de
características sensíveis.
O tempo absoluto tem sua própria medida que não é função das medidas
dos movimentos; é uma medida que existe independentemente da
existência de qualquer acontecimento. O tempo “flui uniformemente sem
relação com coisa alguma externa”. A verdadeira duração dos eventos é
dada pelo lapso de tempo absoluto não pelos procedimentos normais de
medição. Estes são corrigidos para ficarem de acordo com o tempo
verdadeiro.
2
(4)
As partes do tempo absoluto são ordenadas de maneira imutável; elas
formam uma série. Coisas, eventos, etc. são ordenados no tempo em
virtude dos lugares no tempo absoluto em que eles ocorrem.
Também é de grande importância na História da Filosofia e da Ciência a doutrina
de Newton, que no Escólio inicial do Principia, afirma que na Física, como ciência do
movimento, cumpre distinguir entre movimento aparente e movimento real, e que o
movimento verdadeiro e real não pode ser definido a não ser em ordem a um espaço real,
verdadeiro e absoluto, e a um tempo absoluto, verdadeiro e matemático, que em si e pela
sua própria natureza não dizem relação a nenhum dos espaços e dos tempos empíricos, que
são objeto dos nossos sentidos. No Escólio Geraliv da mesma obra, afirma que Deus, com a
sua eternidade e ubiqüidade, constitui o tempo absoluto e o espaço absoluto.
Para mostrar a necessidade de distinguir entre movimento verdadeiro e absoluto e
movimento puramente aparente, serve-se Newton do experimento ideal de um balde cheio
d’água suspenso a uma corda e ao qual possa ser impresso um rápido movimento rotatório.
Se observarmos o balde d’água prescindindo do ambiente, poderemos notar diversas fases
do movimento relativo e de repouso relativo entre as paredes do vaso e a água; isto só,
entretanto, não nos permite distinguir entre movimento verdadeiro e movimento aparente.
Todavia, se observarmos a superfície da água, veremos que em algumas fases permanece
plana e horizontal; em outras assume uma forma côncava, soerguendo-se ao longo das
paredes. Mostra este fenômeno a existência de forças centrífugas que levam a água a
afastar-se do eixo de rotação; e essas forças não são mais que o efeito do movimento
verdadeiro e absoluto. Quando, ao invés, a superfície da água permanece plana, o seu
movimento é puramente aparente e, conseqüentemente, será verdadeiro e absoluto o
movimento do balde.
Começamos por observar que o argumento newtoniano, tirado da distinção entre
movimento verdadeiro e aparente é inaceitável do ponto de vista científico e, portanto,
inválido. Em primeiro lugar, a referência ao espaço e ao tempo absoluto é fisicamente
inobservável, como bem fazia notar Machv: “Ninguém a nosso ver, está em condições de
dizer alguma coisa sobre o espaço absoluto e sobre o tempo absoluto, que são puros entes
ideais não-reconhecíveis experimentalmente”. Ora, o que não é absolutamente
experimentável não tem direito de cidadania no discurso científico; e, de fato, em todo o
corpo de seu tratado o próprio Newton descreve as leis do movimento e da mecânica quer
terrestre quer celeste sem jamais fazer referência ao espaço e ao tempo absolutos. A razão
dessa ineficácia está na chamada “relatividade galileana”, segundo a qual todos os
fenômenos mecânicos são invariantes em relação a qualquer sistema inercial, coisa bem
conhecida do próprio Newton que, no corolário quinto que se segue aos axiomas e às leis
gerais do movimento, afirma: “O movimento de corpos encerrados em um dado espaço são
os mesmos entre si, esteja esse espaço em repouso, ou se movendo uniformemente em linha
reta sem qualquer movimento circular” (NEWTON, op. Cit. p. 23).
Tampouco é válido o argumento mais freqüentemente proposto por vários
filósofos e presente, de algum modo, na própria concepção do senso comum, segundo a
qual o espaço é a condição prévia para a própria existência dos corpos, o receptáculo
universal em que os corpos devem ser colocados para poderem existir. Efetivamente, se
esta exigência fosse universalmente verdadeira, implicaria um processo ao infinito, já
notado por Zenão de Eléia, como refere Aristóteles: “Se, de fato, para existir precisasse
todo ente ser colocado em um lugar (ou espaço), é claro que também o lugar (ou o espaço)
precisaria estar num lugar; e assim ao infinito”vi. Ora, o que conduz ao absurdo não pode
3
ser verdadeiro. A exigência de um receptáculo e de uma posição espacial e temporal é
válida para todo corpo e movimento particular, que se situe em um conjunto de outros
corpos e movimentos que o circundam. Mas como exigência universal para a própria
existência do corpo é vã e ilusóriavii.
O mesmo se deve dizer da situação temporal: um evento particular é situado no
tempo porque é situado em um conjunto de movimentos aos quais se mede. Mas o conjunto
de todos os movimentos reais não é colocado em um tempo externo e absoluto,
relativamente ao qual tenha sentido falar de simultaneidade, anterioridade ou
posterioridade. Em particular, o início do Universo não é em algum tempo, porque não
existe um tempo anterior que o contenha; o “antes” do “big-bang” é puramente imaginário,
como é puramente imaginário o “fora” do Universo.
