OS USOS DE QUERER COM IMPLICATURAS DE FUTURIDADE

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INTENÇÃO E DESEJO: OS USOS DE QUERER COM IMPLICATURAS DE FUTURIDADE
Valéria Cunha dos Santos
PALAVRAS-CHAVE: Gramaticalização. Implicatura. Modalidade.
1. Introdução
Em diferentes línguas, ao longo do tempo, palavras ou afixos que denotavam desejo e
vontade passaram a ser, também, marcadores gramaticais de futuro – como a palavra will em
inglês, que passou a ter novos usos até tornar-se verbo auxiliar. Isso ocorreu devido à
gramaticalização de verbos volitivos em auxiliares ou morfemas marcadores de futuro. Sugerimos
que esteja ocorrendo em português brasileiro o mesmo processo, observado em certos usos de
querer, com a expressão de volição implicando futuridade. Porém, destacamos que se trata, ainda,
de uma indicação dependente de contextos específicos.
2. Revisão da Literatura
Com base em estudos sobre as categorias tempo, aspecto e modalidade (PALMER, 1986;
BYBEE; PAGLIUCA; PERKINS, 1991; 1994; GIVÓN, 2001; SWEETSER, 2001), destacamos o
processo de gramaticalização de marcadores de futuro de algumas línguas, envolvendo
implicaturas (CHIERCHIA, 2003; LEVINSON, 2007) e atos de fala (SEARLE, 1995). A partir daí,
analisamos as transformações na marcação de futuro em português brasileiro, destacando o
futuro de desejo.
3. Metodologia
Tendo como corpus o C-ORAL-BRASIL I (RASO; MELLO, 2012), composto por amostras de
fala espontânea, destacamos os atos de fala compromissivos e a atitude dos participantes da
comunicação em relação às proposições com querer. Nossa abordagem partiu da análise da
conversa, ressaltando o contexto extralinguístico de cada registro. Foram analisadas 105
gravações em contexto privado e 34 em contexto público, que somam 759 usos do verbo querer.
Desse número, destacamos as 55 ocorrências como auxiliar em primeira pessoa – tendo em vista
os resultados de análises diacrônicas de Bybee, Pagliuca e Perkins (1991; 1994) – que disparam
implicatura de futuridade, atuando como perífrase de futuro nesses casos.
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Resumo expandido de trabalho apresentado na Sessão Estudos Pragmáticos III do Eixo Temático Estudos
da Língua e da Linguagem I do 4. Encontro da Rede Sul Letras, promovido pelo Programa de Pós-graduação
em Ciências da Linguagem no Campus da Grande Florianópolis da Universidade do Sul de Santa Catarina
(UNISUL) em Palhoça (SC).
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Estudante de Doutorado do Programa de Pós-graduação em Linguística da Universidade Federal de Santa
Catarina (UFSC). Mestra. E-mail: [email protected].
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Investigamos se as implicaturas associadas à expressão de intenção ou desejo levam à
interpretação de tempo futuro nas ocorrências em primeira pessoa acompanhadas de
auxiliar/verbo de volição ([eu/nós/a gente] + querer + verbo). Verificamos, a partir da análise das
ocorrências, quais contextos o uso de querer como auxiliar é mais modal ou mais temporal (a
partir da implicatura gerada).
4. Resultados
Das 156 ocorrências em primeira pessoa como verbo auxiliar, querer serviu como gatilho
de implicatura de futuridade em aproximadamente 35% das vezes, apenas com sujeitos
experienciadores e agentes.
Em 15 ocorrências (27%) o tempo de referência é indeterminado, com projeção de
futuridade mais irrealis, sem nenhuma pista que informasse se a ação ocorreria mais próxima ou
mais distante do momento da fala. Já os casos em que há marcas temporais em outros itens da
sentença (fora da flexão verbal analisada) somam 40 ocorrências (73%). As ações indicadas nos
verbos principais ocorreram num futuro próximo do momento da fala em 33 (60%) orações e
num futuro mais distante em 07 (13%). Nesses casos, temos ainda modalidade irrealis, mas com
maior grau de certeza.
5. Considerações finais
Nos dados analisados, as implicaturas decorrentes da expressão de volição veiculadas pelo
verbo auxiliar querer levam a uma interpretação de temporalidade, principalmente porque uma
das origens do futuro (tempo verbal) é derivada de noções como desejo e intenção. Querer +
infinitivo, em usos em primeira pessoa, pode denotar que a ação descrita no verbo principal é um
desejo ou que ela será desenvolvida após o momento de fala, num ato comissivo, por exemplo.
A maioria dos casos em que destacamos implicaturas se encaixa em atos comissivos (nos
casos de falantes agentivos, tendo em vista a possibilidade de uma pessoa determinar seu próprio
futuro imediato com alto grau de comprometimento), mas usos de querer envolvem também atos
expressivos, quando são descritas uma intenções como um estado.
Verbo inerentemente irrealis, querer agrega valores temporais e aspectuais às sentenças
em que dispara implicatura de predição. Usos com ação iminente, sujeito agente, acompanhado
de marcas temporais, como advérbios ou outros verbos conjugados, formam o contexto em que
querer serve para marcar evento futuro, além de significar que o desenrolar desse evento é
desejado pelo falante. A marca do aspecto, particularmente do inceptivo, é um ponto anterior à
marcação do futuro. Quando há atuação do aspecto, interpretamos o enunciado com maior marca
de tempo do que modalidade.
Tendo em vista que verbos de modalidade podem gramaticalizar-se em modais,
consideramos o uso de querer como auxiliar em primeira pessoa implicando futuridade modal. A
implicatura de futuridade a partir desse uso tem a ver com as habilidades e intenções dos falantes
frente às asserções que são feitas. Considerando que verbos modais podem criar ou descrever
modalidade, concluímos que querer pode funcionar como verbo auxiliar modal de intenção ou
desejo.
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Referências
BYBEE, J. L.; PAGLIUCA, W.; PERKINS, R. D. Back to the Future. In: TRAUGOTT, E. C.; HEINE, B.
(eds.). Approaches to grammaticalization: v. 2: Focus on theoretical and methodological issues.
Filadélfia: John Benjamins Publishing Company, 1991. p. 17-58.
______. The Evolution of Grammar: Tense, aspect, and modality in the languages of the world.
Chicago: The University Chicago Press, 1994.
CHIERCHIA, G. Semântica. Campinas: Editora da Unicamp, 2003.
GIVÓN, T. Tense, aspect and modality I: functional organization. Tense, aspect and modality II:
typological organization. In: ______. Syntax: An Introduction (Vol I). Amsterdã/ Filadélfia: John
Benjamins Publishing Company, 2001. p. 285-366.
LEVINSON, S. Pragmática. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
PALMER, F. R. Mood and Modality. Cambridge: Cambridge University Press, 1986.
RASO, T.; MELLO, H. C-Oral-Brasil I: corpus de referência do português brasileiro falado
informal. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2012. CD-ROM.
SEARLE, J. R. Expressão e Significado: Estudos da teoria dos atos de fala. São Paulo: Martins
Fontes, 1995.
SWEETSER, E. Modality. In: ______. From etymology to pragmatics. Cambridge: Cambridge
University Press, 2001. p. 49-75.
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