A equidade e os medicamentos órfãos Este suplemento faz parte integrante do Jornal de Negócios n.o 3142, de 2 de Dezembro de 2015, e não pode ser vendido separadamente. Custos para a Saúde vão aumentar Negociação hospitalar é solução? O papel dos ensaios clínicos Entrevista a Filipe Assoreira “Não temos coordenação, nem agilidade” Projectos editoriais realizados em parceria. Todos os conteúdos são de jornalistas do Negócios caso nada se diga em contrário. Hélder Mota Filipe Adoptar genéricos para gastar nos inovadores Instanta Publicidade II QUARTA-FEIRA 2 DEZ 2015 | | NEGÓCIOS INICIATIVAS EQUIDADE E MEDICAMENTOS ÓRFÃOS EQUIDADE E MEDICAMENTOS ÓRFÃOS Equidade: utopia ou possibilidade? As doenças raras afectam cerca de 7% da população mundial, com tratamentos muito mais caros. Portugal tem sido capaz de dar resposta, dizem os especialistas, mas subsistem desigualdades no acesso aos medicamentos. E xiste ou não equidade noacessoaotratamento de doenças raras? Qualéoretratodoconsumo de medicamentos órfãos em Portugal? E quais são os desafios para o futuro? Foram algumas das questõesdiscutidasna2.ªConferência Internacional “Equidade e os Medicamentos Órfãos”, um iniciativadaP-BioedoNegócios,quejuntou vários especialistas daárea. Os medicamentos órfãos destinam-seapatologiasqueafectematé cincopessoasemcada10mil.Doenças raras, muitas vezes altamente debilitantese potencialmentefatais, comgrandeimpactosocial.Existem entre seis a nove mil doenças registadas,queafectamentre6%a8%da população,ouseja,entre27a36milhõesdepessoasnaEuropa.Oitoem cada dez doenças raras têm uma causagenética. As outras causas dividem-se entre razões degenerativas ou infecciosas. EmPortugal,existemmaisde700 milpessoas diagnosticadas comuma doençarara. Filipe Assoreira, presidentedaP-Bio,AssociaçãoPortuguesade Bioindústrias, afirmaque adespesa com os medicamentos órfãos andanacasados80milhõesdeeuros, cercade3,7%dadespesatotalcommedicamentosemPortugal,umvalorque acompanhaatendênciadeoutrospaísesnaEuropa,diz.Atendênciaépara os números crescerem. “De acordo comestudospublicados,adespesairá atingircercade5%entre2015e2020 naEuropa”,adiantaoresponsável. OaumentoexpectáveldadespesamostraqueoorçamentodaSaúde podeestarsobpressãodevidoaosmedicamentosórfãos.Noentanto,opresidentedaAssociaçãoPortuguesade Bioindústriasgaranteque“ocustorelativodosmedicamentosórfãosébaixo”,dadoqueoseupesonoorçamentodoMinistériodaSaúdeéde0,75%, “em linha com outros países europeus”.FilipeAssoreiragaranteainda que“mesmocomestesvalores,estamos atratarde umaformaefectivae racionalcercade 50 doenças”. Mas há equidade no acesso aos tratamentos? JoaquimBrites,presidentedaAssociaçãoPortuguesadeDoentesNeuromusculares, lamentou o facto de não existir “umaverdadeirarede de apoioconsolidada”.Ademoranodiagnóstico e no acesso às terapêuticas foioutrodesafioreferido.“Noacesso, desdeomomentoemqueapessoa começacomsintomas,atéaomomento em que de facto lhe é administrado esse medicamento, aindaexiste uma assimetriaimportantenessavariável deequidade”,afirmouHenriqueMar- “ Mesmo com estes valores [3,7% da despesa total], estamos a tratar de uma forma efectiva e racional cerca de 50 doenças. FILIPE ASSOREIRA Presidente da P-Bio, Associação Portuguesa das Bioindústrias Não é um problema financeiro, mas ético manter os pacientes à espera tanto tempo. LUÍS SILVA MIGUEL Economista no Centro de Investigação sobre Economia Portuguesa Cabe às universidades fazer a investigação básica para que logo depois as empresas possam dar continuidade e