A música e suas vozes no cinema e na literatura de Assis B rasil HAUER, Rosenéia do Rocio Prestes (graduação)! Universidade Estadual de Ponta Grossa/Paraná" R ESU M O A idéia deste trabalho é uma investigação interdisciplinar entre as áreas de música, cinema e literatura. Neste projeto constitui foco privilegiado de estudo a música como protagonista de duas obras literárias, e como tema de um filme. O objetivo é analisar e interpretar a música no que diz respeito à semântica musical. Neste processo observamos que interpretar a música como protagonista e como tema de obras literárias e cinematográficas requer maior conhecimento e interpretação do interlocutor. Analisamos também que a interação música/literatura vem se expandindo nos últimos anos. Então, este trabalho traz consigo a música do século XIX, mostrando que mesmo com o passar do tempo, ainda faz-se necessário, além de ouvir, sentirmos a música. Os possíveis diálogos intertextuais entre as obras, também contribuíram para o desenvolvimento desta pesquisa, estabelecendo um intercâmbio entre as personagens, assim como, as relações entre a música do século XIX, a música contemporânea; e como essas semelhanças e diferenças são mostradas em um filme, este baseado em uma das leituras. Mostrar quando e como uma música pode se tornar mais um elemento da narrativa seja através de um livro ou de um filme dentro da sintaxe e semântica musical. Palavras chave: música, literatura, cinema, semântica. INTRODUÇ Ã O Sempre que alguém busca seu objeto de pesquisa, procura falar e escrever sobre aquilo que mais gosta, ou que mais lhe chame atenção. Mas falar sobre música interpretando dentro de um contexto, seja ele cinematográfico ou literário, é uma façanha para poucos, por se tratar de algo abstrato, semanticamente falando, claro, mesmo com todo o material que temos disponível. Todo pesquisador é apaixonado por seu trabalho, mas em se tratando de música é um trabalho árduo e delicadamente perigoso. Para analisarmos a música do filme, ou do livro, sem cometermos equívocos, há a necessidade de associarmos ao contexto. Mesmo sem nenhum conhecimento técnico, inconscientemente nós temos a capacidade de dialogar com a música. Claro que nem todos os ouvintes interpretam de uma mesma maneira, nem com a mesma competência. Os signos musicais nos oferecem os mais diversos tipos de escuta e interpretações. Mas como é possível que algo tão abstrato nos leve a sentirmos fortes emoções, mesmo sem termos conhecimento teórico musical? Na verdade, a música nos diz mais do que podemos imaginar. Além da sintaxe na sua composição, há a semântica musical, e ela também é merecedora da nossa atenção ao ouvirmos uma música. Ela é tão importante quanto a sintaxe, e é o que fica gravado em nosso subconsciente mesmo que, por vezes, contra nossa vontade. !Trabalho apresentado no GT História da Mídia Audiovisual e Visual, integrante do VIII Encontro Nacional da História da Mídia, 2011. " HAUER.R.R.P., Acadêmica do Curso de Letras, UEPG, membro do projeto de extensão Cinemas e Temas, coordenado pelo Prof. Dr. Fábio Augusto Steyer. Professora da rede municipal de educação. Falar de música em um artigo é desafiador, pois que a ela é um elemento sonoro. Encontramos diversos estudos em que os autores tentam, a sua maneira, colocar para os leitores suas análises, seus pontos de vista. Interpretar um texto é, teoricamente, um trabalho menos denso, já que a palavra tem a sua acepção concreta, imediatamente reconhecemos seu significado, mas a música não nos permite o mesmo, por se tratar de um material muito mais abstrato. A L I T E R AT U R A M USI C A L D E ASSIS B R ASI L Música Perdida e Concerto Campestre, ambas as obras de Luiz Antonio de Assis Brasil, trazem consigo a música do século XIX, desde a sua composição até o produto final, ou seja, a apresentação nas grandes festas de família, igrejas ou teatros. No livro Músic!"#$%&'&!("!")$%*+,!-$.")%',/')!0"1"!")%2)%'!".3*'/!("!)$*!%"&+"0'4%+",5+"*$%"6*+7%$8" música. Mas o que é música? Sobre a definição de música, Luis Ellmerich diz: A música, pode-se dizer, que é uma criação da inteligência humana, contendo dois fatores: o primeiro é de ordem artística porque a música é a arte da manifestação do belo por meio dos sons; o segundo, é científico porque a produção e a combinação dos sons são regulados por leis físicas. (ELLMERICH, 1964) Maestro Joaquim José de Mendanha, autor do hino rio-grandense, é quem compõe a música tema do livro. Mendanha saiu de Itabira do Campo, Minas Gerais, foi para o Rio de Janeiro e por fim se estabeleceu em Porto Alegre. Sempre em busca da realização como músico, sempre tentando encontrar seu lugar como artista. Pilar apareceu de repente em sua vida. Copiava músicas em partituras, e então, é claro, o amor pela música uniu o casal quase que de imediato. Ela o acompanhou até o fim de sua vida. No Rio de Janeiro, Mendanha conheceu o padre mestre José Maurício Nunes Garcia, o qual, além do talento musical, temia os preceitos e limites impostos pela igreja. Durante a sua estadia com o