Artigo Original

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A exposição ocupacional como fator de risco no câncer
de cavidade oral e orofaringe no Estado de Goiás
The occupational exposition as a risk factor in oral and
oropharyngeal cancer in the State of Goiás
RESUMO
Introdução: Estudos dos fatores de risco para os cânceres de
boca e orofaringe constituem-se em relevante ferramenta para
políticas de promoção e prevenção da saúde. Alguns fatores, como
o tabagismo e o etilismo, são amplamente estudados; outros, como
a ocupação, carecem de mais estudos. Objetivos: Verificar os
fatores de riscos associados ao câncer de boca e orofaringe.
Métodos: Estudo caso-controle multicêntrico entre o RCBPGoiânia e a IARC. Os casos foram selecionados no Serviço de
Cabeça e Pescoço do Hospital Araújo Jorge, Goiânia. Os controles
foram pacientes de dois hospitais da Rede Pública Estadual de
Saúde, não especializados em Oncologia, em Goiânia. Foram
avaliadas as exposições, classificadas conforme a descrição do
IARC (1987). Foram utilizados os testes de qui-quadrado e o teste
T de Student, quando aplicáveis. A associação entre a variável
dependente (câncer) e as variáveis independentes (as exposições
aos agentes carcinogênicos) foi estimada pelo cálculo da OR bruta
e da ajustada por tabagismo, por etilismo e por origem de
residência, com IC de 95%. Resultados: Foram selecionados 200
(41,8%) pacientes considerados casos e 279 controles (58,2%). A
análise multivariada demonstrou que a fumaça de cromatos, os
pigmentos, os pó de algodão, o aerosol de animais, os pesticidas e
a poeira de madeira foram fatores de risco independentes para o
câncer de boca e orofaringe. Conclusão: A exposição ocupacional
às substâncias carcinogênicas em ambientes de trabalho também
são fatores de risco para o câncer de boca e orofaringe; portanto, a
adoção de uma política de prevenção pelos órgãos fiscalizadores
do trabalho, bem como campanhas mais efetivas contra o hábito de
fumar e o uso de bebidas alcoólicas podem promover a redução
desse tipo de câncer em grandes populações.
José Carlos de Oliveira1
Marise Amaral Rebouças Moreira2
Edesio Martins3
Carleane Maciel Bandeira e Silva3
Matinair Siqueira Mineiro3
Elcivone Cirineu de Souza3
Maria Paula Curado4
ABSTRACT
Introduction: Researches about the risk factors for oral and
oropharyngeal cancer constitute in a relevant tool for politics of
health promotion and prevention. Some factors as tobacco
smoking and alcohol are widely studied; others such as occupation
ask for further research. Objective: To verify the risk factors
associated to oral and oropharyngeal cancer. Methods: a
prospective multicentric case-control between RCBP- Goiânia and
IARC. The cases were selected from the Head and Neck Service at
Araújo Jorge Hospital, Goiânia. The controls were patients from two
public hospitals not specialized in Oncology, in Goiânia. The
expositions classified according to IARC's description (1987) were
evaluated. The chi-squared test and Student's T test were used,
when applicable. The association between the dependent variable
(cancer) and the independent variables of exposition to the
carcinogenic agents were estimated by calculating the gross OR
and adjusted by tobacco smoking, alcohol and residence origin with
a 95% IC. Results: 200 patients (41.8%) considered cases and 279
(58.2%) controls were selected. The multivariated analysis showed
that chromate smoke, pigments, cotton powder, animals' aerosol,
pesticides and wood dust were independent risk factors to oral and
oropharyngeal cancer. Conclusion: The occupational exposition
to carcinogenic substances in work environment are risk factors to
oral and oropharyngeal cancer. Therefore, the adoption of
prevention politics by the work controlling agencies, as well as more
effective campaigns against the smoking habit and the use of
alcoholic beverages may promote the reduction of this kind of
cancer in large populations.
Key words: Mouth Neoplasms. Oropharyngeal Neoplasms. Risk
Factors. Carcinogens.