trazê-la para a prática. “ LILIANA BORGES [email protected] FILIPE ASSOREIRA Presidente da P-Bio, Associação Portuguesa das Bioindústrias Caminho para a equidade passa por diminuir o tempo de espera no acesso aos medicamen tins,presidentedosServiçosPartilhadosdoMinistériodaSaúde. Achave paraaequidade assenta tambémnadiminuiçãodotempoentre o desenvolvimento clínico e o acesso a medicamento. “Não é um problemafinanceiro,maséticomanterospacientesàesperadurantetanto tempo”, afirmaLuís SilvaMiguel, economistado Centro de Investigação sobre EconomiaPortuguesa. Filipe Assoreiraapontaumasolução. “Cabe às universidades fazer a investigação básica para que logo depoisasempresaspossamdarcontinuidadeàinvestigaçãoetrazê-laaté àpráticaclínica”,defende.“Todosganham. O Estado porque desenvolve competências,osinvestigadoresporque vem atranslação dasuainvestigação e os doentes porque temasua necessidade médicarespondida”. QUARTA-FEIRA | 2 DEZ 2015 | SUPLEMENTO | III Instanta NÚMEROS FILIPE ASSOREIRA PRESIDENTE DA P-BIO Retrato dos medicamentos raros “Não temos coordenação, nem temos agilidade” Agilidade e coordenação. Estas são as duas ferramentas em falta, aponta Filipe Assoreira. O presidente da P-Bio acredita que a solução está nas mãos dos agentes da saúde. 5 OpresidentedaAssociaçãoPortuguesa da Bioindústria consideraque Portugal estáem linha comosrestantespaísesdaUnião Europeia, mas há espaço para melhorar. Está na altura de começar a planear a longo prazo e definirestratégiasparaospróximosdezanos,quepodempassar pelo investimento em ensaios clínicos. EM CADA 10 MIL Até cinco casos a cada 10 mil pessoas. Este é a relação para uma doença ser considerada rara. 700 MIL PORTUGUESES Em Portugal, existem pelo menos 700 mil pessoas com uma doença rara diagnosticada. 3,7% DESPESA TOTAL Em Portugal, 3,7% é o valor da despesa com medicamentos raros no total das despesas com medicamentos. tos raros, dizem especialistas. TrazerensaiosclínicosparaPortugal é outro passo que pode reforçar a equidade no tratamento de doençasraras.Umaideiadefendida porAntónioParreira,directorclínicodoCentroClínicoChampalilaud. Joaquim Brites falou do problema da falta de acesso à informação dos ensaios clínicos pelos doentes, que muitas vezes desconhecem a sua realização em Portugal. I 63% NOVAS TERAPIAS Em 2014 foram submetidas 329 novas substâncias, um crescimento de 63% face a 2013. Portugal gasta cerca de 3,7% da sua despesa total em medicamentos com medicamentos órfãos. É suficiente? Se é suficiente ou é insuficiente,éumnúmero.Eissoéum facto.Outrofactoéque,emPortugal, os doentes são bem tratados,sãobemseguidospeloshospitaisemédicosetêmtidoacesso às terapêuticas, umas vezes demorammais,outrasvezesdemorammenos. Mas o que é certo é que é uma realidade em linhacomoutrospaíses,queestão entreos3%,4%e5%,dependendo dos países. Ao longo das apresentações foram apontadas alguns dos problemas. Já estão identificados, o que falta para os resolver? O que eu acho que falta é uma convergência de vontades. Que as pessoas sejam consequentes e não fiquemos só pela discussão. Na sociedade portuguesadiscute-semuito,masdepois não se leva à acção de uma forma concertada com um plano a longo prazo. E é provavelmente essa a falha do sistema, que explica que, por exemplo, o número de ensaios clínicos seja um dos mais baixos, se não o maisbaixodaEuropa.Temosinfrasestruturas, temos corpo clínico perfeitamente dotado e capaz,temosdoenteseacessodesses às terapêuticas. Não temos coordenação. Nem temos agilidade. E tudo isso