padre-mestre Mendanha ousadamente compõe a cantata Olhai Cidadãos do Mundo, música republicana que é de imediato reprovada pelo padre. Mesmo com a reprovação ele guarda uma cópia, que mais tarde se tornaria a prova de sua grandeza artística. O próprio livro dentro da sua estética já é uma música em si: cinco capítulos como numa pauta, e, em cada capítulo, uma pequena ópera: árias, recitativos e se lermos com bastante atenção e musicalidade no fim de cada capítulo há a coda e ainda a clave em que elas foram escritas. Então, Quincazé, como era chamado o Maestro Mendanha, perde a sua música e vive uma vida de dissabores e desencontros. Fatos esses sempre representados por um tom menor, por ser denso e triste. Pilar, sua eterna companheira, era quem fazia as cópias das partituras, e também o acompanhou nessa busca incansável pela música perdida. Dentro da história há inúmeras passagens que intertextualizam com o livro Concerto Campestre, as quais veremos mais adiante. Logo no início da sua obra, Assis Brasil usa para definir a sensibilidade musical de Quincazé o termo 6ouvido absoluto89 !"#$%&#'&()*#+*&,)#-./&)0#1*2+#-%32#4&52/#) nome das notas isoladas é $)/6*2# $)--*&# )# /%/7--&+)# )*8&4)# %3-)9*,): (MÚSICA PERDIDA, p.17) Diante dessa definição podemos entender o talento de Quincazé em definir a partir de sons naturais produzidos por objetos, vozes de pessoas em nota musical. Ulloa define ouvido absoluto como: !"*8&4)#%3-)9*,)#.#*+#,&$)# 42# +2+;/&%<# *+%# =%3&9&4%42# 42# /2()>=2(2/# %# !?9,*/%:# 4)-# -)>-# -2+# /2'2/@>(&%# 2A,2/>%0:BUlloa, 2010, p.55). Mendanha conseguia, graças ao seu ouvido absoluto, transformar na sua imaginação as músicas que, para ele, não eram feitas com arte. Quando o compositor ouve a banda militar de Vila Rica, ele coloca nas suas palavras definições para os instrumentos os quais quase dão para ouvir com as comparações que ele faz. Assis Brasil ao escrever essa passagem usou as seguintes expressões: Quincazé cruzou os braços, olhava e ouvia. Sem a doçura das cordas, a música adquiria uma ardência metálica dos faiscantes capacetes de cobre. Pensou que o timbre de florestas, emitido pelos clarinetes e pelos oboés, poderia tornar mais a mena aquela música. Música desafinada, a propósito. Ouviu-a harmoniosa, em sua imaginação. Descobriu que possuía o talento de ouvir com a imaginação. (MÚSICA PERDIDA, 2006) Mas Assis Brasil não se deteve apenas em colocar-se musicalmente com instrumentos e composições de cantatas. A estrutura do texto disposta nas páginas do livro sempre é paragrafada e com frases curtas. Isso implica uma leitura compassada, com ritmo lento. Mas quando ele coloca na página 100 a fala de Adelaide contando sobre Joaquim José para Mignon Tadelle, tem parágrafo apenas na primeira linha, e a página é completamente tomada pelo texto (anexo 2). Com essa disposição, temos uma leitura totalmente em ritmo acelerado, assim como a fala de Adelaide. E como ele já comentara sobre o tom de voz agudo como bigorna de ferro da personagem, não fica difícil associarmos a voz com o ritmo e imaginarmos a cena. Neste livro, Música Perdida, fala-se muito sobre composição, a importância de compor uma obra musical. E, então, percebemos que, mesmo com toda a tecnologia que dispomos na atualidade, a maneira, a metodologia usada pelo Maestro Mendanha para compor é a mesma nos dias de hoje. Então em uma das suas frases no livro, fica explícita a superioridade do músico que consegue compor: ! O músico que não compõe é uma ave que não voa. Improvisar é para a alegria, compor é $%/%#)#2-$7/&,)0: Mas apenas depois de atingir certa maturidade musical é que Mendanha conseguiu lançar-se na composição. Através de uma entrevista, (Anexo 1) Daniel Affonso Hack, acordeonista $"!%%!,:!&+%"&+"-%;)+".;*'/!0"6<*"=$%%!,+*8("/+."*$&$"$."#+%>+"?0$-%$("4$%$.+*"@;$(".;'>!*"&!*" colocações citadas pelas personagens de Assis Brasil correspondem à realidade musical de alguém que trabalha na área. Sobre a importância de compor, o entrevistado relata: !S ão as idéias que estão ali, em nossas mentes, e vão tomando forma a partir da organização dos sons. Quando se tem um maior grau de maturidade, de consciência sobre a própria obra, e sobre a mensagem que se quer passar, %7#-&+<#-*/C2#2--2#-2>,&+2>,)#42#/2%9&5%DE)0: (HACK, 2011) Essa realização citada na entrevista, Mendanha só sentiria no dia que ouvisse a música composta por ele mesmo executada por sua orquestra. Portanto, mesmo pelo fato de termos nos dias de hoje rec;%*+*")!%!"6-%!4!A5+"$"%$)%+&;A5+".;*'/!08("!"/+.)+*'A5+"!',&!"1"/+.+",+*">$.)+*"&$"B+!