GETH Newsletter Volume 08 Número 06 15 de junho 2010 Síndrome do Xeroderma Pigmentoso: Aspectos Clínicos e Moleculares Karina Miranda Santiago Biomédica e aluna de mestrado da Fundação Antônio Prudente - Hospital do Câncer A. C. Camargo - Departamento de Oncogenética Etiologia e Incidência O Xeroderma Pigmentoso (XP) é um distúrbio autossômico recessivo do reparo do DNA, de etiologia geneticamente heterogênea e de expressividade variável, que resulta em acentuada sensibilidade à radiação ultravioleta (UV). A heterogeneidade genética reflete alterações moleculares a nível gênico encontradas em um conjunto de genes que codificam proteínas envolvidas na via de reparo por excisão de nucleotídeos (NER) em células no estado replicativo ou quiescente. São oito os genes alterados descritos, gene XPA, ERCC3 (XPB), XPC, ERCC2 (XPD), DDB (XPE), ERCC4 (XPF), ERCC5 (XPG) e POLH (XPV). Desta forma, a síndrome é subclassificada em grupos de complementação que recebe uma o nome do componente gênico alterado, por exemplo Xeroderma Pigmentoso do grupo A. A expressividade variável das manifestações físicas e clínicas é resultado da interação entre risco genético, heterogeneidade genética e exposição ambiental. É pan-étnico com prevalência de 1:1.000.000 na Europa e nos EUA e de 1:22.000 no Japão.A predominância é também alta em países da África do norte e do Oriente Médio onde a consangüinidade dentro das comunidades é comum. No Brasil, até o momento, não existem dados estatísticos que mostrem a freqüência desta síndrome, apesar de alguns relatos de caso terem sido descritos. Mecanismo de Reparo Falho O NER é um processo complexo envolvendo muitas proteínas que removem lesões que destorcem a dupla hélice do DNA como lesões causadas por radiação UV de baixo comprimento de onda (UVB e UVC) que geram ligações covalentes entre duas pirimidinas adjacentes na mesma fita de DNA formando os dímeros de pirimidina ciclobutano (CPDs) e 6-4 pirimidinapirimidona fotoprodutos (6-4 PPs). O sistema de reparo NER consiste basicamente de seis etapas seqüenciais: (1) reconhecimento da lesão; (2) abertura (desnaturação) da dupla fita de DNA onde se situa a lesão; (3) incisão da fita danificada; (4) deslocamento do Síndrome do Xeroderma Pigmentoso: Aspectos Clínicos e Moleculares fragmento de DNA de fita simples contendo a lesão; ectrópio, entrópio e neoplasia. (5) síntese de reparo para cobrir a lacuna, com o uso da Aproximadamente 30% dos pacientes sofrem fita complementar intacta como molde; (6) e ligação degeneração neuronal progressiva, representada da nova fita sintetizada. alterações cognitivas, surdez sensorineural, espasticidade, A capacidade reduzida ou ausente de NER hiporeflexia, arreflexia, desmielinização segmentar, representa perda das funções necessárias para ataxia e coreoatetose. A gravidade dos sintomas manutenção da integridade do genoma, resultando neurológicos é normalmente proporcional à gravidade no acúmulo de mutações em oncogenes e genes do défcit no reparo por excisão de nucleotídeos. supressores tumorais. Pacientes XP possuem um aumento de 10 a 20 vezes na incidência de neoplasias em órgãos História Natural, Achados Físicos e internos, como tumores de cerebral, leucemia, Clínicos tumores pulmonares, carcinomas gástricos, uterinos e pancreáticos, câncer de mama, câncer renal e de Paciente com XP desenvolvem sintomas a uma testículo. idade média de 1 a 2 anos após primeiras exposições à Acredita-se que a neurodegeneração e alguns radiação solar, apesar do início após os 14 anos ser visto tumores internos como os pulmonares, resultem de em aproximadamente 5% dos casos. uma incapacidade de reparar o DNA danificado por Os sintomas iniciais acometem radicais livres de oxigênio gerados endogenamente, predominantemente a pele exposta ao sol. como tem