tem de ser feitopelaspessoasqueestãonosistema.Têmdeseraspessoasque estão no sistema que se têm de entenderparaque afaltade agilidade desapareça. Quando se refere às pessoas que estão no sistema, fala de reformas no Governo ou ao nível da administração hospitalar? Nem é uma questão de Governo, porque as políticas existem. É uma questão de “stakeholders” que estão nesta área da saúde, dos medicamentos órfãos, dos ensaios clínicos, dasadministraçõeshospitalares, das associações de doentes se entenderem paraque o sistema seja mais ágil. A legislação existe. Os diversos actores trabalham muito parasi. Têm de trabalhar mais uns com os outros, para haver efectivamente uma convergênciaesequebrembarreiras. Falta um planeamento a longo prazo? Nos últimos três ou quatro anostivemosmesmodeviverno curto prazo. Jáestánaalturade começar a olhar a longo prazo. Estánaalturadetermosumaestratégiado que Portugal serána saúde nos próximos dez anos a quinze anos. E os ensaios clínicos e medicamentos órfãos poderão ser um dos pontos estratégicos. Temos condições. Portugal é um país pequeno, mas “ Está na altura de termos uma estratégia do que Portugal será nos próximos dez anos. E os ensaios clínicos e medicamentos órfãos poderão ser um dos pontos estratégicos. “ Num universo entre 27 a 36 milhões de pessoas diagnosticadas com doençarara, cercade 700 mil são portuguesas. Em Portugal, a despesa com estes medicamentos é relativamente baixa. FILIPE ASSOREIRA Presidente da P-Bio muito rico. Os diagnósticos estão feitos e muito bem feitos. Existe capacidade clínica, o que não existe é exploração. Quais serão os maiores desafios na área da Saúde nos próximos anos? Conseguirencontrarumbalanço entre como incorporarmos inovação que está a surgir, com os custos da Saúde que temos neste momento, sem termos uma factura tanto a disparar. I LILIANA BORGES IV QUARTA-FEIRA 2 DEZ 2015 | | NEGÓCIOS INICIATIVAS EQUIDADE E MEDICAMENTOS ÓRFÃOS HOSPITAIS Em prol de uma negociação centralizada dos medicamentos Mais organização e centralização das decisões, combatendo também o tempo de espera, é chave para negociações que garantam maior equidade no acesso a medicamentos órfãos. A quem deve caber a negociação da compra de medicamentos órfãos? As opiniões dividem-se. Marta Temido,presidentedaAssociaçãoPortuguesaeAdministradoresHospitalares,eHenriqueMartins,presidente dos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS) defendem uma negociação centralizada dos medicamentos.JáLuisSilvaMiguel, economista, nota que esta negociação já é responsabilidade do Infarmed. A negociação centralizada da compra de terapêuticas para as doenças órfãs foi um dos temas em discussão na conferência “Equidade e os Medicamentos Órfãos”, que teve lugar no dia 26 de Novembro, em Lisboa. MartaTemido, umadas oradoras,consideraque“acentralizaçãodaaquisiçãodosmedicamentos órfãos tem vantagens”. Entre elasacapacidadede“libertaroshospitaisdaorganizaçãodoprocessode compra, ganhar escala, introduzir margemparaanegociaçãonacional, que é sempre curtaface àexclusividade de fornecedor”. A propósito do poder do fornecedor, Henrique Martins recusa-se aaceitaraclassificaçãodosmedicamentos de doenças raras enquanto “órfãos”. “Eles não são órfãos, são dasempresasqueosfabricam”,nota. “Não é uma relação de orfandade, masdeimensapropriedade”,considera. O presidente do SPMS acredita que a negociação centralizada de fundosepreços éachavedaoptimização dos serviços. Defende também a concentração de competências terapêuticas em três ou quatro hospitais que sejam especialistas e o abandono da “ideia de que temos desertodosumbocadinhoespecialistas”. Planearéprioritário.