Do ponto de vista filosófico e metafísico, o juízo sobre a realidade do espaço e do
tempo absolutos é absolutamente negativo: o espaço e o tempo absolutos são entidades
contraditórias e absurdas, puras quimeras, que não podem absolutamente existir. A posição
newtoniana, que refere a Deus o espaço e o tempo absolutos, nos parece absurda. Nada,
com efeito, de incriado e indestrutível pode existir afora Deus; mas Deus é absolutamente
simples e imutável, sem extensão e sem sucessão. Portanto o espaço e o tempo absolutos
não podem existir nem distintos de Deus, nem identificados com Deus e os seus atributos.
II – ESPAÇO E TEMPO COMO FORMAS SUBJETIVASviii
Ao contrário dos ultra-realistas, que fazem do espaço e do tempo realidades absolutas,
separadas dos corpos particulares e em si subsistentes, todas as formas de subjetivismo, idealístico e
empirístico, reduzem o espaço e o tempo a algo de puramente subjetivo. Não é possível expor
resumidamente as teorias dos vários autores, porque essas teorias, mais talvez do que em outras
questões, estão intimamente relacionadas com o sistema filosófico geral de cada um dos filósofos.
Indicaremos somente que a subjetivação mais ou menos pronunciada se dá não só no idealismo
acosmístico de Berkeley e no idealismo absoluto de Ficht, Schelling e Hegel, mas ainda no
empirismo de Locke e Hume e no racionalismo de Leibniz com a sua teoria das mônadasix.
Limitaremos, por isso, a nossa exposição e discussão apenas à teoria de Kant, proposta na “Estética
transcendental”, primeira parte da Crítica da razão purax, teoria que exerceu o máximo influxo sobre
toda a filosofia posterior.
Kant, aceitando a ciência newtoniana como a ciência verdadeira e necessária (toda a sua
Crítica da razão pura quer ser uma justificação da ciência newtoniana contra a doutrina dos
empiristas e em particular de Hume), rejeita, entretanto, o realismo de Newton no referente ao
conhecimento em geral e especialmente no referente ao espaço e ao tempo absolutos: “Os que
admitem a realidade absoluta do espaço e do tempo ... devem admitir dois não-entes (espaço e
tempo) como eternos e infinitos, possuidores de uma realidade por si; os quais (embora não sejam
nada de real) existem só por conter em si todo o real”xi. E ainda: “Reflita-se um pouco nos absurdos
em que se ficaria emaranhado, porquanto duas coisas infinitas, não substanciais e tampouco
inerentes a substâncias, deveriam todavia ser algo de existente, e até condição necessária da
existência de todas as coisas, e permanecer, mesmo que todas as coisas existentes fossem
suprimidas”xii.
Kant, em primeiro lugar, sob o influxo de Hume, exclui que as noções de espaço e tempo
possam ser obtidas por abstração da experiência, porque o espaço e o tempo, como todas as noções
científicas, são absolutamente necessárias e universais e, segundo a doutrina empirística que Kant
aceita neste ponto, nada de necessário e universal pode ser obtido a posteriori da experiênciaxiii. Por
isso as noções de espaço e de tempo devem ser a priori, isto é, devem preceder a experiência como
as próprias condições de possibilidade da experiência e dos fenômenos.
4
A aprioridade de espaço e tempo é provada por Kant também pelo fato de que não
podemos representar-nos as coisas e os acontecimentos “no espaço” e “no tempo” se não temos já
anteriormente a representação do espaço e do tempo; a forma espacial e a forma temporal são,
portanto, as condições subjetivas pré-requisitadas para toda experiência e sensação das coisas,
externas umas às outras, e de eventos simultâneos ou sucessivosxiv. Além disso, observa sempore
Kant, posso eliminar da minha representação todo objeto particular, mas não posso eliminar a
representação do espaço, que permanece sempre como fundamento necessário dos fenômenos
externos; e posso fazer desaparecer todos os fenômenos particulares, mas não posso suprimir a
representação do tempo, como condição universal da sua possibilidadexv.
Por outro lado, o espaço e o tempo não podem ser algo que subsista por si mesmo, nem
são propriedades das coisas em si ou das coisas no seu mútuo relacionamento, isto é, não são
determinações dos próprios objetos, que permanecem mesmo que se abstraia da intuição. Uma vez
que, no primeiro caso, cairemos nos absurdos do espaço e do tempo absolutos e no segundo a
percepção do espaço e do tempo não poderiam preceder a percepção dos objetos como sua
condição, nem poderiam ser conhecidos e intuídos a priorixvi.
Conclui, assim, Kant que o espaço e o tempo devem ser formas puras do sujeito,
mediante as quais unificamos e ordenamos os fenômenos múltiplos e caóticos que nos são dados a
posteriori pela experiência.
Enfim, Kant afirma que espaço e tempo não são conceitos discursivos intelectuais ou
categorias da razão, mas formas a priori da sensibilidade ou da intuição sensível: o espaço é a
forma do sentido externo, o tempo, a forma do sentido interno. O motivo é que os conceitos
discursivos ou categorias da razão são universais, isto é, podem ser predicados de muitos indivícuos
distintos, enquanto que o espaço e o tempo são onicompreensivos: há um espaço único e assim, da
mesma forma, um tempo único. Os espaços particulares e os tempos diversos, que nós tomamos em
consideração, não são sujeitos distintos compreendidos na extensão de um conceito universal, mas
são apenas partes integrantes do único espaço universal e infinito e do único tempo universal e
infinitoxvii.