Descritores: Neoplasias Bucais. Neoplasias Orofaríngeas.
Fatores de Risco. Carcinógenos.
INTRODUÇÃO
Segundo a Organização Mundial de Saúde, o número estimado
anual de casos novos de câncer passará de 10 milhões em
2000 e chegará a 15 milhões em 2020, sendo que 60% dos
casos novos ocorrerão em regiões do mundo menos desenvolvidas, em países que possuem menos que 5% de recursos
para o controle do câncer¹.
Em Goiânia, no período de 1999 a 2002, a incidência de câncer
de boca foi de 3,8/100.000 em homens e de 1,2/100.000 nas
mulheres2. A estimativa para o ano de 2008 é de 12,59/100.000
casos novos em homens e de 5,15/100.0000 em mulheres³.
O tabaco é considerado o maior fator de risco para esse câncer
afetando, as localizações anatômicas de boca e faringe, exceto
glândula salivar4. O cenário mundial mostra que o consumo de
cigarros decresce na maioria dos países desenvolvidos,
enquanto o consumo global aumentou 50% no período de 1975
a 1996, principalmente em países em desenvolvimento.
1) Mestre em Cirurgia de Cabeça e Pescoço pelo Hospital Heliópolis, São Paulo; Membro do Registro de Câncer de Base Populacional de Goiânia – ACCG, Goiânia; Chefe do Serviço de
Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital Araújo Jorge – Associação de Combate ao Câncer de Goiânia ACCG, Goiânia, GO, Brasil.
2) Doutora em Patologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Professora Adjunta do Departamento de Imagenologia e Patologia do Hospital das Clínicas da
Universidade Federal de Goiás, GO, Brasil.
3) Mestrando em Ciências da Saúde pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás; Biólogo pela Universidade Católica de Goiás; Pesquisador do Registro de Câncer de
Base Populacional de Goiânia do Hospital Araújo Jorge da Associação de Combate ao Câncer em Goiás, Goiânia, GO, Brasil.
4) Doutora em Medicina pelo Curso de Pós-Graduação em Ciências da Fundação Antônio Prudente, São Paulo; Cirurgiã de Cabeça e Pescoço do Serviço de Cabeça e Pescoço do Hospital
Araújo Jorge da Associação de Combate ao Câncer em Goiás, Goiânia; Coordenadora do Registro de Câncer de Base Populacional de Goiânia, GO, Brasil. Membro da International Agency
of Cancer Research – IARC.
Correspondência: José Carlos de Oliveira, Rua 239, nº 181 Setor Leste Universitário – 74605-070 Goiânia, GO. E-mail: [email protected]
Recebido em: 28/12/2007; aceito para publicação em: 01/03/2008; publicado on-line em: 15/05/2008.
Conflito de interesse: nenhum. Fonte de fomento: nenhuma.
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Atualmente, dos 1,1 bilhões de fumantes existentes no mundo,
80% vivem em países em desenvolvimento e, dos 100.000
jovens que começam a fumar, 80% são de países em desenvolvimento5. Essa situação é agravada pelo fato de que em muitos
países, incluindo o Brasil, o cigarro é muito mais acessível
economicamente do que os alimentos. Um estudo casocontrole conduzido em três áreas metropolitanas (São Paulo,
Curitiba e Goiânia) verificou que o álcool e o fumo foram os
fatores de risco mais importantes para o câncer oral, com um
risco relativo de 6,3 entre indivíduos fumantes de cigarros, em
relação aos não fumantes e para os que consumiam qualquer
tipo de bebida, o risco relativo foi de 8,3 em relação aos
pacientes que não consumiram bebidas alcoólicas6.
Um aumento no risco de câncer oral em relação ao etilismo foi
descrito em estudos epidemiológicos, tanto em coortes, quanto
em caso-controle7-9, independentemente do tipo da bebida
alcoólica10. Um estudo caso-controle conduzido em quatro
áreas dos Estados Unidos, compreendendo 1114 casos e 1268
controles, verificou que os riscos associados ao desenvolvimento do câncer oral variam de acordo com o tipo de bebida
alcoólica, sendo maior entre os indivíduos que consomem
destilados e vinho7.