“Temosde olharparaacompracomoumaactividade estratégica dos sistemas de saúde.Quandocompro,quandoencomendo, faço um exercício de pla- neamento”,justificaHenriqueMartins. Naaplicação dadespesa, aorganização da administração hospitalar importa na altura de negociar o acessoàsterapias.Masaquisurgem dificuldades de planeamento. “Os hospitais têmmuitadificuldade em seorganizar.Onossoproblemaéum problema organizacional. Temos muitadificuldadeemnossentarmos e discutiras coisas. Apensarnelas”, confessa Marta Temido, justificando que as equipas dos hospitais não têmtempoouformaçãoparaofazer. JáLuís SilvaMiguel, economista no Centro de Investigação Sobre Economia Portuguesa, tem uma opiniãodiferente.Paraoeconomista,opapeldenegociadorcabeaoInfarmed, pelo que a administração hospitalarnãodeveintervir.“Emrelação às compras centralizadas, tenhosóumproblema.Aminhaquestão é, quando existe umadecisão de negociaçãodomedicamento,opre- ço jáfoi negociado entre aindústria e os laboratórios. Jáhouve umanegociação de preços. E amim faz-me confusão que após essa negociação entre quem fornece o medicamento e a fronteira estatal que existe à entrada do medicamento, exista umasegundabarreira”,afirma.Luís Silva Miguel acrescenta que com isso não coloca em causa o planeamento,masapenasaquestãodanegociação de preço. Oeconomistaabordatambéma questão dadificuldade de estimar o custodeavaliaçãoeconómica,fazendonotarqueestaseriaumatarefafa- Quanto melhor se planear a negociação dos medicamentos, menor será o tempo de espera e maior será a sua eficácia. cilmentecontornávelcasoexistisse um registo depois daintrodução do tratamento, o que seria possível também caso existisse um número razoável de doentes. “Todos nós, enquanto sociedade, assumimosqueháumadisponibilidade para pagar mais em doenças órfãs”. Por outro lado, decidir nãofinanciar“inibeaprofundamento da investigação”, com “possibilidade de maiores ganhos clínicos”. “Temosqueirfinanciandoosuficienteparacontinuaraterinvestigação,mascadapassotemdeterum custo comportável”. I QUARTA-FEIRA DITOS O que dizem os especialistas DESPESA Até Setembro de 2015, cerca de 7,8% da despesa dos hospitais em medicamentos foi canalizada para medicamentos órfãos. Instanta “ 2 DEZ 2015 | SUPLEMENTO | V INVESTIGAÇÃO Portugal é um dos países com menos ensaios clínicos Os ensaios clínicos podem salvar vidas. No entanto, Portugal tem défice de ensaios e não aposta na continuidade da investigação clínica. Ao mesmo tempo, os que existem não são fáceis de encontrar. Instanta Não é uma relação de orfandade, mas de imensa propriedade. Temos de olhar para a compra como uma actividade estratégica dos sistemas de saúde. Quando encomendo, faço um planeamento. HENRIQUE MARTINS Presidente dos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS) Todos nós, enquanto sociedade, assumimos que há uma disponibilidade para pagar mais em doenças órfãs. LUÍS SILVA MIGUEL Economista Os hospitais têm muita dificuldade em se organizar. O nosso problema é organizacional. MARTA TEMIDO Presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares “ 7,8 | Portugal é dos países europeus que menos ensaios clínicos realiza por milhão de habitantes. “Nós somos dos países na Europa commenoscapacidadedefazertrabalhodeinvestigaçãoclinicanoterreno, nomeadamente no campo de ensaiosclínicos”.ParaAntónioParreira, directorclínico doCentroClínicodaFundaçãoChampalimaud,a