CRÍTICA. A doutrina de Kant sobre o espaço e o tempo, baseando-se essencialmente em
pressupostos em parte newtonianos, em parte empirísticos, vem a cair com a rejeição desses
pressupostos. Mas deve ser rejeitada também à base da nossa experiência, dos dados da psicologia
genética e do próprio progresso científico. Efetivamente, o espaço e o tempo não são duas formas
inatas e imutáveis, mas gradualmente formadas na evolução psicológica individual e coletiva,
mediante a progressiva experiência levada a efeito no exercício da sensação externa e interna,
mediante a reflexão filosófica e pelo progresso da ciência matemática e física, que reconheceu as
formas do espaço euclidiano e do espaço e tempo newtonianos não só como não necessárias para a
nossa inteligência e para a descrição dos fenômenos, mas também como inconciliáveis com os
próprios fenômenos.
A forma do tempo, que para Kant é o fundamento direto da cinemática, recebeu uma
crítica semelhante da parte da relatividade restrita einsteiniana: o tempo não é uma forma universal
e necessária; não existe um tempo único universal nem como realidade em si subsistente, como diz
Newton, nem como condição subjetiva a priori, como quer Kant. Existe, ao invés, um tempo
intrínseco próprio de cada fenômeno ou sistema de corpos; e o sujeito cognoscente pode medir e
coordenar os vários tempos próprios segundo leis que não são estabelecidas a priori pelo sujeito
cognoscente, mas obtidas mediante a observação experimental e, por conseguinte a posteriori.
Com o desenvolvimento científico e filosófico, conforme vimos na crítica à
posição kantiana, houve uma rejeição dos argumentos kantianos. Portanto, não é necessário
examinar os argumentos aduzidos por Kant, até por que não cabe nesse trabalho
desenvolver tal crítica.
5
III – A MECÂNICA CLÁSSICA
Logo no princípio desta terceira parte nos deparamos com um problema
metodológico. Quem, na verdade, deve ser interrogado sobre a inércia e o espaço-tempo
absoluto? O Newton histórico, aquele que escreveu os Principia, publicado em 1687? Ou
os autores contemporâneos de tratados de mecânica clássica, como Resnick e Halliday e
outros?
Acreditamos que é preciso, em primeiro lugar, nos atermos à letra do texto dos
Principia e estudar as objeções que seus grandes contestadores Leibniz e Mach, dirigiramlhe. Mas, sempre que possível, será igualmente necessário empreender um esforço para
reformular os argumentos de Newton (e de seu porta-voz, Samuel Clarke) na linguagem
mais precisa e mais familiar usada hoje nos livros de Física Clássica (Mecânica) e examinar
se ainda são aplicáveis as objeções de seus contestadores.
III.1 – O TEXTO DOS PRINCIPIA
Construídos a partir do modelo dos Elementos de Euclides, os Principia começam
com oito definições, seguidas de três axiomas ou leis do movimento. Após ter definido a
quantidade de matéria (o produto da densidade e do volume) e a quantidade de movimento
(o produto da quantidade de matéria e da velocidade), Newton define a força de inércia (vis
ínsita) e a força exercida ou imprimida (vis impressa).
III.1.1 – A força de inércia
Def. III: a vis ínsita, ou força inata da matéria, é um poder de resistir, através do qual
todo o corpo, estando em um determinado estado, mantém esse estado, seja ele de
repouso ou de movimento uniforme em linha reta”.
A seguir, no comentário dessa definição Newton faz um importante
esclarecimento a respeito da origem dessa força:
“Essa força é sempre proporcional ao corpo ao qual ela pertence, e em nada difere da
inatividade da massa, a não ser pela nossa maneira de concebe-la. A partir da
natureza inerte da matéria, um corpo não tem seu estado de repouso ou movimento
facilmente alterado. Sob esse ponto de vista, essa vis insita pode ser chamada, mais
significativamente, de inércia (vis inertiae) ou força de inatividadexviii.
Assim, para Newton, não existe qualquer diferença real entre a “força ínsita” e a
“inércia da matéria” – uma identidade entre a matéria em geral e uma força particular que
seria impossível de ser inferida dos princípios metafísicos da física de Descartes, pelos
quais a essência da matéria é a extensão. Portanto, Newton jamais se afastou da posição de
que a perseverança dos estados inerciais depende da natureza intrínseca da matéria que,
além de não poder mudar por si só seu próprio estado, conserva-o através da força inerente
a ela.
Ora, se é certo que a força de resistência a uma modificação de estado é
proporcional à massa, e que ela seria nula se a massa fosse nula e vice-versa, também é
certo que esta força de resistência é proporcional à própria modificação do estado de
movimento, isto é, à aceleração. Ou seja, será necessária uma maior força exercida, para

uma dada massa (m), para comunicar uma aceleração ( a ) maior. O que hoje em dia se



escreve: F I  ma, onde F I denota a força de inércia.
6
Por que, então, Newton afirma que a inércia da massa e a força de inércia são
idênticas? Importa, como Newton também indica, considerar duas situações distintas: a
primeira seria realizada por um corpo livre de qualquer ação externa, em repouso ou em
movimento retilíneo uniforme, e a segunda, por um corpo submetido a uma força externa.
Na primeira situação, não existe força atual, mas somente uma força potencial de reação,
uma capacidade um poder (potentia). O corpo possui este poder em virtude de sua massa,
que é uma quantidade intrínseca, característica do corpo. Um corpo desprovido de massa
inerte é, sem dúvida, também totalmente desprovido de capacidade de resistência, e viceversa. É por isso que a inércia da massa e a força, enquanto poder de resistir, são idênticas
para Newton.
