Artigo 06 - Sociedade Brasileira de Cirurgia de Cabeça e Pescoço

Propaganda
Artigo Original
Uso da Toxina Botulínica em Pacientes
Laringectomizados Totais para Controle do
Espasmo do Segmento Faringo-esofágico e
aquisição de voz esofágica.
Botulinum toxin use for pharyngoesophageal spasm
treatment in patients submited to total laryngectomy
Resumo
Introdução: A Laringectomia total é o tratamento mais utilizado
em pacientes com neoplasias da laringe, principalmente por
causa da segurança oferecida pela sua margem cirúrgica. Mas
com a retirada das cordas vocais o paciente tem a sua qualidade
de vida prejudicada, pela perda de seu mais importante meio de
comunicação. Os principais métodos de reabilitação são a laringe
eletrônica, a prótese traqueoesofágica e a voz esofágica (VE).
Uma das vantagens da voz esofágica em relação aos outros
métodos é seu baixo custo por não necessitar de aparelho ou
prótese. No Brasil a VE é o principal meio de reabilitação vocal
após a Laringectomia total, mas ela apresenta porcentagem de
sucesso de 31%, principalmente devido a espasmo e hipertonia
do segmento faringo-esofagico (SFE) para tratamento da
hipertonia do SFE pode ser feito a miotomia cirúrgica ou a injeção
de neurotoxina que neste caso é a toxina botulínica. A toxina
botulínica é produzida pela Clostridia botulinnum que causa o
bloqueio pré-sináptico impedindo a liberação de acetilcolina
na junção neuromuscular. Estudos, com injeção desta toxina,
apresentam resultados positivos com pacientes que utilizam
prótese traqueoesofágica. Praticamente todas as pesquisas
referem-se à aplicabilidade da toxina em pacientes que utilizam
a prótese traqueo-esofágica e não foram encontrados estudos
no mesmo sentido em paciente que apresentam a voz esofágica
como meio de comunicação. Objetivo: Objetivo deste estudo é
avaliar o efeito relaxante da aplicação de toxina botulínica em
paciente laringectomizados totais com hipertonia do segmento
faringoesofágico. Método: A casuística deste estudo consiste
de dez pacientes submetidos à Laringectomia total atendidos no
Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço e de fonoaudiologia
d Santa Casa de São Paulo e que apresentam diagnóstico de
hipertonia do SFE (oito que não desenvolveram VE e dois
pacientes que utilizam prótese traqueoesofágica e não emitem
voz), que foram avaliados por fonoaudiólogos e submetidos aos
testes de insuflação de SFE, injeção percutânea de anestésico
local e videoglutograma para identificar e localizar o SFE
hipertônico e predizer se a neurotoxina tem efeito relaxante sobre
a musculatura. Foi realiza gravação das vozes dos pacientes antes
Marcelo Benedito Menezes 1
Marina Lang Fouquet 2
Eliana T. Katayama 3
Francisco de Oliveira Villareal 4
Alexandre Baba Suehara 5
Antonio Augusto Tupinambá Bertelli 5
Antonio José Gonçalves 6
Abstract
Introduction: Total laryngectomy is an often-used treatment in
patients with laryngeal cancer, mainly because of the security
offered by their surgical margin. But with the removal of the vocal
cords the patient has impaired their quality of life, the loss of their
most important means of communication. The main methods of
rehabilitation are the electronic larynx, the tracheoesophageal and
esophageal voice (EV). One of the advantages of esophageal
voice in relation to other methods is its low cost by not requiring
device or prosthesis. In Brazil, the EV is the primary means of
vocal rehabilitation after total laryngectomy, but it has success rate
of 31%, mainly due to spasm and hypertonicity of the pharyngoesophageal segment (PES). For the treatment of hypertonia of
the PES can be done surgical myotomy, or injection of neurotoxin
(botulinum toxin). Botulinum toxin is produced by Clostridia
botulinnum causing blockage preventing the presynaptic release
of acetylcholine at the neuromuscular junction. There are studies
showing positive results with patients who use tracheoesophageal
prosthesis by injecton of neurotoxin. Virtually all research related
to the applicability of the toxin in patients using tracheoesophageal
prostheses, and no studies were found in the same direction in
patients with esophageal voice as a means of communication.