raiz do problema reside “na formação médica” e na“organização hospitalar, principalmente dos hospitais públicos, onde as pessoas querem fazerinvestigação”. Um dos problemas, aponta, é o conflito com os hospitais. “Estamos em constante conflito com o administrador hospitalar. Nós estamos a gastar dinheiro e eles querem poupar”. O administrador hospitalar “não vê isso combons olhos, porque dalinão resultaumamais valiaimediataparaoseuorçamento”,explica. António Parreira aponta exemplos de grupos de investigação de qualidade, mas desenha um traço transversalde“desmotivação”.“Estamos a passar uma fase em que a medicina se baseava na evidência paraamedicinabaseadanaciência. O treino de conhecimento científico é umadas chaves paraaintrodução”. Aindaassim,omédicoreconhecequeocenário“estámuitomelhorado em relação a anos anteriores”.“Em comparação com outros países, é possível e necessário fazer melhor”, observao director clínico. “É preciso umaestruturanas administraçõeshospitalaresquevalorize osbenefíciosdosensaiosclínicos,introduzindo mais investigação”, sublinha. António Parreira destaca as vantagens dos ensaios clínicos, nomeadamente no aumento do rigor dos relatórios, porexemplo, contribuindo para a evolução de outros tratamentos paralelos. UmaopiniãopartilhadaporJoaquimBrites, presidente daAssociação Portuguesa de Doentes Neuromusculares, que exemplificacom a expectitivade tratamento. “A expectativa do tratamento, ainda,quasesempre,sempromessa decura,égrandeemtodasasidades eemquasetodasasdoenças”,noen- tanto,destaca“tratando-sededoentes emidade pediátrica, pelo tempo disponívelepelaimportânciadetratar uma criança e pela importância de lhe devolveraelae àsuafamíliaa esperança de uma vida melhor. O ensaio clinico assume aquiumaimportânciafundamental”. “Arealizaçãodeensaiosclínicos em Portugal terá obrigatoriamente quecrescer”,afirmaJoaquimBrites. “A participação de doentes portuguesesnasváriasfasesterátambém de ser avaliada, divulgada e implementada pelos diversos laboratórios”, diz. “A rentabilização de custos e umamaiorproximidade de todas as equipas científicas responsáveis pelo acompanhamento dos ensaios serão apenas duas das muitas vantagens”. AntónioParreiraapontaasconsequênciasdasdificuldadesnoacesso à informação disponível: “pode não haver uma equidade tão boa quantosegostariaporfaltadeinformação”. I LILIANA BORGES VI QUARTA-FEIRA 2 DEZ 2015 | | NEGÓCIOS INICIATIVAS EQUIDADE E MEDICAMENTOS ÓRFÃOS Instanta Pacientes deverão aumentar Número de doenças raras vai aumentar, prevê o representante da Europabio, Associação Europeia de Bioindústrias. Ou pelo menos vai aumentar o seu nível de identificação. Riccardo Mezzasalma explica que, com o desenvolvimento da investigação, é expectável que os diagnósticos se tornem mais eficientes e por isso existirá, consequentemente, um aumento da procura de medicamentos para doenças raras, quer para as patologias já existentes ou novas variações, aponta. Os países devem por isso preparar-se para um aumento da despesa, algo que, Mezzalsalma teme que não seja suportável na actual economia dos países, que mostram já dificuldades. Urge por isso um planeamento que garanta a resposta aos novos e velhos pacientes que possam ter dificuldades no acesso a estes tratamentos, naturalmente mais inflacionados no seu custo. Riccardo Mazzasalma, da Europabio, salienta que investigação tem levado a um forte aumento no número de medicamentos órfãos. EUROPABIO Orçamentos da Saúde vão enfrentar custos acrescidos A Europa viu os tratamentos para doenças raras multiplicarem-se nos últimos 15 anos. A melhoria nos diagnósticos vai levar a um aumento do número de doentes e os Estados podem não ter orçamento para responder. LILIANA BORGES [email protected] A despesade Portugal com os medicamentos órfãos foi de 3,7%, do total com medicamentos.Umnúmeroquenão impressionaRiccardo Mezzasalma, director daEuropabio, aAssociação EuropeiadeBioindústrias.