Na segunda situação, ao contrário, uma força externa age sobre o corpo e tenta
modificar seu estado. Neste caso, duas forças (no mínimo) estão presentes: a força de


resistência (a força de inércia) ( F I ) e a força externa ( F E ). Escreve-se:




m
a


FE
FI .
É importante notar que a força de inércia – que Newton também denomina força
de inatividade – pode ser tomada como uma força ativa, se considerarmos a mudança de
estado do outro corpo, isto é, daquele que tinha sido tomado inicialmente, como a causa da
modificação do estado do movimento do primeiro. Newton prossegue:
Mas um corpo só exerce essa força quando outra força, imprimida sobre ele, procura
mudar sua condição; e o exercício dessa força pode ser considerado tanto como
resistência quanto como impulso; resistência na medida em que, para conservar seu
estado, o corpo opõe-se à força imprimida por um outro, esforça-se para mudar o
estado deste outro corpo.
O exercício da força de inércia, isto é, a força de inércia efetivamente presente (na
segunda situação) pode ser considerada tanto passiva (efeito), quanto ativa (causa).
Newton introduz o conceito de força exercida na definição IV:
Uma força imprimida é uma ação exercida sobre um corpo a fim de alterar seu
estado, seja de repouso, ou de movimento uniforme em linha reta.
Existem, portanto, duas categorias de forças: as forças de inércia (internas) e as
forças exercidas ou imprimidas (externas), sendo que estas forças estão presentes apenas no
movimento acelerado (note-se que Newton não utiliza o termo aceleração, mas sempre a
expressão: modificação do estado de repouso ou de movimento uniforme em linha reta).
Considera-se que as forças internas e externas estão em pé de igualdade. Particularmente, a
força de inércia é, para Newton, tão real quanto a força exercida, e ambas são necessárias
para explicar o movimento acelerado: na ausência de força de inércia, mesmo a menor
força exercida poderia comunicar a qualquer corpo uma aceleração infinita.
Mais adiante, após o Escólio que se segue às oito definições, Newton enuncia, em
seu primeiro axioma, a lei ou princípio de inércia:
Todo corpo continua em seu estado de repouso ou de movimento uniforme em uma
linha reta, a menos que ele seja forçado a mudar aquele estado por forças imprimidas
sobre ele.
Este axioma (já implicitamente presente nas definições) estipula que é o desvio
com relação ao movimento uniforme, e não em relação ao repouso ou ao movimento
circular uniforme, que requer uma explicação causal. O movimento retilíneo uniforme,
assim como o repouso, do qual ele é um caso particular, não necessita de explicação e
nenhuma força (nem mesmo de inércia) está presente neste tipo de movimento. O
7
movimento inercial (retilíneo uniforme) não pode, portanto, ser interpretado como um
movimento natural, no sentido em que Aristóteles o entendia, isto é, um movimento cuja
causa é interna; para Newton, não existe força interna que pudesse manter o corpo sobre
uma linha reta a uma velocidade uniforme.
No Escólio que se segue às oito definições, Newton coloca a questão de saber em
relação a que – diríamos, hoje um sistema de referência – os movimentos verdadeiros são
medidos e determinados. São o tempo e o espaço absoluto que já examinamos atrás.
Newton, como vimos, nos apresenta – na experiência do balde – uma
demonstração da existência do espaço absoluto, mas não do tempo absoluto. Ora, o tempo é
tão importante quanto o espaço para fundamentar a verdade dos Axiomas, já que Newton
está consciente de que não existe nenhum sistema material completamente livre de forças: a
gravitação é, de fato, uma força universal para a qual não existe obstáculo e cujo alcance é
infinito. A própria existência da matéria exclui, por princípio, que os axiomas do
movimento e, em particular, o primeiro, o axioma da inércia, sejam verificados no mundo
físico. Além disso, a presença de forças exclui a existência de barras perfeitamente rígidas e
de relógios isócronos. Um relógio ideal seria realizado por um corpo em movimento
inercial: os tempos iguais seriam definidos pelos intervalos iguais percorridos.
Entretanto, existem efeitos do tempo absoluto. A demonstração da existência do
espaço absoluto é baseada na análise dos desvios em relação às trajetórias retilíneas, que
são efeitos tridimensionais puramente geométricos, sem considerar os desvios em relação à
uniformidade, que necessariamente fazem intervir o tempo. Quando um recipiente cheio de
água tem seu movimento diminuído, sendo mantido sobre uma trajetória retilínea, a água
sobe ao longo da parede anterior.
Aqui o aparecimento das forças de inércia pode ser atribuído não a um desvio
geométrico, mas apenas a uma variação temporal de uma velocidade que permanece
paralela a si própria. Isto poderia ter servido de ponto de apoio para Newton estabelecer a
existência de um tempo-substância, que desempenharia o papel causal no aparecimento de
alguns efeitos de inércia, segundo uma linha de raciocínio similar àquela utilizada no caso
do espaço.
IV – CONCLUSÃO: tempo, espaço e movimento na Física Clássica
A revolução científica que se iniciou no século XVII com Galileo e Newton e que
gerou, dentro da Física, a chamada “mecânica clássica”, virou pelo avesso a doutrina de
Aristóteles, substituindo a tendência universal para a imobilidade e a transitoriedade do
movimento pela idéia, então revolucionária, da autonomia existencial do movimento
enquanto movimento e de um tempo igualmente autônomo, que deixava de ser mero
acidente da substância e se convertia em relação entre as coisas que nele ocorrem.