Objective: Aim of this study is to evaluate the relaxing effect of
botulinum toxin in patient’s submited to total laryngectomy with
hypertonia of the pharyngoesophageal segment. Methods:
The study sample consists of ten patients who underwent total
laryngectomy seen at the Head and Neck Surgery and Speech
Therapy group of Santa Casa de São Paulo who were diagnosed
with hypertonia of the PES (eight did not develop EV and two
patients using tracheoesophageal protesis and do not emit
voice), which were evaluated by spech therapists and tested for
insufflation of SFE, percutaneous injection of local anesthetic and
video assisted fluoroscopy to identify and locate the hypertonic
PES and predict whether the neurotoxin has a relaxing effect on
muscles . Was performed recording the voices of patients prior
to application of neurotoxin that was evaluated by five speech
therapists. Was injected into each patient 66 units of Botox® diluted
in 3 mL of saline divided into three points along the PES hypertonic
1)Doutor. Chefe da Disciplina de Cirurgia de Cabeça e Pescoço - ISCMSP.
2)Mestre (Responsável pelo Serviço de Fonoaudiologia em Cabeça e Pescoço da Santa Casa de São Paulo - ISCMSP.
3)Fonoaudióloga (Especializanda do Serviço de Fonoaudiologia em Cabeça e Pescoço da Santa Casa de São Paulo - ISCMSP.
4)Acadêmico (Acadêmico de Medicina da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
5)Mestre. Assistente da Disciplina de Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Santa Casa de São Paulo - ISCMSP.
6)Professor livre-docente (Diretor do Departamento de Cirurgia da Santa Casa de São Paulo - ISCMSP.
Instituição: Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Irmandade da Santa Casa de São Paulo. Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
São Paulo / SP – Brasil.
Correspondência: Marcelo Benedito Menezes Rua 13 de Maio, 1856, Cj41 - Bela Vista, Sao Paulo / SP - Brasil - CEP: 01327-002.
Recebido em 20/06/2011; aceito para publicação em 21/09/2011; publicado online em 27/02/2012.
Conflito de interesse: não há. Fonte de fomento: FAP - Santa Casa. Fundo de Amparo à Pesquisa da FCMSCSP.
Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.41, nº 1, p. 27-32, janeiro / fevereiro / março 2012 ––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 27
Uso da toxina botulínica em pacientes laringectomizados totais para controle do espasmo do segmento faringo-esofágico e aquisição de voz esofágica.
da aplicação de neurotoxina que foi avaliada por 5 fonoaudiólogas.
Foi injetado em cada paciente 66 unidades de Botox® diluído em
3 mL de solução salina divididos em 3 pontos ao longo do SFE
hipertônico em apenas um lado do pescoço realizando o retorno 2
semanas após a aplicação para gravação e avaliação das vozes
terapia fonoaudiológica mensal dos pacientes, com gravação
das voz, durante 6 meses. Resultados: Antes da aplicação da
toxina nenhum paciente apresentava emissão de Voz. Todos
apresentaram alguma emissão após receberem a toxina.
Dos seis que usam voz esofágica, apenas dois apresentaram
resultados duradouros, enquanto os dois que usam voz traqueoesofágica mantiveram a boa emissão até o fechamento do estudo.
Discussão: A toxina botulínica teve efeito relaxante a curto
prazo em todos os pacientes. Com a aplicação da mesma dose
de toxina, a duração do efeito variou entre os pacientes (efeito
duradouro e continuo em pacientes com prótese traqueoesofagica
e efeito a curto prazo na maioria dos pacientes que utilizam a VE).
Conclusão: Com os resultados encontrados concluímos que a
toxina botulínica, na dose utilizada, não teve efeito duradouro nos
pacientes que não emitem VE devido à hipertonia do SFE.
Menezes et al.
on one side of the neck making the return two weeks after
application for recording voices and speech therapy evaluation
of monthly patients with recording of the voice, for 6 months.