“Nãoéum valormuitoalto,mesmoseospreços dos tratamentos foram altos individualmente, como 100 mil euros, por exemplo”, disse em declarações aos Negócios à margem da conferência “Equidade e os Medicamentos Ór- fãos”, realizadaa26 de Novembro. “Portugal está entre os países com custos mais baixos na União Europeia”, salientou Mezzasalma. Na conferência, o representante da Associação Europeia de Bioindústrias,destacouaevoluçãodascandidaturasdemedicamentosórfãosao longo dos últimos 15 anos. Esteorganismoeuropeupretende, adianta, preencher os compromissosderespostaàsdoençasraras, atravésdeumplanoeficazcomfundossuficientes.Em2000erampoucosostratamentosinovadores.Hoje existem mais de 110 medicamentos órfãos aserutilizados naUnião Europeia, o que tem atraído a atenção daindústria, bem como das universidades e dos investigadores. O gestor da Europabio aponta algumasdificuldadesqueospacientesenfrentamactualmente,nomeadamente na dificuldade de acesso a umdiagnósticocorrecto,seguidodo tempodeespera,impostoporregulações,naaprovaçãodenovostratamentos e a desigualdade na avaliação dos tratamentos, bem como a ausência de cuidados e facilidades adequadas às doenças raras de cada paciente. Osriscosdosmedicamentosórfãos é maior devido ao desconhecimento científico, à ausência de tratamentoalternativo,àdispersãodos pacientescomasmesmasdoençase a gravidade das doenças. Assim, o preço é adequado (e inflacionado) devidoaoriscoadicionaleàincerte- za na sustentabilidade de investimentos futuros. As previsões apontavam para que o impacto dos medicamentos raros nos orçamentos daSaúde fosse crescer incontrolavelmente, no entantoestesreceiosdeescaladainsustentável não se confirmaram. Não obstante, Riccardo Mazzasalma mostra-se preocupado e teme que nos próximos anos os países tenham aindamais dificuldade em pagar os tratamentos inovadores. “Acho que os desafios actuais são os orçamentos. Há cada vez mais dificuldade nos sistemas nacionais em pagaros medicamentos e investimentos. Daquiacinco anos será ainda mais difícil”, antevê. Sobre o papel de Portugal naindústriadeinvestigaçãodosmedicamentos raros, Mazzasalma afirma quePortugalnãotemaindaumaforte presença e tradição na área, mas elogia o papel do sistema de saúde português. Sobreonúmerodemedicamentos raros, que aparecem desiguais para as diferentes doenças raras, comalgumasdoençasareunirdezenasdediferentestiposdetratamento e outras apenas comum, o representantedaAssociaçãoEuropeiade Bioindústriasaproveitouparasublinhar a individualidade de cada tratamento. “Cadamedicamentoédiferente e cada um tem uma finalidade diferente”. “Mesmo que existam cerca de 50 medicamentos diferentes, como é o caso da leucemia, isso é umacoisaboa.