@;'." José de Mendanha, não com uma visão arcaica, mas sim, ainda requer sensibilidade e talento, por mais tecnologia que se tenha em mãos, o que torna o sentimento de realização muito mais denso e verdadeiro. Desde menino aprendeu música, aliás tinha um raríssimo ouvido absoluto. E sempre teve consigo de que a música era algo difícil, ouvia isso de seus próprios tutores. !F)+$)/# 2# instrumentar, meu Joaquim José, são artes $%/%# %-# 6*%&-# >E)# 3%-,%# -%32/# +G-&(%0:# (Música Perdida, p.69) Ver a sua música executada faria de Maestro Mendanha um homem realizado. Para ele isso era sucesso. Nem sempre, o que vemos e ouvimos para nós seria sinônimo de sucesso. A mídia tem esse poder de fazer com que o anônimo, por vezes apenas com empatia e sem talento pra música, ou seja, tecnicamente ruim, se estabeleça quase que instantaneamente. Ou então traz até nós artistas que possuem um talento enorme e até então eram desconhecidos. Temos inúmeros artistas que se declaram autodidatas, e não podemos fechar os olhos para o sucesso e o talento de músicos como Elvis Presley, Pavarotti. Somente depois, diante da necessidade de se atualizar e manter-se na mídia é que buscaram mais conhecimento. Sobre talento, Daniel, expõe: Essa coisa do talento é bastante intrigante. Existem, mesmo, muitos músicos autodidatas que são excepcionais e, em muitas das vezes, melhores que os de formação acadêmica. O que fica disso tudo, pra mim, é que é preciso, sim, mesmo que tendo de um talento enorme, a dedicação para o aprimora mento e crescimento é constante. Caso isso não ocorra começa mos, fatalmente, a nos repetir e torna mo-nos entediantes aos que nos ouvem. (HACK, 2011) Passando agora a falar do segundo livro, Concerto Campestre, teremos então um ponto de vista um pouco diferente. A história se passa na Vila de São Vicente, e tem como trama principal o amor proibido de Clara Vitória pelo Maestro. A trama se passa na fazendo do Major Antônio Eleutério, potentado em terras e charqueador. Homem que viveu no passado uma vida rude, e agora dedicava sua vida a música e a sua orquestra particular, A Lira de Santa Cecília. Homem conservador e de princípios rígidos. Não admite um modo de pensar e de amar diferente do dele. Tem uma filha, a jovem Clara Vitória. Ela abala a sociedade, declarando abertamente seu amor pelo Maestro. Faz isso quando descobre que espera um filho dele. É caracterizada pela quebra do seu antigo modo de pensar. Após conhecer o maestro muda todos os seus antigos conceito que provinham de sua família conservadora. O Major criou em suas terras uma orquestra particular: a Lira de Santa Cecília. E convidou um maestro para reger sua orquestra. Este era um homem com idéias diferentes das do major, mas possui muita diplomacia e sabe lidar como difícil gênio de Antônio Eleutério. Aos poucos vai se apaixonando pela filha do major, a Clara Vitória, e vai conquistando-a. Então vive aquele dilema de se integrar ao amor proibido ou manter a fidelidade ao intransigente major. Acaba por se integrar este amor, e este amor proibido resulta em um filho. O major é casado com Dona Brígida. Esta tem uma maneira de pensar bastante conservadora. Mas não suportava as idéias musicais do major. Achava um desperdício de tempo a Lira de Santa Cecília. Interessante a posição da Igreja neste romance. É simbolizada pelo Vigário. Um homem que condena o casamento livre, "arranja" casamentos junto com os pais dos noivos. Tem princípios antiquados, mas não age com o mesmo radicalismo do Major. Condena o major por ele ter "aprisionado sua filha". Exatamente isso que acontece quando o major descobre que sua filha está grávida de outro homem. Só que ele não sabe qual homem. Ele pensa que quem engravidou Clara Vitória foi seu noivo, o Silvestre Pimentel. Vai até a casa de Silvestre Pimentel e tenta assassiná-lo. Só que não consegue, pois, errou os tiros. Então ao voltar para casa ele determina que Clara Vitória deve ser afastada da fazenda e a leva para uma tapera em um lugar distante da civilização. E lá ela permanece a espera do parto. O Maestro e a orquestra da Lira de Santa Cecília se separam. Após isso o Maestro vai para Porto Alegre e se integra na orquestra da Catedral. Outro músico da orquestra se chama Rossini. Ele entra na trama de uma maneira sutil, começa aos poucos a ser o conselheiro do Maestro. Representa um pai para o Maestro, quem dá os melhores conselhos e depois espera os resultados. O Maestro sente muita falta de sua amada e resolve voltar para a Vila de São Vicente e libertar Clara Vitória de sua "prisão". Reúne os músicos da antiga Lira de Santa Cecília e aparece na fazenda do major Antônio Eleutério. Este recebe muito bem a orquestra e resolve organiza um concerto. Convida todos da vizinhança, todas as figuras importantes de São Vicente mas ninguém aparece. Ninguém em São Vicente concordou com o que o Major fez com sua filha. Sozinho, deprimido e após receber desaforos do padre por sua atitude se suicida com um tiro na cabeça. O Maestro aproveita o momento de confusão e vai em busca de sua amada. Encontra-a com seu filho e acabam por ficarem juntos Não fala o livro de composição, mas de execução musical. Desde afinação dos instrumentos, ensaios, até o entrosamento entre os músicos. Há sim uma composição, mas não é ela quem rege a história dos protagonistas. Nessa obra fala-se muito de tocar, ouvir e sentir a música. Isso é exigido do próprio Maestro por Rossini, personagem que entra na história de certa maneira, que podemos perceber que o verdadeiro músico na história é ele e não o