Results: Before application of the toxin is no issue of patient
voice. All had some issue after receiving the toxin. Of the six who
use esophageal speech, only two had lasting results, while the two
who use tracheoesophageal voice remained good until the closing
of the issuance study. Discussion: Botulinum toxin has a relaxing
effect in the short term in all patients. By applying the same dose of
toxin, the duration of effect varied among patients (and still lasting
effect in patients with tracheoesophageal prosthesis and shortterm effect in most patients who use the EV). Conclusion: With
these results we conclude that botulinum toxin, the dose used,
had no lasting effect in patients that do not emit EV due to the
PES spasm.
Key words: Voice Disorders; Botulinum Toxins, Type A;
Esophageal Spasm, Diffuse.
Descritores: Voz Esofágica; Toxinas Botulínicas Tipo A; Espasmo
Esofágico Difuso.
Introdução
Pacientes submetidos à laringectomia total enfrentam o desafio da reabilitação fonatória, tendo à sua disposição poucos métodos eficazes. Atualmente, o uso
de próteses traqueoesofágicas é o mais aceito, devido
à melhor fluência da fala. É bem documentado que o
espasmo do segmento faringoesofágico é um dos fatores que contribui negativamente na aquisição da voz por
esta técnica e alguns tratamentos são propostos quando
este problema é constatado: desde a miotomia cirúrgica do cricofaríngeo até a aplicação de toxina botulínica.
Esta última ganhou papel importante devido a sua baixa
morbidade, com pouquíssimos riscos associados, especialmente quando comparada a um procedimento cirúrgico sob anestesia geral, mostrando-se particularmente
efetiva nos pacientes que tentam a reabilitação através
da prótese tráqueo-esofágica. No Brasil ainda persistem
limitações ao uso da prótese traqueoesofágica, especialmente relacionadas ao seu custo individual e à necessidade de trocas periódicas. Assim, a tentativa de
reabilitação de grande parte dos pacientes submetidos à
laringectomias totais é feita com a técnica de voz esofágica. Tecnicamente mais difícil para o paciente, também
tem sua aquisição prejudicada pela presença do espasmo do segmento faringoesofágico, tendo a miotomia do
cricofaríngeo como sua forma de tratamento mais difundida. Encontramos poucas referências sobre o uso da
toxina botulínica nestes casos, não sendo estabelecido
que sua efetividade possa ser comparada à de quando é
usada nos casos de próteses1.
A voz esofágica caracteriza-se pela introdução momentânea de ar no esôfago, expulsão e vibração do segmento faringo-esofágico (SFE) para a produção de voz.
O SFE é constituído pelo músculo constritor da faringe,
pelo músculo cricofaríngeo e pela porção superior do
esôfago2. Bons falantes exibem um bom controle voluntário e atividade vibratória sincrônica do SFE, bem como
apresentam mucosa relativamente lisa. Ao contrario,
mal falantes apresentam espasmos e/ou hipertonia do
SFE, bem como apresentam mucosa caracteristicamente densa e irregular, o que dificulta, ou mesmo impede a
emissão vocal3.
A voz esofágica apresenta algumas vantagens em
relação aos outros métodos: não há um custo significante, pois não é necessária a compra de nenhum aparelho,
e a voz é natural, apesar de rouca. Entretanto, o sucesso
na aquisição da voz esofágica é baixa na literatura e, na
experiência do Setor de Reabilitação Fonoaudiológica a
pacientes oncológicos de Cabeça e Pescoço do Hospital
Central da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de
São Paulo (HC-ISCMSP), é de 31%.