sido mostrado através do estudado da Compreendem queimadura solar em exposição interação da proteína XPC com a proteína OGG1, mínima ao sol, fotossensibilidade aguda e máculas uma DNA glicosilase iniciadora do reparo por excisão hiperpigmentadas parecidas com sardas (efélides). Na de base (BER) – que repara lesões oxidativas de base continuidade do dano que fracamente destorcem a conformação helicoidal cutâneo a pele fica com aspecto envelhecido do DNA. (afinamento, enrrugamento, lentigos solares, A expectativa de vida dos pacientes com XP é telangiectasias) e surge múltiplas ceratose actínica principalmente limitada pela alta incidência de câncer, pré-maligna, neoplasia benignas e malignas da pele a qualidade do acompanhamento clínico dos pacientes (carcinoma espinocelular, carcinoma de células basais e alterações gênicas ainda desconhecidas. Sem proteção e melanoma). Cerca de 90% das lesões neoplásicas preventiva, sua expectativa de vida é cerca de 30 anos a ocorrem em sítios de maior exposição à UV (face, menos do que aquela de indivíduos saudáveis. pescoço, cabeça e ponta da língua). Além dos sinais cutâneos 80% dos pacientes Diagnóstico e Tratamento apresentão anomalias oculares antes da segunda década de vida. Os achados clínicos oftalmológicos são Por se tratar de uma doença autossômica recessiva, limitados as estruturas da porção anterior expostas a muitos pacientes não possuem história familiar da UV. Inclui fotofobia, hiperemia conjuntival, blefarite, doença. Os pais que apresentam um filho afetado pela ceratite severa, opacificação corneal, perda dos cílios, síndrome são portadores da mutação, e o risco de filhos GETH Newsletter 2010 Volume 08 Número 06 Síndrome do Xeroderma Pigmentoso: Aspectos Clínicos e Moleculares Bibliografia futuros terem XP é de 25%. O diagnóstico da síndrome do Xeroderma Pigmentoso inicialmente é clínico, realizado a partir da anamnese do paciente, constatação de uma doença de caráter autossômico recessivo e relato de consangüinidade entre os pais. A confirmação do diagnóstico baseia-se em análises funcionais do reparo do DNA e sensibilidade a UV realizadas em cultura de fibroblastos da pele e análises gênicas por sequenciamento do DNA de linfócitos periféricos. O tratamento dos pacientes consiste na remoção das lesões de pele pré-malignas por administração tópica de 5-fluorouracil ou imiquimode ou por criocirurgia. Não há relatos sobre a segurança da terapia fotodinâmica nestes pacientes. Lesões maiores podem ser tratadas por raspagem dermatológica e dermatoabrasão. Lesões neoplásicas malignas da pele podem ser tratadas por eletrocoagulação, curetagem, criocirúrgia, quimioterapia e excissão cirúrgica com ou sem mapeamento intraoperatório das margens da lesão. Radiaoterapia é contraindicado para estes pacientes. Os pacientes com XP devem evitar exposição ao sol e à qualquer fonte de radiação UV utilizando protetores solares químicos (filtro solar tópico) e físicos (tecidos fotoprotetores, óculos escuros e chapéu) e adaptando o local de estudo/trabalho de maneira a impedir a entrada dos raios solares. Antunes AA, Antunes AP, Silva PV. A criocirurgia como tratamento alternativo do Xeroderma Pigmentoso. Revista Odonto Ciência – Fac. Odonto/PUCRS, v. 22, n. 57, jul./set. 2007 Cleaver JE, Lam ET, Revet I. Disorders of nucleotide excision repair: the genetic and molecular basis of heterogeneity. Nat Rev Genet. 2009 Nov;10(11):756-68. Leite RA, Marchetto MC, Muotri AR, et al. Identification of XP complementation groups by recombinant adenovirus carrying DNA repair genes. J Invest Dermatol. 2009 Feb;129(2):502506. Kraemer KH. (April 22, 2008). Xeroderma Pigmentosum. In: GeneReviews at GeneTests: Medical Genetics Information Resource (database online). 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