maestro. Rossini era quem fazia os ajustes necessários nas músicas. Tanto que, em suas conversas, Rossini fala dos excessos de contraponto em suas músicas, justificando que apenas Mozart e Bach conseguiriam tal feito: !H)-,/2-me um compositor cheio de invenções de contraponto e aí estará um compositor vazio. Só 2-(%$%+#I%(=# 2#H)5%/,: (Concerto Campestre, p. 88). E o maestro apenas tinha ouvido falar de Mozart, Bach, ele nem sabia quem era. Em mais uma de suas conversas conselheiras com o Maestro, Rossini mostrou que realmente era um músico, ou seja, além do talento ele tinha a vocação. !J-(*,%/<#-2#2-(*,%#*+#%//),)<#*+#/%>C2/#42#(%//)D%<#6*2#-E)#()&-%-#6*2#8%92+#$)/#-&#+2-+%-0#"*8&/<#&--)#>E)# é com a orelha é com a alma. A alma se encarrega de aplainar o que é mal tocado, e chega mos ao som perfeito 6*2#-;#2A&-,2#>%-#&4.&%-0: (Concerto Campestre, p. 47). O que a personagem descreve é a diferença entre escutar e sentir. Nem todos os alocutários )$%/$7$."!".3*'/!"&$**!".!,$'%!C"?)$,!*"6$*/;>!.8("*$."*$ dar conta de que quando fazem isso deixam de além de ouvir, sentir a música. S im. Tocar e sentir são diferentes. Mas, em minha opinião, não são todos os músicos que chega m lá. Esse processo tem de passar por um a madurecimento psicológico, uma tomada de consciência do som que se está fazendo. E aí sim, realmente, é muito mágico entrar na sintonia de sentir o que se está tocando, o que convenha mos é muito eficaz para passar ao público a idéia central da obra que se está executando. Existem grandes músicos que se dedicara m muito a questão técnica. Desses, muitos apenas toca m, executa m, mesmo que de forma magistral, mas sem aquele sentimento que retrata a obra. Já o contrário é bastante comum ta mbém. Existem músicos que tecnicamente são deficientes, mas o comprometimento emocional é tão grande com a música que, a mensagem é mais bem recebida pelo público do que quando o extrema mente técnico está executando. (HACK, 2011) Mais uma vez vemos que a música, pela sua abstração, sempre foi algo que vem de dentro pra fora, e é impossível mesmo com todos os recursos da mídia inventar algo que se aproxime ao verdadeiro sentimento musical que está implícito em uma apresentação. A I N T E RT E X T U A L I D A D E D E C O N C E RT O C A M PEST R E E M ÚSI C A PE R D I D A . Em ambos os livros, as personagens regem uma orquestra. Compõe músicas e logo em seguida as perdem. Mendanha perde a Cantata e Maestro perde propositalmente a música que fez para Clara Vitória. Rossini; amigo, conselheiro e companheiro do maestro em Concerto Campestre tem essa alcunha dada por José Maurício Nunes Garcia, com quem estudou por oito anos. José Maurício, em Música Perdida foi um dos mestres de Mendanha e era um apreciador de Giacchino Rossini. Em Concerto Campestre, Maestro encontra Mendanha em uma apresentação de domingo na Matriz. Inclusive a morte de Mendanha é citada em Concerto Campestre. José MaurícioNunes Garcia, compositor e regente, organista da Capela Real de D.João VI, compôs óperas e modinhas, mas a maior parte da obra desse compositor pode ser enquadrada como sacra; missas moletes hinos. (HISTÓRIA E MÚSICA, P.29) Diante de duas obras que apresentam os jargões musicais quase que da mesma maneira, quem pouco sabe sobre música, acaba aprendendo. Vejamos: Nas duas obras há descrições da pauta: Veja..a música tem uns sons mais grossos e outros mais finos, não tem? Pois olhe: Os sons mais finos vão escritos bem aqui acima dessas cinco linhas, cha mada pauta, e os mais grossos, são escritos aqui embaixo. Veja essas bolinhas brancas e pretas. S ão as notas. [...] Ele seguia explicando: ao ouvir-se a valsa, não se ouvia umdois-três, um-dois-três? Pois cada um desses um-dois-três ficava dentro daquelas linhas retas que cortava m a pauta. (CONCERTO CAMPESTRE, p.65) Começou pela semibreve, um círculo branco achatado. A semibreve soava por mais tempo. Durava quatro batidas do dedo sobre a mesa: 1, 2, 3, 4. EM seguida, a mínima, que era a semibreve com uma haste que subia, duas batidas: 1, 2. A semínima era uma notinha negra, com uma haste para ci ma. As colcheias eram como semínimas, mas a haste possuía uma bandeirola. AS hastes poderiam ser para cima ou para baixo. E assim por diante.(MÚSICA PERDIDA, p.126) Não há como executar uma música, teoricamente correta, sem considerar as passagens acima citadas. Além de colocar a pauta nas obras, Assis Brasil também faz referência, através das personagens, à tonalidade de Dó Maior: !J-()9=2/%#*+%#'K(&9#,)>%9&4%42#42#L;#H%&)/0: (Música Perdida, p.92). Pegou o papel de música, abriu-o, traçou os grandes riscos verticais dos compassos , escolheu a tonalidade fácil de Dó Maior. (Concerto Campestre, p. 46) A tonalidade de Dó Maior é colocada como fácil porque a escala, ao ser executada, não utiliza as teclas pretas do piano, os chamados acidentes bemóis e sustenidos. A escala é composta de notas naturais. As afinações dos instrumentos nas orquestras de Concerto Campestre e Música Perdida são realizadas em Lá Maior, ou seja, quando os maestros pedem que os