Ésinaldequeaspessoasestãoainvestireainovaçãonão parou”. RiccardoMazzasalma prevêque o número de pacientes vai aumentar, e com ele aprocura. “O número dedoentesvaiaumentar.Aprevisão équeosdiagnósticossetornemcada vez mais eficazes e por isso vamos conseguirfiltrarmais doenças e casos”, acredita. I QUARTA-FEIRA | 2 DEZ 2015 | SUPLEMENTO | VII Instanta “ Não existe um registo da avaliação dos tratamentos, o que não permite avaliar as evoluções dos tratamentos. Cada medicamento é diferente e cada um tem uma finalidade diferente. O número de doentes vai aumentar. A previsão é que os diagnósticos se tornem cada vez mais eficazes e por isso vamos conseguir filtrar mais doenças e casos. [Sobre a despesa portuguesa de 3,7% do total de orçamento dos medicamentos em medicamentos órfãos] Não é um valor muito alto. Portugal está entre os mais baixos na União Europeia. “ RICCARDO MEZZASALMA Healthcare Biotechnology Manager - Europabio O presidente do Infarmed realçou que é preciso medir o resultado real dos medicamentos inovadores. INFARMED Poupança nos genéricos permite gastar nos inovadores Não existe uma fórmula mágica e cada país terá as suas soluções. Mas há uma conclusão transversal: é necessário registar mais e melhor as evoluções dos tratamentos, destaca o presidente do Infarmed, Hélder Mota Filipe. “E stamosasalvarmais vidas e a dar mais qualidade de vida a muitas pessoas”. Estaé aconclusão deHélderMotaFilipe,presidentedo Infarmed, quando olha para o aumentode63%denovassubstâncias, entre2013e2014.Paraopresidente doInfarmed,quefezasessãodeencerramento daconferência“EquidadeeosMedicamentosÓrfãos”, estassão“boasnotícias”,quetraduzem “um ritmo nunca antes visto, com medicamentos mais eficazes, para velhasenovaspatalogias”. No entanto, este ritmo aceleradodecrescimento“estáacolocarsob pressãoosorçamentosdesaúdeem todoomundo”,alerta,acrescentando que “o nosso caso não é um caso especifico”.“Ageneralidadedosmedicamentos inovadores estáachegaraPortugalapreçosaltíssimos,devido à necessidade de financiar os avultados investimentos daindústria”,explicaHélderMotaFilipe. Em 2014, “adespesado Estado commedicamentos inovadores autorizados pelo Infarmed foi de 197 milhõesdeeuros,quandonoanoanterior tinha sido de 98 milhões”, nota. “No que respeitaaos medicamentosórfãosereportando-meapenasàdespesahospitalar,elaatingiu em2014cercade79,6milhões,oque corresponde aum aumento de 11% faceaoanoanterior”,analisa,adiantando que este ano o ritmo de crescimentosemanteve,nosdadosapuradosduranteosprimeirosmeses. No entanto, o crescimento do número de medicamentos órfãos enfrentauma“forte contenção” na despesa pública com a saúde, uma redução sentido com os cortes impostos pela Troika, que desceram, progressivamente,adespesacoma saúdede1,5%doPIB,em2011,para 1% em2014. Sobreassoluçõespelasquaispoderápassar agarantiade equidade noacessoaosmedicamentosórfãos eaostratamentosdedoençasraras, o presidente do Infarmed destaca que“nãoexistemrespostasmágicas e cada país tem de encontrar o seu caminho”. EmPortugal,porexemplo, aapostaemmedicamentosgenéricos, especialmente durante os últimos três anos, parece ter sido umadassoluçõesencontradas,uma vez que “apoupançanos genéricos foi o que tornou nos permitiu utilizar recursos para manter o acesso aos medicamentos inovadores”, afirmao presidente do Infarmed. Além disso, destaca Hélder MotaFilipe, importasaber se o investimentoqueérealizadonumdeterminado produto temresultados reais.“Estaéamelhorformadepercebermos o que é realmente inovador”.Umavezqueestamosafalarde doençasraras,nãoexisteumaamostramuito robustae que permitadiminuirograudeincerteza,exemplificando a solução encontrada pelo Estado no acesso ao tratamento à hepatite C, que serápago com base “nas curas obtidas”. “Precisamos de registar para conseguirmos medir resultados. Sem umaculturado registo não temos parte daequação que é essencial para uma solução adequada”, conclui. I