Repudiando, porém, o coração da teoria aristotélica, paradoxalmente consagrou-lhe a genial
intuição, pela qual, ferindo a coerência de suas próprias idéias, Aristóteles tivera a
surpreendente antevisão da eternidade do movimento. Jamais cessa o movimento, afirmam
agora os físicos seissentistas, a não ser que força exterior o faça parar. E isso é tanto
verdade para os corpos celestes como para os mais insignificantes movimentos dos outros
corpos, que vivem a deslocar-se e a cair na superfície da Terra. Quer repousando, quer
movendo-se, todo corpo se conserva no estado em que está, indefinidamente, eternamente,
enquanto fator externo não o fizer mudar. É o que diz, em síntese, o princípio de inércia,
doravante erigido em lei fundamental da ciência da Natureza.
8
De fato, ao afirmar que todos os corpos materiais são dotados de inércia, a física
clássica não queria simplesmente dizer que um corpo em repouso permanecerá em repouso,
se força exterior não o perturbar (conceito comum ou popular da inércia, que dera aos
físicos gregos a ilusão de que todo movimento exige motor), mas também, e sobretudo, que
um corpo em movimento permanecerá indefinidamente movendo-se, enquanto algo de fora
não o detiver. Nesta segunda parte do princípio é que reside sua significação mais marcante
e mais profunda. Ou, como literalmente o formulou Isaac Newton em 1686, ao
consubstancia-lo na primeira de suas três famosas Leis do Movimento: “Todo corpo
continua em seu estado de repouso ou de movimento uniforme em linha reta, a menos que
seja forçado a mudar aquele estado por forças imprimidas sobre ele”.
Essa idéia de corpo movendo-se indefinidamente era estranha à física aristotélica
e a toda a filosofia antigaxix. Nasceu e cresceu com as experiências de Galileo sobre a queda
dos corposxx e pareceu tão audaciosa naquela ocasião, que o físico holandês Isaak
Beeckman, tendo conhecido a obra de Galileo e verificado, em experiências pessoais, que “
todo corpo, uma vez colocado em movimento, nunca pára, a não ser que força exterior o
impeça de mover-se”xxi, não quis assumir a responsabilidade exclusiva de proclamá-lo, e
recorreu a Descartes, cuja fama já então se espalhara e de quem era amigo pessoal, a fim de
que este o auxiliasse com as luzes do seu gênio. Foi assim que veio a caber a Descartes a
primazia de haver dado ao princípio de inércia formulação positiva, ante a qual hesitara
Galileoxxii, afirmando pela primeira vez que todas as coisas permanecem no estado que
estão, quer em repouso, quer em movimento, desde que nada de fora as venha mudarxxiii.
Assim, ao movimento-processo de Aristóteles contrapõe-se agora o movimentoestado da nova física: movimento independente da “natureza” (embora não da “existência”)
das coisas que se movem e estudado em si mesmo, na sua estruturação dinâmica.
Movimento-estado que é, porém, ao mesmo tempo, movimento relativo, pois um corpo
qualquer se considera em movimento ou em repouso unicamente pela situação em que está
face às outras coisasxxiv.
Deste novo conceito de movimento nasceria nova idéia do tempo, já que, como
advertia Galileo, era preciso levar em conta “a estreita afinidade existente entre o tempo e o
movimento”xxv. As duas características agora atribuídas ao movimento – a de ser
independente da natureza da coisa que se move e a de manifestar-se como relação entre
duas ou mais coisas – seriam transmitidas ao tempo. Passaria assim a nova física a
considerar o tempo como relativo. Concomitantemente, porém, lhe atribuía um estado, um
modo-de-ser independente da natureza das coisas que se relacionam que se relacionam – o
que, de certa maneira, lhe conferia feição absoluta. Mas como se haveria m de harmonizar
esses dois aspectos do tempo e do movimento, que logicamente se contradizem?
Meio século depois de Galileo, Newton julgou ter achado a fórmula: e nos deu a
primeira concepção moderna do tempo e do movimento, colocando lado a lado, e
discriminando minuciosamente, um movimento absoluto e um movimento relativo,
contrabalançados, respectivamente, por um tempo absoluto e um tempo relativo, e também
por um espaço absoluto e um espaço relativo. Freqüentemente, os que mencionam a teoria
de Newton sem haver-lhe examinado a obra original se esqucem dessa dualidade de
conceitos e se concentram só na tese do movimento, espaço e tempo absolutos. E isso dá
margem a enunciados falsos. Desde o início da obra, na verdade, Newton afirma
literalmente a coexistência dos dois aspectos, o absoluto e o relativo, no espaço, no tempo e
no movimento. E não se pode entender a exata significação do que se chama absoluto, se
não começarmos esclarecendo o que entende por relativo. E sua palavras são, nisto como
9
em tudo o mais, de meridiana clareza: “O tempo absoluto, verdadeiro e matemático”, diz
ele, “por si mesmo e da sua própria natureza, flui uniformemente sem relação com qualquer
coisa externa e é também chamado de duração; o tempo relativo, aparente e comum é
alguma medida de duração perceptível e externa (seja ela exata ou não uniforme) que é
obtida através do movimento e que é normalmente usada no lugar do tempo verdadeiro, tal
como uma hora, um dia, um mês, um ano”. O mesmo se repete para o espaço e o
movimento. (...). “Pois pode ser que não haja um corpo realmente em repouso, com relação
ao qual os lugares e movimentos de outros possam ser referidos”xxvi.