Quando o paciente é incapaz de desenvolver a voz
esofágica após 12 sessões de fonoterapia, e outras causas de dificuldade de reabilitação são descartadas (como
estenoses de neofaringe e recidiva de tumor), considerase a presença de hipertonia ou espasmo do SFE. Realiza-se então o teste de insuflação de ar no esôfago4. Se
o paciente conseguir emissão vocal sem apresentar espasmos e/ou emissões tensas excessivas, pode-se referir
que o SFE é permeável e o insucesso é devido à incapacidade de introduzir ar no esôfago pelos métodos de
aquisição de voz esofágica. Se o paciente não conseguir
voz esofágica, indica-se inicialmente o bloqueio do plexo parafaríngeo5 que consiste na injeção percutânea de
anestésico local (lidocaína 2%) com intuito de bloquear o
plexo faríngeo e causar o relaxamento do SFE. Se houver
emissão vocal relaxada após o bloqueio, caracterizada
por emissão de vogal “a” com 8 segundos de duração e
contagem de números de 1 a15, confirma-se a presença
de espasmo ou hipertonia do SFE. Nesta situação a aplicação de toxina botulínica no SFE pode ser benéfica, por
manter o relaxamento muscular por um período de tempo
maior que o anestésico local3,6,7,8,9,10.
A toxina botulínica reduz o numero de fibras musculares a serem ativadas pelo neurônio motor, através do
28 R���������������������������������������������� Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.41, nº 1, p. 27-32, janeiro / fevereiro / março 2012
Uso da toxina botulínica em pacientes laringectomizados totais para controle do espasmo do segmento faringo-esofágico e aquisição de voz esofágica.
bloqueio pré-simpático da acetilcolina na junção neuromuscular11.
Há várias técnicas e doses descritas para a aplicação
de toxina botulínica. As doses variam de 20 a 100UI de
toxina, todas utilizadas para pacientes reabilitados com
prótese. Todas se mostraram eficientes inicialmente, com
variações quanto ao tempo de duração do efeito e necessidade de reaplicações até o resultado definitivo, ou seja,
o fim do espasmo e a melhora da emissão vocal. O sucesso do método atinge cerca de 80% neste grupo, valor
comparável ao obtido com a miotomia do cricofaríngeo,
com uma morbidade significativamente menor10,12.
Neste trabalho tentaremos transferir a experiência
positiva do tratamento do espasmo do segmento faringoesofágico com aplicação de toxina botulínica nos usuários de prótese para aqueles pacientes que tentam, por
razões diversas, a reabilitação com voz esofágica.
Método
Os pacientes foram divididos em dois grupos, um
inicial, para validação da técnica da aplicação da toxina botulínica, composto por doentes em uso de prótese
traqueoesofágica, onde o sucesso da aplicação é bem
documentado pela literatura. O outro grupo, composto
por aqueles que tentam a reabilitação através de voz
esofágica.
Critérios de inclusão:
· Pacientes submetidos à laringectomia total no Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço e atendidos no
Setor de Reabilitação Fonoaudiológica a Pacientes
Oncológicos de Cabeça e Pescoço do Hospital Central da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de
São Paulo.
· Que não adquiriram voz após doze sessões de fonoterapia, seja esofágica, seja através de prótese traqueoesofágica, com a causa do insucesso atribuído
ao espasmo do segmento faringoesofágico (ausência
de emissão vocal, fluência classificada como A ou B).
· Pacientes que não apresentaram emissão vocal após
Teste de Insuflação de ar no Esôfago e a apresentaram após teste da lidocaína4.
· Cognição suficiente para entender os exercícios e
procedimentos necessários pra o diagnóstico do espasmo e seu tratamento.
· Terem entendido e concordado com o termo de consentimento livre e esclarecido.
Critérios de exclusão:
· Pacientes adaptados à laringe eletrônica como meio
de comunicação.
· Pacientes com suspeita de recidiva neoplásica.
· Com outras comorbidades que possam interferir na
reabilitação do doente (acidente vascular cerebral,
doença pulmonar grave).
· Paciente sem resposta ao teste da lidocaína (Bloqueio do Plexo Parafaríngeo)5.
Menezes et al.
· História de alergia à toxina botulínica.
· Presença de estenose ou hipotonia do segmento faringoesofágico.
A avaliação da voz foi realizada como se segue:
A aplicação da toxina foi realizada em três pontos ao
longo do seguimento demarcado no videodeglutograma
como correspondente ao seguimento faringoesofágico.