No Brasil, um estudo caso controle de base hospitalar demonstrou que, para a mesma quantidade de consumo de etanol,
maiores riscos estavam associados ao consumo de destilados
(6,9 para > 100 kg da bebida durante a vida, IC95% 2,8- 17,1) e
cachaça (4,5 para 101-500kg, IC95% 2,2- 9,0)11.
Segundo a Occupational Safety and Health Administration
(1990)12, um potencial carcinogênico ocupacional é definido
como qualquer substância ou combinação ou mistura de
substâncias que causem um aumento da incidência de
neoplasias benignas ou malignas ou uma substancial diminuição do período de latência entre a exposição e o aparecimento
da doença em humanos ou em um ou mais mamíferos de
experimentação, como resultado de exposição por via oral,
respiratória ou dérmica ou qualquer outra exposição que
resulte na indução de tumor em um local diferente do local da
administração. Essa definição também inclui qualquer
substância que seja metabolizada em carcinogênicos ocupacionais pelos mamíferos. A maior parte das observações
associando câncer ao ambiente foi feita em populações
expostas a substâncias carcinogênicas no trabalho13. Isso
ocorre por algumas razões: exposições a concentrações
elevadas de agentes químicos nos ambientes de trabalho,
pressão de setores mais organizados dos trabalhadores,
disponibilidade de informações em prontuários médicos e,
mais recentemente, de dados de avaliação ambiental que
permitem a quantificação de níveis de exposição. Por outro
lado, alertou-se que essas exposições podem também ocorrer
no ambiente em geral e o risco de câncer descoberto no
ambiente de trabalho tem implicações, além das exposições
ocupacionais específicas14.
A fração estimada para cada tipo de câncer atribuível à
ocupação foi aplicada ao número de mortes correspondente
aos cânceres, em 1978, nos Estados Unidos. O resultado
dessa estimativa previu que de 2% a 8% do total de cânceresforam atribuídos à ocupação, sendo que em torno de 4 a 7% no
gênero masculino e de 1 % no feminino15.
Existem aproximadamente 27 agentes estabelecidos como
carcinogênicos ocupacionais, porém, há diversas situações
com evidência considerável de aumento de risco, associadas a
determinados processos industriais e ocupações, embora não
se possa identificar um agente como fator etiológico4,16. O risco
de câncer em decorrência de exposição ocupacional aos
diversos agentes químicos, presentes em diferentes segmentos industriais, deve ser maior em países em desenvolvimento,
como o Brasil, onde há limitada legislação restritiva quanto à
manipulação e à exposição aos cancerígenos e baixo investimento empresarial em saúde e segurança.
Os dados relativos aos níveis de exposição ocupacional são
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precários, os trabalhadores, geralmente, desconhecem os
riscos presentes no ambiente de trabalho, o processo de
industrialização não é regulamentado, provocando impacto nas
comunidades e meio ambiente e, finalmente, é permitida a
instalação de tecnologias de risco de processamento de
resíduos tóxicos que aumentam a possibilidade, de exposição
aumentando o risco de problemas de saúde dos trabalhadores17,18.
Estudos dos fatores de risco para os cânceres de boca e
orofaringe constituem hoje relevantes ferramentas usadas nas
políticas de promoção e prevenção da saúde. Alguns fatores
como o tabagismo e etilismo são amplamente estudados,
enquanto outros, como a ocupação, carecem de mais estudos.
Dessa forma, este estudo, cujo principal objetivo foi o de avaliar
os fatores de riscos para o câncer de boca e orofaringe,
relacionados principalmente à exposição às substâncias
carcinogênicas no ambiente de trabalho, se fez relevante.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo do tipo caso-controle multicêntrico entre
o Registro de Câncer de Base Populacional e a International
Agency for Research on Cancer (IARC).