músicos toquem seus instrumentos num tom mais agudo, essa nota está uma oitava acima. Partindo do conhecimento de senso comum de que a música é teoricamente universal, ela é também imutável. Seja em uma obra literária, seja em shows, em estúdio, para executar uma música, será sempre as mesmas nomenclaturas, as mesmas disposições nas pautas. Diferente dos músicos dos livros hoje existem programas digitais que auxiliam o músico a produzir essas partituras, bem ao contrário de Maestro e Mendanha, que precisavam recorrer à boa vontade de Rossini e Pilar para reproduzirem manualmente suas músicas na pauta. F alar de música em um livro representa um desafio muito grande, na medida em que a música é basica mente, experiência sonora. Os autores que compõe a literatura sobre música, tenta m lidar com esta dificuldade de diversas maneiras, tentando traduzir para o leitor suas análises em torno das obras musicais. (HISTÓRIA E MÚSICA, P.72) É surpreendente o quando os livros, apesar de não serem especificamente sobre música, nos ensinam sobre teoria musical. Assis conseguiu colocar-se como autor e como músico em suas obras. A SE M Â N T I C A M USI C A L N A O B R A C I N E M AT O G R Á F I C A Não há como falar em cinema sem direcionarmos nosso pensamento para a trilha sonora. A música no filme diz muito se a analisarmos semanticamente de acordo com seus signos sonoros. Atire a primeira pedra quem não lembra de alguma música de algum filme. Dentre os filmes com trilhas sonoras inesquecíveis não podemos deixar de citar Psicose, de Alfred Hitchcock. O som estridente dos acordes em Mi bemóis dos violinos ficou cravado na nossa mente. Composta por Bernard Herrmann, a música do filme Psicose é relativamente simples: com apenas alguns acordes repetitivos Herrmann conseguiu com a famosa cena do chuveiro transformar a música em mais um elemento da narrativa. Mas o que é trilha sonora? Como ela é elaborada? Então, vamos por partes. Do inglês: Soundtrack significa conjunto sonoro de um filme, mas essa nomenclatura abrange um sentindo mais amplo. Dentro do soudtrack temos então outros termos que revelam estruturas das trilhas sonoras desconhecidas por muitos telespectadores. Temos então as Canções : Interpretadas por cantores ou bandas, encontramos essas canções em grande escala nos desenhos infantis, principalmente os contos de fadas da Disney. O Score é a música original do filme, composta para o filme. Um exemplo clássico de Score é a música Over the Rainbow, trilha sonora do filme O mágico de Oz, ganhadora do Oscar de Melhor Canção Original no ano de 1940, mas que até hoje é regravada, inclusive por cantores brasileiros. Score Track : uma das faixas da composição, isto é, é o exato momento em que a música será tocada na cena do filme. O Source Music, também chamada música diegética, é aquela que as personagens também ouvem, em casa, no carro, etc. Como exemplo, uso a cena do restaurante do filme Perfume de Mulher com Al Pacino. Nessa cena, ele &!,A!"+">!,-+"6#+%";.!"D!7$E!8("@;$"1"$F$/;>!&+")$0+*".3*'/+*"&+"%$*>!;%!,>e. E por fim temos o Underscore que é a música incidental que efetivamente acompanha a ação na tela, fica fácil entender se eu citar aqui a lendária cena do chuveiro de Psicose. A partir desta breve explicação sobre a produção de uma trilha sonora, percebe-se então que nada no cinema é ao acaso, nem mesmo a trilha sonora. Transformar os acordes musicais em unidades semânticas é uma tarefa árdua e que exige grande conhecimento no assunto, principalmente se a música for instrumental. Aí é que o compositor terá que colocar a prova toda sua sensibilidade e conhecimento sobre o enredo da história. Bernard Herrmann, parceiro de Alfred Hitchcock em vários de seus filmes, costumava fazer uma pesquisa intensa sobre o perfil dos personagens antes de compor as trilhas sonoras. No filme Psicose percebe-se isso devido às cenas de silêncio e as cenas de saturação sonora, o que nos remete a dupla personalidade de Norman Bates. E no filme Um Corpo que Cai, ele consegue passar com a música a sensação de tensão e romance ao mesmo tempo. Outros diretores se inspiraram em Hitchcock, queria dar às cenas de suspense a mesma dramaticidade que em Psicose, é o caso do filme Tubarão (1975), de Steven Spielberg. Ele queria @;$"!*"/$,!*"&$"!>!@;$"&+">;7!%5+">'4$**$."+".$*.+"'.)!/>+"6*+,+%+8"@;$"!"/$,!"&+"/G;4$'%+"$." Psicose. Tanto fez, que basta ouvirmos os acordes graves das cenas em que aparece o Tubarão para lembrarmos da cena do assassinato de Marion Crane. Essa relatividade entre cena/personagem e música, é o fator principal para se compor uma trilha que cause emoção, ou que nos traga a lembrança algum personagem. Temos como exemplo: 007, Batman, Indiana Jones, Missão Impossível , e por aí vai. Você pode até não gostar do filme, mas reconhece nele a diferença que a música fez ou faz. Psicose não seria o mesmo se Bernard Herrmann não tivesse insistido com Alfred Hichcock em colocar música na cena do chuveiro. Nem 6H%$!*$I",+*">$.)+*"&!"7%'0G!,>',!8("/+."B+G,"J%!4+0>!