Trabalho

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As representações sociais do folguedo Cavalo
Marinho dos Municípios de Condado e de Ferreiros
(1960 – 1980).
Frank Sósthenes S. Souto Maior Jr.1, Dr.ª Maria Ângela de Faria Grillo 2 e Rosely Tavares de Souza3

Introdução
Este trabalho teve por objetivo compreender as
representações sociais do folguedo Cavalo Marinho,
buscando entender como a realidade social é
construída, pensada e dada a ler por seus atores sociais
[1]. Nesta pesquisa, as relações entre trabalhador e
patrão foram fundamentais para a compreensão da
realidade sócio cultural da Zona da Mata Norte de
Pernambuco.
O Cavalo Marinho é uma manifestação popular de
tradição oral, ocorrente em alguns municípios da Zona
da Mata Norte de Pernambuco e regiões limítrofes com
a Paraíba. Qualificado como teatro, seus personagens,
com muita ironia e sarcasmo, abordam questões
presentes no cotidiano e imaginário da população.
A encenação do enredo é composta por
aproximadamente setenta e seis personagens,
distribuídos em sessenta e cinco cenas. Uma
apresentação, com a interpretação de todos os
personagens, pode chegar a oito horas de duração,
iniciando, em geral, às 22h00 e terminando ao
amanhecer do dia seguinte.
Os personagens dividem-se em humanos, animais e
fantásticos [2]. Entre os humanos estão os Galantes, o
Capitão Marinho, o Mateus, o Bastião, a Catirina, o
Ambrósio, o Soldado da Gurita, o Mané do Bale, o
Empata Samba, o Pataqueiro, entre outros; entre os
animais temos o Boi, o Cavalo, a Cobra, a Onça, entre
outros; já os fantásticos são representados pelo Caboclo
de Arubá, pelo Parece-mas-não-é e pelo Babau, entre
outros.
O enredo do Cavalo Marinho pode ser resumido, em
linhas gerais, na história do Capitão Marinho o qual,
precisando se ausentar contrata dois negros, Mateus e
Bastião, para tomar conta da festa que está
promovendo em sua casa, o entanto, os dois negros
começam a perturbar e um soldado é chamado para por
ordem na festa.
Através das representações do folguedo podemos
compreender os mecanismos com os quais os grupos
impõem ou tentam impor a sua visão do mundo social