Os casos foram selecionados no Serviço de Cabeça e Pescoço
do Hospital Araújo Jorge em Goiânia, Goiás, Brasil e classificados de acordo com a localização topográfica do tumor, proposta
na 10ª Revisão da Classificação Estatística Internacional de
Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-l0)19,
correspondendo aos códigos: C0l e C02 língua, C03 gengiva,
C04 assoalho da boca, C05 palato, C06 partes não especificadas da boca, C09 amígdala, Cl0 orofaringe e C14 localizações
mal definidas do lábio, cavidade oral e faringe.
Os controles foram pacientes de dois hospitais da Rede Pública
Estadual de Saúde não especializados em Oncologia, em
Goiânia: Hospital de Urgência de Goiânia (HUGO) e Hospital
Geral de Goiânia (HGG). Todos os pacientes do grupo controle
não tinham história clínica pregressa de câncer de boca e
orofaringe ou suspeita de doenças associadas aos mesmos
fatores de risco conhecidos para o câncer da boca e orofaringe.
Os controles foram selecionados por gênero e faixa etária, de
acordo com a freqüência dos casos. Os pacientes sem
confirmação diagnóstica e aqueles que se recusaram a
participar da entrevista foram afastados do estudo.
Para a caracterização da população em estudo, foram consideradas as seguintes variáveis: idade, gênero, raça, nível de
escolaridade, tabagismo e etilismo. Também foram avaliadas
as exposições classificadas conforme a descrição do IARC
(1987)20 relacionadas à ocupação – tabela 1.
Utilizou-se o programa SPSS 15.0 para Windows para a análise
estatística. Para a análise comparativa das variáveis, foram
utilizados os testes de qui-quadrado e o teste T de Student,
quando aplicável. Preliminarmente foi realizada a análise
univariada para examinar a associação entre o câncer de
cavidade oral e orofaringe e, posteriormente, a análise por
regressão logística múltipla não condicional para a análise dos
fatores preditivos na ocorrência desse câncer, controlando
simultaneamente as variáveis de confusão: cigarro, álcool e
local de residência. A associação entre a variável dependente
(câncer de cavidade oral e orofaringe) e as variáveis independentes (exposições aos agentes carcinogênicos nas ocupações) foi estimada pelo cálculo da OR bruta e ajustada por
tabagismo, etilismo e origem de residência com intervalo de
confiança de 95%. A OR foi utilizada como aproximação do risco
relativo. Houve relatos de mais de uma exposição para os
pacientes objetos desse estudo; no entanto, avaliou-se o tipo de
exposição em relação aos casos e controles.
Esse projeto foi aprovado pela comissão de Ética em pesquisa
do Hospital Araújo Jorge em 30 de junho de 1998 e todos os
pacientes envolvidos nesse estudo assinaram o termo de
consentimento livre e esclarecido.
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Tabela 1 – Códigos das exposições às substâncias carcinogênicas
segundo IARC (1987).
RESULTADOS
Foram selecionados 200 (41,8%) pacientes com carcinoma
espinocelular da boca e orofaringe e 279 controles (58,2%). A
análise quanto ao estadiamento, segundo o TNM Classificação de Tumores Malignos, evidenciou que a maiorias
dos casos estava em estádio clinico IV, sendo: T4 = 87(43,5%),
N0 = 109 (54,5%) e M0 = 198 (99%) – tabela 2. A análise dos
controles, quanto ao motivo da internação, mostrou que 74
(26,7%), foram internados por causas externas, 64 (24,7%) por
doenças do aparelho digestivo e 51 (18,3%) por doenças do
aparelho circulatório – tabela 3.
Tabela 3 – Número e porcentagem de controles, segundo diagnóstico.
CID-10
\
As análises quanto ao gênero, idade e estado civil não foram
estatisticamente significativas. Entretanto, houve risco maior
para os pacientes da capital em relação aos pacientes procedentes do interior do Estado de Goiás (OR= 3,87 IC 95% 2,6155,630; p<0,001), assim como para os pacientes com menor
grau de escolaridade 2,734 (IC% 2,354 – 3,175; p=0,029) –
tabela 4.
Tabela 4 – Número e porcentagem de pacientes, segundo as variáveis
sócio-demográficas, Goiânia, 1998 a 2000.