Foram aplicadas sessenta e seis unidades diluídas em
3ml de solução salina, volume e pontos de injeção correspondentes aos utilizados no teste da lidocaína.
A. A qualidade diferenciou-se entre voz rouca, áspera,
tensa e molhada, podendo variar do acordo com o
grau leve, moderado e severo. A voz rouca caracteriza-se pela qualidade de voz do tipo ruidosa, com
frequência e intensidade frequentemente diminuídas.
Na voz áspera observamos característica rude, desagradável e até mesmo irritante da emissão; notase esforço ao falar. A voz tensa é conhecida também
como voz comprimida, apresenta-se tensa e desagradável; ocorre uma contração exagerada durante
a produção vocal. A voz molhada, apesar de não ser
classificada como um tipo de voz, na voz esofágica,
podemos ouvir uma emissão acompanhada por um
borbulho semelhante ao som do gargarejo, característico de estase de alimento sobre o SFE1.
B. Foram avaliados também os parâmetros da fala, ou
seja, sonoridade, presença de fala silabada, ruído de
estoma, “clunk”, fala bucal e articulação imprecisa. A
sonoridade pode variar entre constante, quando todas as sílabas do discurso forem emitidas com som
esofágico, e intermitente, quando algumas sílabas forem emitidas com som esofágico e outras com som
bucal ou somente articuladas. A fala silabada é observada quando há pausas entre a emissão de cada
sílaba no discurso. O ruído do estoma caracterizase pelo ruído de inspiração e expiração pulmonar e
ocorre na tentativa de usar ar pulmonar para a voz
esofágica. O “clunk” da deglutição torna-se presente
quando há um ruído de frequência grave e duração
curta durante a fonação; é o resultado da passagem
do ar num vácuo parcial formado na hipofaringe e no
esôfago. Geralmente ocorre no inicio da emissão das
frases e está associado aos métodos de injeção e deglutição de ar13. A fala bucal está presente se houver
sons de emissão rápida, formados basicamente por
estalos de lábios e movimentos de mandíbula e da
língua contra o palato, devido à utilização da boca
como reservatório de ar13. A articulação imprecisa é
observada quando há dificuldade de distinguir os fonemas, comprometendo a inteligibilidade da fala1.
C. A fluência da voz esofágica é avaliada de acordo com
a Escala de Fluência14, sendo a classe A, ausência de
produção sonora; B, controle parcial, produz sílabas
com pouco controle; C, produz palavras simples; D,
combina duas ou três palavras; E, usa algumas sentenças; F, usa sentenças sem consistência; G, fala fluente,
sem hesitação. Todos os pacientes do estudo enquadravam-se como “A” ao serem admitidos no estudo.
Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.41, nº 1, p. 27-32, janeiro / fevereiro / março 2012 ––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 29
Uso da toxina botulínica em pacientes laringectomizados totais para controle do espasmo do segmento faringo-esofágico e aquisição de voz esofágica.
Após um mínimo de 72 horas da aplicação10 os pacientes foram submetidos à gravação da voz, com o mesmo protocolo de avaliação utilizado antes da aplicação da
toxina. Os resultados foram avaliados semanalmente no
primeiro mês e mensalmente nos seis meses seguintes.
RESULTADOS
Identificamos 11 pacientes que atendiam aos critérios de inclusão apresentados, dois deles com prótese
traqueoesofágica e nove que tentavam a voz esofágica.
Apenas um paciente, do grupo de voz esofágica, foi excluído após o teste de a lidocaína ser negativo. Outros
dois, um por problemas de saúde (apresentou um acidente vascular cerebral pouco mais de três meses após
o início do estudo e outro por recusar-se a prosseguir
Menezes et al.
no estudo, foram excluídos (pacientes 1 e 7, respectivamente).
Na primeira avaliação após a aplicação da neurotoxina, todos os dez pacientes apresentaram emissão de
voz.