(",5+">$%'!"K$'>+">!,>+*"7!'0',G+*",+*"!,+*"LM" ficarem mais animados ao som das baladas cinematográficas. A trilha sonora tem tanta importância para o cinema, que se pararmos para pensar, nem cinema mudo existiu. Basta assistirmos os filmes de Charles Chaplin, pois neles quem fala é a música e é +,&$"*$")%$/'*!"6+;4'%8"!01."&$"6!**'s>'%8C"?',&!"K!0!,&+"&$"/',$.!("N04'*"#%$*0$O";*+;"&$**!"!%>$" para vender milhões de cópias de seus discos. Ele produzia os musicais e na sequência lançava disco com a trilha sonora, na época ainda de vinil. Além de Elvis, temos filmes como La Bamba, onde a canção tema do título do filme ganhou o mundo. A música, além de ser um elemento da narrativa, é a prova mais que certa de que somos movidos por emoções, e ela é um acessório para que desperte em nós esse ou aquele sentimento. O público ouvinte ou o telespectador gosta de coisas simples, e sempre se recorda apenas da parte que lhe agrada, mesmo o filme não sendo tão bom, se trilha sonora ou a música do filme for impactante, certeza de que será lembrada, principalmente se o artista que a executa souber como levá-la ao publico, até mesmo sem saber a tradução, ou seja, o que realmente a letra música está dizendo. Ainda falando mais especificamente do filme Psicose, têm-se, então, as seguintes observações: no momento em que Marion Crane foge, observa-se que o limpador de para brisas começa a funcionar no mesmo instante em que o compasso da música aumenta em entram em ação os baixos e violoncelos. Na cena do assassinato no chuveiro, os acordes agudos misturam-se com os gritos da personagem, mas à medida que ela cai depois de receber os golpes, os acordes se tornam mais graves e mais lentos, dando mais dramaticidade e evidenciado a gravidade da cena. No momento em que a irmã de Marion desce as escadas para procurar a irmã, o compositor usa uma escala cromática descendente, essa escala coloca na cena a ansiedade da irmã de Marion em encontrá-la e a nota mais grave é executada quando ela chega no porão e encontra a mãe de Norman. Psicose não seria o mesmo sem a música de Bernard Herrmann, o compositor só conseguiu colocar a música no filme após muita insistência. A cena do chuveiro foi gravada primeira, sem, e depois, com a música, e no mesmo instante Hitchcock concordou que a música se tornou mais um elemento na narrativa. Não existe no filme Psicose uma linearidade com relação à trilha sonora, há momentos de silêncio e outros em que a música praticamente toma conta da cena. Isso nos remete à tensão, ao suspense da obra. A música no filme reforça a carga emocional, provocam sentimentos diversos, mas dentro de um feixe coerente, de forma que esses sentimentos tenham significados relacionados com o contexto. O C I N E M A D E C O N C E RT O C A M P EST R E O cinema é uma fonte inesgotável de referências musicais, veículo prefeito para experimentação e exploração do poder dra mático da música. (A MÚSICA DO FILME, p.16) Sempre que falamos em trilha sonora, vêm à mente os grandes feitos internacionais como os já citados acima. Mas de um jeito ou de outro, vale lembrar que aqui também temos avanços, compositores e diretores também tentam mostrar seus trabalhos com o uso de ferramentas tecnológicas e com performances mais evoluídas. Neste filme a articulação entre música e cinema é dramático/narrativo, ou seja, ela é usada para contar a história das personagens, ela se liga as situações para ajudar a compor o perfil de cada um. E depois, em um segundo momento, essa articulação acontece com movimento visual e movimento sonoro, como no caso do delírio do Major Eleutério. É uma riqueza sem fim a trilha sonora de Concerto Campestre, da música mais complexa a mais simples. As músicas apresentadas pela Lira de Santa Cecília são composições de Rossini, Mozart, Strauss e Haydn. O solo executado pelo ator Roberto Birindelli é uma ária interpretada por Emerson Kretchmer. Para se obter tanto êxito, foram convidados os melhores músicos das orquestras do Rio Grande do Sul, orquestra essa comandada por Antonio Carlos Borges Cunha. Depois de exaustivos ensaios, enfim a orquestra tem a sua primeira apresentação e então executa: Adágio do Concerto para Clarineta e Orquestra de Wolfgang Amadeus Mozart. É incrível como uma música de cinema é capaz de apertar um botão de nossa sensibilidade que nos faz viajar imediatamente para outro tempo, para o momento em que vimos aquele filme. (A MÚSICA DO FILME, p.12) E é exatamente isso que acontece em Concerto Campestre. Uma viagem musical ao século XIX. Apesar das músicas serem todas orquestradas, ou seja, não haver letras para se analisar, há, sim, um feixe de significados entre o contexto e o texto, nesse caso leia-se; texto = partitura. O filme baseado no livro de Assis Brasil nos mostra com certo descuido a diferença entre músico por acaso e músico por vocação e talento. Diferente de Mendanha, o Maestro de Concerto Campestre não se deixa levar pelos acasos da sua vida e se coloca a frente dos acontecimentos no entorno de sua personagem. Mas, infelizmente, não consegue passar ao telespectador nenhuma musicalidade. As cenas em que o Maestro aparece executando, ensaiando ou compondo, não correspondem à postura musical de um artista, apesar do esforço do ator. Talvez um telespectador um pouco mais leigo no assunto não perceba, mas alguém com um pouco mais de conhecimento há de perceber. Uma pena! Pois as músicas apresentadas no filme, especificamente a da personagem Clara Vitória, são verdadeiras obras primas. Mas Rossini aparece de uma maneira peculiar $("$0$"*'.