Tabela 2 – Número e porcentagem dos casos segundo características
clinicas, Goiânia 1998-2003.
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O tabagismo foi predominante entre os casos (60,9% x 39,4%,
p<0,001), sendo que, à análise univariada, observou-se uma
odds de 11,37 (IC95% 5,59 – 23,14).
Observou-se que o consumo de álcool e o hábito de realização
de sexo oral foram mais freqüentes nos controles para o
desenvolvimento de um câncer de boca e orofaringe – tabela 5.
Tabela 6 – Freqüências absolutas e relativas das exposições em
relação aos casos e controles. Goiânia, 1998 a 2000.
Tabela 5 – Número e porcentagem de pacientes, segundo estilo de
vida, Goiânia, 1998 a 2000.
Nos pacientes que fazem uso do fogão a lenha no preparo dos
alimentos houve um aumento de risco para o câncer de boca e
orofaringe, na análise univariada a odds 2,15 (IC 95% 1,193,88) – tabela 5.
Em relação às exposições, 87,3% do total dos pacientes
relataram exposição a algum tipo de substância carcinogênica
ou a mais de um tipo em seu local de trabalho. Para os casos,
86% foram expostos e 14% não relataram nenhuma exposição.
Para os controles, 88,2% foram expostos a substâncias
carcinogênicas e 11,8% não tiveram nenhum tipo de exposição.
A tabela 6 mostra os tipos de substâncias carcinogênicas, as
freqüências absolutas e relativas das exposições e a análise da
associação pelo cálculo do p-value, tanto para os casos quanto
para os controles. Essa análise demonstrou que trabalhadores
com exposições à fumaça de cromatos (níquel, aço), a
pigmentos (tintas em geral e ácidos fortes) e ao pó de algodão
(colheita, indústria têxtil), ao aerosol de animais e/ou animais
vivos e à pesticidas associaram-se positivamente para a
ocorrência do câncer de boca e orofaringe. A análise multivariada ajustada para álcool, tabaco e origem de residência (capital
e interior) demonstrou que fumaça de cromatos, pigmentos, pó
de algodão, aerosol de animais, pesticidas e poeira de madeira
foram fatores de risco independentes para o câncer de boca e
orofaringe (tabela 7).
*p-value estatisticamente significativa se <0,05.
Tabela 7 - Análise multivariada pelo modelo de regressão logística das
exposições em relação aos casos e controles. Goiânia, 1998 a 2000.
*ajustada fumo e álcool, Capital e Interior. Odds Mantel-Hanzel.
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DISCUSSÃO
Esse estudo evidenciou que a maioria dos entrevistados era do
gênero masculino e maiores de 40 anos. Apesar de estar bem
estabelecido pela literatura21-23 que a idade e o gênero são
fatores de risco para o câncer de boca e orofaringe, em nosso
estudo esses não se mostraram estatisticamente significantes.
Entretanto, a procedência do paciente, quando da capital,
mostrou-se como importante fator de risco (3,8 vezes) para o
câncer de cavidade oral e orofaringe. Uma hipótese levantada
pelo nosso estudo para o risco de câncer de boca e orofaringe
em relação à procedência é a maior facilidade de acesso ao
tabaco e ao álcool, assim como a outros fatores de risco na
capital em relação ao interior. O mesmo pode ser observado na
literatura24,25.
Observou-se também que o baixo nível de escolaridade foi um
fator de risco para o câncer de boca e orofaringe. Uma hipótese
levantada acerca desse resultado pode estar relacionada ao
baixo nível sócio-econômico, dificuldades em tratamentos
odontológicos e maior acesso aos hábitos do tabagismo e
etilismo. Dentre esses fatores, a maior importância deve estar
relacionada ao nível de informação e de conhecimento
intelectual26,27.
Avaliando-se o estadiamento segundo o TNM28, a maioria dos
casos eram tumores extensos, porém, sem metástase locoregional ou à distância. Esse achado reflete a realidade
brasileira, cujos serviços especializados em tumores de
cabeça e pescoço ainda recebem pacientes com lesões
extensas, devido à carência de informações sobre a prevenção
dos cânceres de boca e orofaringe e às dificuldades de acesso
aos serviços de saúde21.