A partir do terceiro mês de acompanhamento, quatro
dos seis pacientes do grupo de estudo, que tentavam a
reabilitação através da voz esofágica, já apresentavam
piora gradativa da voz, voltando à condição anterior à
aplicação da toxina. Os outros dois deste grupo mantiveram algum grau de emissão vocal durante todo o
seguimento, um deles com pouca fluência e outro com
fala fluente (Quadro 1). Os dois pacientes com prótese
tráqueo-esofágica, nosso grupo controle, mantiveram o
benefício da aplicação da neurotoxina com o transcorrer
do tempo, tornando-o definitivo (Quadro 2).
Quadro 1. Mostra os pacientes do grupo de voz esofágica e cada uma das avaliações após a aplicação da toxina a
que foram submetidos com os resultados das avaliações fonatórias.
PACIENTE 1
Voz
Esofágica
PACIENTE 2
PACIENTE 3
PACIENTE 4
PACIENTE 5 PACIENTE 6 PACIENTE 8
Gravação 1
15 dias após aplicação
Gravação 2
45 dias após aplicação
Gravação 3
75 dias após aplicação
Gravação 4
105 dias após aplicação
Método
Qualidade vocal
Fluência
Fala
Loudness
Método
Qualidade vocal
Fluência
Ø
------------------------------------Injeção consonantal
R2
C
Injeção consonantal
R1T2
A (produção de 1 sílaba)
Fala bucal/faríngea
Adequada
Injeção consonantal
R2T2
C
Desistência
Desistência
Desistência
Desistência
Desistência
Injeção consonantal
R1T3
C
Fala
Sonoridade intermitente,
ruído de estoma
Sonoridade intermitente,
ruído de estoma
Adequada
Injeção consonantal
R2
A (emissão de 1 sílaba
em 2 palavras)
Ruído de estoma, fala
bucal, articulação imprecisa
Adequada
Ø
---------A
Ruído de estoma, fala
bucal
---------Aspiração
R1A1T3
B
Sonoridade intermitente,
ruído de estoma, clunck
Reduzida
Injeção consonantal
R2
C
Sonoridade intermitente,
Adequada
injeção consonantal
R2
G
Ruído de estoma. Sonoridade constante
adequada
Adequada
Deglutição
R2
Injeção consonantal
R1T2
B
Sonoridade intermitente
Reduzida
Injeção consonantal
R1T2
C
Sonoridade intermitente,
ruído de estoma, fala
faríngeca leve
Reduzida
Ø
----------
B
Sonoridade intermitente,
ruído de estoma, articulação imprecisa
Adequada
Aspiração
T3A1
B
A
Ruído de estoma, fala
bucal, articulação imprecisa
--------Aspiração
T2
B
Clunck
Clunck, ruído de estoma
Adequada
Aspiração
R2T1
C
Sonoridade intermitente,
clunck
Adequada
Injeção consonantal
R2
B
Fala bucal, faríngea
Adequada
injeção consonantal
R2
G
Ruído de estoma. Sonoridade constante
adequada
Adequada
Aspiração
R2T2
B
Sonoridade intermitente,
ruído de estoma, clunck
Adequada
Injeção consonantal
----------A
------------------------injeção consonantal
R1
G
Ruído de estoma. Sonoridade constante
adequada
A
Ruído de estoma, fala
bucal, articulação imprecisa
--------Deglutição
T3R1
B
Clunck, ruído de estoma,
sonoridade intermitente
Adequada
Aspiração
R2T2
B
Sonoridade intermitente,
clunck
Reduzida
Injeção consonantal
-----------A
--------------------injeção consonantal
R1
G
Ruído de estoma. Sonoridade constante
adequada
Loudness
Método
Qualidade vocal
Fluência
Fala
Loudness
Método
Qualidade vocal
Fluência
Fala
Loudness
Método
Qualidade vocal
Fluência
Fala
Loudness
Método
Qualidade vocal
Fluência
Fala
Loudness
Método
Qualidade vocal
Fluência
Fala
Loudness
Sonoridade intermitente,
ruído de estoma
Reduzida
Ø
----------
Legenda: R corresponde à voz rouca, A à áspera, T à tensa e M à molhada. Os graus variam de 1 (leve), 2 (moderado) e 3 (severo). A, ausência
de produção sonora; B, controle parcial, produz sílabas com pouco controle; C, produz palavras simples; D, combina duas ou três palavras; E, usa
algumas sentenças; F, usa sentenças sem consistência; G, fala fluente, sem hesitação.
30 R���������������������������������������������� Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.41, nº 1, p. 27-32, janeiro / fevereiro / março 2012
Uso da toxina botulínica em pacientes laringectomizados totais para controle do espasmo do segmento faringo-esofágico e aquisição de voz esofágica.
Menezes et al.
Quadro 2. Mostra os pacientes do grupo de prótese traqueoesofágica e cada uma das avaliações após a aplicação
da toxina a que foram submetidos com os resultados das avaliações fonatórias.
Voz Traqueoesofágica
PACIENTE 9
Coordenação respiração /
oclusão traqueostoma / fala
Emissão
Gravação 1
15 dias após
aplicação
Gravação 2
45 dias após
aplicação
Gravação 3
75 dias após
aplicação
Gravação 4
105 dias após
aplicação
Coordenado
Coordenado
Coordenado
PACIENTE10
Inteligibilidade parcial
Inteligibilidade parcial
Qualidade Vocal
R2M3T1
R2M3T1
Coordenado
Inteligibilidade adequada
R1M3T3
Loudness
Reduzida
Adequada
Adequada
Adequada
Modulação
Coordenação respiração /
oclusão traqueostoma / fala
Emissão
Restrita
Restrita
Restrita
Restrita
Coordenado
Qualidade Vocal
Inteligibilidade adequada
R2M3T1
Coordenado
Inteligibilidade adequada
R2M3T1
Coordenado
Inteligibilidade adequada
R1M3T3
Coordenado
Inteligibilidade adequada
R2M3T1
Loudness
Reduzida
Adequada
Adequada
Adequada
Modulação
Restrita
Restrita
Restrita
Restrita
DISCUSSÃO
A reabilitação fonatória após laringectomias totais
é um processo relativamente longo e penoso para a
maioria dos pacientes1. A introdução das próteses fonatórias facilitaram este processo mas não resolve o problema de todos. Há limitações quanto à necessidade de
oclusão do traqueostoma e ao custo da prótese, que a
torna inviável para parte dos doentes, que acabam dependendo do financiamento público para torná-la acessível. A voz esofágica, apesar de uma aquisição mais
difícil, tem a vantagem de não necessitar do uso das
mãos e não apresentar custos. O espasmo do seguimento faringo esofágico é um empecilho para ambos
os métodos de reabilitação.
O tratamento clássico desta situação consiste na
miotomia do cricofaríngeo, com sucesso de quase 90%
mas com riscos associados, como fístula faringoesofágica e o próprio risco anestésico10,12. Os resultados da
aplicação da toxina botulínica são contundentes, possibilitando a substituição da técnica cirúrgica por essa,
menos mórbida, em pacientes em processo de reabilitação com prótese traqueoesofágica. Nestes casos,
raramente é necessária uma segunda aplicação12,15,16.
Literatura a cerca deste método nos pacientes que tentam sua reabilitação através da voz esofágica é escassa. Nosso estudo buscou estabelecer uma técnica adequada, com um controle baseado em pacientes com
prótese e espasmo do segmento faringoesofágico, para
uso de toxina botulínica no tratamento do espasmo em
doentes em reabilitação através de voz esofágica.
A técnica mostrou-se inicialmente eficiente também
no grupo de voz esofágica, mas com perda gradativa
dos benefícios num período relativamente curto, para a
maioria dos doentes. O sucesso em dois casos deixa a
sensação de que o investimento em novas doses pode
trazer a almejada reabilitação. Concordando com a literatura, aqueles com prótese traqueoesofágica, mantiveram qualidade vocal mesmo após vários meses da
aplicação, sugerindo que o efeito relaxador temporário
Inteligibilidade parcial
R2M3T1
da toxina é suficiente para a adaptação do indivíduo ao
novo mecanismo de fala, tornando o benefício definitivo.