A leitura desse trecho, de cristalina simplicidade, basta para mostrar de quanta
injustiça tem sido alvo o gênio de Newton, quando o fazem autor de uma teoria ortodoxa do
“tempo absoluto” e do “espaço absoluto”, que nunca foi sua, mas tão-somente a dos seus
continuadores e deturpadores. Contrapondo espaço, tempo e movimento absolutos a
espaço, tempo e movimento relativos, ele não faz senão distinguir o que na moderna física
relativista de Einstein se entende por dois sistemas inerciais de referência, considerados
ambos em movimento (sob um aspecto, o relativo), ou um deles em movimento e o outro
em repouso (sob outro aspecto, o absoluto). Assim, o tempo, o movimento e o espaço
“absolutos”, na mecânica de Newton, nada têm de comum com os que aparecem descritos
com os mesmos nomes em muitas obras de divulgação científica e didáticas e que lhe são
indevidamente atribuídos – talvez sob a influência dos conceitos absolutos e a priori de que
se revestiram as mesmas entidades na filosofia de Kantxxvii. O tempo relativo de Newton
continua sendo o mesmo tempo tradicionalmente usado como medida do movimento, desde
a época de Aristóteles; ao passo que o seu tempo absoluto, analisado nos próprios exemplos
por ele citadosxxviii, se aproxima bastante do atual conceito de tempo próprio da física de
Einstein. Substituindo-se, pois, os termos primitivos pelos atuais, teremos subitamente a
concepção newtoniana do espaço, do tempo e do movimento reformulada e colocada a uma
distância infinitamente menor do que antes parecia em relação às mais avançadas idéias da
física contemporânea.
Aliás, o moderno conceito relativista de tempo é, modus in rebus, um conceito
absoluto do tempo, no estrito sentido de o colocar em situação independente de qualquer
sistema inercial de referência, como invariante física definida através de equações
tensoriais e válida em todos os sitemas. A diferença entre as idéias atuais e as que
precederam Einstein está em que, hoje, não há mais sistemas de referência preferenciais,
que se possam tomar como medida absoluta dos outros; todos se equivalem e em todos
prevalecem as mesmas leis. Não exageremos, pois, o significado da obra de Newton, que
evidentemente se situa, como não podia deixar de ser, no quadro cultural da sua época. Mas
façamos justiça à lucidez do seu gênio, depurando-o de imputações falsas e, ao mesmo
tempo, celebrando-lhe a argúcia da luminar intuição, quando, antecipando-se de mais dois
séculos à tese relativista einsteiniana, perante a qual não existem mais sistemas de
referência preferenciais, confessa, com transparente e admirável previsão do futuro, no final
do trecho que citamos (p. 10): “Pois pode ser que não haja um corpo realmente em repouso,
com relação ao qual os lugares e movimentos de outros possam ser referidos”.
Antes de Newton, Galileo estabelecera o caráter relativo do espaço, do tempo e do
movimento, não só no tocante às coisas que se movem, mas também considerando-se umas
em face das outras, pois tudo o que se move muda de posição no espaço num determinado
tempo e só se pode definir em relação ao espaço e ao tempo percorridos pelo móvel, e viceversaxxix. Descartes, por sua vez, reconhecendo que movimento e repouso são conceitos
relativos, dependentes da posição do observador e da posição do móvel em relação aos
10
demais objetos, define o movimento propriamente dito como sendo o transporte de uma
porção de matéria da vizinhança de um corpo, que a toca, para a vizinhança de outros, e
acentua que o movimento é, em essência, o transporte mesmo, e não a força que
transportaxxx. Liquidou, assim, com o último vestígio possível da pressuposição aristotélica
de um motor, que devesse, em conjunto com o móvel, compor o ato do movimento.
Tempo relativo, espaço relativo, movimento relativo são, portanto, idéias comuns
a Galileo, Descartes e Newton. A física nova não apenas esvaziava esses conceitos da
significação ontológica que lhes dera Aristóteles, quando os vinculara a processo de
realização das potencialidades do ser, mas também limitava a definição do movimento,
privando-o da generalidade que lhe atribuíra o pensamento greco-medieval, quando o
confundira com toda e qualquer mudança ou transformação da Natureza, e reduzindo-o a
mera expressão de movimento local, isto é, de mudança de lugar no espaço. Apenas este
último fenômeno merece o nome de movimento, frisa Descartes. Mais ampla parece ter
sido a visão de Newton, porque dede logo discerniu, ao lado desses conceitos relativos, um
substrato de invariância, que na sua nomenclatura se ocultou sob a capa de espaço, tempo e
movimento absolutos. Deturpada, porém, ab initio, essa outra face da sua doutrina,
surgiram as mais estranhas e obscuras assertivas e ilações sobre o pretenso caráter absoluto
do espaço, do tempo e do movimento.
A História registrou, ainda em vida de Newton, a ruidosa controvérsia entre o seu
discípulo Samuel Clarke e Leibniz. Clarke formulara do tempo e do espaço absolutos de
Newton interpretação radical, que ia muito além das intenções do mestre, realçando-lhes
justamente aquela característica de imutabilidade que os convertia em autênticas
substâncias metafísicas transcendentes a toda relatividade fenomenal; contestou-o Leibniz,
sustentando a idéia da relatividade do espaço e do tempo e conceituando, respectivamente,
o tempo como ordem de sucessões e o espaço como ordem de coexistências, um e outro
subordinados à existência das coisas, já que não era possível imaginar espaço e tempo
dissociados dos seres que se sucedem no primeiro e coexistem no segundo. A posição de
Leibniz marca o sentido real e definitivo da evolução dessas idéias na física, até os nossos
dias.