[1]. Sendo assim, as lutas e conquistas sociais dos
trabalhadores rurais da Zona da Mata são representadas
pelo folguedo e impactam diretamente no fazer artístico
do Cavalo Marinho. Os registros feitos entre as décadas
de 60 e 80 comprovam esta afirmação, uma vez que as
ligas camponesas, o surgimento dos sindicatos rurais e
a aprovação do estatuto da terra e do trabalhador rural
são reivindicações da época. Portanto, o corte
cronológico se estabelece entre 1960 e 1980.
Material e métodos
Os materiais utilizados para leitura e discussão em
grupo foram documentos bibliográficos, iconográficos,
fonográficos e audiovisuais dos acervos que
disponibilizam acesso, tais como a FUNDAJ, UFPE,
UFRPE, além de acervos particulares como a Comissão
Pernambucana de Folclore.
O uso da História Oral como método de pesquisa
foi empregado com o intuito de colocar em circulação a
memória de mestres, brincadores e espectadores. Para
isso, realizamos entrevistas com os atores sociais nos
municípios, possibilitando a descrição de toadas, loas e
diálogos das "figuras". Localizamos e registramos
mestres, grupos e lugares significativos para a
ocorrência do folguedo.
Resultados
A coleta de depoimentos serviu para a construção de
acervo digital de entrevistas. Os registros áudiosvisuais das apresentações do folguedo também estão
disponibilizados para consulta, servindo como fonte
documental e subsídio para outras pesquisas e recurso
didático para os trabalhos do eixo temático de História
Cultura e Patrimônio.
No decorrer da pesquisa apresentamos nosso
trabalho em eventos científicos locais, regionais e
nacionais, contribuindo para o desenvolvimento
cientifico do país.
Através desta pesquisa podemos constatar que a
grande maioria dos brincadores de Cavalo Marinho
foram ex-moradores de engenhos, trabalhadores que
________________
1. Primeiro Autor é Pesquisador PIBIC – CNPQ e graduando em História pela Universidade Federal Rural de Pernambuco. Rua Dom Manuel de
Medeiros, s/n – Dois Irmãos, Recife –PE. CEP: 52171-900. E-mail: [email protected]
2. A orientadora é Doutora em História e Professora titular do Departamento de Letras e Ciências Humanas e do Mestrado em História Social da
Cultura Regional da Universidade Federal Rural de Pernambuco. Rua Dom Manuel de Medeiros, s/n – Dois Irmãos, Recife –PE. CEP: 52171-900.
3. Terceira Autora é Pesquisadora PIC – CNPQ e Graduanda em História pela Universidade Federal Rural de Pernambuco. Rua Dom Manuel de
Medeiros, s/n – Dois Irmãos, Recife –PE. CEP: 52171-900
transitaram de escravos para moradores livres e deste
último para trabalhadores assalariados, tendo entre as
décadas de 60 e 80 o ápice do processo de ruptura das
relações de "morada", expulsão e proletarização dos
trabalhadores sitiantes.
Discussão
O corte temporal estabelecido entre as décadas de
1960-1980, atesta um período de transformações
sociais com o fim das relações de morada e
proletarização da massa trabalhadora [3] na Região
supracitada. Neste contexto, a veiculação de conteúdo
de protesto demonstra uma cultura popular crítica,
questionadora, combativa e politizada. Conforme
Thompson é em defesa de seus costumes que a cultura
popular é rebelde e quando procura legitimar seus
protestos, o povo recorre aos mecanismos que melhor
defendem seus interesses pessoais [4].
Através da música, da dança e da encenação os
trabalhadores dos canaviais, se apropriam do folguedo,
fazendo dele um veiculo de difusão e propagação de
uma mensagem critica. De acordo com Edval Marinho,
a questão da propriedade privada é representada no
enredo do folguedo, na medida em que o Capitão
representa a oligarquia, o chefe político e o poder local,
os personagens Mateus e Bastião representam os
trabalhadores, os camponeses e os agricultores sem
terra [5].
Outra mensagem crítica assumida como conteúdo do
folguedo é a representação de resistência ao poder,
através da figura de um policial proveniente do Estado
vizinho, a Paraíba, que é impedido de entrar no terreiro
e, quando consegue entrar, é ridicularizado, recebe
bexigadas, empurrões e risos do público. Esta atitude
demonstra de certa forma a hostilidade contra os
mecanismos de opressão e controle do Estado,
explicitando um sentimento oculto de liberdade das
camadas marginalizadas.
Para Bakhtin, os espetáculos ofereciam uma visão de
mundo, do homem e das relações humanas, totalmente
diferentes e deliberadamente não-oficiais, contrapondose a visão exteriorizada pela Igreja e pelo Estado. Para
ele era uma forma de abolir as hierarquias, os
privilégios e os tabus [6].
Segundo Evelyne Patlagean, a imposição social é
geradora de encenações de evasão ou de recusa do
meio [7]. Esta afirmação traduz de certa forma as
encenações de hostilidade da vida real dos brincantes
que, inseridos no contexto dos cortadores de cana-deaçúcar da agroindústria canavieira, encontram no teatro
o escapamento ou a fuga de uma realidade hostil.
Bakhtin, ao estudar os ritos e as encenações
descritos por François Rabelais, afirma que os
espetáculos apresentados em praça pública, se situavam
entre a arte e a vida [7]. Essa é uma das questões
centrais do nosso trabalho: analisar até que ponto os
integrantes do folguedo se apropriam das práticas
culturais da comunidade e as representam através da
teatralização do folguedo.
Percebemos que os comportamentos humanos como
ganância, egoísmo, avareza, mentira são incorporados à
mensagem veiculada pelo folguedo[8], demonstrando
de forma irônica os desvios sociais. É uma das
hipóteses deste trabalho que os desvios sociais
interpretados pelos personagens do Cavalo Marinho
representam comportamentos e atitudes universais, no
entanto, também se faz uma critica local e as questões
presentes no cotidiano são abordadas.
Agradecimentos
Ao CNPq por acreditar na proposta e atuar como
facilitador de nossa pesquisa. À Professora Doutora
Ângela Grillo e ao mestrando Rômulo Oliveira, pelas
profícuas orientações; à companheira de pesquisa
Rosely pelas assíduas discussões coletivas; à Sanae
Souto pela colaboração na pesquisa de campo, aos
familiares, pelo apoio moral, físico e intelectual que
nos mantém erguidos na estrada acadêmica.
Referências
[1]
[2]
[3]
[4]
[5]
[6]
[7]
[8]
CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e
representações. Lisboa: DIFEL, 1990.
BENJAMIN, Roberto. Pequeno Dicionário do Natal. Recife:
Sociedade Pró-Cultura, 1999.
SIGAUD, Lygia. Os clandestinos e os direitos: estudo sobre
trabalhadores da cana-de-açúcar de Pernambuco. São Paulo:
Livraria Duas Cidades, 1979.
TOHMPSON, E. P. Costumes em comum. São Paulo:
companhia das letras, 1998.
ARAÚJO, Edval Marinho de. O folguedo como veiculo de
comunicação rural: estudo sobre um grupo de cavalo
marinho. Dissertação (Mestrado em Administração Rural) Departamento de Letras e Ciências Humanas, Universidade
Federal Rural de Pernambuco, Recife, 1984. 138 p.
BAKHTIN, Mikhail Mikhailovithc. A cultura popular na
Idade Média e no Renascimento: o contexto de François
Rabelais. São Paulo: HUCITEC; Brasília:Ed. da UNB, 1987.
PATLAGEAN, Evelyne. A História do imaginário. In A
História nova/ [sob a direção] Jacques Le Goff, Roger
Chartier, Jacques Ravel; tradução Eduardo Brandão. – 5ª ed. –
São Paulo: Martins Fontes, 2005.
REAL, Katarina. Discurso de posse. Arquivo Público
Estadual, 1962.
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