("/+,*$-;$"&!%"+"6>+.8"!".;*'/!0'&!&$"&+" filme. Chega na capela e ouve Miguel, nome dado ao maestro apenas no filme, pois no livro ele é apenas, Maestro, tocando violino, e de imediato percebe que ele está fora de ritmo e andamento. Com atenção nota-se a diferença entre as personagens. Rossini além de conseguir passar a impressão de que realmente sabe tocar, fala da música com conhecimento teórico. No livro isso aparece com mais freqüência que no filme. Mas nas imagens dá para se notar tudo isso na leveza com que ele interpreta no momento em que toca as músicas. Embora não se saiba se na vida real o ator tenha um contato maior com a música, ele consegue dar mais veracidade aos momentos de execução. A música diz exatamente como a personagem é. Na cena em que o Maestro faz uma apresentação exclusiva a Clara, podemos perceber o quanto as suavidades dos acordes e dos compassos, a clareza da harmonia, nos contam sobre ela. A música é clara como a Clara Vitória. O solo de violão traduz exatamente a delicadeza da personagem à luz da canção. A trilha sonora é extremamente condizente com a época, século XIX; usando flautas, percussões e instrumentos de cordas, as músicas seguem ao estilo da corte. O ensaio em que João Congo participa, vê-se que, as batidas executadas por ele, reforçam a força e a determinação dos negros. O ritmo da música é, na maior parte do tempo, saltitante, com algumas notas um pouco mais longas. Consegue transmitir alegria e ao mesmo tempo uma tensão, pelo fato de que eles sempre estão tentando livrar-se do Major. O cortejo fúnebre do barão não poderia ser diferente, em modo menor, a música é melancólica, densa, triste. As tomadas de longa distância no momento do cortejo realçam ainda mais as notas de maiores tempos. O noivado de Clara Vitória, o compasso binário, ou seja, a valsa é colocada para registrar o possível casamento, mas ao passar mal os violinos entram em uma dissonância proposital, e os demais ',*>%;.$,>+*" >!.71." $,>%!." $." &$*/+.)!**+C"?" *$,*!A5+" @;$" >$.+*" 1" &$" 6&$*.+%+,!.$,>+8: à medida que Clara Vitória cai, a música decai, simultaneamente. Após seus pais descobrirem que está grávida, Clara Vitória é exilada, e é mandada para a Boqueirão. Um lugar distante da estância, de difícil acesso. No momento em que ela é levada as notas agudas fazem com que o exílio de Clara Vitória se torne ainda mais angustiante, os flautins, instrumentos mais agudos de uma orquestra, sopram em staccato, dando mais ênfase ainda a dor emocional da personagem. Quando os músicos retornam à fazenda, a música acontece aos poucos, como se fosse um reencontro. Os instrumentos vão entrando por vez, assim como as personagens na cena. Cada qual com seu instrumento. Major Eleutério descobriu seu amor pela música de uma forma um pouco conturbada. Ao se deparar com índios tocando próximo à sua fazenda, ele os leva, dá abrigo, comida, tudo em troca de música. Mas pelo fato dos índios serem nômades, de repente eles desaparecem e assim o Major aceita o Maestro, oferecido pelo padre para formar a Lira de Santa Cecília, nome dado em homenagem à Padroeira dos Músicos. Nos seus devaneios nas últimas cenas, no momento da chuva de sangue, ouve-se uma música e tem-se a impressão de ser música de única linha, pois os acordes se repetem de uma maneira circular, acompanhado a imagem de major na tela, dando a sensação de estar girando em torno de si mesmo. A música difere na linguagem no sentido de que, não temos uma exata definição do que ela nos quer dizer. Nenhuma construção musical é passiva de apenas uma interpretação, mas utilizando de recursos bem conhecidos e dentro do contexto, o compositor pode sim ter uma resposta imediata naquilo que ele tenta passar. Em Concerto Campestre tal cuidado foi tomado, que a obra musical não escondeu a obra visual. Pelo contrário, a música tornou-se um complemento narrativo e enriqueceu as imagens e personagens. ! ! C O NSI D E R A Ç Õ ES F I N A IS ! A música difere na linguagem no sentido de que, não temos uma exata definição do que ela nos quer dizer. Nenhuma construção musical é passiva de apenas uma interpretação, mas utilizando de recursos bem conhecidos e dentro do contexto, o compositor pode sim ter uma resposta imediata naquilo que ele tenta passar. Em Concerto Campestre, tal cuidado foi tomado que a obra musical não escondeu a obra visual. Pelo contrário, a música tornou-se um complemento narrativo e enriqueceu as imagens e personagens. ! ! ! ! A nexo 1 Entrevista com Daniel Affonso Hack, em Janeiro de 2011. " A música desperta em nós os mais variados sentimentos, ela tem o