V – BIBLIOGRAFIA
ANDRADE, Almir de. As duas faces do tempo. Rio de Janeiro: Liv. José
Olympio; São Paulo: EDUSP, 1971.
ARAUJO, Frederico G. B. Saber sobre os homens, saber sobre as coisas: história
e tempo, geografia e espaço, ecologia e natureza. Rio de janeiro: DP&A, 2003.
ASSIS, André Koch Torres. Mecânica Relacional. Campinas: UNICAMP-CLE,
1998.
DAVIES, Paul. O Enigma do Tempo: a revolução iniciada por Einstein. Rio de
Janeiro: Ediouro, 1999.
DESCARTES, René. Principia Philosophiae in Descartes, Oeuvres, publiées par
Charles Adam & Paul Tannery, Libr. Philosofique J. Vrin, nouv. Ed., Paris, 1963-1967,
vol. VIII.
DESCARTES, R. Rules for Direction of the Mind, Discourse on the Method,
Meditations and Replies are reprint from The Philosophical Works of Descartes in Great
Books of the Western World, vol 28. Chicago: Enc. Britannica, Inc., 1996.
ELIAS, Norbert. Sobre o Tempo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
11
GALILEI, Galileu. Duas Novas Ciências. São Paulo: Ched editorial/instituto
Cultural Ítalo-Brasileiro, s.d.
GHINS, Michel. A Inércia do Espaço-Tempo Absoluto. Campinas: UNICAMPCLE, 1991.
KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura e outros textos filosóficos in “Os
Pensadores”. São Paulo: Abril Cultural, 1974.
KOYRÉ, Alexandre. Do Mundo fechado ao Universo Infinito. Rio de Janeiro:
Forense-Universitária, 1986.
KOYRÉ, Alexandre. Estudos Galilaicos. Lisboa: Dom Quixote, 1986.
LACEY. Hugh M. A Linguagem do Espaço e do Tempo. São Paulo: Perspectiva,
1972.
LEIBNIZ, Gottfried W. A Monadologia, Discurso de Metafísica e Outras Obras in
“Os Pensadores”. São Paulo: Abril Cuoltural, 1974.
MAIA, L. P. de Mesquita. Mecânica Clássica. Rio de Janeiro: UFRJ, 1977.
NEWTON,Sir Isaac. Princípios Matemáticos, O Peso e o Equilíbrio dos Fluidos in
“Os Pensadores”. São Paulo: Abril Cultural, 1974.
NEWTON, Isaac. PRINCIPIA – Princípios Matemáticos de Filosofia Natural. São
Paulo: Nova Stella/Edusp, 1990.
NEWTON, I. Óptica. Tradução, introdução e notas de André Koch Torres Assis.
São Paulo: EDUSP, 1996.
PRIGOGINE, Ilya & STENGERS, Isabelle. A Nova Aliança. Brasília: Ed. da
UnB, 1991.
SELVAGGI, Filippo. Filosofia do Mundo: cosmologia filosófica. São Paulo:
Loyola, 1988.
Ver Norbert Elias, “Sobre o Tempo”. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editores, 1998.
Ver Isaac Newton. “PRINCIPIA” – Princípios Matemáticos de Filosofia Natural, vol. 1. São Paulo: Nova
Stella/EDUSP, 1990, p. 7-9.
iii
Hugh M . Lacey, “A Linguagem do Tempo e do espaço”. São Paulo: Perspectiva, 1972, p. 71-2.
iv
Ver “Escólio Geral”, in Os Pensadores – Newton/Leibniz, São Paulo: Abril Cultural, 1974, p.25-8. Em
outra obra sua, Newton, Optics (1704; ed. EDUSP, São Paulo, 1996) chama ao espaço e ao tempo sensorium
Dei (q. 28, p. 271), repelindo embora a expressão corpus Dei (q. 31, p. 292). Mas o que coisa signifique não
é claro. O seu discípulo, Samuel Clarke, defendendo o mestre em polêmica com Leibniz, identifica mais
explicitamente o espaço e o tempo com os atributos divinos da imensidade e da eternidade: o espaço e o
tempo não são substâncias nem acidentes dos corpos particulares e finitos, mas são atributos necessários do
Ente necessário e infinito; não estão fora de Deus (hors de Dieu), mas são imediata e necessária conseqüência
da sua própria existência (Leibniz, in “Os Pensadores”, Correspondência com Clarke, op. cit., p. 405-68).
i
ii
12
v
Mach foi o primeiro a formular uma crítica radical à teoria newtoniana, do ponto de vista epistemológico e
científico. Ver: Ernst Mach. “The Science of Mechanics – A Critical and Historical Account of Its
Development”. Open Court, La Salle, 1960.
vi
Aristóteles, Física, IV, 1, 209 a 23-26.