A dose única de sessenta e seis unidades de toxina
botulínica não é suficiente para a reabilitação fonatória
dos doentes submetidos à laringectomia total e, com
diagnóstico de espasmo do seguimento faringoesofágico, tentam adquirir voz esofágica.
Referências
1. Fouquet ML. Relação entre a avaliação videofluoroscópica do esôfago e a qualidade vocal esofágica [dissertação]. Universidade Federal
de São Paulo, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo (SP),
2003.
2. Diedrich WM. Anatomy and Physiology of Esophageal Speech. In:
Salmon SJ e Mount KH (Ed.). A laryngeal Speech Rehabilitation: For
Clinicians by Clinicians, v.1st ed. Texas Pro-ed, 1991. Anatomy and
Physiology of Esophageal Speech, p.1-26.
3. Meleca RJ, Dworkin JP, et al. Videostroboscopy of the pharyngoesophageal segment in laryngectomy patients treated with botulinum toxin.
Otolaryngology Head Neck Surgery, 2000;123:38-43.
4. Singer MI e Blom EB. Na endoscopic technique for restoration of
voice after laryngectomy. Ann Otol Rhinol Laryngol, 1980;89:529-33.
5. Singer MI e Blom EB. Selective myotomy for voice restoration after
total laryngectomy. Arch. Otolaryngol, 1981;107:670-3.
6. Terrell JE, Lewin JS, et al. Botulinum toxin injection for postlaryngectomy tracheoesophageal speech failure. Otolaryngol Head Neck Surg,
1995;113(6):788-91.
7. Blitzer A, Komisar A, et al. Voice failure after tracheoesophageal
puncture: Management with botulinum toxin. Otolaryngol Head Neck
Surg, 1995;113:668-70.
8. Crary MA e Glowasky AL. Using Botulinum Toxin A to Improve Speech and Swallowing Function Following Total Laryngectomy. Arch Otolaryngol Head Neck Surg, 1996;122:760-63.
9. Hoffman HT, Fisher H, et al. Botulinum Neurotoxin Injection after
Total Laryngectomy. Head & Neck, 1997;19:92-97.
10. Hamaker RC e Blom ED. Botulinum Neurotoxin for Pharyngeal
Constrictor Muscle Spasm in Tracheoesophageal Voice Restoration.
The Laryngoscope, 2003;113:1479-82.
11. Ludlow CL. Treatment of Speech and Voice Disorders with Botox.
Jama, 1990;264:2671-5.
12. Chone CT, Seixas VO, Andreollo NA, Quagliato E, Barcelos IHK,
Spina AL, Crespo AN. Uso de manometria computadorizada para estudo do espasmo do segmento faringoesofágico em pacientes com voz
traqueoesofágica inadequada antes e após aplicação de toxina botulínica. Rev Bras Otorrinolaringol, 2009;75(2):182-187.
Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.41, nº 1, p. 27-32, janeiro / fevereiro / março 2012 ––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 31
Uso da toxina botulínica em pacientes laringectomizados totais para controle do espasmo do segmento faringo-esofágico e aquisição de voz esofágica.
13. Diedrich WM e Youngstrom KA. Alaryngeal Speech. Springfield:
Charles C. Thomas, v.III. 1966
14. Robe EY, Moore P, et al. A study of the role of certain factors in the
development of speech after laryngectomy 1. type of operation; 2. site
of pseudoglottis; 3. Coordination of speech with respiration. Part 1: type
of operation. Laryngoscope, 1956;66(3):173-86.
Menezes et al.
15. Zormeier MM, Meleca RJ, et al. Botulinum toxin injection to improve
tracheoesophageal speech after total laryngectomy. Otolaryngol Head
Neck Surg, 1999;120:314-9.
16. Lewin JS, Bishop-Leone JK, et al. Further Experience with Botox Injection for Tracheoesophageal Speech Failure. Head Neck,
2001;23:456-60.
32 R���������������������������������������������� Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.41, nº 1, p. 27-32, janeiro / fevereiro / março 2012
Download