O hábito do tabagismo mostrou-se importante fator, aumentando em até 11 vezes o risco de um fumante desenvolver câncer
de boca e orofaringe. O tabaco possui mais de 60 substâncias
carcinogênicas, sendo o alcatrão um dos principais componentes porque contém o benzopireno, que é potente agente
cancerígeno e as aminas aromáticas, dentre elas a nitrosamina, de maior ação carcinogênica. As alterações ocorridas na
mucosa decorrentes da presença dessas substâncias somamse à exposição contínua ao calor desprendido pela combustão
do cigarro. Isso já está bem estabelecido26,28,29
A ingestão de bebidas alcoólicas também se mostrou um fator
causal do câncer de boca e orofaringe tanto para os usuários
quanto para aqueles que pararam de beber por mais de dois
anos, como evidenciado nesse estudo. Os mecanismos pelos
quais o álcool pode agir no desenvolvimento desse câncer não
estão ainda definitivamente esclarecidos. No entanto, as
possibilidades aventadas são: aumento da permeabilidade das
células da mucosa aos agentes cancerígenos, presença de
substâncias carcinogênicas nas bebidas alcoólicas, entre elas
as nitrosaminas e os hidrocarbonetos, a injúria celular produzida pelos metabólicos do etanol, que são chamados aldeídos e
as deficiências nutricionais secundárias ao consumo crônico
de bebidas alcoólicas26,28,29.
O hábito de preparar os alimentos em fogão a lenha é comum
na zona rural de Goiás e expõe o indivíduo à fumaça. Isso
acontece não só na zona rural como também na área urbana.
Verificou-se a associação do uso do fogão a lenha com câncer
de cabeça e pescoço29. Acreditamos que a exposição à fuligem
possa também ser um fator de risco para o câncer de cavidade
oral e orofaringe devido à presença de hidrocarbonetos,
alcatrão, metano e acetileno, que são agentes carcinogênicos;
mais estudos, todavia, relacionando o uso, bem como o tempo
de exposição à queima de madeira nos fogões à lenha talvez
possam demonstrar que esse seja realmente um fator de risco.
Em relação à exposição dos pacientes às substâncias
carcinogênicas, a análise univariada mostrou que: fumaça de
cromatos, pigmentos inorgânicos, pó de algodão, aerossol de
animais e pesticidas foram fatores de risco estatisticamente
significativos. Ajustando-se essas variáveis ao hábito do
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tabagismo, etilismo e procedência em uma análise multivariada, apenas a fumaça de cromatos, os pigmentos inorgânicos, o
pó de algodão e os pesticidas continuaram como fatores de
risco independentes para o câncer de boca e orofaringe.
A exposição a cromatos, a pigmentos inorgânicos, pó de
algodão e pesticidas causa irritação da mucosa oral, resultando
em lesões inflamatórias reversíveis, mas, se a agressão
persistir por muito tempo, as lesões tornam-se irreversíveis e
provocam reações que podem alterar o material genético das
células, causando mutações que levarão ás chamadas
displasias leves, que podem evoluir para moderadas e para
graves e, finalmente, para carcinoma in situ e, posteriormente,
para o carcinoma invasor30-33. Portanto, além do cigarro e do
álcool como fatores de risco para o câncer de boca e orofaringe,
as exposições ocupacionais devem também ser considerados
como fatores de risco.
CONCLUSÃO
Além do tabagismo e do etilismo, que são fatores de risco bem
determinados para o câncer oral, a exposição ocupacional às
substâncias carcinogênicas em ambientes de trabalho também
são fatores de risco para o câncer de boca e orofaringe;
portanto, a adoção de uma política de prevenção pelos órgãos
fiscalizadores do trabalho, bem como campanhas mais efetivas
contra o hábito de fumar e contra uso de bebidas alcoólicas,
possam promover a redução desse tipo de câncer em grandes
populações.
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