poder de libertar as emoções através do som! Quando você compõe, ou ouve uma música de outro artista, é importante, sob o teu ponto de vista, que a música também transmita ao ouvinte aquilo que a letra está dizendo? Ou apenas deve-se unir as duas partes independente de tom, anda mento, etc. Pra mim é fundamental que a melodia revele a mensagem que a letra quer passar. Eu sempre digo que a música de sucesso é a combinação da melodia que comunica a letra. Por isso muitas vezes uma música faz sucesso, nós a conhecemos bem., mas erramos a letra em alguns momentos... É que a mensagem passa quase que inconscientemente, não precisamos dominar a letra na íntegra para compreender a música, por que a melodia ajuda na compreensão da mensagem. Se você quiser ter uma idéia concreta do que estou dizendo, pegue uma melodia conhecida por exemplo: Chão Batido e tente por em outra letra ,por exemplo: Vanera, Vanera.Não tem nada a ver! A melodia do Chão Batido, embora consagradíssma, não consegue passar a mensagem da Vanera, Vanera e a recíproca é verdadeira. ! O músico que não compõe é uma ave que não voa. Improvisar é para a alegria. Compor é para o espírito. Você sentiu essa realização quando começou a compor e ver as tuas músicas sendo interpretadas por outros? Sim, mas essa emoção descrita na pergunta, eu senti, não nas primeiras composições, mas depois de certa maturidade. No início, e tenho a impressão que isso serve pra qualquer compositor, começamos a fazer música de uma forma bastante inconsciente. São as ideias que estão ali, em nossas mentes, e vão tomando forma a partir da organização dos sons. Quando se tem um maior grau de maturidade, de consciência sobre a prórpria obra, e sobre a mensagem que se quer passar, aí sim, surge esse sentimento de realização. E ouvir sua música, sendo executada nas rádios, ou por outros artistas é bastante prazeroso. Nas duas obras, o autor coloca a música como algo difícil de aprender e apreender e se a pessoa não tiver talento e vocação então é quase impossível. Repete isso várias vezes. Dizem que músico já nasce músico. Não dá pra desconsiderar a formação autodidata e empírica de muitos artistas que conseguem, ao seu modo, passar a mensagem da sua música e ainda fazer sucesso. Mas com o tempo a qualidade desse músico tende a cair. Mesmo com toda a tua experiência, sucesso e for mação você ainda reserva um tempo para o estudo teórico e prático da música, assim com a performance com o instrumento, tanto sozinho, quanto em conjunto com os demais integrantes do grupo? Essa coisa do talento é bastante intrigante. Existem mesmo, muitos músicos autodidatas que são excepcionais e, em muitas das vezes, melhores que os de formação acadêmica. O que fica disso tudo, pra mim, é que é preciso sim, mesmo que tendo de um talento enorme, a dedicação para o aprimoramento e crescimento é constante. Caso isso não ocorra começamos, fatalmente, a nos repetir e tornamo-nos entediantes aos que nos ouvem. Pessoalmente, me dedico ao estudo do meu instrumento de forma individual e ainda no coletivo (nos serranos), seguidamente nos encontramos para novas composições e ensaios. " Um músico, para sentir a música, deve ser sábio. E quando começamos a ser sábios, não há volta. " Dentro do enredo da história, o que a personagem quis dizer é que: quando o artista se descobre, ou deixa vir a tona a paixão, o talento, a vocação pela música, não consegue e não quer trabalhar em outra profissão. E ele ainda completa dizendo que é isso que faz a diferença entre apenas tocar, e tocar e sentir a música. Pra você, existe realmente essa transformação? Sim. Tocar e sentir são diferentes. Mas em minha opinião, não são todos os músicos que chegam lá. Esse processo tem de passar por um amadurecimento psicológico, uma tomada de consciência do som que se está fazendo. E aí sim, realmente, é muito mágico entrar na sintonia de sentir o que se está tocando, o que convenhamos é muito eficaz para passar ao público a idéia central da obra que se está executando. Existem grandes músicos que se dedicaram muito a questão técnica. Desses, muitos apenas tocam, executam, mesmo que de forma magistral, mas sem aquele sentimento que retrata a obra. Já o contrário é bastante comum também. Existem músicos que tecnicamente são deficientes, mas o comprometimento emocional é tão grande com a música que, a mensagem é mais bem recebida pelo público do que quando o extremamente técnico esta executando. Aí estão meus pensamentos concretizados em palavras. Daniel Affonso Hack A nexo 2 Capítulo do livro em que Adelaide contava para Mignon Tadelle sobre Joaquim. R E F E R Ê N C I AS: BRASIL, L.A.A., Concerto Campestre, 1.ed. Porto Alegre, L&MO, 2003,174p. BRASIL, L.A.A. Música Perdida . 1.ed. Porto Alegre: L&MP, 2006. 220 p. ULLOA, M. O que é isto, audição musical. Repertório: Teatro & Dança , Salvador, n. 11, p. 53-59, 2008. ELLMERICH, L. História da Música. 3.ed. São Paulo. Boa Leitura, 1964. 318p. NAPOLITANO, M., História e Música; história cultural da música popular , 1.ed., Belo Horizonte, Autêntica, 2002, 79p.