Ver Aristóteles, idem, ibidem, 5, 212 a 31-32.
viii
Neste tópico seguiremos os escritos de Filippo Selvaggi, Filosofia do Mundo: cosmologia filosófica. São
Paulo: Loyola, 1988, p.245-9.
ix
Pode-se ver R. Mais, Cosmologia, Roma, 1961, pp. 345-358, onde estão expostas algumas dessas teorias.
x
Ver Immanuel Kant, in “Os Pensadores”. São Paulo: Abril Cultural, 1974, p. 7-98.
xi
I Kant, Critica della ragion pura, tr. It., Bari, 1919, p. 82. Ver: “Os Pensadores”, op. cit. p. 48.
xii
Idem, ibidem, pp. 91-92.
xiii
Isto é afirmado desde a Introdução, com expressa referência a Hume. Ver “Os Pensadores”, p. 31; e repete,
por exemplo, para o espaço: p. 40-2 e para o tempo, p. 44-5.
xiv
Para o espaço: p. 69,1 (ed. italiana); para o tempo: p. 75,1 (idem).
xv
Para o espaço: p. 69,2 (ed. it.); para o tempo, p. 75,2 (idem).
xvi
Para o espaço: p. 72, a; para o tempo: p. 77, a (ambos da ed. it.).
xvii
Para o espaço: pp. 69-70, 3 e 4; para o tempo: p. 76, 4 e 5 (ambos da ed. it.).
xviii
As citações são da tradução brasileira, editada pela Nova Stella/EDUSP, 1990.
xix
E não só era estranha, mas também incompatível com a física de Aristóteles, como se depreende do feliz
confronto entre as duas físicas, feito por Maurice Clavelin, em sua obra: La Philosophie naturelle de Galilée:
essai sur les origines et la formation de la mécanique classique, Libr. Armand Colin, Paris, 1968, p. 37-9.
xx
As experiências de galileo e suas conclusões teóricas foram por ele próprio condensadas emdois livros
escritos para o grande público em forma de diálogo e na língua popular italiana (quando o latim era a língua
oficial das obras de ciência e filosofia): Galileo galilei, Dialogo sopra i due massimi sistemi Del Mondo,
1632, e Discorsi e dimostrazioni matematiche intorno a due nuove scienze attenenti allá meccanica e i
movimenti locali, 1638. Consultem-se ainda duas obras de suma importância: Alexandre Koyré, Estudos
Galilaicos. Lisboa: Dom Quixote, 1986; e Maurice Clavelin. Op. Citado.
xxi
Ver a correspondência entre Descartes e Beeckman, que se acha reproduzida na íntegra ( na parte relativa a
Descartes) in Descartes, Ouevres, publiées par Charles Adam & Paul Tannery, Libr. Philosophique J. Vrin,
nouv. Ed., Paris, 1963-1967, 12 vols., vol. X, “Descartes et Beeckman (1618-1619)”, p. 15-169. Ver
especialmente a nota f, p. 60.
xxii
Que Galileo não chegou a formular o princípio de inércia, embora tenha sido quem primeiro o demonstrou,
se verifica da segura exposição crítica de Alexandre Koyré, Estudos Galilaicos, op. Cit., cap. III, “Galileu e a
Lei da Inércia”, p. 199-426.
xxiii
A clara formulação do princípio de inércia se acha em Descartes, Lê Monde ou Traité de la Lumière, obra
publicada pela primeira vez em edição póstuma em 1662, na Holanda (Leyde), porém redigida por volta de
1630.
xxiv
Ver Alexandre Koyré, op. Citado, p 201-2. “ Esta nova concepção do movimento, escreve Alexandre
Koyré, referindo-se à mecânica de Galileo, Descartes e Newton, “proclama-o um estado (...). O movimento é
assim concebido como os outros: é um estado-relação. (...) É desta curiosa entidade, verdadeira relação
substancial, entidade não menos paradoxal do que as famosas qualidades substanciais da física medieval, que
o princípio de inércia proclama a persistência eterna”.
xxv
Ver: Galileo Galilei, “Duas Novas Ciências, incluindo: Da força de Percussão”, tradução e notas: Letizio
Mariconda e Pablo Rubén Mariconda. São Paulo: Ched Editorial/Instituto cultural Ítalo-Brasileiro/Nova
Stella, s.d., p. 127. Aliás, toda a III Jornada dessa obra é consagrada ao estudo do movimento em função do
tempo. À mesma interdependência se referem várias passagens das Jornadas I e II da obra anterior (de 1632):
Galileo Galilei, I Dialoghi sui Massimi Sistemi Tolemaico e Copernicano.
xxvi
Ver: Isaac Newton, PRINCIPIA, op. Cit., p. 7-9.
xxvii
Erroneamente se tem atribuído a Newton a idéia ortodoxa de um tempo absoluto e de um espaço absoluto,
transcendentes a toda relatividade fenomenal; na verdade ele distingue, desde o início, um tempo e um espaço
relativos; e o que chama tempo e espaço absolutos não é bem o que se tem dito por aí, porém, algo que muito
se aproxima da moderna concepção enisteiniana do tempo próprio, tomado como invariante física na
interação dos movimentos. A idéia radical de espaço e tempo absolutos não proveio de Newton, mas de Kant,
vii
13
que, nas suas investigações filosóficas, passou a considerá-los formas a priori do entendimento e como tais os
definiu na Crítica da Razão Pura, publicada em 1781.
xxviii
Ver: Newton, op. Cit. p. 9-14.
xxix
Chegou Galileo a estipular com precisão que, durante o movimento, a partir do repouso, os espaços
percorridos pelo móvel estão entre si como os quadrados dos tempos gastos para percorrê-los. Galileo Galilei,
I Dialoghi ..., op. Cit., II Jornada.
xxx
Nos Principia Philosophiae (Pars Secunda, itens XXIV-XXVII), Descartes faz a distinção entre movimento
no sentido vulgar e o movimento propriamente dito. Descartes, Oeuvres, ed. cit., vol. VIII – 1, p. 53-55.
14
Download